Líderes adventistas não usam togas, ou outros uniformes eclesiásticos, mas se vestem de cargos da farda executiva, sugerindo funções de uma autoridade que não lhes compete


Por Loren Seibold | Adventist Today — Traduzido e adaptado pela equipe de tradutores da revista Zelota

Eu amo literatura vitoriana, e em minhas leituras recentemente me deparei com uma palavra divertida e pouquíssimo comum. O termo “chapéu-pazificação” foi criado pelo historiador Thomas Carlisle1 [sic] em referência ao uniforme do clero Vitoriano. O “chapéu-pá” (um chapéu de coroa baixa com uma borda frontal plana e bordas laterais enroladas) era o uniforme daqueles que ocupavam o topo da hierarquia eclesiástica anglicana e romana. Gilbert e Sullivan entoaram:

“bispos em seus chapéus-pá
eram numerosos como gatos-malhados.”

Mas o incômodo de Carlisle não era estético, e sim “qualquer tipo de ortodoxia absurda”, “qualquer fracasso na distinção entre um ‘pedaço de feltro velho’ e efêmero e ‘milagres divinos misteriosos’, estes sim eternos.” “Em 1842, Carlisle observou que ‘um simulacro abominável de Deus usando um chapéu-pá’ era pior do que ‘não ter Deus nenhum’”’, e criticou todos os que acreditavam na falsa ideia de que “haveria um céu para os covardes que se vestem com chapéus-pá” (The Carlisle Encyclopedia, p. 428).

Como adventistas, nós rejeitamos as vestimentas clericais (terços, roupa de púlpito, batina e estola), mas acriticamente adotamos a farda executiva — o terno cinza-escuro — juntamente com os títulos hierárquicos do mundo dos negócios: presidente, vice-presidente, diretor, comitê executivo.

O arquidiácono Grantly, um personagem no livro The Warden, de Anthony Trollope, “não cria no Evangelho com mais afinco do que na sagrada justiça de todos os rendimentos eclesiais.” Esse pensamento descreve algumas corporações eclesiásticas, incluindo a nossa. Certa vez ouvi o Ancião Neal C. Wilson, pai do Ancião Ted N. C. Wilson, mostrar um relatório sobre os recursos financeiros da denominação enquanto o comparava aos de corporações multinacionais, em parte de sua pregação no sábado de manhã.

Ou seja, nós adventistas também temos nossa própria forma de “chapéu-pá”, nosso próprio “toguismo”. Assista a qualquer Comissão Executiva da Associação Geral, e você vai ver que, naquele emaranhado de ternos cinza-escuros, o sucesso, a reputação e o reconhecimento da denominação estão acima de qualquer “milagre divino misterioso.” Existem orações, sim, mas principalmente como metrônomo para marcar o compasso do início e encerramento das reuniões, ou como um carimbo que confirma o que o gabinete do presidente já decidiu — mas não a fim de solicitar a direção de Deus de forma a lançar dúvidas sobre o resultado imaginado. Eu já percebi que a oração nessas reuniões não revela de nenhuma maneira a presença de Deus, mas às vezes faz justamente o contrário.

Herdeiro aparente

Embora eu não o conheça pessoalmente, com base no que ouço consigo chegar à conclusão de que o Ancião Ted Wilson é um bom homem: crédulo quanto ao excepcionalismo adventista, de semblante piedoso, e um santarrão orgulhoso, mas sem dúvidas um ser humano decente, amável e pastoral para com seus amigos e amados.

Mas ele não é um líder nos moldes do discreto Jan Paulsen. Ele chegou ao seu cargo como um príncipe tomando seu trono: o herdeiro da poderosa família Wilson, que sequer trabalhou na linha de frente como um simples pastor distrital para que pudesse ser chamado de “Pastor Wilson”, e que foi movido diretamente para o topo da administração eclesial.2 Seu pai ungiu o presidente da Associação Geral como o “primeiro pastor”, no caso de discriminação sexual de 1970, na Pacific Press, mas Ted Wilson parece também ter se arrogado o papel de “primeiro teólogo”, já que arquitetou toda a derrocada da ordenação de mulheres na Assembleia Geral de 2015, em San Antonio.

Embora a doutrina Adventista tenha muito pouco em comum com a Católica Romana, nossas personalidades eclesiológicas não são tão diferentes. Claro, não dispomos da riqueza incontável, do reconhecimento mundial, e nem dos séculos de tradição dos católicos.  Mas se você caminhar pelos corredores da Associação Geral, ver seus relatórios e planos, se atentar ao modo quase reverente pelo qual nos referimos à autoridade desse escritório e às palavras do presidente, verá que somos uma espécie de doppelganger do catolicismo. O Ancião Ted Wilson leva bem a sério a fala de Ellen White sobre seu gabinete estar no comando da maior autoridade de Deus na Terra: ele raramente se esquece de entoar essa citação várias vezes durante as reuniões em Old Columbia Pike.

Um apelo não oficial

Talvez isso ajude a explicar o porquê de Ted Wilson, por quase uma década, ter se referido a si mesmo como “Presidente Mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia”. Essa função foi adotada como seu título na mídia oficial e em revistas por toda a igreja, como se esta fosse a descrição de seu trabalho. 

Por favor, entenda que não existe tal função. Simplesmente não existe. De acordo com a constituição e a política, seu cargo é o de “Presidente da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia”; em outras palavras, ele é o líder de um setor administrativo específico da igreja. 

Isso importa? Me parece que importa bastante. “Presidente Mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia” transmite um sentido muito diferente do que nossos líderes devem ser e fazer, especialmente comparado com um “Presidente da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia”. Ao assumir esse título, Ted Wilson está passando a nós a imagem de alguém que almeja uma igreja onde sua autoridade seja maior que aquela conferida a ele pela Bíblia ou por Ellen White. E ao aceitarmos passivamente tudo isso, somos cúmplices com o toguismo do Presidente da Associação Geral. 

Minha queixa aqui é justamente o título de “Presidente Mundial da Igreja do Sétimo Dia”, que passa a ideia de uma autoridade que o Ancião Ted Wilson deseja, mas que não foi conferida a ele pelas políticas ou teologias da denominação. Na realidade, por bastante tempo na história denominacional, esse cargo se chamava meramente “Líder da Comissão da Associação Geral”.

A despeito de ser uma boa pessoa, e a despeito de seus talentos, o Ancião Wilson é apenas o presidente de um escritório em Silver Spring, Maryland, assim como das comissões e sessões neste nível organizacional da igreja. É um trabalho muito importante, mas que não confere a ele autoridade sobre a igreja mundial. Ele tem, no máximo, poder persuasivo sobre qualquer outra comissão ou congregação na denominação. Alguns argumentaram que ele não dispõe de autoridade (além de persuasiva) sequer sobre as uniões da igreja, duas das quais desafiaram sua ordem de parar de ordenar mulheres, e três das quais desafiaram sua ordem para ordenar homens. 

Ted Wilson foi eleito presidente da Igreja Adventista mundial tanto quanto José de Abreu foi eleito presidente do Brasil.3

Moldando a liderança Protestante

Eu confesso, no auge da minha velhice,  estar cada vez mais rabugento com este assunto. A exaltação e o inchaço da organização da nossa igreja é uma afronta ao nosso mais essencial protestantismo. Nem há mais dúvidas quanto a termos estruturas eclesiásticas demais. David Trim, diretor de Arquivos, Estatísticas e Pesquisa no QG da IASD, mostrou, na comissão executiva da Associação Geral de 2019, que o número de administradores na igreja continuou a crescer em detrimento dos pastores, mesmo que as tecnologias modernas pudessem facilmente reduzir nosso maquinário administrativo. 

Esse problema não dá nenhum sinal de acabar. Ocasionalmente, quando um líder sai do prédio para se jubilar, murmura despretensiosamente a respeito do excesso de maquinário denominacional.4 Mas ele não fez nada quanto a isso durante seu mandato, nem seu sucessor o fará. 

Quando eu mencionei que, antes da atual pandemia, Ted Wilson viajou o mundo vestido como um dignitário, alguns me responderam: “Mas é desse jeito mesmo que as pessoas na América Latina, na África e na Ásia esperam que os líderes da igreja se vistam. É da cultura deles tratá-los como Cardeais Católicos no Rio de Janeiro, rolar um carpete vermelho diante deles como se fossem governantes em Nairobi, e carregá-los com flores e transportá-los pelas ruas da Índia em carruagens prateadas em forma de cisne.”

A despeito de os primeiros líderes protestantes não terem imediatamente percebido essa verdade (tanto Calvino como Lutero eram tão pomposos quanto os líderes Católicos aos quais criticavam), o protestantismo é um nivelamento teológico, uma fé igualitária, e não monárquica. Eu ouso dizer que não importa o que aconteça em algumas culturas ao redor do mundo, os líderes protestantes deveriam ser um modelo diferente do que é visto no mundo; um modelo paulino de sacerdócio de todos os cristãos, rechaçando qualquer aparência de um toguismo orgulhoso. Talvez essa questão do título do Presidente da Associação Geral possa ser levantada na próxima sessão. Dada a maneira como os membros da Igreja são representados nesses encontros de governança, é provável que eles acabem por reiterar e condecorar o Ancião Ted Wilson com esse título. Mas, ao menos nós, Adventistas do Sétimo Dia protestantes, teremos a consciência de que deixamos de ser uma igreja que crê no sacerdócio de todos os cristãos e na governança local para nos tornarmos alguma outra coisa bem diferente; e então, a partir daí, poderemos tomar nossas decisões quanto a como nos relacionar com ela.

Notas:
  1. Nota do Tradutor: Thomas John Carlisle (1913-1992) foi um poeta e ministro presbiteriano. No entanto, pela informação do texto, o autor provavelmente se referia a Thomas Carlyle, o escritor e historiador britânico.
  2. Nota do Tradutor: Provavelmente por essa razão, ao longo do texto o autor se refere a Ted Wilson pelo título de Ancião, e não de Pastor.
  3. Nota do Tradutor :  a frase original era “Elder Wilson is as much the President of the Seventh-day Adventist World Church as Colonel Sanders was a leader of military forces.”, e foi substituída por uma analogia no contexto brasileiro, em nome da clareza.
  4. O Ancião Dan Jackson, em sua última comissão executiva da Divisão Norte Americana, em 2019: “Eu creio com convicção que não precisamos dessas 59 associações e missões e nove uniões e tudo que temos. Temos invenções hoje; aviões, jatos, etc. Um dia nossas economias irão ditar que não podemos ter 59 associações e missões, e nove uniões, e campos de 20 milhões de dólares.