De acordo com membros da comissão da nomeação, a reeleição de Ted Wilson à presidência da Associação Geral foi sugerida de forma inesperada e criou clima de emboscada
Por Alexander Carpenter | Artigo traduzido e adaptado do original em inglês por André Kanasiro para a revista Zelota.
Ted Wilson ora pelos livros evangelísticos (Foto: Facebook)
Pela primeira vez durante sua presidência na Associação Geral (AG), o voto dos delegados para a eleição de Ted Wilson foi contado e mostrado publicamente na Assembleia de 2022. Conforme reportado anteriormente, 1.284 votaram a favor de Wilson, 431 contra — uma divisão de 74,9% contra 25,1%.
Mas o voto de segunda-feira foi muito mais apertado na Comissão de Nomeação da Assembleia. De 268 membros, aproximadamente 150 aprovaram a nomeação de Wilson, enquanto 90 se opuseram. O voto favorável de 60%, feito por um grupo muito concentrado de líderes eclesiásticos e membros leigos, ocorreu após uma discussão “brutal” de horas a respeito do legado de Wilson. Em defesa dele, um membro da comissão de nomeação declarou que Wilson é “o diabo que você conhece, não o diabo que você não conhece.”
Três membros da comissão de nomeação, falando sob anonimato por não serem autorizados a falar publicamente, compartilharam detalhes e citações diretas.
Outros que foram nomeados e seriamente considerados incluem Pardon K. Mwansa, vice-chanceler da Universidade de Rusanagu, na Zâmbia; Artur A. Stele, vice-presidente da AG; e Erton C. Köhler, secretário da AG. Preocupações a respeito de Köhler se concentraram em sua experiência limitada fora das Américas, suas habilidades de inglês, e em como um doutorado honoris causa da Universidad Peruana Unión (UPeU) foi usado profissionalmente durante seu mandato como presidente da Divisão Sul-Americana (DSA). Uma crítica que se faz ao processo da comissão de nomeação é que uma pessoa sob consideração não pode responder a questões factuais feitas publicamente.
Em última instância, tudo isso foi irrelevante.
Logo no início da comissão de nomeação, antes que outros nomes fossem discutidos, Kathryn L. Proffitt, parte dos delegados da AG, correu para o microfone e fez uma moção para “eleger” Ted Wilson. A moção rapidamente recebeu o apoio de um segundo delegado. Havia um clima de emboscada na sala, disseram membros da comissão de nomeação. O protocolo da comissão de nomeação mal tinha sido estabelecido até então. Proffitt recusou um apelo para mudar sua moção a uma por “nomeação”. Ao invés disso, o voto imediato em Wilson foi tabelado (postergado temporariamente), permitindo que outros nomes fossem nomeados e discutidos. Mas conforme o debate diminuiu após várias horas, a moção de Proffitt foi destabelada. O voto secreto foi contado. Sem votos individuais para cada um dos outros candidatos, os 40% que se opunham a Ted Wilson foram tratados como votos para o campo. Os outros três nomes nunca foram levados a uma votação para os seus próprios mandatos. Lá pelas 9 da noite, a comissão de nomeação apresentou seu primeiro “relatório parcial” aos delegados, logo antes da conclusão do primeiro dia.
Uma embaixadora na sala
Uma ex-especialista em higiene dental que fez milhões na indústria de telecomunicações, Kathryn Proffitt se tornou uma presença frequente nas reuniões da comissão executiva da AG nos últimos tempos. Seu nome aparece na lista de delegados da AG para essa Assembleia, na seção de 50 membros leigos ou de Ministérios de Apoio. Uma Republicana que votou contra o presidente Bill Clinton em 1992, Proffitt foi a presidente nacional dos Republicanos durante a eleição de Clinton-Gore em 1996. Ela serviu como embaixadora dos EUA para a República de Malta de 1997 a 2001. Proffitt mais tarde se uniu ao conselho de investidores da Universidade La Sierra, onde seu filho fora aluno. Ela serviu até 2011, quando seus ataques públicos contra o corpo docente de ciências levaram-na a ser removida. Em um devocional que fez nas reuniões do Concílio Anual de 2015, Proffitt leu uma carta de instruções a embaixadores feita pelo presidente Clinton: “Sempre tenha em mente que, para o governo e o povo da República de Malta, você e sua missão simbolizam os Estados Unidos da América e seus valores.” Comparando os EUA e Malta, ela então advertiu contra a tentação enfrentada por adventistas como embaixadores de Deus, instando-os a não se conformar com a cultura do mundo.
A ação de Proffitt impediu que outros nomes recebessem seus próprios votos. Mas o fato permanece: Ted Wilson foi eleito até 2025 pela maioria dos delegados da Assembleia Geral. Para uma denominação global se aventurando cada vez mais no mundo durante uma pandemia, talvez continuar com uma autoridade conhecida pareça mais seguro que fazer mudanças no momento.
O que votos podem nos dizer?
A realidade também é que 60% dos votos da comissão de nomeação foi a segunda votação mais apertada dos mais de 100 votos medidos publicamente durante a sessão. Construir a casa adventista sobre a rocha Wilson pode parecer sábio, mas rachaduras apareceram ao longo de toda a semana na plenária dos delegados.
Uma das questões mais importantes para Wilson concentraram grandes debates e os dois próximos votos mais apertados: Ellen White. Uma moção implementando um novo cargo na igreja local, o de coordenador dos escritos do Espírito de Profecia, passou com 66,3% dos votos. Mas o mais apertado foi em uma tradição pró-forma desde que Ted Wilson se tornou presidente: uma “Declaração de Confiança nos Escritos de Ellen G. White”, que é apresentada para voto em toda Assembleia. Em meio ao debate, um delegado que dá aulas na Universidade Andrews, Anthony Bosman, propôs uma pequena mudança:
Ao invés de substituir as Escrituras, eles elevam seu caráter normativo, protegem a Igreja de “qualquer vento de doutrina” (Ef 4.14), e oferecem um guia inspirado às passagens da Bíblia sem esgotar seu significado ou impedir estudos adicionais.
Ao invés de substituir as Escrituras, eles elevam seu caráter normativo como única regra de fé e doutrina, protegem a Igreja de “qualquer vento de doutrina” (Ef 4.14), e oferecem uma orientação inspirada ao evocar passagens bíblicas sem esgotar seu significado ou impedir estudos adicionais.
A moção para referir o item de volta à comissão para fazer essa edição falhou, com oposição de 723 (58,8%) dos delegados presentes.
Compartilhando sua perspectiva sobre a experiência, Bosman, que se formou em Matemática na Stanford University e fez seu doutorado na Rice University, afirma, “Eu achei a declaração uma boa tentativa de articular nossa elevada consideração pelos escritos de Ellen White, mas descrevê-los como um ‘guia inspirado a passagens bíblicas’ pode passar a impressão não intencional de que tratamos White como árbitra normativa para nossos debates interpretativos. Ellen White obviamente não se via nesse papel, que fica em tensão com sua visão das Escrituras como única regra de fé. Infelizmente, como não houve tempo para que a comissão esclarecesse a linguagem na Assembleia, minha moção falhou. Mas creio que ela gerou discussões importantes, as quais espero ver refletidas em uma declaração mais clara na próxima Assembleia.”
Em essência, todas as moções para as 12 mudanças às constituições e estatutos da AG e as 37 revisões ao Manual da Igreja foram aprovadas em última instância, só algumas delas sendo enviadas para revisões menores de linguagem antes de retornar à plenária. O mesmo se aplica aos relatórios parciais da comissão de nomeação, nos quais chapas de oficiais da igreja são trazidos para serem votados como um todo. Delegados precisam ou votar em todos ou referir o grupo todo de volta. Se um delegado tem alguma preocupação, ele pode encontrar o presidente/vice-presidente da comissão de nomeação em um pequeno quadrado de cortinas pretas perto da plataforma, onde eles compartilham sua objeção. De acordo com Lowell Cooper, um ex-vice-presidente da AG que serviu como presidente da comissão de nomeação deste ano [ele não revelou nenhum detalhe interno da comissão]:
“O propósito disso é entender a natureza da preocupação que leva à moção para referir a chapa de volta. Se a pessoa trouxer novas informações substanciais sobre um nomeado que não eram do nosso conhecimento ou não foram consideradas pela comissão de nomeação, o presidente aconselha a plenária a referir a moção de volta à comissão. Caso contrário, o presidente informa a plenária que a comissão de nomeação já considerou as preocupações que levaram à moção de retorno.”
A despeito de várias expressões de preocupação feitas por delegadas quanto a diversidade de gênero e idade nas chapas de líderes da igreja, quase tudo passou com cerca de 90% de aprovação. Dos 23 altos cargos executivos da AG (três oficiais da AG, sete vice-presidentes gerais, e 13 presidentes de Divisão), só um é ocupado por uma mulher.
A reforma começa com a comissão de nomeação
À luz do que é essencialmente uma operação multimilionária de aprovação automática de medidas, uma quantidade enorme de tempo da Assembleia é ocupada por delegados fazendo discursos motivados por interpretações rapidamente preparadas de uma frase ou mesmo de uma palavra presente ou faltando. Uma moção sobre aconselhamento pré-marital levou a várias expressões de preocupação pela palavra “casal” não estar definida como um homem e uma mulher. Uma moção esclarecendo que uma anciã ordenada não precisa ser ordenada de novo para se tornar diaconisa tornou-se uma guerra por procuração, discutindo novamente os temas da Assembleia Geral de 2015 a respeito da ordenação feminina.
A inanidade e ineficiência podem às vezes parecer tão gigantescas que uma discussão pública é quase impossível. Como uma cena retratando controle como liberdade retirada de um romance de George Orwell, ou da obra distópica de Terry Gilliam, Brazil (1984), as investidas do burocrático e do teológico podem se enredar de modo desumano. Tirando as refeições e as saídas ao banheiro, delegados que chegassem a tempo para o culto das 8h da manhã passavam mais de 13 horas em um estádio coberto de futebol, cercados por cinco fileiras de arquibancadas de 66.965 lugares vazios, enquanto um logo preto-e-branco da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) aparecia e desaparecia atrás deles.
Poderia ter sido pior. Surpreendentemente, a comissão de nomeação terminou seu trabalho na quarta-feira à noite, um dia antes do esperado. Em um e-mail à Spectrum explicando o processo, o presidente Cooper afirmou, “Em nenhum momento houve pressão para acelerar. A comissão de nomeação teve oportunidade e tempo para fornecer e considerar vários nomes para cada posição.” Cooper, conhecido como um dos melhores presidentes de comissão durante seu trabalho na AG, ofereceu algumas ideias para reformar o processo, não só por eficiência, mas também para permitir maior deliberação. Ele acha necessário mais tempo para orientar a comissão de nomeação. Dado que 63% da comissão de nomeação era composta de delegados novos, isso teria ajudado. Ele sugere uma mudança ainda maior — compor a comissão meses antes da Assembleia — ou até ter uma comissão de nomeação permanente para o quinquênio. Isso criaria um processo melhor e limitaria oportunidades para emboscada.
Uma comissão de nomeação bem preparada pode até mesmo começar a procurar e selecionar um possível presidente muito antes da Assembleia. Isso poderia permitir que a comissão de nomeação comunicasse suas preocupações ao presidente, possivelmente sobre questões de diversidade de gênero e idade, assim como de representatividade global. Cooper acrescenta, “Quando a Assembleia se reúne e presumivelmente aprova a nomeação para presidente, a comissão de nomeação deve garantir que o presidente responda pelo progresso que faz em questões demográficas ou outras preocupações identificadas e comunicadas.” O sucesso geral dessa Assembleia encurtada suscita questões sobre a sabedoria de voltar ao padrão tradicional de 10 dias em 2025. Talvez uma comissão de nomeação mais longa em uma Assembleia mais curta possa economizar recursos e aumentar a supervisão e deliberação executiva. Cooper continua, “eu acho que a pressão para tratar de tantas posições de liderança em poucos dias tende frequentemente às recomendações trazidas por um líder eleito. Mas se uma reunião anterior (muitos meses antes da Assembleia) for feita e tratar de algumas expectativas para o nomeado à presidência, há mais oportunidade para realizar as mudanças necessárias ao invés de depender de cada nomeado individual para pensar somente em suas preferências pessoais, sem referência a uma agenda maior refletindo preocupações da comissão de nomeação.”
Relembrando toda a experiência, Cooper afirma, “Eu recomendaria fortemente que, ao fim do trabalho da comissão de nomeação, [ela] deve completar uma pesquisa de autoavaliação sobre suas operações”, que seria reportada publicamente durante a sessão. Ele acrescenta, “Isso compensaria até certo ponto as diferentes interpretações que os membros da comissão de nomeação passam a seus amigos e outros delegados sobre a conduta da comissão de nomeação. Essas interpretações são frequentemente um reflexo do quanto o membro individual estava satisfeito ou insatisfeito com a chapa de nomeações. A comissão de nomeação precisa entender que também deve responder por uma prática razoável.”
Muita coisa na semana dizia respeito a transparência e responsabilidade — relatórios de auditoria das finanças da AG, acrescentar fraude como justa causa para remover um líder da comissão executiva da AG, e alegações de que as crenças adventistas fornecem verdades confiáveis em um mundo instável. Mas sem a instauração de práticas que reforcem fé nas tomadas de decisão nos níveis mais altos, líderes da igreja estarão construindo nossa casa adventista sobre a areia.
