Existem muitas Igrejas Adventista do Sétimo Dia que aceitam pessoas LGBTQIAP+ como membros atuantes e outras que estão à caminho da afirmação, ainda que no Brasil essa realidade se restrinja a poucos do contexto evangélico
Sentir-se seguro, estar livre de perigos e incertezas, é uma necessidade natural de qualquer ser vivo. No entanto, para uma pessoa LGBTQIAP+, muitas das vezes, a igreja, ou a comunidade de fé, é o último lugar onde ela encontra segurança contra riscos à sua vida, pois a qualquer momento pode se deparar com algum infortúnio ou ameaça. Mesmo assim, muitos de nós sentimos a necessidade de desenvolver nossa espiritualidade em uma igreja e, portanto, procuramos locais dessa natureza. Isso não é diferente para a pessoa LGBTQIAP+.
Segundo o coletivo Evangélicxs pela Diversidade, igrejas e comunidades inclusivas são caracterizadas pelo acolhimento de pessoas LGBTQIAP+, promovendo meios para que estas participem ativamente na vivência da congregação sem restrições em sua atuação ministerial, assim como ocorre com as pessoas cis-heterosexuais. Contudo, mesmo sendo mais frequentadas por pessoas LGBTQIAP+ ou sendo mais plurais e diversas, muitas dessas igrejas e comunidades inclusivas adotam teologias e discursos moralistas ao exercício da sexualidade e à liberdade de corpos.
Há também igrejas e comunidades progressistas que, geralmente, estão ligadas a lutas, movimentos sociais e atuam na defesa de pautas dos Direitos Humanos. Entretanto, muitas ainda não alcançaram leituras teológicas que transcendem a cis-heteronormatividade. Entre suas principais limitações estão a não ordenação, a não realização de casamentos ou mesmo a não afirmação dos direitos humanos para a população LGBTQIAP+.
As igrejas e comunidades de fé afirmativas, por outro lado, são espaços realmente seguros, nos quais não há nenhum tipo de restrição à participação de pessoas LGBTQIAP+ ou suas famílias em qualquer atividade realizada pela congregação, nem em sua liderança. Nesses locais, há a necessidade de ensino e discipulado que supere as estruturas cis-heteronormativas de poder.
Para compreender melhor esse assunto, a seguir, está a versão traduzida e adaptada ao português do site Adventist Church Welcoming Statements, que reúne em seu domínio igrejas adventistas que votaram declarações de boas-vindas, e onde pessoas LGBTQIAP+ podem congregar com segurança.
Declarações de acolhimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia
A Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) publicou oficialmente algumas declarações encorajadoras, dando boas-vindas a todas as pessoas. Aqui veremos algumas de suas declarações:
“Como imitadores de Jesus, acolhemos todas as pessoas, convidando-as para nossas comunidades de fé e servindo-as com sacrifício. […] Nos moldes do amor de Jesus Cristo, os adventistas recebem pessoas de todas as esferas da vida para se juntarem a eles na Escola Sabatina, no culto divino, na santa ceia, nos grupos de estudo bíblico e em outras atividades da igreja” — Declaração da Divisão Norte-Americana sobre Sexualidade Humana (2 de novembro de 2015).
“Cristo procurou, por preceito e exemplo, ensinar a verdade de que com Deus não devia haver muro de separação entre Israel e as outras nações (Jo 4.4-42; 10.16; Lc 9.51-56; Mt 15.21-28). O apóstolo Paulo escreveu: ‘Os gentios são coerdeiros, membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho’ (Ef 3.6). Tampouco deve haver entre os seguidores de Cristo qualquer preferência de classe social ou nacionalidade ou raça ou cor, pois todos são de um mesmo sangue. Os eleitos de Deus são uma irmandade universal, uma nova humanidade, ‘um em Cristo Jesus’ (Gl 3.28). —“Nenhum Muro de Separação”, no Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, p. 22.
“Cristo veio para demolir toda parede de separação e abrir todos os compartimentos do templo a fim de que todos possam ter livre acesso a Deus. […] Em Cristo não há nem judeu nem grego, servo nem livre. Todos são aproximados por Seu precioso sangue. Gálatas 3:28; Efésios 2:13 — Parábolas de Jesus, p. 210 e 211.
“Todos somos iguais em Cristo, o qual por um só Espírito nos uniu em comunhão com Ele e uns com os outros. Devemos servir e ser servidos sem parcialidade ou restrição. Mediante a revelação de Jesus Cristo nas Escrituras, partilhamos a mesma fé e esperança, e estendemos um só testemunho para todos.” — Crença Fundamental 14 da Igreja Adventista do Sétimo Dia “Unidade no Corpo de Cristo”, Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, p. 171.
Na prática, porém, a IASD, às vezes, tem sido excludente e repulsiva. Fechamos as portas para pessoas que não se comportam e pensam como nós ou não se parecem conosco. Nos preocupamos mais em estar certos do que em ser gentis; confundimos aceitação com concordância; estamos muito motivados pelo medo; e afastamos os sedentos que buscam a água gratuita da vida.
Agora é a hora de sermos mais assertivos em relação à receptividade e afetuosidade em nossas igrejas locais. Tão importante quanto uma missão ou visão, uma declaração de boas-vindas dá um rosto à igreja.
Igrejas Adventista do Sétimo Dia Afirmativas (ou a caminho para afirmação)
Abaixo está uma lista de igrejas adventistas que publicaram uma declaração de boas-vindas à igreja. A amplitude e a riqueza das abordagens são inspiradoras. Foi dito de Jesus: “Este homem recebe pecadores e come com eles” (felizmente, “pecadores” inclui cada um de nós). Ele viveu e morreu de braços abertos em amor a todas as pessoas. Um acolhimento semelhante é oferecido por essas igrejas.
Austrália
Central Coast Community Church | Declaração |
Fox Valley Adventist Church | Declaração, Declaração II |
Woollahra Seventh-day Adventist Church | – |
Estados Unidos
A lista de igrejas adventistas que vimos acima nos traz alguns recortes de como o adventismo se abre para a afirmação da diversidade sexual e de gênero em suas congregações. Cada uma se comporta de uma forma, e suas declarações as posicionam em diferentes áreas do espectro de igrejas.
Resumidamente, podemos dar destaque a três igrejas adventistas afirmativas situadas na Califórnia. Glendale City Church, conhecida como “a igreja dos bancos rosa”, foi a primeira igreja abertamente afirmativa dentre as igrejas adventistas pelo mundo, iniciando seu ministério ainda nos anos 1980. Sua declaração de inclusão, intitulada “Orgulho de ser afirmativo” (“Proud to be affirming”, no original em inglês), diz:
“A Glendale City Church dá as boas-vindas a pessoas de todas as origens para participar plenamente de nossa comunidade da igreja. Não discriminamos com base em gênero, orientação sexual, raça, cultura, riqueza, educação ou formação religiosa. Se você está aprendendo a amar a Deus e aos outros, você pertence a este lugar. Deus não exclui ninguém. Nem nós.”
Em dezembro de 2015, a Hollywood Adventist Church chamou a atenção da comunidade adventista pelo mundo por ter sido a primeira igreja da denominação a realizar a ordenação de uma anciã transvestigênere1, Rhonda Dinwiddie, uma mulher trans. Hoje a igreja trabalha continuamente para ser cada vez mais um espaço inclusivo. Em seu site oficial, a igreja declara que “o poder redentor do amor de Cristo se estende a todos, independentemente de idade, raça, classe, sexo ou identidade de gênero”.
Recentemente, a comissão da La Sierra University Church, após alguns anos de estudo com a congregação, aprovou em votação e recomendou à igreja, em 25 de setembro de 2018, a Declaração de Boas-vindas (“Church Welcoming Statement”, do original em inglês), votada em Assembleia de Reunião Administrativa no dia 26 de janeiro de 2019:
“A La Sierra Sierra University Church é uma igreja ‘no meio’, unindo gerações e comunidades. Somos uma congregação cristã diversificada situada no bairro 92505 de Western Riverside, próximo a dois campi, La Sierra Academy e La Sierra University. Como uma das apenas treze igrejas de campus na denominação adventista do sétimo dia na América do Norte, reconhecemos nossa responsabilidade única para com as gerações futuras.”
“Nós nos esforçamos para ser autênticos, transparentes, inclusivos e compassivos – para ser congruentes entre nossa conversa e nossa caminhada. A graça molda as formas como padronizamos nossas vidas compartilhadas e é expressa em um compromisso com o bem-estar. Somos tão fracos quanto nosso membro mais vulnerável e tão fortes quanto nosso mais saudável. Assim, nossa liturgia congregacional termina com “Fique Bem [Be Well, em inglês]”.
“Estamos no nosso melhor quando estamos dispostos a ser relevantes, transparentes e em luta com nossa fé.”
“Também estamos buscando a reconciliação com aqueles que deixamos de fora. Embora tenhamos dito: ‘Você é bem-vindo aqui’, percebemos que muitos na comunidade LGBTQIAP+, em particular, não se sentem incluídos. Confessamos que falhamos. Aspirando a seguir o mandamento de Cristo de amar uns aos outros, resolvemos trabalhar para que a mudança em nossa comunidade da igreja seja totalmente acolhedora e afirmativa para todas as pessoas LGBT+. Enquanto trabalhamos para fazer mudanças concretas e abrir novas conversas, por favor, ouça-nos quando dissermos: ‘TODOS são bem-vindos aqui’”.
Se você é líder ou pastor de uma igreja adventista e deseja que sua concregação seja afirmativa, o Adventist Church Welcoming Statements elaborou um guia de como preparar uma declaração de boas-vindas em sua igreja. Você pode ter acesso ao documento por meio do link acima.
Criando uma declaração de boas-vindas
As melhores declarações de boas-vindas da igreja são específicas, proeminentes, atraentes, acessíveis, personalizadas, concisas e produzidas por meio de conversas abertas na igreja local.
A seguir, algumas perguntas a serem feitas antes de elaborar uma declaração de boas-vindas:
- Sua congregação está aberta para que todas as pessoas participem dos cultos, estudos bíblicos, aulas da Escola Sabatina, lanches e reuniões de oração? Este convite inclui pessoas de todas as raças, fisionomia, crenças, orientação sexual, nação, gênero, classe social, idade e profissão? Se a maioria diz não em oração, então sua igreja ainda não está pronta para uma declaração de acolhimento. Este é um chamado para passar tempo com sua congregação e discipulá-los no ministério da hospitalidade. Se a maioria da igreja disser sim em oração, incorporar “acolher” em uma declaração é apropriado. E usar a palavra “incluindo” é aceitável se você definir quando e onde a participação é bem-vinda. É importante definir o que é “inclusivo”, “amoroso” ou “aceitável” em sua congregação.
- Na IASD não há “igrejas negras” ou “igrejas brancas” ou “igrejas pardas”. Pessoas de qualquer cor de pele podem ser parte intrínseca de qualquer igreja adventista – caso contrário, não é realmente adventista. Sua igreja acolhe e inclui na vida da igreja todas as etnias?
- E quanto a outras minorias? Os divorciados, os “reclusos”, os deprimidos, as novas mães, os fumantes e os alcoólatras, os que sobrevivem de salário em salário, os cínicos, os tatuados, os sem tato, os sem esperança? Eles sabem que são amados incondicionalmente e acolhidos de forma absoluta?
- Os líderes da sua igreja concordam que, aos olhos de Deus, seus amigos LGBTQIAP+ são iguais em valor a pessoas heterossexuais e cisgêneros? Pergunte a uma pessoa LGBTQIAP+: “Somos uma igreja acolhedora?”
- Até que ponto jovens e adultos de sua igreja são convidados a se envolver ativamente? A pesquisa mostra que as congregações com grande envolvimento de jovens são as que têm maior probabilidade de crescer. Os jovens, que vêm de sua própria cultura, se sentem abertamente acolhidos? Eles recebem ampla responsabilidade, contribuição criativa e confiança? Neste tempo de autêntico reavivamento e reforma, quando o vento fresco do Espírito Santo sopra onde quer, qualquer movimento de sua congregação em direção à hospitalidade é algo para celebrar!
E no Brasil?
No Brasil, não há igrejas adventistas que sejam afirmativas. Pensando nisso, segue, abaixo, uma lista de igrejas de outras denominações, feita pelo coletivo Evangelicxs pela Diversidade e adaptada para este texto. São igrejas inspiradoras, que podem contribuir com o processo de afirmação da sua igreja, e seguras para a população LGBTQIAP+.
Comunidade Cristã da Zona Leste | R. Asfaltite, 96B – Vila Formosa, São Paulo, SP, 03403-002 |
Igreja Batista do Caminho | R. Sacadura Cabral, 151 – Saúde, Rio de Janeiro, RJ, 20081-261 |
Igreja Batista do Pinheiro | R. Miguel Palmeira, 1300 – Pinheiro, Maceió, AL, 57055-502 |
Igreja Batista Nazareth | R. do Cabral, 142 – Nazaré, Salvador, BA, 40055-010 |
ICM Baixada Fluminense | Av. João Venâncio Rosa, 20 – Jardim Metropole, São João de Meriti, RJ, 25575-241 |
ICM Belo Horizonte | R. Itacolomito, 44 – Santa Tereza, Belo Horizonte, MG, 31015-100 |
ICM Cabedelo | R. Antônia Moreira Cardoso, 177 – Vila São João Cabedelo, PB |
ICM São Paulo | Av. Vieira de Carvalho, 192 – República, São Paulo, SP, 01210-010 |
ICM Salvador | R. do Cabral, 142 – Nazaré, Salvador, BA, 40055-010 |
Que possamos caminhar em direção à afirmação. Que trilhemos lugares onde possamos celebrar a coexistência da diversidade sexual e de gênero com a nossa fé. Que ninguém mais seja excluído da comunhão. Entendemos que lugares igrejas comunidades de fé seguras são afirmativas da diversidade, onde nós LGBTQIAP+ possamos ser membres oficiais se assim desejarmos, que possamos ter cargos de liderança se assim formos votados em nomeações e aceitarmos2, onde possamos ser pastoras e pastores, anciãs e anciãos3, diáconos e diaconisas4, recebendo a ordenação se assim nossa igreja local decidir. Não quero me manter privilegiado fazendo parte de uma IASD Afirmativa enquanto outras pessoas LGBTQIAP+ estão sendo expulsas de outras IASD tradicionais. Por mais Igrejas Adventista do Sétimo Dia Afirmativas. Lutemos pelos Direitos Humanos e combatamos as injustiças sociais.
“‘Vão às esquinas e convidem para o banquete todos os que vocês encontrarem’. Então os servos saíram para as ruas e reuniram todas as pessoas que puderam encontrar, gente boa e gente má, e a sala do banquete de casamento ficou cheia de convidados” (Mt 22.9,10, NVI).
Notas:
1.↑ Termo guarda-chuva cunhado pelas ativistas Indianare Siqueira e Erika Hilton que propõe a substituição do termo “transgênero”, sendo mais inclusivo com pessoas que se entendem além de suas vestes e órgãos genitais. Assim, o termo dispõe a inclusão de pessoas trans, travestis, não-binárias.
2.↑ “Com fervorosa oração, a comissão deve começar preparando uma lista de nomes para todas as funções. As pessoas nomeadas devem ser membros em situação regular na igreja que está fazendo as nomeações” (Manual da Igreja, p. 114 e 115).
3.↑ “Os requisitos prévios do ancião incluem o chamado de Deus e eleição pela igreja local. Não é requerida aprovação da Associação/Missão. Aqueles que aceitam o chamado de Deus e da igreja para servir devem examinar com cuidado e oração a própria vida, os relacionamentos com os outros e com o Senhor” (Guia para Anciãos, p. 31).
4.↑ “A escolha dos sete diáconos da igreja de Jerusalém estabelece um princípio que deve ser adotado na indicação dos oficiais da igreja hoje: são eleitos pelos membros da igreja, e não por uns poucos e influentes líderes” (Guia para Diáconos e Diaconisas, p. 33).