Por Loren Seibold | Traduzido e adaptado da Adventist Today por André Kanasiro para a revista Zelota.

Recebi uma bênção em relação às pessoas LGBTQIAP+ quando era mais jovem, embora não entendesse na época, nem percebesse como isso moldaria meu ministério. Eu cresci no mundo rural estreito de Dakota do Norte. Questões de orientação sexual não faziam parte do repertório nas conversas de ninguém. Ouvi meninos na escola usarem a palavra “bicha” como um insulto, mas não entendia o que significava, e provavelmente eles também não. 

Por falar nisso, os movimentos progressistas por justiça — na verdade, a política em geral, exceto no que se refere ao mítico Decreto Dominical e ao terror da perseguição antecipada — não eram apreciados. Lembro-me de perguntar a meus pais sobre coisas que víamos na televisão — negros protestando no Sul ou o Levante de Watts. Eles ficaram, eu acho, tão intrigados com tudo quanto eu: poderia muito bem ter acontecido no Azerbaijão como em nosso próprio país.

A bênção que recebi foi o privilégio de ter amigos no Walla Walla College que estavam começando a perceber, no contexto de nossas amizades, que eram gays. Por motivos que não sei explicar, isso não me assustou. Eu me sentia seguro com minha própria orientação sexual. Não achava esses rapazes atraentes daquele jeito, e eles pareciam sentir o mesmo por mim. Lembro-me de ter pensado: “Eles eram meus amigos antes de eu saber isso sobre eles. Por que eu deveria gostar menos deles agora?” 

Casei-me com uma esposa que tinha um parente gay muito querido, e ela também não fica alarmada com pessoas LGBTQIAP+. Tudo isso nos preparou para um pastorado, alguns anos depois, na área da baía de São Francisco, onde encontramos e ministramos para pessoas LGBTQIAP+. Às vezes me pergunto se meu mundo, culturalmente monocromático, pode ter me protegido de preconceitos que eu teria, caso tivesse crescido em um lugar onde pessoas de diferentes culturas já haviam escolhido um lado.

Agora acredito que a melhor maneira de superar o preconceito contra qualquer um que você não entende — incluindo pessoas LGBTQIAP+ — é conhecendo-os. Se eu tivesse traçado limites contra essas pessoas desde o início, sem conhecê-las, teria perdido alguns amigos extraordinariamente interessantes que são, de maneira adorável ​​e recompensadora, bem diferentes de mim.

Diferença

Claro, eu não entendia todas as implicações de gays serem gays naquela época. E não só eu. Muitos religiosos prescreveram soluções: cura gay, celibato, ou simplesmente se jogar em um casamento heterossexual e esperar que o tempo e Jesus acabassem com a parte gay. Isso porque ouvíamos mais a igreja do que as pessoas — um problema permanente na religião.

Breve digressão: Passei a acreditar que é a religião, não Deus, que é o problema. A religião tende a ser corretiva, não aceita; religiosamente conformista, não espiritualmente criativa. É contra nossa psicologia organizacional ouvir uma pessoa e amá-la pelo que ela é. E isso não se aplica apenas às pessoas LGBTQIAP+: nós, nas igrejas, somos especialistas em desaprovação em geral. O conceito de “pecador” é central para nossa teologia, assim como a mudança e a superação. Infelizmente, embora reconheçamos nossos próprios pecados de maneira geral, são os pecados dos outros, particularmente os relacionados ao sexo, que tendem a nos preocupar.

Parte da cultura LGBTQIAP+ ainda me parece terrivelmente estranha. Mas eu entendo algumas coisas. Eu sei que a orientação ou atração de gênero de uma pessoa (perdoe-me se eu não usar as palavras certas) é principalmente embutida, não escolhida. Vejo que negar a identidade das pessoas é guerrear contra algo que Deus fê-los ser, e não podemos denunciar essa parte deles sem atacar sua personalidade essencial. 

Os LGBTQIAP+ estarem em rebelião perpétua contra Deus talvez seja a mentira mais prejudicial que os religiosos contam. A maioria dos LGBTQIAP+ que conheço são profundamente espirituais. Por que não presumiríamos que os LGBTQIAP+ cristãos amam Jesus tanto quanto os cis-heterossexuais? Minha amiga Alicia Johnston estudou durante anos para mostrar como a Bíblia essencialmente não é um livro anti-LGBTQIAP+, e seus argumentos são excelentes. O filme Seventh Gay Adventists (no qual Carmen e eu aparecemos brevemente ao lado de um casal de lésbicas, que tenho orgulho de ter defendido na congregação onde eu era pastor) ajudou-me a ver que a dinâmica em muitas famílias homoafetivas é muito parecida com a de qualquer família — ou seja, as pessoas LGBTQIAP+ não são tão diferentes do resto de nós se você reservar um tempo para conhecê-las de perto.

Aceitação antecipada

Estou aqui argumentando — e, por favor, entenda, isso com base em princípios morais práticos, não de um texto bíblico, pois a Bíblia não antecipou esta questão — que nós, pessoas de fé, precisamos reconhecer a diversidade sexual desde o início, e não esperar até as pessoas sofrerem anos de dor psicológica.

Há alguns anos, fui supervisor de um casal pastoral que disse que queria ministrar em equipe. À medida que nos conhecíamos melhor, parecia-me que eles estavam enfrentando alguma luta profunda que eu não entendia muito bem. Ambos certamente eram sinceros, mas havia uma distância estranha entre eles. Ela costumava ficar doente ou deprimida, especialmente na companhia do marido, e ficava melhor milagrosamente quando o deixava para trás e visitava seus pais. Foi só depois de terem dois filhos que ela foi capaz de reconhecer um dia que era não-binária e, pouco depois, atribuiu a si mesma um rótulo adicional de pronome multissilábico e fora do padrão. 

Estou feliz que “elu” (isto é, a ex-“ela”) se encontraram. A parte ruim? Enquanto elu estava se alegrando com sua nova identidade, deixou para trás um marido de coração partido e uma família agora dividida entre duas casas. Eu queria gritar: “Por que você não percebeu isso antes de se casar e ter filhos?” Mas é claro que isso era ridículo, porque eu sabia a resposta: nunca houve espaço na denominação que eles e eu compartilhamos para esse tipo de honestidade. Eles cresceram, como eu, em uma família adventista profundamente conservadora, onde era impossível até mesmo falar sobre sexo, muito menos sobre dissidência de gênero. Se eles não podiam admitir para si mesmos, como poderiam admitir para seus pais ou seu marido?

Acho que entendo por que isso é tão difícil para as famílias. A noção de que a homossexualidade ou transgeneridade é ensinada ou transmitida ainda existe, e isso preocupa as pessoas. “Por quê?” é uma grande questão. De onde veio essa estranha criatura e como ela apareceu na minha família? Foi minha culpa? Seu filho ser LGBTQIAP+ não lhe dá uma boa desculpa para tantas diferenças: ele não migrou para dentro da sua vida vindo de Honduras e falando espanhol, ou das Filipinas com uma queda por balut. Eles nasceram do ventre da mãe da família, foram criados em uma casa de família com irmãos heterossexuais, do mesmo pool genético de uma mãe heterossexual e de um pai heterossexual. Não admira que seja tão difícil de aceitar! Minha amiga Carrol Grady deu a seu livro, sobre seu filho gay, o adorável título My Son, Beloved Stranger [no português: “Meu filho, um estranho que amo”]. Como descrever melhor do que isso? 

Mas devemos fazer o trabalho duro psicológico para aceitar pessoas LGBTQIAP+ se valorizamos as famílias tanto assim. Por anos, nós, adventistas, dissemos que amamos tanto as famílias que até excluímos pessoas divorciadas e casadas novamente! Portanto, se nos recusarmos a reconhecer que as famílias LGBTQIAP + podem ser felizes e estáveis, e colaboradores maravilhosos tanto para a igreja quanto para a sociedade, e insistirmos que o único casamento que uma pessoa homossexual pode ter é o heteroafetivo — um que provavelmente será infeliz e acabará em uma ruptura — deixamos escapar que nossa verdadeira preocupação não é ter famílias felizes, e sim seguir as regras da igreja.

Liderança

Não pense, como fizeram os que defendem a ordenação de mulheres, que o jeito certo de conquistar o progresso é esperar que a Associação Geral (AG) veja a luz. O negacionismo de Ted Wilson em questões LGBTQIAP+ foi várias vezes exibido diante da Comissão Diretiva  da AG na forma de apresentações feitas por Wayne Blakely e sua laia. Algumas dessas pessoas LGBTfóbicas ensinam o celibato; outras ensinam que as pessoas LGBTQIAP+ devem renunciar sua sexualidade, e algumas até se casam e criam uma família (disfuncional) com alguém do sexo oposto [cis-heterossexualidade compulsória]. Este é o triunfo das regras religiosas sobre o cuidado pastoral procedente do cargo de um importante ministro da igreja — um que tem ele mesmo um tio gay querido. 

Recentemente, o Diretor de Jovens da Associação Geral recomendou nas redes sociais o livro Irreversible Damage: The Transgender Craze Seducing Our Daughters [em português: “Dano Irreversível: a loucura transgênero seduzindo nossas filhas”]. A autora, Abigail Shrier, revive os velhos argumentos que uma vez foram levantados contra LGBTQIAP+: de que há uma “agenda”, um “movimento”, neste caso, para induzir jovens mulheres a se tornarem homens. Este excremento está sendo empurrado do topo de nossa denominação. (Abigail vai ganhar muito dinheiro com este livro com as muitas pessoas que amam respostas simples, que culpam os outros por problemas que não entendem). 

O fato de LGBTQIAP+ ainda buscarem ser adventistas do sétimo dia, apesar de como foram tratados, pode ser celebrado pelos líderes da Associação Geral como um testemunho do poder de Jesus de penetrar nos corações de tantas pessoas de tantos tipos diferentes — até mesmo um grupo que nossa igreja rejeita oficialmente! Por que nos regozijamos com a mensagem que chega a pessoas de muitos tons de pele, de muitas culturas e muitas línguas, em diversas partes do mundo, mas rejeitamos quando ela chega aos nossos próprios filhos LGBTQIAP+ que Jesus tocou? 

Pastores necessários

Minha observação é que coisas de significado moral oportuno raramente vêm do topo de qualquer denominação. A igreja não lidera em questões morais; ela segue outros, e apenas quando lhe parece vantajoso. Portanto, o que parece bom para o desenvolvimento de uma denominação, visto a partir desses altos cargos, não é necessariamente justo, nem pastoral, nem semelhante a Cristo. Muitas vezes, é exatamente o oposto. Aqueles que lideram denominações serão — não intencionalmente, mas certamente sem pensar — tão mesquinhos, parciais e preconceituosos quanto precisam ser para fazer a organização sobreviver, e as pessoas que se danem.

Posso dizer isso sem medo de contradição: nossos líderes denominacionais não desejam que pessoas LGBTQIAP+ sejam membros, em termos com os quais as pessoas LGBTQIAP+ possam viver. Nenhum. Eles gostariam que todas as pessoas LGBTQIAP+ desaparecessem, a menos que as pessoas LGBTQIAP+ mudassem de uma forma que não podem mudar. 

Muitos deles sabem que as pessoas LGBTQIAP+ não podem mudar. Eles sabem que as pessoas LGBTQIAP+ têm famílias que não vão se separar. Alguns funcionários da igreja têm seus próprios filhos LGBTQIAP+. Nada disso importa. É muito perigoso para os funcionários da igreja defender os LGBTQIAP+. Portanto, eles permanecem em silêncio.

Portanto, não vamos cometer o mesmo erro dos que continuam esperando pela bênção da denominação para a ordenação de mulheres. A igreja está fossilizada demais para fazer isso — pelo menos até que seja tarde demais para importar. 

Devemos orar para que Deus forneça mais congregações adventistas, como a Glendale City Church, que abraçam a diversidade do mundo. Devemos orar pelos pastores locais que podem ser pastores com compreensão de gênero, que podem ensinar ética sexual e de gênero, que são cuidadores pastorais de pessoas com diferentes compreensões de gênero. 

E sim, neste momento, a maioria desses pastores serão homens heterossexuais. Gostaria que alguém os ensinasse a fazer isso e lhes desse permissão para isso. Não sei quem será, ou como será realizado. Talvez as próprias pessoas LGBTQIAP+ possam ajudar — não dando palestras, mas simplesmente estando presentes. Mostrando por sua presença nas congregações que são cristãos felizes e famílias felizes. Porque, novamente: conhecer as pessoas pessoalmente corrói o preconceito contra elas. 

Vamos orar por todos aqueles — cristãos LGBTQIAP+, pastores atenciosos, cristãos adventistas bondosos — que continuam a tentar quebrar as barreiras. Podemos não mudar o mundo de uma vez, mas isso fará diferença para alguns e pode ser o melhor que podemos esperar.