Por Stephen Chavez | É pastor, escritor e editor jubilado e diretor de relacionamentos eclesiásticos para a Seventh-Day Adventist Kinship International.

Das muitas perguntas feitas na Bíblia, uma das mais desconcertantes é a que os discípulos de Jesus fizeram quando encontraram um homem que nasceu cego: “Rabi, quem pecou, ​​este ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo 9.2). Os discípulos provavelmente pensaram que estavam lidando com alguma grande verdade filosófica ou teológica. Na verdade, eles estavam apenas expondo a variação de uma antiga questão: quem é o responsável?

É uma pergunta que fazemos rotineiramente após algum evento trágico ou inexplicável. Um avião cai, matando todos a bordo. Quem é o responsável? Um incêndio florestal atinge uma comunidade, destruindo casas e vidas. Quem é o responsável? Um bebê nasce com uma deficiência com risco de vida. Quem é o responsável? Gostamos de atribuir culpas, de criar algum sistema para explicar o inexplicável. Gostamos de imaginar um mundo em que os mistérios são menos misteriosos.

A resposta de Jesus à pergunta dos discípulos não expressa tanta ênfase em atribuir culpas, mas em criar oportunidades de serviço e ministério. “Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus” (v. 3). Então Jesus curou o homem de sua cegueira.

O problema da lgbtfobia estrutural

Passei quase 20 anos pastoreando igrejas locais nas décadas de 1980 e 1990. Foram anos em que muitas pessoas, principalmente os cristãos, se digladiaram sobre o que parecia ser uma campanha sistemática para justificar as relações entre pessoas do mesmo sexo, elevando-as a um nível exclusivo, até então, para as relações homem/mulher. A maioria dos pastores e membros da igreja, contando com um punhado de textos bíblicos, procurou condenar relacionamentos com pessoas do mesmo sexo. Eu confesso: mais de uma vez preguei sermões destacando o fato de que Deus criou Adão e Eva, não “Adão e Ivo”.

Minha compreensão da homossexualidade e das questões LBGTQIAP+ eram ingênuas, desinformadas e dogmáticas. Em vez de pregar os valores do evangelho como amor e aceitação, valores consistentes com a mensagem e o exemplo de Cristo, a maioria dos pregadores falava da homossexualidade como uma ameaça à ordem social, uma perversão dos papéis de gênero tradicionais, uma negação do poder do evangelho. A maioria dos cristãos coloca a homossexualidade na mesma categoria de qualquer outro comportamento “pecaminoso”, vícios, ações imorais e distúrbios de personalidade. Para obter a vitória, bastava orar mais e exercer domínio próprio.

Hoje, sabemos que a homossexualidade não é uma questão de fazer, é uma questão de ser. Ninguém escolhe ser LGBTQIAP+, assim como ninguém escolhe ser heterossexual. Cada um de nós nasceu com uma composição biológica única que nos determina como mulheres, homens, gays, lésbicas ou transgêneros. A insistência na oração, no jejum, na mortificação ou no pensamento positivo não muda isso. A chave para a assimilação social, psicológica, emocional e física é a aceitação, não a mudança.

Quem é você?

Mais de 20 anos atrás, eu li um aviso no boletim de nossa igreja convidando as pessoas a se juntarem a uma equipe para realizar um passeio de bicicleta de 4 dias e 480 quilômetros a fim de arrecadar dinheiro para pesquisas sobre HIV/AIDS. Como gosto de desafios, me inscrevi. Amigos e pessoas da minha igreja começaram a doar; alguns eu conhecia, outros não. A passeata HIV/AIDS, em si, foi desafiadora e gratificante em todos os sentidos: física, emocional e espiritualmente.

Pouco depois da viagem, alguém me convidou para compartilhar minha experiência com um pequeno grupo que se reunia uma vez por mês nas noites de sexta-feira. Na reunião, compartilhei minha experiência e algumas das lições que aprendi. Depois que falei, respondi a algumas perguntas. Perto do final da noite, eu disse: “Tenho uma pergunta: quem são vocês?” Alguém respondeu: “Se disséssemos, você não falaria conosco”.

O pequeno grupo era a comunidade local da Seventh-day Adventist Kinship International. Na época (e mesmo agora), os membros da liderança adventista eram desencorajados a se associarem à Kinship, oficial ou não oficialmente. Nas últimas duas décadas, meu relacionamento com a Kinship International é algo que valorizo ​​profundamente. Enquanto a maioria dos cristãos fundamentalistas gosta de imaginar que os membros da comunidade LGBTQIAP+ são intemperantes e devassos, as pessoas que conheço são cristãos devotos, alunos e funcionários responsáveis ​​e comprometidos com relacionamentos monogâmicos de longo prazo.

Ao me familiarizar com essas pessoas LGBTQIAP+, percebi um padrão interessante. Muitos deles cresceram na época em que figuras de autoridade na Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) afirmavam que a homossexualidade poderia ser superada, que a mudança seria possível se tivessem mais fé, orassem mais ou fossem cristãos mais dedicados. Depois que as pessoas compreenderam que se sentiam atraídas por alguém do mesmo sexo, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para mudar. Eles se tornaram missionários; estudaram para o ministério; se casaram com pessoas do sexo oposto, tudo na tentativa de serem “normais”.

Mas nada poderia mudar o fato de serem LGBTQIAP+. A culpa que sentiam era quase sempre insuportável. Alguns tiraram suas próprias vidas. Nunca saberemos quanto dano foi causado por aqueles cujo único conselho era “orar mais”, “acreditar mais”, “negar a si mesmo”. Sabemos, no entanto, de lares desfeitos, carreiras arruinadas e décadas de sentimentos de culpa e ódio a si mesmo.

Você está convidado

A declaração de Jesus “nem ele pecou nem seus pais” (Jo 9.3) é um convite a parar de tentar atribuir culpa ou condenar quem sente atração por pessoas do mesmo sexo, ou quem não se conforma aos papéis tradicionais de gênero. Não é culpa deles; não é culpa de seus pais; não é o resultado de algum defeito ou escolhas equivocadas. Em vez disso, é uma oportunidade “para que se manifestem neles as obras de Deus”.

Uma parte importante do meu papel como ministro adventista ordenado por mais de 20 anos agora tem sido ensinar, por palavra e exemplo, o valor inerente de cada pessoa: LGBTQIAP+, hetero, solteiro, casado, divorciado. Eu gostaria de ter estado mais ciente desse problema quando servi como pastor em uma igreja local. Olhando para trás, há pessoas que teriam se beneficiado com um ministério de inclusão e afirmação.

Por muitos anos, ensinei numa classe da Escola Sabatina para crianças de 12 a 14 anos em minha igreja local. Foi uma das experiências mais gratificantes da minha vida e ministério. O desafio de manter as crianças (não mais crianças, nem adolescentes) empenhadas em aprender as verdades práticas da Bíblia era assustador. Em um dado sábado, não me lembro do assunto, uma das crianças leu Levítico 20.13 sem ser questionada: “Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles”.

A princípio, pensei: qual a necessidade de dizer isso? Então, lembrei de outra criança da classe, ligeiramente afeminada, que costumava ser alvo de bullying por parte de outras crianças. Ficou claro que uma criança, armada com a “verdade” bíblica, estava tentando justificar seu comportamento agressivo contra a outra criança. Essa situação foi a gota d’água. Resolvi apoiar, afirmar e incluir todos, especialmente aqueles que são LGBTQIAP+. Daquele dia em diante, sempre que via o garoto que estava sofrendo bullying, fazia questão de cumprimentá-lo com um abraço. Queria que todos soubessem, principalmente os da minha classe da Escola Sabatina, que eu o considerava um amigo, um igual.

Atualmente, à medida que mais membros da comunidade LGBTQIAP+ estão fazendo parte da sociedade, a igreja é o único lugar vergonhosamente silencioso, até mesmo antagônico. Alguns cristãos ainda afirmam, com base em escassas evidências bíblicas, que casais do mesmo sexo que vivem em relacionamentos amorosos são uma abominação. Alguns pais acreditam que a Bíblia exige que eles repudiem seus filhos LGBTQIAP+. Alguns cristãos acreditam que gays, lésbicas e transgêneros não devem ter os mesmos direitos civis e legais de que gozam os heterossexuais.

Ser LGBTQIAP+ não é um problema a ser resolvido, é uma oportunidade a ser abraçada. A questão não é “O que vamos fazer com os LGBTQIAP+?” A pergunta é: “Como podemos usar isso como uma oportunidade de servir, para que as obras de Deus possam ser reveladas?”

Anos atrás, durante o auge da epidemia de AIDS nos Estados Unidos, um pastor adventista foi convidado a realizar um funeral para alguém que havia morrido de AIDS. Mesmo entre tantas mentiras e distorções que giravam em torno do HIV/AIDS, sua causa e seus riscos na época, o pastor concordou. Logo, ele começou a receber mais pedidos de pessoas em situações semelhantes. Por fim, pequenos grupos de gays, lésbicas e transgêneros começaram a frequentar essa Igreja Adventista no sul da Califórnia. Eles chamavam a seção onde se sentavam semana após semana de “assentos rosa”. Eles não apenas compareciam aos cultos, mas também convidavam seus amigos para comparecerem com eles. 

Agora, mais de 40 anos depois, essa congregação ainda é um modelo para que as igrejas adventistas demonstrem o amor, a graça e a inclusão dessas pessoas em Cristo. E eu gostaria que existissem mais delas. Isso aconteceu “para que as obras de Deus fossem manifestadas”. Quem é o responsável? Nós somos.