A censura do videoclipe “Clareou”, do Vocal Livre, foi provavelmente ordenada por uma autoridade extraoficial, levando ao pedido de demissão de Pedro Valença e à centralização da produção musical no UNASP


20 abr., 2022 | Da redação Zelota 

“Vocal Livre” (Foto enviada por Pedro Valença)

Os nomes seguidos de asterisco (*) são fictícios para proteger a identidade das fontes

No início de 2022, e final do mês de janeiro, o grupo musical Vocal Livre resolveu retirar do YouTube seu clipe recém-lançado, “Clareou”. O samba, adaptado da composição original de Rodrigo Leite e Serginho Meriti, foi ao ar no canal do grupo no dia 1º de janeiro de 2022. Em um espaço de aproximadamente 20 dias, influenciadores adventistas associados a ideologias de extrema direita, e youtubers em possível conflito de interesses com a instituição, publicaram vídeos e textos direta ou indiretamente relacionados ao clipe, com o intuito de invalidar o gênero do samba como estilo musical para a adoração adventista.

Em conversa com a Zelota, membros do grupo, entre outros próximos aos acontecimentos, relataram que a exclusão do clipe ocorreu por conta de um apelo da direção do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), campus Engenheiro Coelho, na pessoa do Pr. Martin Kuhn. Eles contaram que, embora abordados pela diretoria do campus, o pedido para retirar o material do ar teria sido, na verdade, uma interferência de “superiores”, e que o UNASP apenas cumpria ordens para a manutenção da política de boa vizinhança. 

Nesse contexto, por conta das controvérsias, o fundador do grupo Vocal Livre, Pedro Valença, pediu sua demissão do centro universitário; e no dia 25, o grupo publicou uma nota de esclarecimento, afirmando que retiraria o clipe de sua plataforma, “respeitando a cultura institucional adventista do 7° dia”, desistindo de sua produção e apaziguando as discussões em torno do material publicado. Dois meses depois, músicos no UNASP relataram à Zelota uma crescente centralização da produção musical no campus sob a administração de Lineu Soares, regente e professor no centro universitário.

De acordo com a declaração oficial do grupo, “a música ‘Clareou’ teve como finalidade levar uma mensagem de esperança e fé por meio de uma música popular com ritmo alegre, em ações sociais e missionárias, feitas por nós em ruas, praças e outros locais públicos”. Segundo o mesmo documento, nenhum membro do grupo recebeu disciplina eclesiástica por conta do lançamento do videoclipe, e também não foram proibidos de se apresentar em templos e instituições adventistas. Eles afirmam que o clipe foi retirado para que não se tornassem motivo de escândalo aos irmãos.

O videoclipe permanece fora do ar, e a autoridade responsável pela censura ainda é incerta, já que existe a possibilidade de que a decisão não tenha sido tomada por viés oficial. Isso se soma ao fato de que o UNASP e a União Central Brasileira (UCB) não são transparentes sobre o assunto, causando desconfiança a respeito dos processos de decisão internos na instituição. Ao mesmo tempo, muitas outras músicas com ritmos de samba foram publicadas por adventistas, o que leva a questionar a crítica desproporcional oferecida ao Coral Livre em um contexto em que a música adventista se utiliza do gênero para compor suas canções.

No olho da rua

O grupo musical adventista “Vocal Livre” existe há 12 anos, e foi fundado e conduzido por Pedro Valença (33). A carreira do grupo estava no ápice em meados de 2018: “a gente viajava o país, todo mundo junto, igrejas lotadas”, conta Pedro à revista Zelota. “Isso era muito gostoso como músico, mas começou a me incomodar como ministério e missão. A gente também precisava olhar para fora, se comunicar de maneira intencional com quem não está no contexto adventista.” Com esse dilema em mente, Pedro afirmou ter sido incomodado por Deus para cantar na rua a pessoas que jamais os ouviriam em uma igreja adventista ou em um auditório.

Dessa idealização missionária, surgiu, em 2018, o “Coral Livre”, que agregou um grupo de pessoas maior ao núcleo do Vocal Livre para que as músicas fossem ouvidas em ambientes abertos, mesmo sem infraestrutura. O projeto foi nomeado “No olho da rua”. Nas palavras de Pedro, “muitas coisas marcantes aconteceram nesses 12 anos de ministério, mas o Coral Livre foi a maior de todas. A gente fala muito de esperança, paz, alegria, graça, salvação, mas isso é o nosso dia a dia; acompanhar pessoas impactadas, que não sabiam disso, na rua, é muito legal.”

No entanto, ainda havia ruído na comunicação, pois, na rua, as pessoas não se identificavam com “músicas congregacionais”, ficando claro que, para essa proposta evangelística, era necessário abordar as pessoas do conhecido ao desconhecido: “nossas músicas exigiam algum tipo de compreensão prévia de algo, para que as pessoas assimilassem a estética e entendessem do que eu estava falando”, explica Pedro. A linguagem das músicas cantadas pelo Coral não atingia da mesma forma o público que não estava acostumado à adoração na igreja. 

Foi então que Pedro Valença conheceu a música “Clareou” em um show de Estevão Queiroga, também músico adventista. “Eu vi que essa música era certeira: a mensagem, a letra, a melodia, o ritmo, é tudo maravilhoso e qualquer um entende”, relembra Pedro. Por isso, a música foi acrescentada ao repertório de rua do Coral Livre, já em 2018, sendo publicada em redes sociais sem grandes repercussões negativas. Em 2019, ela chegou a ser apresentada, por exemplo, em um programa da TV Novo Tempo, emissora oficial da IASD.

Os problemas com a música, no contexto adventista, surgiriam apenas em janeiro de 2022, no final da pandemia da COVID-19. O grupo, cujo projeto de rua estava parado há dois anos em respeito às medidas de distanciamento social, resolveu gravar um videoclipe da música em ritmo de samba. Pedro esclareceu que, “por causa desse momento de tanto sofrimento, a gente quis começar a lançar várias músicas falando de alegria, de paz, que fizessem as pessoas olharem para cima”.

Ele também enfatizou a coerência da gravação com o objetivo do Coral: “a internet é a rua. O YouTube não é uma IASD no sábado de manhã, é um espaço aberto onde todo mundo coloca todo tipo de conteúdo, e com formas totalmente diferentes de comunicação.” O líder do grupo confessa não ser um grande ouvinte de samba, mas, na sua concepção, “em um ministério, a preocupação deve ir além do que eu gosto ou quero. Música é linguagem, e para me comunicar com outras pessoas eu preciso falar a língua delas, algo que não fere princípio nenhum”.

“Com toda a polêmica, a gente fica focado nas coisas ruins, fica até difícil focar em outras coisas. Mas teve muita coisa boa: a gente se comunicou com pessoas que a gente nunca esperaria conversar. As críticas foram muitas, mas a maior parte delas se referia ao estilo musical, o samba, que supostamente não agrada a Deus e não pode ser usado na adoração por conter elementos da cultura popular. A variedade de mensagens sobre esse mesmo tema foi infinita: remete aos batuques das religiões africanas, remete ao Carnaval brasileiro e essa cultura da carne. E mesmo quando a gente justificava, explicando que estávamos tentando atingir um outro público, eles respondiam: ‘quando Jesus ia alcançar os bêbados, ele não bebia, pra alcançar as prostitutas ele não se prostituía’ etc. Tudo isso sempre dizendo que nossa música lançada ofende os princípios instituídos na Palavra de Deus e no Espírito de Profecia a respeito da estética musical”, detalhou Pedro à revista Zelota

A maior parte do feedback negativo, segundo Pedro, estava presente nos canais do grupo; o próprio vídeo continha diversos comentários pejorativos que precisaram ser deletados por conta de um discurso que envolvia violência racial, violência contra outras denominações e ódio a gostos musicais distintos da cultura adventista, como o samba. Em meio à confusão, influencers adventistas aproveitaram para dar suas opiniões sobre o assunto; “todo mundo abocanhou um pedaço”, brinca o líder do coral. Por outro lado, alguns pastores também manifestaram publicamente apoio ao grupo, como Ruben Bullon e seu pai, Alejandro Bullon.

“Que tiro foi esse?”

Pedro Valença explicou à Zelota que o Coral Livre foi criado por ele. Contudo, com o tempo, o grupo foi absorvido pelo UNASP e pelas instâncias oficiais do centro universitário, já que ele era um funcionário. Por ocasião da polêmica gerada em janeiro, com o lançamento do clipe no YouTube, Pedro teve uma conversa pessoal com o reitor do UNASP, Pr. Martin Kuhn, de onde resultaram duas decisões: a retirada do clipe e o pedido de demissão do líder do grupo. 

Em contato com duas fontes do Coral Livre e outras duas do UNASP – todas anônimas, mas envolvidas na controvérsia –, a Zelota recebeu a informação de que Pedro Valença teria sido pressionado pela direção do UNASP, após algumas reuniões administrativas fechadas para Pedro e os membros do Coral. Algumas dessas fontes afirmaram que a pressão também teria sido realizada por parte da União Central Brasileira (UCB). 

Segundo Gabriela*, uma anônima, a discussão a respeito de possíveis resoluções à polêmica começou no diálogo entre o UNASP e a UCB. Após alguma insistência, os membros do grupo foram ouvidos pelo Pr. Sergio Klein, diretor de desenvolvimento espiritual, e, posteriormente, pelo reitor do centro universitário, Pr. Martin Kuhn – já que, a princípio, as conversas ocorriam apenas no nível administrativo.

Por outro lado, em conversa com a Zelota, Pedro enfatiza que, em sua conversa com a direção, “não houve ameaça”; justamente porque o seu chefe “tem um carinho muito grande” pelo Vocal e por ele. Ao dialogar com a Zelota, o líder do coral supõe que a liderança do UNASP se viu em uma “situação delicada” e, por conseguinte, estudou a melhor maneira de lidar com a confusão que ele teria gerado. 

“Não houve pressão institucional para que eu tirasse [o clipe do ar]. Eu escolhi tirar para não gerar um conflito, porque tava pesado lidar com isso. Eles tentaram achar uma solução, e eu ajudei a chegar nessa solução. Não queria dar o tom de que houve briga, ou que houve desentendimento, pressão ou qualquer coisa do tipo”, esclarece o líder do Coral.

Uma das fontes corrobora a versão de Pedro, quando conferiu a seguinte informação à Zelota: “o ultimato do UNASP foi que o Coral Livre pertencia à instituição. Como o Pedro não contrariou esse ultimato, não houve necessidade de ameaça.”

Embora apaziguado, Pedro afirmou que não conhecia os “bastidores” da situação. Na conversa, ele alega ter explicado que, por ser uma iniciativa pessoal, instrumentalizando um grupo oficialmente vinculado ao UNASP, não era justo que outras pessoas sofressem pelas consequências de seus atos. Por estar profissionalmente ligado ao UNASP, ele decidiu pedir sua demissão para dirimir possíveis situações de desconforto por conta de sua relação com a instituição.

“O fato de eu ter um vínculo empregatício faz com que a gente tenha um trato de respeito, de parceria. E aí foi isso. Por conta disso tudo eu mesmo decidi pedir minha demissão, meu desligamento; por não querer que acontecesse outras situações de desconforto para eles. Eles também devem ter sofrido uma pressão como escola, né? Mas isso não chegou até mim”, explica o líder do coral.

A Zelota entrou em contato com a assessoria de imprensa do UNASP, na ocasião gerenciada por Maurício Lima, para que fossem respondidas ao menos três perguntas sobre o caso: 1) De onde surgiu a demanda para que alguma providência fosse tomada a respeito do clipe? 2) Qual foi o pedido dessa demanda, e quais os motivos apresentados? 3) Qual foi a ação tomada pela direção do UNASP, na pessoa do Pr. Martin Kuhn, sobre o caso? 

Como resposta, a assessoria enviou a seguinte resposta via WhatsApp: “A instituição avaliou as perguntas, e concluiu que o UNASP não tem nada a acrescentar além do que já foi explicado na nota oficial do grupo ‘Vocal Livre’.” A Zelota também entrou em contato com a assessoria de imprensa da UCB, mas não houve resposta até a data de publicação desta matéria.

Ainda que a decisão relatada se restrinja às instâncias administrativas, o movimento não é transparente, e as verdadeiras causas da censura são de origem incerta. Em tese, de acordo com os Regulamentos Eclesiástico-Administrativos (REA, seção FE 15 10 S), todas as instituições educacionais adventistas no território da DSA estão sob a jurisdição da Comissão Sul-Americana de Educação (COSAME), cuja composição é votada nos Concílios Quinquenais da DSA. Em outras palavras, se a censura foi realizada em processos oficiais, ela deveria ter passado, oficialmente, por essa instância.

De acordo com o REA, a COSAME “é o veículo principal por meio do qual o Departamento de Educação da Divisão coordena e supervisiona as atividades e programas educacionais conduzidos em todo o seu território.” Ela possui “autoridade final” nos assuntos da Educação Adventista Sul-Americana. Dentre seus objetivos, por exemplo, está a obrigação de “atuar como comissão consultiva para a Comissão Diretiva da Divisão nos assuntos referentes aos problemas educacionais, regulamentos, normas e práticas educacionais”; o que envolveria as polêmicas relacionadas ao Coral Livre.

O REA também prevê a lista de membros que compõem a COSAME de acordo com seus cargos. Apenas em tese, qualquer um desses membros poderia exercer algum tipo de autoridade sobre o UNASP para tomar decisões sobre a polêmica, ainda que nada a esse respeito possa ser comprovado:

Presidente: Um vice-presidente da DSA (Luís Mário Pinto ou Bruno Alberto Raso).
Secretário: O diretor do Departamento de Educação da DSA (Antonio Marcos da Silva Alves, ex-vice-reitor executivo do UNASP campus Engenheiro Coelho).

Membros permanentes:

O presidente da DSA (Stanley Arco);
O secretário executivo da DSA (Edward Heidinger);
O tesoureiro/CFO da DSA (Marlon de Souza Lopes);
Vice-presidente da DSA (Luís Mário Pinto ou Bruno Alberto Raso);
Assistente do presidente da DSA (Rafael Rossi);
Tesoureiro associado da DSA (Régis González dos Reis);
Um tesoureiro-assistente da DSA (Diego Lotermann de Moraes, Gerardo Alejandro Tomasini Teroel ou Sérgio Fernandes dos Reis);
Reitor do SALT da DSA (Adolfo Semo Suárez);
Associados do Departamento de Educação da DSA (Sócrates Quispi Condori);
Advogado-assistente da DSA; 
Os presidentes das Uniões da DSA: Dario Caviglione (UA); Hugo Valda Sardina (UB); Mauricio Lima (UCB); Aldo Munoz (UCH).
Os tesoureiros /CFO das Uniões da DSA: Raul Kahl (UA); Wilson Rodriguez (UB); Edson E. Medeiros (UCB); Claudio Pardo.
O diretor-geral/gerente geral da Asociación Casa Editora Sudamericana (ACES)(Gabriel Cesano);
O diretor-geral/gerente geral da Casa Publicadora Brasileira (CPB) (José C. Lima);
O tesoureiro/CFO/diretor financeiro da ACES (Henrry Mendizabal);
O diretor financeiro da CPB (Uilson L. Garcia);
Os diretores do Departamento de Educação das Uniões da DSA: Eduardo Valentini (UA); Marco Antonio L. Goes (UB); Ivan Goes (UCB).

Membros rotativos por dois anos e meio:

Dois diretores-gerais de colégios superiores ou universidades;
Um técnico não obreiro.

Segundo o relato das fontes anônimas consultadas pela Zelota, o processo que desencadeou a conversa entre Pedro Valença e o Pr. Martin Kuhn teve influência de instâncias superiores, recaindo sobre o UNASP em forma de pressão administrativa. Esse movimento sugere uma fonte de “autoridade” diferente das oficiais, e um processo de decisão que foge aos regulamentos eclesiástico-administrativos da instituição. 

Um regente para todos governar

Dois meses após o ocorrido, músicos do UNASP têm observado uma centralização crescente da produção musical sob a direção de Lineu Soares, professor, regente e atualmente “responsável pelo setor” no campus Engenheiro Coelho. Um desses músicos é Dynan Melo (32), fundador, cantor, diretor, produtor, compositor e arranjador do Grupo Versos. Seu papel como líder do Grupo Versos foi oficializado com vínculo empregatício ao UNASP de abril de 2021 a janeiro de 2022.

Em contato com a Zelota, Dynan relata que sua relação com a instituição mudou após o incidente com o Coral Livre. Segundo Dynan, o vínculo do grupo ao UNASP até então se dava de uma forma “talvez distante”, e o apoio da administração consistia na concessão de espaços para apresentações e ensaios; “mais do que isso também nunca foi exigido por nós”, explica Dynan. 

Além disso, alguns líderes de iniciativas musicais eram contratados e remunerados para conduzir seus grupos, os quais “investiam nos seus projetos independente de uma aprovação final da instituição. A relação sempre foi de confiança”, acrescenta o músico.

Dynan observa que a demissão de Pedro Valença, no entanto, teria trazido uma mudança na postura da administração, que passou a “assumir vínculo empregatício somente com líderes de grupos que judicialmente sejam 100% da instituição”, sob ingerência direta de Lineu Soares, o “responsável pelo setor”. 

Nesse contexto, Dynan explica que “decidiu manter sua palavra” e não compartilhou a liderança do Versos com Lineu, motivo pelo qual o colégio “rompeu o vínculo empregatício e nos deu a opção de sermos parceiros”. Agora, o grupo assumiu sua independência, sem benefício de terceiros. “Se somos independentes, temos liberdade para gerir todo o negócio de forma pessoal e, claro, dentro dos princípios da igreja, nos quais acreditamos e vivemos”, afirma.

De acordo com Lucas*, estudante do UNASP que não quis se identificar, as medidas de centralização não se limitaram à demissão de funcionários. Ele explicou que o Coral Livre, buscando um local para ensaiar, fez um pedido à igreja do campus, que pertence à comunidade mais ampla de membros da IASD: “[eles] estavam quase conseguindo quando foram barrados.” Curiosamente, “a comissão para decidir isso é feita junto com a Escola de Artes” do UNASP, explica Lucas. 

Frente a estas restrições, o Coral Livre tem buscado outros espaços para ensaiar; a academia BS Fitness, de Engenheiro Coelho, cedeu o espaço a eles, e a prefeitura lhes cedeu a creche do município. O estudante, por fim, desabafa: “Eu sei que nada disso diz respeito ao samba, mas no fim das contas é uma história sobre poder.”

“O morro foi feito de samba”

A despeito das incertezas, das possíveis influências extraoficiais, e da falta de transparência da instituição para explicar os processos de tomada de decisão, a censura do videoclipe possui motivação cultural, e pode ser explicada a partir de ideologias dentro do adventismo brasileiro.Todas as fontes consultadas pela Zelota, e inclusive as manifestações de influencers adventistas, confirmam que a crítica direcionada ao clipe diz respeito ao ritmo de samba. 

Conforme já demonstrado em artigo, a relação entre o samba e o adventismo é historicamente conflituosa; em suma, ela é motivada por ideologias racistas e anticomunistas, carecendo de bases bíblicas. Por essa razão, mesmo ausente de substância teórica e justificativa teológica, o discurso adventista contra o samba interfere de forma material na realidade, e encontra espaço para atuação no contexto eclesiástico-administrativo, como no caso da censura do videoclipe “Clareou”.

Marcelo Meireles, produtor musical adventista, concorda com a explicação. Para ele, historicamente, o samba no Brasil não está ligado ao protestantismo em sua origem: “ele possui todas as conotações possíveis no Brasil, menos a protestante.” Nesse sentido, a cultura adventista se desenvolve alheia ao gênero musical, afinal, “ela provém de cultura alemã; [o samba] não tem nada a ver com a gente, isso é ‘música de malandro’”, parafraseia Meireles, na tentativa de explicar um pensamento generalizado que era compartilhado pela IASD.

Por conta da alienação do adventismo brasileiro da cultura musical em que está inserido, além das ideologias racistas e anticomunistas, “quando você toca samba na igreja, você está mexendo em uma ferida profunda, porque são décadas de inimizade”, explica Meireles. Ele entende que alguma liberdade musical em relação ao samba ocorreu, provavelmente, a partir de 1990, em que o seu ritmo e suas variantes passaram a compor diversas canções adventistas sem muita crítica denominacional.

O músico, por exemplo, explica que a música “Sonho Brasil”, composta por Lamartine Posella, “é uma bossa nova, ou seja, um samba lento”. Ela foi gravada pelo Novo Tom, grupo musical adventista idealizado por Lineu Soares. Além disso, o mesmo grupo também gravou “Tu estás comigo”, que possui elementos rítmicos influenciados pelo gênero do samba. Em outros termos, a despeito de críticas que influenciam decisões eclesiástico-administrativas à censura, é possível evidenciar iniciativas que, a passos lentos, tentaram agregar o samba ao repertório adventista; e, isto, pelo menos, desde 1975 com “Na Bahia tem”, cantada em eventos pelo quarteto Arautos do Rei.

Diversas outras canções adventistas que ecoam ou utilizam elementos do gênero são perceptíveis no repertório da instituição, como “Sábado”, de Daniel Salles; “Se melhorar melhora”, de Fernando Rochael; “O amor vai compreender”, de Leonardo Gonçalves; “Redentor”, de Leonardo Gonçalves feat Ana Caram; e “Muito além do Sol”, de Regina Mota. Na prática, a produção musical adventista demonstra um quadro otimista, que agrega aos poucos os principais estilos musicais brasileiros ao contexto da adoração.

Deve-se questionar, portanto, o motivo de o videoclipe “Clareou” receber uma investida crítica desproporcional às outras produções da instituição. Afinal, o ritmo do samba costuma aparecer nas produções adventistas sem sofrer o mesmo nível de censura do videoclipe “Clareou”. A ação de influencers associados a ideologias de extrema-direita, fortalecida por decisões eclesiástico-administrativas pouco transparentes, sugere o fortalecimento de discursos racistas e anticomunistas na instituição.

Atualmente, tanto o Vocal Livre quanto o Coral Livre continuam sob a responsabilidade de Pedro, mesmo não estando vinculado ao UNASP. O grupo planeja lançar 12 singles ainda em 2022, com o objetivo de comunicar ainda mais alegria ao coração das pessoas, adventistas ou não, e sua próxima música, “Dias de Paz”, já teve o lançamento anunciado nas páginas do grupo.