O início da história da comunidade LGBTQIAP+ na Igreja Adventista foi marcado por preconceito, perseguição e escândalos de cura gay


Série História dos LGBTQIAP+ no adventismo (Parte 1). Texto traduzido e adaptado para a revista Zelota do original publicado pela Spectrum

Como o adventismo respondeu às questões sociais ao longo do tempo? No geral, exibimos dois padrões diferentes e um caso único. Em um padrão, o adventismo sectário inicial não tinha interesse em como uma categoria de pessoas era considerada por outros grupos, mas focava em usar todos os recursos disponíveis para divulgar sua mensagem; ao mesmo tempo, ele reduzia os obstáculos à conversão que eram comuns nas práticas de outras igrejas. Esta resposta foi fortemente incentivada por Ellen G. White. 

Consequentemente, ele usou mulheres e homens como pastores, evangelistas e administradores. Quando evangelizou afro-americanos ao longo do rio Mississippi, criou congregações mestiças, embora isso tenha provocado revolta entre outros brancos: todos eram bem-vindos. Já na África ele não seguiu o exemplo de outras igrejas missionárias, as quais insistiam que os convertidos homens poligâmicos mandassem embora suas esposas, mas em vez disso aceitou famílias poligâmicas inteiras, apenas insistindo que os homens não casassem com mais  nenhuma  pessoa após seu batismo. 

No entanto, à medida em que o adventismo se tornou menos sectário ao longo do tempo e, portanto, mais preocupado com sua reputação na sociedade — e especialmente entre as igrejas mais conservadoras, que se tornaram seu grupo de referência —, os adventistas segregaram suas igrejas, pararam de nomear mulheres ao ministério e mudaram sua política sobre poligamia. Isso tudo para se igualarem às outras igrejas, apesar dos danos que tais mudanças causaram.

Nesse segundo padrão, os adventistas aceitavam o julgamento que a maioria da sociedade e das outras igrejas faziam de comportamentos moralmente inaceitáveis, como um sinal de que o fim estava próximo, mas de outra forma isso não era problema deles; eles presumiam que os adventistas não engravidavam fora do casamento, se divorciavam de seus cônjuges ou abusavam de suas esposas ou filhos. Quando essa suposição se provava incorreta, eles consideravam os membros em questão uma mancha na reputação da igreja que deveria ser removida imediatamente, e os desassociava.

Os homossexuais também se enquadravam na segunda categoria: assim como uma membra solteira grávida era vista como envergonha da igreja, quando um gay ou lésbica era descoberto entre seus membros — e naquela época a descoberta era geralmente o resultado da publicação de nomes dos presos na imprensa, após uma batida policial em um local para  encontros gay — isso era visto como constrangedor, e essa pessoa era expurgada imediatamente.

Contextos religiosos e civis

A condenação da homossexualidade pelas igrejas cristãs há muito fomenta a discriminação contra homossexuais em muitos países. Isso se reflete tanto na lei, onde as penas criminais costumavam ser severas, estendendo-se à pena de morte em alguns locais, quanto na opinião pública, onde ela era invocada para justificar a ridicularização, a violência física, o despejo da casa e a perda do emprego. 

No entanto, a crescente preocupação com a justiça e os direitos civis nos Estados Unidos durante a década de 1960, começando com a discriminação contra negros e mulheres, foi extensivamente estendida aos homossexuais. A nova corrente fomentou o surgimento do movimento de libertação gay em 1969. Isso rapidamente atraiu o apoio de organizações importantes: a Associação de Bares Americanos (em inglês, American Bar Association) fez um apelo à descriminalização do comportamento homossexual consentido entre adultos em 1973, e a Associação Psiquiátrica Americana (em inglês, American Psychiatric Association) votou pela eliminação da homossexualidade de sua lista oficial de transtornos mentais no mesmo ano. 

As denominações mais liberais também responderam: a Igreja Unida de Cristo e as Igrejas Unitarista-Universalistas, enfatizando que Deus amava todos os seus filhos, votaram pela ordenação de pastoras e pastores abertamente homossexuais. A maioria das principais igrejas começaram a debater essas questões, e algumas de suas congregações declararam dar boas-vindas a membros homossexuais.

No entanto, grupos religiosos conservadores montaram rapidamente várias cruzadas políticas, que exploravam reservatórios profundos de ódio e preconceito dentro da sociedade. Por exemplo, quando, em 1977, Anita Bryant liderou com sucesso a campanha para reverter um decreto de direitos civis que ajudava a proteger homossexuais contra a discriminação no emprego e na moradia no Condado de Dade, Flórida, sua campanha gerou adesivos que urgiam as pessoas a “Matar um gay por Cristo.”

Nos últimos anos, a situação mudou drasticamente: o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito dos casais LGBTQIAP+ de adotar crianças são leis agora em muitos países do mundo desenvolvido. Vários estados dos EUA, começando com Massachusetts em 2004, legalizaram o casamento homoafetivo, e a Suprema Corte dos EUA o estendeu a toda a nação em 2015. A política anterior de “não pergunte, não diga” nas Forças Armadas foi derrubada, tornando permitido ser abertamente gay, lésbica ou transgênero. Clérigos e bispos gays e lésbicas agora são comuns em várias das principais denominações protestantes. 

No entanto, a direita religiosa, composta por fundamentalistas, mórmons e muitos católicos e evangélicos, está se esforçando para minar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e suas congregações raramente acolhem pessoas reconhecidamente homossexuais. Onde a Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) se encaixa nesse quadro em evolução?

O surgimento de questões gays

A Igreja Adventista majoritariamente ignorou o tópico da homossexualidade até o início dos anos 1970. A profetisa adventista, Ellen G. White, nunca se referiu a este tópico diretamente, seja em suas vastas obras publicadas ou correspondência. Consequentemente, enquanto eu era um adolescente na década de 1950 e estava na universidade na década de 1960, lutando contra minha percepção de que era diferente da maioria das pessoas em termos do gênero pelo qual me sentia atraído, isso nunca era mencionado nos cultos ou nas publicações da igreja. Mas eu sentia, e com razão, que não poderia pedir ajuda a um pastor, nem mesmo aos meus pais.

Os líderes da IASD geralmente presumiam que não havia adventistas homossexuais. Essa suposição era falsa. No entanto, a maioria dos membros homossexuais estavam profundamente escondidos, vivendo vidas desesperadas. Seu desconforto fez com que muitos saíssem da igreja, e aqueles que foram descobertos muitas vezes enfrentaram rejeição por suas famílias e pela igreja, expulsão das escolas da igreja se fossem estudantes, a perda de seus empregos se fossem obreiros, e exposição à culpa, vergonha e humilhação. 

Vernon Hendershot, que era presidente do Seminário Adventista quando este estava localizado no complexo da Associação Geral em Washington, DC, desapareceu repentinamente após ser preso durante uma batida policial em um local de encontro gay em 1952. Tais experiências se repetiram em toda a IASD mundial. Por exemplo, um aluno do Avondale College, na Austrália, na década de 1970, que assumiu ser homossexual entre os exames finais e a formatura, não teve permissão para se formar, e finalmente recebeu seu diploma pelo correio um ano depois. Nossa igreja se preocupava em proteger sua pureza e reputação, em vez de amar e apoiar esses membros.

Embora a maioria dos “pecados” cometidos por funcionários da igreja pudessem ser perdoados, isso não se aplicava ao pecado sexual. Desses pecados, a homossexualidade era considerada o pior. Em 1983, quando Grady Smoot, o presidente da Andrews University, foi preso após fazer uma proposta indecorosa a um policial de costumes à paisana enquanto estava em Washington para o Concílio Anual da Assembleia Geral (AG), me relataram que vários líderes desanimados da igreja exclamaram: “Se pelo menos tivesse sido com uma mulher!” Ainda que o número de membros da igreja cuja homossexualidade foi descoberta de forma tão dramática fosse relativamente pequeno, a proporção de membros homossexuais que cresceram na igreja foi sem dúvida a média, e muitos outros também aderiram quando adultos.

Muitos pastores, evangelistas e publicações adventistas interpretaram o surgimento do movimento de libertação gay em 1969 como um sinal do fim do mundo. Embora conselheiros e pastores aconselhassem regularmente os homossexuais a orar pela libertação, a namorar uma mulher e se casar com ela na expectativa de que Deus responderia às suas orações, dois livros sobre sexo publicados durante a década de 1970 reconheceram que a mudança na orientação sexual era improvável, e urgiam que a força divina fosse recrutada para resistir às tentações. 

Embora eu estivesse fortemente envolvido com a IASD durante meus anos de universidade, como diretor de coral, organista e diretor e professor da Escola Sabatina dos Juvenis, passei esses anos em agonia enquanto lutava com meu problema, namorei mulheres de quem gostava, mas não me sentia atraído, e fiz sexo casual com estranhos, o que me causava uma culpa avassaladora. Eu me sentia incrivelmente sozinho, pois não tinha um único amigo gay. Felizmente, não me casei; acho que teria sido um pecado fazer isso.

Em 1973, dois anos depois de me mudar da Austrália para Nova York, fiz um balanço de minha vida turbulenta. Eu estava orando para que Deus mudasse minhas atrações há 15 anos, mas não houve resposta. Perguntei a Deus e a mim mesmo por que isso acontecia, e de repente percebi que devia estar orando por algo que Deus não queria me dar, pois certamente a ausência de uma resposta indicava que ele estava feliz com a maneira como havia me criado. Depois disso, gradualmente comecei a procurar um homem gay com quem quisesse namorar. Mas eu queria muito que ele fosse adventista! 

Em 1977, eu era um dos pelo menos três adventistas que, independentemente, colocaram anúncios no jornal gay nacional e convidaram adventistas gays para escreverem para nós. Recebi entre 40 e 50 respostas — todas de muito longe. Mas esses anúncios ajudaram a criar redes entre alguns adventistas gays, e isso resultou na formação de uma organização de apoio ambiciosamente chamada de Kinship Adventista do Sétimo Dia Internacional (SDA Kinship). Seguindo redes e colocando anúncios em publicações gays e lésbicas, a Kinship se expandiu rapidamente pela América do Norte. Ela se tornou global logo após a criação da internet.

m 10 de janeiro de 1976, a Kinship foi fundada em uma reunião em Palm Desert, Califórnia, como resultado de um anúncio colocado por dois homens adventistas gays. Em quatro meses, a Kinship tinha 75 membros, um presidente temporário e quatro comitês.

Com o passar do tempo, os líderes da igreja se sentiram pressionados a atender às necessidades dos adventistas homossexuais. Em 1976, uma série de artigos na Insight, proclamando que a vitória sobre a homossexualidade por meio da fé era possível, atraiu uma grande pilha de cartas de jovens em busca de ajuda. 

O autor dos textos era Colin Cook, um ex-pastor que foi demitido ao ser considerado gay. Atormentado, ele procurou a cura espiritual para seus impulsos indesejáveis ​​e acabou se casando. Ele se apresentou como prova do que defendia, e respondeu ao interesse distribuindo dez horas de fitas sob o título “Homossexualidade e o Poder de Mudar”. Em outra contribuição para a Insight, em 1980, ele estimou que havia entre dez e vinte mil homossexuais dentro da Igreja Adventista apenas nos Estados Unidos, e repreendeu a Igreja por falhar em promover ministérios para ajudar esses membros.

O primeiro encontro da Kinship

Os membros e a liderança da SDA Kinship inicialmente se concentravam no sul da Califórnia. No entanto, no final de 1979, seus membros decidiram patrocinar um “Kampmeeting”1 nacional no verão seguinte, e me convidaram para uma reunião em Los Angeles para ajudar a planejá-la. Eu encontrei um grupo de homens gays que eram muito parecidos comigo: eles não tinham certeza se Deus os aceitava, sua culpa e seu ódio por si mesmos tinham tornado difícil construir um relacionamento com outro homem, mesmo depois que seus casamentos fracassaram, e isso resultou em promiscuidade e solidão. 

A IASD não tinha respostas para nós, pois nenhum erudito bíblico adventista havia pesquisado nosso problema, e sua rejeição a nós se baseava na revisão de alguns “textos batidos” isolados que não haviam sido examinados em seu contexto histórico. Visto que estávamos “dentro do armário”, e que qualquer pessoa descoberta era desassociada, os líderes da igreja não sabiam quase nada sobre nossas vidas, ou quão importante nossa fé era para nós.

Sugeri que convidássemos os melhores eruditos adventistas que pudéssemos encontrar, e também pastores importantes, para ministrar a nós no Kampmeeting. Fiquei com o trabalho de recrutá-los, embora não conhecesse candidatos adequados na época. Recrutei os chefes dos departamentos de Antigo Testamento, Novo Testamento e Teologia do Seminário, o pastor da Igreja de Sligo e a única pastora da IASD na época. Pedi a cada um dos professores do seminário que nos dissesse se Deus aceitaria homossexuais como cristãos; todos disseram que seria algo novo para explorar, mas estavam ansiosos para fazê-lo. 

Cada um inicialmente pensou que poderia escapar para o Kampmeeting sem pedir permissão, mas quando os professores do seminário descobriram que três deles estavam indo, eles perceberam que precisariam de autorização. Jim Cox, chefe do departamento de Novo Testamento, contatou Neal Wilson, presidente da AG, que respondeu com simpatia. (Descobriu-se que ele tinha um irmão gay e pelo menos uma outra pessoa gay em sua família). Ele enviou Duncan Eva, seu assistente especial, para se encontrar comigo e com Jim no aeroporto La Guardia, na cidade de Nova York. A liderança da igreja finalmente deu um passo para lidar com nossa situação.

Durante as negociações, Eva me disse: “Você se aproximou de nós; é responsabilidade da igreja estender a mão para você”. No entanto, ele insistiu em duas condições: a Kinship não poderia usar a participação de pastores como uma oportunidade para reivindicar na imprensa que a AG havia aceitado a homossexualidade; e Colin Cook, cuja alegação de ser capaz de ajudar os homossexuais a mudar sua orientação sexual estava atraindo atenção favorável entre os líderes da igreja, deveria ser acrescentado aos cinco convidados. Em troca, a AG pagaria as passagens de todos os seis. Os acadêmicos deveriam apresentar um relatório escrito posteriormente.

Cerca de quarenta adventistas homossexuais participaram do Kampmeeting no Arizona. A experiência mais emocional que houve foi contar e ouvir narrativas pessoais, que foram apelidadas de  “histórias de terror”. Uma pessoa após a outra falou sobre o isolamento que cada uma sentiu, porque quase todos estavam convencidos de que ele ou ela era o único adventista gay no mundo; de anos de lutas inúteis e orações sem resposta por um milagre que os tornasse heterossexuais; da culpa avassaladora e da autorrejeição; da consequente dificuldade em estabelecer relacionamentos; de padrões promíscuos e mais culpa; da rejeição por suas famílias e afastamento de suas congregações. 

Como haviam sido ensinados que era impossível ser cristão e gay, mas se descobriram irremediavelmente gays, eles se desesperaram porque presumiram que estavam eternamente perdidos — alguns ouviram que a homossexualidade era o pecado imperdoável. Muitos disseram que foram intimidados, alguns foram atacados. Alguns contaram como a depressão profunda levou a tentativas de suicídio. Quase ninguém encontrou na igreja alguém a quem pudessem recorrer para obter ajuda; aqueles que procuraram aconselhamento lá encontraram chavões, como: “É apenas uma fase. Ore por isso, saia com uma garota e se case — tudo vai dar certo”. Mas as histórias daqueles que se casaram eram especialmente comoventes, com culpa e derrota em seus relacionamentos conjugais e tristeza pelo afastamento total de seus filhos.

Os estudiosos da Bíblia concluíram, como resultado de seu estudo prévio ao Kampmeeting, que a Bíblia mantinha silêncio sobre as pessoas com orientação homossexual, e que o pouco que dizia era dirigido a heterossexuais envolvidos em ritos pagãos de fertilidade ou em diversões homossexuais de vez em quando. Eles ficaram profundamente comovidos com as histórias pessoais que ouviram. E argumentaram que os homossexuais, assim como os heterossexuais, eram chamados à fidelidade dentro de um relacionamento de compromisso e à castidade fora de tal relacionamento. As proibições bíblicas também eram as mesmas para homossexuais e heterossexuais: exploração sexual, promiscuidade, estupro e prostituição no templo. Wilson pode não ter previsto tanta aceitação nas respostas.

Esses estudiosos também elaboraram recomendações para a liderança da igreja. No entanto, estas foram esquecidas quando a atenção da IASD se concentrou nas consequências da demissão do Dr. Desmond Ford após seu julgamento, realizado em Glacier View, Colorado, na semana seguinte ao Kampmeeting, e foram enterradas quando uma campanha de cartas, orquestrada por uma publicação de direita, questionou se a participação de pastores patrocinados pela AG em um “Kampmeeting” homossexual indicava que a denominação tinha “aceitado a homossexualidade”. No Concílio da Primavera de 1981, os líderes da igreja rejeitaram explicitamente a Kinship:

“O problema da homossexualidade na igreja foi discutido, enfatizando a necessidade de ajudar aqueles que são escravizados por esta perversão a encontrar libertação […] Não é possível para a igreja sancionar homossexuais praticantes […] Os esforços da igreja devem ser focados em indivíduos, ao invés de grupos, que desejam ajuda e libertação […] Não podemos negociar com grupos organizados que se referem a si mesmos como gays e lésbicas adventistas, e não podemos estabelecer ‘relações diplomáticas’ com corporações que, na mente da maioria das pessoas, seriam consideradas como reconhecimento e endosso oficial a uma filosofia e um estilo de vida desviantes. Será procurado conselho quanto à ação apropriada que pode ser tomada para evitar que tais grupos usem o nome da igreja.

Kinship Adventista do Sétimo Dia Internacional.

Alienação

Uma série de correspondências enviadas pela Kinship a administradores de faculdades, professores, alunos e pastores causou azia em muitos adventistas. A Adventist Review explicou que a Kinship não estava associada à IASD em um editorial intitulado “A Igreja e o Homossexual”. Os administradores da IASD também se propuseram a adicionar uma declaração sobre a homossexualidade ao Manual da Igreja. A nova declaração, que foi votada na Assembleia da Associação Geral de 1985, pela primeira vez rotulou essas “práticas” como inaceitáveis ​​e como base para a disciplina.

Em um esforço adicional para distanciar a igreja da Kinship Adventista do Sétimo Dia, a AG exigiu em 1985 que a Kinship removesse a referência à igreja de seu nome. Nós nos recusamos, pois ver aquele nome quando marchávamos nas paradas do orgulho gay trazia os adventistas nas calçadas correndo até nós em busca de informações. Nossas raízes e identidade adventistas foram fundamentais para as razões de nossa existência e ministério. Mas os líderes da IASD interpretaram que nosso uso do nome denominacional “o arrastava na lama”. Esperamos nervosamente pelo inevitável, pois a AG havia registrado “Adventista do Sétimo Dia” como um nome comercial no Escritório de Marcas e Patentes dos EUA em 1981.

Colin Cook e o Quest Learning Center

Os líderes da IASD estavam muito mais confortáveis ​​com a abordagem de Colin Cook, um autodenominado “homossexual recuperado”, que tinha fundado o Quest Learning Center (em português: “Centro de Aprendizagem Quest”) no final de 1980. Seu programa, que proclamava a “libertação da homossexualidade”, reuniu homossexuais em Reading, Pensilvânia, para aconselhamento e envolvimento em um grupo de apoio denominado Homossexuais Anônimos (HA). Em poucos meses, a Associação Geral e a União Columbia optaram por financiar a Quest, fornecendo mais da metade de seu orçamento. A Igreja Adventista tornou-se, assim, a primeira denominação a financiar um “ministério de reversão” para homossexuais.

Os periódicos da IASD forneceram ao programa Quest-HA ampla publicidade dentro do adventismo, apresentando-o como a resposta à homossexualidade. Pastores adventistas e conselheiros em escolas adventistas começaram a recomendar que qualquer pessoa que viesse a eles com um problema homossexual entrasse em contato com o Quest. Ministry, o periódico da Igreja para ministros, apresentou uma longa entrevista com Cook em uma edição distribuída gratuitamente a milhares de clérigos de outras denominações. À medida em que o Quest crescia, ele atraiu muita atenção da imprensa e de programas de entrevistas na TV e no rádio, e atraiu o endosso do clero conservador de outras denominações. Os líderes adventistas se deleitaram com a publicidade favorável.

A IASD nunca conduziu um estudo do impacto do programa sobre os participantes, nem mesmo exigiu um relatório por escrito antes de estender o financiamento. Ela ignorou os questionamentos informados da Kinship, e ouviu apenas os relatos entusiasmados de Cook e os testemunhos orquestrados de participantes que ainda estavam no meio de seu percurso no Quest. Ela não conseguiu entender que as curas relatadas eram reivindicadas pela fé, e não alcançadas pela experiência. Os líderes da IASD estenderam ansiosamente o financiamento quando Cook e sua esposa apareceram de mãos dadas perante o Concílio Anual dos líderes da Igreja: Cook tornou-se seu representante “ex-gay”.

O papel denominacional no financiamento e divulgação do programa Quest ajudou a tornar os membros da igreja mais conscientes dos adventistas homossexuais. Três artigos publicados pela Spectrum na primavera de 1982 tiveram um efeito semelhante. Estes relataram em detalhes o Kampmeeting de 1980, contaram dez das histórias pessoais compartilhadas ali e, a fim de fornecer uma cobertura “equilibrada”, deram a Cook a oportunidade de descrever o programa Quest. 

A prisão do presidente da Andrews University em 1983 e de um pastor associado da Igreja Takoma Park perto da sede da AG no ano seguinte, ambos sob a acusação de vícios, deixaram a IASD ainda mais ciente. A sensação dos líderes da igreja de que estavam sob escrutínio tornou-os mais ansiosos para proclamar o sucesso de seu programa na mudança das orientações sexuais e mais cuidadosos para evitar parecer que aceitavam homossexuais.

Quando Cook conduziu um seminário de fim de semana em uma igreja de Nova York em 1984, eu participei, e achei suas alegações de cura inacreditáveis. Decidi que era necessário entrevistar uma amostra de pessoas que haviam passado por seu programa como parte do estudo do adventismo global que eu estava me preparando para lançar. Entrevistei catorze participantes do Quest em 1985 e 1986. Descobri que eles eram membros frágeis e muito conservadores da igreja, com altos níveis de culpa e autorrejeição. O Quest, o programa de “recuperação” endossado pela IASD, era sua única esperança.

Mas o Quest acabou sendo uma experiência de pesadelo para eles — algo que eles não descreveram em seus testemunhos perante os líderes da igreja. De repente, descobriram que não eram mais os únicos homossexuais adventistas no mundo; o isolamento foi substituído pela comunidade, uma comunidade sob estresse, porque seus membros estavam tentando mudar sua orientação e, ainda assim, muitas vezes, se sentiam sexualmente atraídos uns pelos outros. 

O resultado imediato foi confusão, tumulto e contato sexual considerável. Sua confusão aumentou muito quando descobriram que uma característica regular das sessões de aconselhamento era a massagem de Cook, com o conselheiro e o aconselhado nus, excitação sexual e repetidos avanços sexuais. Nenhum dos entrevistados relatou que sua orientação sexual havia mudado, nem conheciam ninguém que tivesse mudado. Na verdade, onze dos catorze passaram a aceitar sua homossexualidade.

Eu achava as afirmações e testemunhos do Quest de “cura da homossexualidade” difíceis de acreditar, então não fiquei surpreso ao descobrir que os testemunhos que eu tinha ouvido não eram reais. No entanto, fiquei surpreso com as evidências de que Cook havia usado e abusado sexualmente de quase todos os aconselhados. Percebendo que tinha a obrigação moral de relatar tal abuso, escrevi ao presidente Neal Wilson da AG em outubro de 1986, contando-lhe o que havia descoberto. Para tentar garantir que ele não iria ignorar minha carta, enviei cópias a outros 29 líderes religiosos e acadêmicos. Cook admitiu que minhas descobertas estavam corretas e foi removido em uma semana. Os líderes da Igreja decidiram logo depois fechar o programa de aconselhamento Quest, mas continuar a apoiar as células de Homossexuais Anônimos.

A imprensa adventista inicialmente ignorou o fechamento do Quest e a remoção de seu diretor, de modo que a imagem generalizada do programa como a solução para o problema da homossexualidade permaneceu sem correção. Por fim, perguntei ao editor da Adventist Review sobre essa omissão, e ele respondeu com uma “notícia”, anunciando apenas que o Quest havia sido fechado por causa da renúncia de Colin Cook como seu diretor. Ironicamente, a mesma edição incluía um anúncio de página inteira exortando os adventistas a assinarem a Review com o título: “É minha igreja. Eu quero uma imagem honesta do que está acontecendo.” 

Em setembro de 1987, onze meses após a revelação da situação, a Ministry publicou outra longa entrevista com Cook que, embora indique que houve impropriedades, endossou fortemente os métodos de Cook como a resposta à homossexualidade e anunciou (em uma legenda de foto aparentemente deixada por engano) que ele “em breve retomaria os seminários de recuperação de homossexuais”. Em dezembro, Cook recuperou confiança suficiente para anunciar, em um relatório dirigido a Wilson e copiado para outros quarenta, que ele havia lançado o Quest II e estava trabalhando com seus dois primeiros aconselhados.

Em 1989, um artigo de Cook apareceu na publicação evangélica Christianity Today, alardeando como ele havia “encontrado a libertação” da homossexualidade. Cook estava começando a encontrar novas fontes de apoio entre os evangélicos e, em última análise, a direita religiosa, que, por causa de seus ataques frequentes contra homossexuais, precisava urgentemente de uma “solução” para mostrar. 

Em 1993, Cook mudou-se para Denver, onde fundou um novo ministério, FaithQuest. Este cresceu e se tornou proeminente graças a alianças próximas com organizações como a Focus on the Family (em português: “Foco na Família”), de James Dobson. Cook também reapareceu mais uma vez na televisão nacional no programa Phil Donohue Show. Ele falou com frequência em igrejas adventistas em Denver e em uma série de reuniões no Pacific Union College. Essas oportunidades nos círculos adventistas surgiram porque a IASD deixou de informar seus membros da queda de Cook. Consequentemente, os jovens adventistas preocupados com seus desejos homossexuais continuaram a contatá-lo para obter ajuda.

Meu interesse por Cook e seus ministérios se reacendeu quando dois de seus novos aconselhados trouxeram suas novas histórias dolorosas à minha atenção. Eles descobriram que o suposto curandeiro ainda era um predador sexual e descobriram o meu papel em desmascará-lo anteriormente por meio de informações adventistas não oficiais. Consequentemente, comecei a pesquisar as atividades de Cook em Denver e confirmei suas histórias sobre ele. 

Em um esforço para evitar novos abusos, forneci os resultados de minha pesquisa à repórter de religião do Denver Post, que, então, realizou uma investigação completa por conta própria e publicou uma matéria de primeira página. Isso então forçou a direita religiosa a recuar. FaithQuest e Cook praticamente desapareceram de vista enquanto o furor diminuía. A Igreja Adventista anunciou que não estava conectada aos seminários e atividades de aconselhamento de Cook. Enquanto isso, Cook foi muito prejudicado porque sua esposa, que antes tinha se separado dele, pediu o divórcio. Pouco depois, ele pediu ajuda a uma pesquisadora, que ele não sabia ser minha amiga, para encontrar uma substituta. Ele explicou que precisava de uma esposa para dar legitimidade ao programa.

Associação Geral vs. SDA Kinship

Em dezembro de 1987, a Associação Geral entrou com uma ação contra a Kinship Adventista do Sétimo Dia Internacional S.A. no Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Central da Califórnia por “violação de patente”. Como o processo teve que ser moldado para tratar da legislação comercial, ele nem mesmo mencionou que os membros da Kinship são homossexuais e adventistas; seu caso teve de ser moldado em termos de concorrência comercial desleal. Consequentemente, seu processo fez as afirmações absurdas de que, ao usar o nome Adventista do Sétimo Dia ou sua sigla como parte de seu nome, a competição do boletim informativo da Kinship estava minando o império de publicações da IASD, e que adventistas provavelmente contribuíam em peso com a Kinship, confundindo-a com o canal oficial de dízimo e ofertas da IASD. No entanto, o comunicado à imprensa que o acompanhava, intitulado “Igreja Avança contra Grupo de Apoio aos Homossexuais”, deixou claro que a AG estava rejeitando os homossexuais adventistas e o ministério da Kinship. Além de buscar obrigar a Kinship a mudar de nome, a ação também exigia indenização monetária “exemplar, punitiva e tripla”.

Este processo de Golias contra Davi foi mal cronometrado do ponto de vista da igreja, pois coincidiu com a descoberta tardia da mídia do escândalo Quest e o ajuizamento de um processo contra a igreja por participantes vítimas de abuso. Embora este último processo fosse independente da Kinship, a imprensa juntou todas essas questões como uma coisa só, o que resultou em uma publicidade negativa considerável para a IASD.

Ao entrar com esse processo contra uma organização com menos de mil membros, os líderes da igreja esperavam uma vitória fácil. A AG contratou dois grandes escritórios de advocacia para representá-la, a um custo admitido de mais de US$200.000. No entanto, ela não levou em consideração a força do movimento gay: o caso foi aceito pelo National Gay Rights Advocates (em português: “Advogados Nacionais dos Direitos para Gays”), que providenciou para que Fulbright e Jaworski, um escritório importante de advocacia, defendesse a Kinship pro bono

Os depoimentos foram feitos no outono de 1990, e o caso foi discutido no tribunal federal de Los Angeles em fevereiro de 1991. Eu fui um dos depoentes e um dos dois líderes da Kinship chamados para prestar depoimento no tribunal. Os procedimentos legais foram traumáticos para nós; era difícil não nos sentirmos alienados da igreja que nos atacava. Visto que o advogado que tomou meu depoimento, Douglas Welebir, era adventista, sugeri que começássemos com uma oração. Ele ignorou a sugestão. No entanto, em seu veredicto, que foi anunciado em outubro, o tribunal rejeitou o processo, permitindo assim que a Kinship Adventista do Sétimo Dia Internacional S.A. mantivesse seu nome completo.

Em sua opinião, a juíza Mariana Pfaelzer destacou que o termo Adventista do Sétimo Dia tem um duplo significado, aplicando-se à estrutura da igreja, mas também aos adeptos da religião. Ela percebeu que a religião Adventista do Sétimo Dia era anterior à Igreja Adventista do Sétimo Dia; que o uso incontestável do nome por grupos cismáticos como a  Adventista do Sétimo Dia Movimento de Reforma indicou que o termo diz mais do que sugerir a membresia na igreja-mãe; e que, conforme usado pela Kinship, o nome apenas descreve aquela organização em termos do que ela é, uma organização internacional de Adventistas do Sétimo Dia. Consequentemente, ela decidiu que “conforme usado pela SDA Kinship, os termos ‘Adventista do Sétimo Dia’ e seu acrônimo ‘SDA’ são genéricos e não têm direito à proteção de marca registrada.” Sem fundamentos adequados para apelar da decisão e aconselhada a evitar o risco de uma perda mais devastadora em um tribunal superior, a AG optou por não apelar desse resultado.

O fato de um grupo de gays e lésbicas continuar a se identificar como adventistas do sétimo dia, e de nada poder ser feito a respeito, continuou a irritar os líderes da igreja. Após o veredicto, a Kinship abordou a AG, sugerindo que as inimizades fossem esquecidas e começasse uma comunicação quanto a problemas em comum, como HIV/AIDS. No entanto, a AG rejeitou as propostas da Kinship. A imprensa da igreja também persistiu em se referir à “Kinship Internacional” em vez de “Kinship Adventista do Sétimo Dia Internacional”.

Notas:

  1. “Kampmeeting” é um acampamento anual da Kinship. O termo também é utilizado para fazer referência aos encontros da Kinship no Brasil.