13 ago., 2021 | Por Alex Aamodt, editor administrativo interino da SpectrumMagazine.org. | Traduzido e adaptado à revista Zelota por André Kanasiro

Até o dia 3 de agosto, um dos maiores sucessos da nova mídia adventista era o podcast Advent Next. Desde 2019, Kendra Arsenault apresentou 89 episódios do programa, anunciados como “discussões sobre vida e fé para a próxima geração”. O show foi um sucesso. De acordo com Arsenault, a audiência cresceu para milhares de ouvintes por mês em plataformas de áudio e vídeo. Para adventistas millenials e da geração Z, a atração apresentava um futuro promissor, destacando vozes diversas em conversas reais.

Então, tudo desabou — aparentemente uma vítima da própria estrutura da igreja. “Acho que meu choque inicial foi apenas pelo luto, pela perda”, disse Arsenault em uma entrevista por telefone.

No dia 3 de agosto de 2021, a Comunidade Adventista de Aprendizado (ALC, Adventist Learning Community em inglês), um ministério oficial da Divisão Norte-Americana (NAD, sigla em inglês) que havia financiado e produzido o podcast desde o início, disse a Arsenault que ela estava demitida do programa que criou.

A ideia começou em 2018. Enquanto estudava no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia, Arsenault também trabalhou na Comunidade Adventista de Aprendizado como produtora de vídeo. Ela havia passado oito anos no passado trabalhando em vídeos para organizações sem fins lucrativos e outras organizações, e então ela viu uma oportunidade para a ALC tentar algo novo. “A ideia por trás do Advent Next era criar uma espécie de TED Talk cristão”, explicou Arsenault em uma entrevista de 2019 para a Spectrum.

Fonte: Foto enviada por Kendra Arsenault à Spectrum.

“Adam Fenner, diretor da ALC, e eu começamos a pensar na ideia. Ele é alguém que tem um coração voltado para formas inovadoras de alcançar o público e, portanto, teve importância crítica para fazer este projeto começar a andar. Ambos desejávamos alcançar a crescente classe instruída entre os Millennials e a Geração Z.”

Uma proposta de projeto foi aprovada e o planejamento do show começou. “Eu cheguei um dia e encontrei um cara da construção, eles estavam construindo todo o set de filmagem”, relembrou Arsenault em uma entrevista de 2020 para a The Compass Magazine. “Isso era muito mais do que eu esperava.” O produto final seria mais um bate-papo ao redor da fogueira que TED Talk, o cenário final dominado por um fundo de madeira rústica, uma mesa esculpida em madeira com microfones entre os anfitriões e os convidados (alguns dos primeiros episódios tinham um co-apresentador).

O primeiro episódio trouxe um professor da Andrews University para falar sobre a ordenação feminina. Nos próximos meses, anos e episódios, o Advent Next cobriria todo tipo de tópico: hermenêutica, violência doméstica, injustiça racial, ambientalismo. Mesmo nos primeiros episódios, já era fácil ver por que o show seria um sucesso. O dinamismo e brilhantismo de Arsenault como entrevistadora, exibidos por um alto valor de produção oferecido pela Comunidade Adventista de Aprendizado, levaram a um produto final que poucos (ou mesmo ninguém) poderiam igualar dentro do mundo da mídia adventista. Acadêmicos proeminentes e líderes intelectuais de fora do adventismo também apareceram, como o Dr. John Oswalt e o Dr. Jemar Tisby.

Ao longo de sua história, a Advent Next nunca se esquivou de tópicos controversos. Para Arsenault, parecia que ela havia aberto um espaço onde questões importantes, as que milhares estavam sintonizando para ouvir sendo discutidas por especialistas, poderiam ser trazidas à tona.

O episódio 

Para o verão de 2021, logo após o Mês do Orgulho, Arsenault gravou dois episódios com a ex-pastora adventista Alicia Johnston. Em 2017, Johnston renunciou ao cargo como pastora após afirmar publicamente ser bissexual; este ano ela terminou de garantir financiamento para o seu livro, que examina a teologia LGBTQIAP+ para um público adventista, e deu entrevistas sobre seu trabalho para a Spectrum e outros veículos.

Arsenault apresentou o trabalho de Johnston fazendo uma analogia com a ordenação feminina, explicando que em ambos os casos existem teólogos sérios e dedicados que chegam a conclusões opostas — com o mesmo valendo para a teologia LGBTQIAP+.

“Acho que só precisamos dar um passo à frente com um pouco de humildade, reconhecendo que, se chegarmos a uma opinião, ela pode não ser a única opinião ‘bíblica’”, disse Arsenault. “Muitas pessoas estão usando a Bíblia, mas chegam a conclusões diferentes. Então, minha esperança é que essa conversa dê espaço para a liberdade de consciência, digo, a verdadeira liberdade de consciência, permitindo que outros tenham pontos de vista diferentes, e não difamem seu caráter ou questionem sua devoção a Cristo, só porque chegaram a uma conclusão diferente da sua.”

O episódio foi ao ar no dia 10 de julho, seguido oito dias depois pelo segundo episódio da série.

Esta não foi a primeira vez que o Advent Next falou sobre o adventismo LGBTQIAP+. Em 2020, Arsenault convidou Paul-Anthony Turner, um graduado do seminário e atualmente estudante de doutorado, que se identifica como gay e pratica o celibato, ou o que é chamado de “Lado B” da identidade cristã LGBTQIAP+. Após os episódios de Johnston em 2021, Arsenault convidou Turner novamente para discutir as reações que ela havia recebido.

“Tive uma semana muito interessante com todos vocês!” ela começou. “Recebi muito retorno após esses dois últimos episódios […] E eu meio que quero começar dizendo: obrigada por seus comentários. E obrigada por serem sinceros quanto ao fato de concordar ou discordar do que foi apresentado. Acho que precisamos ter mais conversas assim.”

Desta vez, a conversa com Turner foi diferente da conversa do ano anterior, já que ele revelou que suas crenças recentemente mudaram para uma afirmação LGBTQIAP+ — embora ele já tivesse se identificado como gay, agora Turner acreditava que casamentos homossexuais deveriam ser permitidos na igreja.

Depois de quase uma hora e meia de uma discussão ampla e animada, a conversa chegou ao fim e a música de encerramento tocou. Mas Arsenault ainda não havia terminado.

“O que realmente apreciei na Pra. Alicia Johnston e no Pr. Paul-Anthony Turner é que eles estão começando a abrir a conversa para pessoas como eu”, disse ela. “Eu faço parte do ‘B’ da comunidade LGBTQ. E eu realmente encontrei muitas pessoas no adventismo que se identificam como bissexuais, ou que também podem estar apenas no armário, bem fundo no armário. E eu só queria passar algum tempo me identificando com a comunidade à qual eu realmente pertenço, em vez de me esconder atrás desses porta-vozes que estiveram no podcast”.

“Não estou promovendo nenhum ponto de vista neste momento”, disse ela. “Estou simplesmente abrindo espaço para essa conversa.” Mesmo enquanto olhava para si mesma e compartilhava tais detalhes pessoais, Arsenault reconhecia que ela havia se aventurado em terreno perigoso. “Existe realmente uma espada de Dâmocles pairando sobre a minha cabeça […] Espero que comecemos a ter essas conversas para realmente criar espaços seguros.”

Kendra Arsenault conversa com convidado em episódio de 2020. Fonte: Screenshot, Advent Next

Arsenault estava certa ao dizer que a perspectiva de retaliação nunca esteve muito longe, e ela viria em breve, com uma inevitabilidade combinada. “Eu lancei aquele episódio em uma manhã de sábado [31 de julho]”, disse Arsenault, “e na manhã de segunda-feira eu estava recebendo mensagens”. O alto escalão queria saber se os episódios de podcast contrariavam as políticas da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) em relação a sexualidade e casamento.

Na terça-feira, ela foi chamada para uma reunião com o diretor da Comunidade Adventista de Aprendizado, Adam Fenner. Ele a informou de que seu contrato estava sendo rescindido. “Ele parecia relutante em fazer isso”, Arsenault refletiu mais tarde. “Acho que ele realmente fez o que podia para encontrar uma maneira de salvar o programa. Mas o que quer que estivesse acontecendo nos bastidores, era maior do que ele”.

“Eu acho que imaginei eles talvez derrubando os episódios e me chamando pra uma conversa”, disse ela, “mas não imaginei que seria realmente demitida, porque nas políticas e no papel você pode se identificar como gay ou bissexual”.

A NAD em 2015, numa declaração sobre sexualidade humana, diz que a igreja reconhece que “os indivíduos podem experimentar a orientação homossexual sem escolha própria” e que faz uma distinção entre “orientação sexual” e “comportamento ou atividade sexual”.

Quando abordado para comentar e receber uma série de perguntas específicas sobre a situação, Fenner respondeu com uma declaração de um único parágrafo:

O Departamento da Comunidade Adventista de Aprendizado (ALC) reporta à Comissão Diretiva da Comunidade Adventista de Aprendizado da Divisão Norte-Americana (NAD). Kendra Arsenault não era funcionária da NAD, mas sim uma prestadora de serviços independente, contratada pela ALC para produzir o podcast AdventNext. Foi decidido que os serviços dela não eram mais necessários. Os podcasts com os dois últimos entrevistados foram retirados. O podcast AdventNext continua disponível em todas as suas plataformas originais. A NAD não está preparada para discutir assuntos relativos a contratos entre a ALC e seus prestadores de serviços independentes.

A Comunidade Adventista de Aprendizado não forneceu informações sobre qualquer política eclesiástica ou contratual que Arsenault teria violado. Os episódios apresentando Alicia Johnston e Paul-Anthony Turner deste ano — junto com as aparições de Turner em 2020 — foram deletados das páginas do Advent Next.

Feridos pela teologia

Para Arsenault, o turbilhão que começou no dia 3 de agosto deixou-a com uma mistura de emoções familiares a muitos que foram rejeitados por uma comunidade que amam, uma comunidade na qual eles investiram e com a qual se preocuparam o suficiente para iniciar conversas difíceis.

“Perder tudo da noite pro dia, parece excessivo”, disse ela. “Eu acho que há uma parte [de mim] que estava muito cheia de tristeza.” Ao mesmo tempo, as manifestações de apoio que ela também recebeu servem como um lembrete de como a comunidade que ela fomentou se estende para além de um feed de podcast.

“Acho que tive noção de quanto apoio incrível eu tinha sem que soubesse, vendo amigos e pessoas da minha comunidade me ajudando a superar de maneiras simplesmente extraordinárias e generosas”.

Enquanto falava, a voz de Arsenault era uniforme e comedida, mas um vislumbre de emoção apareceu em sua resposta e ela fez uma pausa. “Eu acho que me sinto mal. Sinto-me mal pelas pessoas que tomaram esta decisão”, disse ela. “Para mim, isso só mostra o quão desumana nossa teologia pode ser às vezes. Acho que até as pessoas cujas mãos são colocadas na tarefa de bater o martelo, [elas] se sentem tristes por ter que fazer essa tarefa, porque se sentem chamadas por Deus para fazê-la… Fere as pessoas ter que ferir outras por teologia”.

Embora muitos elementos do futuro ainda estejam incertos, Arsenault espera terminar seu último semestre neste outono no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia. Além disso, certamente há projetos criativos futuros em sua mente, talvez por meio de podcasts ou mesmo livros.

O futuro do Advent Next também permanece incerto. Por enquanto, o restante do podcast e os episódios em vídeo ainda estão online,  como propriedade da ALC. Eles permanecem lá, assim como as lacunas nos números de episódios que restam agora, ecos de vozes não ouvidas, resquícios de conversas que a igreja não está disposta a ter.