As declarações políticas do Presidente da Associação Norte Sul-Rio-Grandense no púlpito, em setembro de 2021, publicadas no YouTube, possuem sérias implicações legais e desrespeitam as prescrições da IASD para ministros


30 abr., 2022 | Da redação Zelota

“Apolo pregando” (foto: Canal YouTube da Associação Catarinense).

Na celebração do que deveria ser apenas um Batismo de Primavera, os membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) Central de Alvorada, RS, foram surpreendidos com um discurso anticomunista e homofóbico. A fala do Pr. Apolo Streicher Abrascio, num sermão de sábado (25), em setembro de 2021, expressou emoções de cunho político, alegando, por exemplo, que “nós escolhemos as pessoas que dirigem a nós”, ao mesmo tempo que dirigia críticas diretas ao Partido dos Trabalhadores (PT). Em acréscimo, o pastor também defendeu pautas comuns a agendas políticas da extrema direita, como a criminalização da união homoafetiva.

De forma semelhante a outros pastores adventistas que afirmam neutralidade ideológica, ao mesmo tempo que promovem agendas direitistas, Apolo Abrascio alega “não estar falando de política, mas de fatos”. Do púlpito, o atual presidente da Associação Norte Sul-Rio-Grandense (ANSR) declarou que a “prática homoafetiva deveria continuar sendo ilegal”, pois “a Lei de Deus determina assim”. Ele explica aos membros que essa perspectiva mudou por conta de políticas de Estado provenientes de iniciativas petistas; cujo plano de governo de “militância socialista” seria implantar “uma atitude que a Bíblia condena” e “tornar a religião ilegal” no Brasil. O plano, naturalmente, falhou, porque “graças a Deus ainda temos pessoas no legislativo que têm o temor do Senhor”, afirma o pastor, sem especificar quem seriam essas pessoas.

Ao ser proferida publicamente, a fala de Apolo possui implicações tanto legais quanto eclesiásticas; fato reconhecido pelo próprio pastor, ao assumir que “isso daria cadeia pra mim”, já que suas declarações poderiam configurar crime de racismo homofóbico. Além disso, as explicações teológicas expostas por Apolo não encontram paralelo no ensinamento oficial da IASD a respeito da homossexualidade; a instituição também não defende a ilegalidade da prática homoafetiva, aludindo ao fenômeno como prática pecaminosa restrita ao âmbito individual. 

Apolo também teria reagido de forma persecutória após ser criticado por uma adventista gaúcha a respeito do sermão. Depois de procurá-la para conversar pessoalmente e ter seu pedido, em última instância, recusado, o pastor teria ido até a casa da membra e insistido em entrar sem seu consentimento. O presidente da ANSR teria manifestado um comportamento similar nas redes sociais este ano, insistindo em saber “quem é o pastor” de membros da IASD que não se alinhavam ao seu discurso.

“Isso daria cadeia pra mim”

O sermão de Apolo possui diversas considerações psicológicas e científicas a respeito da homossexualidade. Segundo o pastor, “a ciência diz assim: não existe gene gay”; mas a “escolha homoafetiva” seria uma decisão tomada “ao longo da vida”, influenciada por fatores que vão de “abuso” ou “famílias desestruturadas”, ao “lobby1 e à “propaganda” a favor da homossexualidade. Para afirmar que é possível ser um ex-gay, por exemplo, o presidente da ANSR compara a homossexualidade ao roubo e ao assassinato:

“Se existe ex-ladrão, se existe alguém que matou, roubou, fez tanta coisa má, se converte e Deus perdoa, e ele muda a sua vida, será que Deus é incapaz de mudar o coração de alguém que praticou um pecado chamado homossexualidade?”, pondera.

No contexto de tais declarações, Apolo parece ter certa noção do perigo que sua fala representa para ele de uma perspectiva legal. Igualando seu discurso ao livre exercício da religiosidade, e argumentando que suas declarações não são preconceituosas, o pastor afirma que a atitude do governo petista “fez com que a religião quase se tornasse ilegal no Brasil”, pois “as leis foram feitas de tal maneira que falar o que estou falando aqui hoje daria cadeia pra mim”.

De fato, para o Dr. Paulo Iotti, diretor-presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS) e autor das ações de criminalização da LGBTfobia acatadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, a vinculação da homossexualidade a famílias desestruturadas, ao abuso e a comparação leviana com homicídio e roubo certamente configuram crime de racismo homofóbico.

Em sua sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), o Dr. Paulo Iotti defende que “pela unicidade biológica da raça humana, abandonou-se o conceito de raça biológica e adotou-se o conceito político e social: a inferiorização de um grupo social relativamente a outro.” Partindo dessa perspectiva, “homofobia e a transfobia configuram crime de racismo”, pois inferiorizam “as pessoas LGBTI relativamente a pessoas heterossexuais e cisgênero”, argumenta.

Sua Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO nº 26/DF), uma vez acatada pelo STF, criminaliza a homotransfobia enquadrando-a como prática de racismo, nos termos da Lei nº 7.716/89. A pena para este crime é de um a três anos, além de multa; e se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa. Em uma possível ação penal somente Apolo estaria implicado, mas em uma ação cível a pessoa jurídica da IASD seria responsabilizada pelas falas de seu representante.

As posições do presidente da ANSR, no entanto, não são partilhadas pelas declarações e documentos oficiais da IASD, a despeito de tentativas do pastor de se apropriar do próprio discurso como oficial. O Manual da Igreja, por exemplo, embora considere a “atividade homossexual” razão para disciplina eclesiástica e uma “perversão do plano original de Deus”, nada tem a dizer sobre as origens biológicas ou psicológicas da orientação homossexual, e tampouco afirma que esta é uma escolha do indivíduo.2

Questionando um presidente

O sermão de Apolo Streicher na IASD Central de Alvorada, prestigiando a celebração pelo Batismo de Primavera, concentrou-se em comparar a sociedade de Sodoma, cidade destruída por Deus em Gênesis 19, com a sociedade brasileira atual. Segundo o pastor, “o que mais desagradou a Deus” naquela cidade “foi uma atitude de gênero”, pois “a legislação” de Sodoma teria estabelecido “a validade de um casamento, de um relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo”.

No entanto, não há passagem bíblica citada ou evidência extrabíblica de que houvesse tal legislação em Sodoma. Além disso, o presidente da ANSR chega a narrar sua própria versão paralela do relato bíblico, parafraseando a resposta de Ló aos sodomitas – na ocasião em que a casa do personagem é invadida pela população local –, ao passo que implica suas interpretações ideológicas:

Gênesis 19.6-8 (NAA)Apolo Streicher Abrascio (ANSR)
“Então Ló foi até a porta, fechou-a atrás de si e lhes disse: — Meus irmãos, peço-lhes que não cometam essa maldade. Olhem aqui! Tenho duas filhas, virgens, e vou trazê-las para vocês. Façam com elas o que quiserem, porém não façam nada a estes homens, porque se acham sob a proteção do meu teto.”“E Ló disse: — Não, de forma alguma. Vocês sabem como é a Lei de Deus. A lei de Deus diz que casamento tem que ser heterossexual.”

O pressuposto de Apolo para retrabalhar o relato bíblico é sua percepção de que a sociedade brasileira, ao tirar a prática homoafetiva da ilegalidade, teria se tornado como Sodoma. “A prática homoafetiva, ela deveria continuar sendo ilegal. Por quê? Porque a lei de Deus determina assim,” afirma o pastor no sermão. A “militância socialista”, por outro lado, “estabelece como plano de governo uma atitude que a Bíblia condena”. 

Curiosamente, o Brasil não inclui “sodomia” ou análogos em seu Código Penal desde 1830, período da monarquia anterior à publicação do Manifesto Comunista. O documento oficial da IASD a respeito do assunto também não inclui referência às posições de Apolo, e sequer usa a narrativa de Sodoma como exemplo da prática homossexual a ser proibida. O Nisto Cremos, compilado das crenças fundamentais da IASD, apresenta Gênesis 19 como exemplo negativo de prática homossexual, mas não trata a orientação sexual nos termos do pastor gaúcho, limitando-se a falar de uma “inversão” na orientação sexual conforme criada por Deus.3

Para além dos temas teológicos, ao utilizar o púlpito como espaço de propaganda para promover discursos políticos e atacar partidos, Apolo Streicher Abrascio entra em desacordo com o documento oficial que instrui a respeito da postura dos adventistas em relação à política, assim como Gilson Grüdtner, que deixou o UNASP, campus São Paulo, e atualmente pastoreia em Americana, no interior do estado de São Paulo.

De acordo com o documento, a IASD “não autoriza o uso do espaço físico de seus templos, sedes administrativas e instituições para qualquer tipo de propaganda político-partidária-eleitoral”; e alerta que pastores “devem ter constante cuidado para não dar declarações que demonstrem preferências por ideologias, candidatos ou partidos.”

Ademais, o comportamento do presidente da ANSR no púlpito e no ministério põe em questão sua adequação ao cargo de presidente do campo. Segundo os Regulamentos Eclesiástico-Administrativos (REA) da DSA, artigo E 60, o “presidente de uma Associação/Missão deve ser um pastor ordenado de experiência e de boa reputação, porque está na liderança do ministério evangelístico de sua Associação/Missão e é o pastor dos pastores, responsável por manter o nível espiritual de todo o campo, e pastor ou supervisor de todas as igrejas da Associação/Missão”.

Apolo poderia, inclusive, sofrer uma disciplina administrativa, conforme o artigo E 12 15 S: 

3. Por apostasia e insubordinação. O obreiro deve ser disciplinado quando abandona os princípios bíblicos e eclesiásticos; quando apoia reiteradamente qualquer atividade que mina a autoridade da denominação; quando se nega persistentemente a reconhecer a autoridade devidamente constituída da Igreja; quando não se submete à ordem e disciplina da igreja local; quando critica destrutiva e reiteradamente a estrutura da Igreja. […]

11. Por outras razões. Deve-se disciplinar o obreiro que incorra em qualquer conduta incompatível com as altas normas da ética cristã. Quaisquer outros motivos (ver B 100 22) ou conduta inconsistente com as elevadas normas da ética cristã, ou quando sua conduta lançar sombras sobre a integridade do corpo de obreiros, tal como violência, calúnia, difamação, falso testemunho ou outras atividades questionáveis que demonstrem que o obreiro é indigno de ser um líder na Igreja.

12. Ingresso em atividade político-partidária. Deve-se disciplinar o obreiro de linha ministerial ou missionária que ingressar em atividade político-partidária, seja na condição de candidato, membro filiado de partido político, assessor, agente promocional, marketing político formal e informal, inclusive por meio de mídias digitais e qualquer outro envolvimento político-partidário, sem antes ter renunciado a sua condição de obreiro, de acordo com o previsto em E 12 20 S.

Sendo que Apolo não só um obreiro, mas também um administrador de campo, o procedimento para questioná-lo segue o artigo E 12 12 S do REA, e o assunto deverá ser referido à organização superior, isto é, a União Sul Brasileira (USB). Ela procederá da seguinte maneira:

1. O presidente da organização superior [atualmente Marlinton Lopes, presidente da USB] convocará e presidirá uma nova reunião da Comissão Diretiva da organização afetada, na tentativa de chegar a uma definição. O número de administradores das organizações superiores presentes em tal reunião, com direito a voto, não deve exceder a 10% dos membros presentes da Comissão Diretiva da organização afetada. […]

3. Se após tomarem o passo mencionado no ponto 1, ainda não se chegar a uma conclusão e o caso afetar um administrador de uma associação, ou de uma união-associação, a organização superior convocará o corpo constituinte da organização afetada, que, com todos os dados em mãos, tomará uma decisão final.

4. Quando se fizer necessário, serão aplicadas as medidas disciplinares previstas em E 12 20 S.

De acordo com o artigo B 05 10, o corpo constituinte de uma Associação/Missão, a ser convocado para tratar de questionamentos ao administrador de seu campo, “está formado pelos delegados nomeados e enviados à respectiva assembleia pelas igrejas que a compõem, na forma e proporção estabelecidas no regulamento interno da Associação/Missão, chamados delegados regulares; mais os delegados gerais indicados no regulamento.” As medidas disciplinares em E 12 20 S vão desde uma suspensão temporária da licença/credencial do obreiro até seu cancelamento permanente e a anulação de sua ordenação.

Ativismo político-ideológico na internet

As atividades de Apolo não se restringem ao púlpito: ao contrário do que se exige dos pastores adventistas, ele possui um ativismo constante nas redes sociais, com especial atuação no Twitter (@ApoloAbrascio). Em sua conta, Apolo posta reflexões bíblicas, declarações polêmicas sobre assuntos político-ideológicos e, não raro, se envolve em discussões e ações persecutórias. Algumas dessas ações podem, inclusive, extrapolar o ambiente digital e tomar expressões na vida real.

Daiana Felix, 38, moradora de Porto Alegre, RS, não estava na igreja de Alvorada no dia da pregação. Assistiu o sermão no dia seguinte (26), e publicou em seus stories do Instagram: “O púlpito usado para cometer crimes e para fazer campanha política. Pra que pregar Cristo? Pra que falar do amor de Deus e de salvação?” O story foi repassado a Apolo, que no mesmo dia conseguiu o número de telefone de Daiana e lhe mandou mensagem, querendo marcar uma conversa “respeitosa e cristã”, pessoalmente, a respeito do “tema da pregação”. Marcaram a conversa para a quarta-feira (29), três dias depois.

Algumas complicações surgiram na terça-feira (28), quando Apolo entrou em contato com o marido de Daiana e o incluiu na conversa sem avisá-la. “Ele disse ao meu marido que se soubesse que eu era casada teria falado antes com ele,” conta Daiana à Zelota. “Eu me senti desrespeitada, foi uma atitude muito machista da parte do pastor.” Ironicamente, ao assistir o sermão, o marido de Daiana desmarcou a conversa na mesma hora. “Ele ficou muito irritado com o que viu e não quis falar com o pastor,” explica Daiana.

Ao ser informado sobre o cancelamento, o pastor insistiu pelo WhatsApp, sendo recusado novamente. Segundo Daiana, próximo ao horário previamente combinado, chegou uma mensagem do pastor: “Estou a caminho, ore.” O presidente da ANSR chegou no portão da casa de Daiana com sua esposa, e insistiu para entrar, só desistindo após ser deixado sozinho do lado de fora. “É muito desrespeito. Primeiro ele passa por cima de mim e do que a gente combinou pra tratar com meu marido sem meu consentimento, e depois não aceita a decisão dele. Ele ficou me ligando, mas eu não atendi,” desabafa Daiana. “Ele não sabe receber um não.”

O comportamento persecutório do presidente da ANSR não se limita ao território de sua Associação, e pode ser observado até mesmo em suas redes sociais em tons de ativismo político-ideológico. Após publicar um emblema de “Adventistas Antifascistas” no Twitter, Jonathan Monteiro, 24, foi abordado pelo Pr. Apolo, que afirmou também ser antifascista e perguntou quem é o pastor de Jonathan. Não tendo sua pergunta respondida, deixou suas intenções mais claras: “você se declara ‘gay e adventista’. Isso é bastante específico. Então, gostaria que você fosse claro, verdadeiro e específico. Você é que [sic] igreja adventista e de que pastor?” Questionado por Jonathan, o pastor gaúcho sugeriu que este estaria mentindo ao se afirmar adventista, comparando a identidade adventista a um comprovante de vacinação contra COVID-19 para defender a necessidade de registro junto ao CNPJ da IASD. 

Em artigo republicado anteriormente pela Zelota, Jonathan afirmou ser membro oficial de uma IASD afirmativa. Em resposta à revista, o “gay e adventista” esclareceu que foi perseguido pela IASD em diversas instâncias por sua postura afirmativa da identidade LGBTQIAP+, e que chegou a ser removido como membro de sua igreja em Seropédica, RJ. “O Pr. Apolo provavelmente conheceu essa metade da história através de páginas do Facebook, e queria provar que eu não sou membro para deslegitimar meu discurso,” explica. “Mas graças a Deus encontrei uma igreja oficial que me aceita sem preconceitos, então permaneço membro oficial da IASD.”

Outro exemplo, mais recente, ocorreu ontem (28), em que Apolo se envolveu em uma discussão no Twitter a respeito da compatibilidade de pautas feministas com a Bíblia. Em sua afirmação, ele afirma que a licença maternidade já havia sido estabelecida pelas Escrituras e, portanto, “a mulher encontra dignidade e respeito nas inspiradas páginas da Bíblia, e não nas macabras pautas feministas”. Mesmo depreciando o movimento, em tweet posterior, o pastor alegou respeitar a feministas, entendendo que existe uma “parte boa” e uma “parte ruim” do feminismo, sendo a última relacionada ao “aborto, imoralidade, gênero etc.” Para o pastor, as pautas “ruins” classificam o movimento como anticristão.

Reagindo à afirmação do pastor na rede social, Vanessa Aszalos Freire (@vanessaaszalos), 40, ex-adventista, pediu que o ministro respeitasse as feministas e falasse de Bíblia: “Se respeitasse as feministas ficava quieto. Vai falar de Bíblia. As mulheres falam de feminismo. Vai cuidar da sua vida.” Em resposta, Apolo se dirige a Vanessa como “Belinha”, causando constrangimento na ex-adventista, que pediu para que o pastor não a adjetivasse dessa maneira por falta de intimidade. Insistindo na discussão, no entanto, Apolo se dirige novamente à Vanessa com um adjetivo semelhante, “lindinha”, e continua com seus argumentos.

Em conversa com a Zelota, Vanessa entende que a fala do pastor “é um representativo da violência velada que a mulher sofre dentro da igreja”. Para ela, o uso do diminutivo, nesse contexto, a categorizaria como menina inexperiente, uma tentativa de invalidar o seu discurso por meio de um artifício que diminui a mulher à categoria de criança:

“Ele não pode usar a agressividade, então ele vai usar a ferramenta que ele pode, e sobra essa que é muito sofisticada, a infantilização, essa diminuição, esse tratamento como se eu fosse uma menina […] É ofensivo, a fala dele foi ofensiva, típica, passivo-agressiva; o uso do diminutivo nesse contexto, dentro desse assunto, era uma pessoa tentando invalidar o que eu tava dizendo […] Ele me trata como uma menina, ele usa diminutivo, a fala dele é uma fala que me infantiliza, como se eu não soubesse do que eu tô falando,” explica.

Na mesma thread do tweet polêmico, Vanessa fez menção a um caso noticiado pelo G1, em que uma adolescente de 15 anos levou um tiro na boca, no nordeste do Pará, dentro de um motel, de um suspeito militar que foi preso em flagrante. No quarto, estavam outras duas pessoas, uma adolescente de 14 anos e outro militar. Ao comentar o caso, Apolo concordou ser “algo horrível”, ao mesmo tempo que afirmou ter sido um “abuso de adultas”, quando se referiu às meninas de 14 e 15 anos. Para Vanessa, essa atitude deixou clara a incoerência do pastor, que a tratou como criança, mas considerou adultas duas adolescentes abusadas por militares.

https://twitter.com/apoloabrascio/status/1519624386680172547?s=21&t=yBpfXDLCzpr3YlVk-xwVkw

Ainda assim, a ex-adventista não se sentiu pessoalmente atacada, pois a atitude do pastor, para ela, é característica típica de alguns pastores adventistas: “Foi uma fala curta, mas que pra mim condensa o machismo do pastor adventista brasileiro.” No entanto, ela informa à Zelota que outras pessoas se sentiram pessoalmente atacadas, e que muitas delas entraram em contato por WhatsApp ou por mensagem, a fim de expressar suas indignações com o ocorrido.

Momentos após o ocorrido, o tweet do pastor recebeu uma variedade de críticas, tanto de adventistas quanto de ex-adventistas, que entenderam a sua postura como desrespeitosa, principalmente por ser proveniente de um presidente de campo. Muitas das críticas direcionadas à atitude de Apolo expressavam a tristeza de ex-membros da instituição, que justificaram sua saída da igreja por conta de discursos semelhantes. Para @laishh, por exemplo, “a cada dia que passa eu me sinto cada vez melhor por ter saído da igreja, justamente por pensamentos iguais a esse que me dão nojo”.

Opróbrio à IASD 

A postura de pastores e obreiros como Streicher difama a IASD à medida em que os vídeos de suas pregações viralizam como discurso de ódio e  intolerância religiosa. Apesar do pastor acreditar que as leis que enquadram seu discurso como criminoso existem para perseguir e cercear a liberdade da igreja, tais leis existem pela necessidade do Estado conter a violência contra a população LGBQTIAP+, que é produto de um discurso religioso pouco preocupado em amar e incluir, mas condenar e excluir. 

Nesse sentido, o uso político do púlpito desrespeita tanto as prescrições da IASD para seus obreiros quanto as leis governamentais. Streicher difama não só a Instituição, mas se apropria do evangelho retirando Cristo de seu protagonismo, colocando o texto bíblico em segundo plano. O protagonismo passa a ser do pastor e de suas convicções políticas pessoais, se afastando da sistematização teológica adventista e promovendo delírios persecutórios e conspiracionistas de pastores adeptos de ideologias de direita. Tal discurso não só se limita à igreja local, mas está disponível na internet. 

No fim, tais discursos envolvem o nome da igreja em polêmicas que, além de obstruir a mensagem da salvação e do segundo advento de Cristo, envergonham a IASD e a colocam em uma posição sujeita a penalizações legais por promover racismo homofóbico. O comportamento desses pastores, às vezes defendido como zelo pela moralidade cristã, manipula a palavra de Deus para defender convicções políticas e ideológicas, pois, apesar de assumir-se “não partidário”, remete ao projeto político de partidos que se alinharam a igrejas para defender um modelo político que mina a laicidade do Estado, e promove o poder político da igreja nos governos. É nesse sentido que as ideias defendidas por esses pastores são partidárias.

A revista Zelota entrou em contato com o Pr. Apolo Streicher Abrascio para questioná-lo a respeito das falas, posicionamentos e atitudes citadas nesta matéria. Em ligação, o pastor optou pela liberdade para não responder as perguntas. A revista também ofereceu a ele a oportunidade de enviar suas considerações por Whatsapp, mas ele não se manifestou até a publicação da matéria.

Notas:

1. Atividade de influência, ostensiva ou velada, por meio da qual um grupo organizado, por meio de um intermediário, busca interferir diretamente nas decisões do poder público, em especial do poder legislativo, em favor de causas ou objetivos.

2. Manual da Igreja, 2015, p. 64, 155, 163.

3. Nisto Cremos: as 28 crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia, capítulo 23, p. 368. Tatuí: CPB digital, 2017.