O discurso do pastor do Centro Universitário Adventista, campus SP, contradiz o código de ética pastoral, os Regulamentos Eclesiásticos-Administrativos da IASD e, segundo o Manual da Igreja, é passível de disciplina


28 set., 2021 |

Danilo1, 25 anos, morador de Diadema, SP, estava lavando a louça quando recebeu um vídeo em seu WhatsApp. Ao assisti-lo, teve imediatamente uma crise de ansiedade: “Minha gastrite atacou e eu tive uma crise de soluço, então, mal conseguia falar”, explicou o jovem à Zelota. Priscila*, 31 anos, moradora do interior do Rio Grande do Norte, também teve uma crise: “eu fiquei de cama a tarde inteira chorando, e o meu estômago embrulhou”, conta. “Não falei nada a ninguém porque muita gente não entende, mas passei o dia todo mal.”

O vídeo que arruinou o sábado de Danilo e de Priscila foi transmitido ao vivo na manhã de sábado (18), e até o momento acumula quase 50 mil visualizações. O último sermão do Pr. Gilson Grüdtner, intitulado “O toque da imortalidade”, foi ao ar pelo canal do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP, campus São Paulo), e serviu de plataforma para o opróbrio de cristãos adventistas que não se adequam ao modelo identitário do pastor. Comparando sua ira à “de Jesus quando viu seu templo sendo profanado”, e seus ataques às críticas feitas por Jesus e Paulo, o pastor chamou a bandeira arco-íris, símbolo dos movimentos LGBTQIAP+, de “símbolo de Sodoma e Gomorra”, e usou termos como “opção sexual” enquanto afirmava apenas defender o que está na Bíblia “sem ofender ninguém”; isto é, o “casamento monogâmico entre um homem e uma mulher”.

O fenômeno não é inédito. Tanto Gilson quanto o UNASP-SP o protagonizam desde novembro de 2020, quando o pastor, escandalizado com uma imagem da cruz de Cristo com um arco-íris, usou o púlpito do centro universitário para chamar o adventista que publicou a imagem de “filho do demônio”, e afirmar que este esperava o “advento do inferno”. Em conversa com a Zelota, Priscila, que é panssexual, conta que ficou “muito mal” desde a primeira vez que ouviu o pastor Grüdtner falando sobre o assunto: “Eu tenho TAG [Transtorno de Ansiedade Generalizada], e quando esses discursos agressivos engatilham minha ansiedade, os sintomas físicos e psicológicos são horrendos”, desabafa. “Parece que todo o processo terapêutico vai pro lixo.”

Os discursos continuam em janeiro de 2021, em que Gilson, desgostoso com a posse do novo presidente estadunidense Joe Biden, pregou sobre uma suposta conspiração satânica mundial que envolveria o presidente Democrata e os jesuítas num plano para impor a “ideologia de gênero” ao mundo. Já em agosto deste ano, pouco mais de um mês atrás, o pastor atingiu um novo patamar: usou o púlpito do UNASP para recomendar o canal Brasil Paralelo, também conhecido como “Netflix da direita”, sob a justificativa de que a Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) deveria seguir o exemplo do canal em suas produções contra a “ideologia de gênero”. Atualmente, o canal é acusado de espalhar notícias falsas e tentar reescrever a história do país. Ele está alinhado ao bolsonarismo e é alvo de investigação na CPI da Covid.

Mesmo para Danilo, que é heterossexual, os ataques de Gilson Grüdtner contra adventistas LGBTQIAP+ são perturbadores, e o lembram de fenômenos similares em sua própria denominação, a dos Testemunhas de Jeová. “A imagem que a IASD me passou com esse vídeo foi de medo, de controle”, comentou Danilo à Zelota. E conclui: “Todo o avanço que a igreja proporciona parece ir por água abaixo com uma coisa como essa.”

O opróbrio do inquisidor

De acordo com os regulamentos da IASD, não faz parte dos procedimentos recomendados a obreiros chamar seus desafetos de “filhos do demônio”, a despeito do que faz parecer o comportamento persecutório de Gilson Grüdtner em uma das igrejas adventistas mais influentes do país. Conforme consta no Guia para Ministros  (p. 37-38) da IASD, faz parte do “Código de Ética do Pastor Adventista do Sétimo Dia”:

10. Relacionar-me dignamente com homens e mulheres.

11. Respeitar a personalidade de cada indivíduo, sem parcialidade ou preconceito.

12. Amar aqueles a quem eu ministro e comprometer-me com seu crescimento espiritual.

A IASD também apresenta diversas declarações a respeito de orientação sexual e identidade de gênero. Uma delas, por exemplo, declara (grifo nosso): “O comunicado oficial esclarece que a Igreja Adventista do Sétimo Dia crê que todas as pessoas, independente de raça, gênero e orientação sexual são filhos de Deus e devem ser tratados com civilidade, compaixão e amor semelhante ao de Cristo.” Outra declaração, votada pela Associação Geral da IASD, sobre transgêneros, diz: “A Bíblia ordena os seguidores de Cristo a amarem uns aos outros. Criados à imagem de Deus, todos devem ser tratados com dignidade e respeito”. A insistência do Pr. Gilson Grüdtner em identificar o movimento LGBTQIAP+ com Sodoma também carece de fundamentos teológicos; nem mesmo as últimas declarações votadas pela IASD a respeito da homossexualidade, embora conservadoras, citam as passagens bíblicas sobre Sodoma como referências a respeito do assunto.

O uso do púlpito para a promoção de veículos de propaganda política, como o Brasil Paralelo, também não está de acordo com o documento oficial que instrui a respeito da postura dos adventistas em relação à política. De acordo com o documento, a IASD “não autoriza o uso do espaço físico de seus templos, sedes administrativas e instituições para qualquer tipo de propaganda político-partidária-eleitoral”; e alerta que pastores “devem ter constante cuidado para não dar declarações que demonstrem preferências por ideologias, candidatos ou partidos.”

Através de seu comportamento, o Pr. Gilson Grüdtner se enquadra na razão 9 para disciplina segundo o Manual da Igreja; isto é, por uma “conduta desordenada que traga opróbrio sobre a igreja”. Tal disciplina pode até mesmo ser a base para a destituição de uma pessoa eleita/nomeada, conforme consta no artigo B 100 22 dos Regulamentos Eclesiástico-Administrativos (REA) da Divisão Sul-Americana (DSA) da IASD (grifos nossos): “As principais causas para destituir uma pessoa que foi eleita/nomeada devem incluir, mas não se limitar a: 1) incompetência; 2) persistência em não cooperar com a autoridade devidamente constituída em assuntos substantivos ou itens relevantes dos regulamentos denominacionais; 3) ações que possam estar sujeitas à disciplina eclesiástica, de acordo com o Manual da Igreja”.

Para conseguir explicações sobre o assunto, a revista Zelota entrou em contato com o Pr. Edilson Valiante, Ministerial da União Central Brasileira (UCB). Valiante informou à revista que o caminho mais ético para conseguir uma resposta do Pr. Gilson Grüdtner seria, a princípio, procurá-lo pessoalmente. Segundo Valiante, a revista também poderia buscar, como alternativa, tanto o ministerial quanto o presidente da Associação Paulista Sul (APS) para maiores explicações, em respeito à hierarquia administrativa. 

“Você está me fazendo algumas perguntas que deveria fazer para ele [Gilson Grüdtner] primeiro. Converse com o pastor Grüdtner, ele tem um ministerial na Associação Paulista Sul também, e tem o presidente dele lá. A nossa ética passa pelos caminhos em respeito à hierarquia”, explica o ministerial da UCB.

Seguindo o caminho hierárquico da IASD, a Zelota entrou em contato com o Pr. Gilson Grüdtner em busca de esclarecimentos. Antes de responder às perguntas, o pastor acusou a revista de ser desleal e mentirosa; por esse motivo, afirmou com frequência não dever esclarecimentos: “Amiguinho, uma vez que vocês só falam mal de mim, eu não devo explicação nenhuma a você. Você é muito desleal com o que escreve. Você escreveu alguns artigos me citando de forma distorcida, desleal e, inclusive, ilegal.”

Embora não estivesse disposto a responder às perguntas, quando questionado sobre o opróbrio expresso em público contra um cristão adventista, Gilson justifica seu xingamento com base nas Escrituras: “Você faz a sua obra, eu faço a minha obra, e um dia a gente vai dar contas diante de Deus. Tudo o que eu faço é bíblico e está dentro do Espírito de Profecia. E a expressão que eu usei é uma expressão que Jesus usou”, comenta ao pastor sobre a ofensa “filho do demônio”. 

Ainda insistindo não dever explicações à Zelota, quando inquirido sobre a propaganda política expressa no púlpito do UNASP-SP, em que recomendou o canal bolsonarista Brasil Paralelo, Gilson desconsidera os documentos oficiais da igreja sobre política e apela à sua liberdade de consciência: “Essa é uma questão da minha consciência perante Deus. Eu não tenho ódio, sou uma pessoa do bem, e sempre vou defender a Bíblia e a Palavra de Deus.” A Zelota aprofundou o questionamento, e perguntou se a propaganda política bolsonarista se enquadra como “Palavra de Deus”. O pastor afirmou que sim: “Na minha concepção, lógico que é!” 

Seguindo a hierarquia eclesiástica, a Zelota também entrou em contato com o Pr. Alberto Duarte de Oliveira, Ministerial da APS, mas o pastor insistiu em não poder responder às perguntas por estar muito ocupado.

Por fim, a Zelota conversou com o presidente da APS, Pr. Luiz Carlos Araújo, para questioná-lo sobre o opróbrio, a propaganda política e o conflito com os documentos eclesiásticos. O Pr. Luiz Carlos demonstrou disposição para responder, mas disse não ter conhecimento das falas específicas mencionadas nesta matéria. Ele explicou que, como presidente, sua obrigação é procurar Grüdtner para uma conversa pessoal: “O que eu faço normalmente é sentar com ele pra dizer, ‘olha, a sua postura não está legal, você não deve se colocar e se declarar dessa forma’. Isso aí a gente normalmente conversa com o pastor”, explica à Zelota.

O Pr. Luiz Carlos Araújo afirmou que iria se inteirar dos acontecimentos para, posteriormente, conversar com o Pr. Gilson Grüdtner e obter melhores esclarecimentos sobre o ocorrido. Para o presidente da APS, a primeira ação a ser realizada é uma conversa informal para que, então, outras medidas sejam tomadas. “A primeira medida é essa, eu falar com ele e pedir pra ele evitar esse tipo de polêmica no púlpito”, retifica o presidente à Zelota

O filho do demônio

O membro da IASD chamado de “filho do demônio” pelo Pr. Gilson Grüdtner se chama Jonathan Monteiro, tem 24 anos, e é natural de Seropédica, RJ. Estudante de Engenharia Florestal, Jonathan é homossexual e administra páginas com milhares de seguidores nas redes sociais, tais como “Sou um Jovem Adventista”, “Gay & Adventista” e “Jonathan convida”, esta última focada na gravação de podcasts com convidados sobre temas ligados à sexualidade. Ele também compõe o conselho editorial da revista Zelota. A postagem que desencadeou reações por parte do pastor tem menos de 200 curtidas no Instagram, com a legenda: “por amor se entregou para nos salvar.” Ela seria mais tarde repostada pela página “Gay cristão”, com a legenda “Na cruz a graça reinou e a lei se cumpriu!”

Em resposta à Zelota, Jonathan explica que viu na imagem uma representação da graça de Cristo, e por isso resolveu publicá-la: “Eu não escolhi minha orientação sexual, e não sou menos digno de existir, ser feliz ou mesmo ser salvo por algo que não escolhi. É isso que o arco-íris representa, nossa luta por um reconhecimento e um abraço que eu enxergo em Jesus”, explica. Ao assistir a reação violenta de Gilson à sua publicação em novembro de 2020, Jonathan procurou o pastor via e-mail, e perguntou o que ele queria dizer, ou se havia algum mal entendido. Gilson se recusou a dar maiores esclarecimentos, respondendo: “Mal entendido, e que Jesus te abençoe sempre!”

Jonathan encara suas páginas como um ministério, e busca prestar apoio a cristãos ou interessados que não se encaixam no molde cis-heterossexual da instituição. Seu trabalho chegou a assumir tons missionários e evangelísticos quando Evelyn, de Piraquara, PR, viu nas publicações de Jonathan um modo não violento de viver a espiritualidade cristã. Ateia e avessa ao cristianismo devido aos discursos preconceituosos e autoritários de muitos líderes, Evelyn aceitou receber estudos bíblicos e, atualmente, é membra batizada da IASD.

Seu trabalho também salvou Junior, de 27 anos, do suicídio. Nascido em Lins, SP, e criado em uma família adventista, Junior sempre foi engajado com sua igreja local, mas aos 18 anos já sabia não sentir atração sexual por mulheres. Embora seus pais e avós o incentivassem a abraçar a graça de Cristo e ser autêntico consigo mesmo, outros irmãos adventistas frequentemente o pressionavam e questionavam sua família. “Eu desenvolvi depressão e pensei em suicídio várias vezes. Teve uma vez que cheguei fazer o nó de enforcado, mas não tive coragem de cometer o suicídio”, contou Junior à Zelota

“No momento em que eu achava que não tinha mais solução, o Jonathan apareceu como um anjo. O material que tive acesso era aquele que trabalhava os livros da Bíblia e a homossexualidade. Aquelas palavras vieram como bálsamo para o meu coração. O último desejo de cometer suicídio por ser quem eu era veio depois que li sobre o Livro de Levítico”, explica.

Para Junior, Jonathan é um instrumento de Deus na Terra: “Graças ao Jonathan, voltei às minhas raízes sobre o Primeiro Amor. Foi ele que me recordou quem era o Jesus que cresci ouvindo. Hoje posso ser eu mesmo. Sou livre em Cristo.”

Ação institucional e retratação

O Pr. Gilson Grüdtner fere irmãos de dentro, prejudica a imagem da igreja para os irmãos de fora, e difama o ministério de um adventista leigo que prega o evangelho e salva vidas. Somado a isso, o pastor utiliza o púlpito como palanque ao recomendar um veículo de propaganda bolsonarista como mensagem do evangelho. Nenhuma de suas atitudes são permitidas pela ética pastoral e pelas diretrizes eclesiástico-administrativas no Brasil e no mundo. A APS, a UCB ou a Divisão Sul Americana (DSA) devem tomar alguma iniciativa em respeito e coerência aos seus documentos oficiais. A atitude deve ser urgente, já que outros pastores costumam ser repreendidos por seus superiores ao seguir ou interagir com  páginas “progressistas”. 

O pastor do UNASP-SP, cujos sermões alcançam mais pessoas do que qualquer página supostamente subversiva, se recusa a dialogar, retratar-se ou mudar de atitude. Mesmo que Jesus tenha se utilizado dessa expressão, Gilson Grüdtner não é um “filho do demônio”: ele é um filho de Deus, um irmão na fé, e tem abençoado a vida de muitos em seu ministério. Contudo, ao discursar contra desafetos e expor suas ideologias políticas no púlpito, o pastor não age como instrumento de Deus e desrespeita as diretrizes da IASD para a atuação de seus ministros. Nessa hora,  quem deve agir é a instituição — a menos que ela não cumpra seus próprios regimentos.

Se você acompanha a revista Zelota e também não concorda com os posicionamentos públicos do Pr. Gilson Grüdtner, clique aqui e assine conosco esta petição para que ele tenha a oportunidade de se retratar, reconhecendo o seu erro como pastor e desrespeito à dignidade dos filhos de Deus.

Assinam esta petição os coletivos:

SDA Kinship Brasil

Sou um Jovem Adventista

Gay Cristao

Adventista Subversivo

Adventistas de Esquerda

Coletivo À Mesa

Revista Zelota

Notas:

1. Os nomes foram modificados para proteger a identidade dos entrevistados.