Como novo secretário da Associação Geral, Erton Köhler ocupa uma das posições mais influentes da Igreja Adventista mundial, mas carrega um histórico de opiniões teológicas saudosistas e impopulares às novas gerações


Texto originalmente publicado na revista Spectrum e posteriormente traduzido e adaptado à revista Zelota.

Erton Köhler fala no Concílio da Conferência Geral em 2014″ (Foto: Ansel Oliver)

Em algumas de suas aulas, um ex-professor do Seminário Adventista de Teologia, em São Paulo, no Centro Universitário Adventista (UNASP), costumava repetir uma frase a respeito de Erton Köhler, até hoje memorizada por seus alunos: “Erton é um jovem com a mente de um velho.” A despeito do desempenho atual do secretário nas redes sociais, especialmente no Instagram e no Twitter, o comentário de Milton condiz com aspectos facilmente discerníveis na atuação do atual secretário como presidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) para a América-Latina, mas principalmente no período em que atou como líder do Ministério Jovem para a Divisão Sul-Americana (DSA).

No campo das ideias, Erton Köhler expressava ipsis litteris o que afirmam as declarações da IASD, e nem uma vírgula a mais – a não ser que uma oportunidade segura lhe fosse oferecida. Durante seu ministério e liderança ele não se destacou por conta de opiniões progressistas. Em outras palavras, é possível afirmar que o atual secretário não avançou ou regrediu a voz de autoridade teológica e eclesiástica da Associação Geral (AG). 

De fato, em 2007, início de sua atuação como presidente, erguia-se uma polêmica a respeito de sua competência para o cargo devido à idade, na época entre 38 e 39 anos. Comparado aos seus antecessores, Köhler era muito jovem. Ciente desse desconforto, a Revista Adventista, em entrevista ao recém-líder,1 questiona se “o fato de ser jovem representa alguma preocupação”. Em tons piedosos, o pastor assegurou que ser jovem é um chamado à dependência divina. Ele explicou que, “se a escolha vem de Deus, deve haver menos espaço para preocupação e mais oportunidade para oração”. Köhler também esclareceu que, no passado, Deus escolheu jovens para tomar a frente da missão, e que estes deveriam atuar nos últimos dias; essa promessa, para ele, “pode estar começando agora”.

Na mesma entrevista, Köhler demonstra ânimo ao falar dos jovens. Ele expressa o desejo de que estejam mais envolvidos com as atividades da igreja, e vislumbra neles potencial para a criatividade. Contudo, ele estabelece limites: ao destacar o compromisso dos jovens com a instituição, o pastor afirmou que “a força dos jovens dentro da igreja está ligada diretamente ao seu envolvimento com o programa da igreja e com as necessidades que ela tem”. Essa adequação ao contexto eclesiástico-administrativo já havia sido esclarecida na entrevista quando Köhler proclamou suas prioridades: “este é um momento para menos ‘novidade’ e mais profundidade.”

Antes da presidência, entre 2003-2006, período em que Erton Köhler servia como líder do Ministério Jovem para a DSA, foram publicados na Revista Adventista uma série de artigos de sua autoria em uma seção intitulada “Você pergunta”, mais tarde “Bússola”. Nela, o atual secretário dedicava algum espaço para responder às questões enviadas pelos leitores, algumas de caráter polêmico, outras mais pessoais. O conjunto desse material expressa, de forma resumida, muitas das opiniões de Köhler sobre assuntos teológicos e eclesiásticos. Destes textos, pretendemos sistematizar alguns de seus posicionamentos para, assim, conhecer melhor o que, de fato, havia de juventude ali.

Sobre o entretenimento adventista

Dos muitos assuntos abordados, alguns textos de Köhler comentam temas relacionados à mídia e, por conseguinte, aos tipos de entretenimento comuns à juventude adventista durante o período recortado. 

Quando questionado, por exemplo, sobre a prática de jogar videogames2 – especialmente jogos de esporte –, Erton Köhler aconselha o leitor a abandonar o costume, ainda que, a princípio, ele pareça inofensivo. Para o atual secretário, o maior prejuízo causado pelos videogames é o vício, que sequestraria o jogador por meio de dois artifícios: em primeiro lugar, pelo tempo dedicado à tela (24 horas por dia, ou 100 horas para cada jogo, segundo Köhler); e, em segundo lugar, por conta de um forte apelo visual, que garante a imersão do jogador na realidade do jogo. Para fortalecer seu argumento, ele recorre a uma citação de Ellen G. White em Testemunhos Seletos, em que a autora prevê “tempos angustiosos”, em que os seres humanos estariam enredados por uma série de vícios.

Para Erton Köhler, os videogames são prejudiciais porque: causam cansaço físico e visual; impõem isolamento social; causam dificuldades de atenção; ocasionam limitação de vocabulário; incentivam a diminuição do hábito de leitura; desumanizam os jogadores; estimulam comportamentos agressivos; incentivam a imitação dos personagens; causam falta de sensibilidade aos problemas da realidade; bloqueiam o raciocínio; resultam em baixo aproveitamento escolar; aumentam a pressão arterial; ocasionam problemas na coluna e lesão por esforço repetitivo; e, finalmente, estimulam familiaridade com demônios (zumbis, xamãs, vampiros, dragões etc.).

Além desse tema, Erton Köhler também se aventura no assunto da “boa música”3; e chegou a oferecer uma entrevista à Revista Adventista após a votação do documento oficial da IASD sobre música.4 De fato, ele defende um sentimento saudável quando o assunto é a discussão de estilos musicais: “é preciso ter muito cuidado ao escolher ou condenar alguma música ou músico adventista”, e acrescenta: “não temos uma lista de músicos ‘proibidos’ ou ‘autorizados’.” Ainda assim, para ele, uma lista deve existir de maneira pessoal, a partir de uma análise baseada em quatro critérios:

O primeiro deles diz respeito à mensagem da música. Ele parte do pressuposto de que ela altera o comportamento e as crenças de quem a escuta, além de ser facilmente memorizada. Portanto, “músicas com letras seculares, que apresentam valores diferentes daqueles que cremos (espiritualismo, infidelidade, ridicularização de Deus, sensualismo etc.), não deveriam ser ouvidas”. O mesmo, segundo Köhler, deve ser aplicado a músicas religiosas com “mensagens bíblicas vazias” ou “teologicamente equivocadas”.

O segundo princípio está relacionado ao “intérprete”, ou seja, ao cantor ou membro do conjunto musical. Segundo o secretário, espera-se que ele possua uma vida moral condizente com sua fé adventista. Para isso, é necessário avaliar “o estilo de vida, as crenças e o comportamento do cantor que você ouve”. Se por algum acaso houver evidências de que o intérprete esteja desaprovado nesses quesitos, “a música não deve ser ouvida, porque é vazia e não tem poder”; na verdade, o próprio cantor pode ter uma influência maléfica no estilo de vida de seus ouvintes.

O terceiro princípio está inteiramente relacionado ao “ritmo” da música. Ainda que uma música saudável possa soar alegre ou reflexiva, para Köhler, ela não coloca o ritmo acima da mensagem. Isto é, uma boa música apela à razão: “quando uma música mexe mais com o corpo do que com o coração, torna-se perigosa […] abre as portas para outros estilos musicais que não são saudáveis.” O problema do ritmo está ligado ao último princípio, à reação. O resultado das músicas também deve ser avaliado: caso evoquem sensualismo, raiva, insônia ou revolta, por exemplo, as músicas devem ser desaprovadas.

Próxima à discussão sobre música está a polêmica dos “shows evangélicos”5. Para o atual secretário, a adoração a Deus não pode ocorrer em tais ambientes por, ao menos, cinco motivos: o foco dessas produções não está em Deus, mas na promoção de um artista; eles são semelhantes a programas populares, com “as cores, a iluminação, os instrumentos, a aparência pessoal, os aplausos, os assobios, a tietagem” etc.; enfraquecem a música cristã, limitando-a a uma expressão artística; vulgariza a música cristã, por estar sendo utilizada por interesses comerciais; e apresenta perigo por conta do incentivo à “agitação física ou emocional do público”, justamente por estarem ligados a “movimentos carismáticos”.

Em maio de 2004, na Revista Adventista, Köhler publica um artigo intitulado “Ir ao cinema: a melhor escolha?”6 Em seu texto, o atual secretário realiza um esforço argumentativo para desaprovar a ida dos adventistas às salas de cinema – ainda que não demonize o uso da TV, DVD ou VHS. Todos os argumentos giram em torno de sua afirmação principal: “Precisamos considerar que o cinema faz parte de uma realidade mais ampla, que envolve o grande conflito entre Cristo e Satanás. Esta batalha tem a ver com a influência sobre os pensamentos e desejos.” Por considerar que imagens e sons impactam a mente humana, o cinema torna-se, para Köhler, um instrumento satânico.

Em um primeiro momento, após afirmar o contexto teológico do Grande Conflito, Köhler tenta rebater um dos argumentos utilizados por adventistas que frequentam esse ambiente. Entre eles, alega-se que “o cinema não é mais aquele lugar pervertido que foi no passado”. Em resposta, o secretário esclarece que os valores morais da sociedade estão degradados; isto é, o que era perverso no passado, atualmente, é encarado com normalidade: “O que não se aceitava alguns anos atrás e os pais não ofereciam para seus filos, hoje não é visto como problema. Por isso, as famílias estão lá [no cinema].”

Para fortalecer seu argumento, ele oferece outro exemplo: “Há cerca de 20 anos, o homossexualismo não era bem visto pela sociedade ou pelas famílias. Hoje a realidade é completamente diferente, e nem é preciso entrar em detalhes. Por que a posição da sociedade mudou, nosso conceito de certo ou errado deve mudar também?”

Posteriormente, Köhler defende suas ideias contra o cinema por conta do impacto dos conteúdos sobre a mente humana, proporcionado pelo ambiente: “o tamanho da tela torna a influência do filme muito mais forte.” O problema, obviamente, está relacionado ao tipo de mensagem comunicada, que, segundo Köhler, agrega em 80% de seus conteúdos sexo, violência e ocultismo. “Normalmente, Satanás usa toda essa estrutura para tornar interessante e atrativo o pecado, como sempre é a sua estratégia.”

Num apelo final, o secretário compara a sala do cinema com uma igreja. Ele explica que a igreja é “um lugar público onde a vontade de Deus é ensinada e Ele é adorado.” O cinema, por outro lado, “pelo que apresenta publicamente, passa a ser um centro de ensinamento das mensagens do inimigo de Deus”. Ainda que o adventista alegue ir ao local para assistir, por exemplo, a Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson, Köhler assegura ao leitor que os nossos critérios do que é certo ou errado são duvidosos, e a ida ao cinema para ver um filme bom pode conduzir a outros, condenáveis.As opiniões de Erton Köhler sobre o entretenimento não refletem necessariamente o pensamento da ala adventista conservadora no Brasil. Na verdade, elas expressam uma narrativa conspiratória popularizada pela Casa Publicadora Brasileira (CPB). Desde os anos 2000, a editora republica o livreto de um dos seus editores, Michelson Borges, intitulado Nos bastidores da mídia,7 em que o autor demoniza desde movimentos políticos a conteúdos de desenhos animados. Em 2017, um grupo de acadêmicos adventistas da área de comunicação e teologia publicou um estudo amplo que desqualificou as elucubrações conspiratórias de Michelson Borges,8 mas não foi bem aceito pela DSA, que manteve o seu discurso oficial.

Sobre política no adventismo

Ao ser questionado sobre as lutas da Reforma Agrária9, Köhler consegue transparecer, de forma mais evidente, sua opinião sobre movimentos alinhados à esquerda política. A princípio, ele esclarece que não há uma posição oficial da IASD sobre o assunto da luta por terras, porque as situações envolvem motivações e contextos diversificados. No entanto, ele tem espaço na linha editorial da Revista Adventista para desaprovar tais movimentos, e desqualificar os ideais, em seus termos, “revolucionários”. 

O atual secretário sugeriu que a luta dos sem-terra, no Brasil, tem como motivação “atos de violência” e “desrespeito às leis e autoridades”. Com isso, ele reflete a opinião – muito comum no Brasil entre militantes da extrema direita, ou partidários de Jair Bolsonaro – de que a luta pela Reforma Agrária age de maneira ilegal e agressiva. Dessa perspectiva, ele desencoraja qualquer associação dos adventistas com tais movimentos: “não podemos associar-nos a grupos que, por mais que defendam causas importantes, utilizam meios ou motivação imprópria para isso.”

A opinião de Köhler sobre a luta dos sem-terra não reflete apenas sua ignorância a respeito do assunto, mas também sua desinformação sobre a quantidade de adventistas em extrema pobreza que lutavam (e ainda lutam) por um pedaço de terra no Brasil. A revista Zelota demonstrou que, entre 1995 e 2001, existiram ao menos 12 assentamentos com presença adventista espalhados pelo país. Ela também entrevistou membros que participaram de tais movimentos, todos convictos de sua militância política e decididos a não usar a violência em atos de protesto. O próprio artigo da Revista Adventista deixa claro que membros e líderes participavam de tais movimentos.

Não satisfeito com a desaprovação das lutas por terra, Köhler dedica alguns parágrafos para desqualificar a militância da esquerda política. Ele afirma que, como adventistas, “não cremos em revoluções ou lutas, pois temos ao nosso lado Jesus Cristo, que deu o exemplo de não fazermos justiça com as próprias mãos”. Ele também faz uma distinção entre “revolução” e “transformação social”, alegando que a segunda não tem como objetivo mudar o sistema, mas transformar o coração das pessoas. Por fim, partindo de uma perspectiva ideológica pessoal, ele afirma: “não podemos permitir que nossos interesses pessoais, políticos ou ideológicos sejam mais fortes do que nossa mensagem ou a identidade cristã que possuímos”. 

O mesmo sentimento é refletido, ainda que de forma amena, em um texto intitulado “O cristão e as greves”10. Nele, o atual secretário foi questionado sobre a participação do adventista em atos de reinvindicação por direitos trabalhistas. Mesmo assumindo que o cidadão tem o aval da lei para protestar por seus privilégios como trabalhador, Köhler afirma que o adventista deve se afastar de tais manifestações políticas, já que o cristão “não faz justiça com as próprias mãos”.

Boa parte de seu texto é utilizado para compilar uma série de citações de Ellen G. White sobre a situação dos sindicatos que, em sua época, eram ativos e respondiam proporcionalmente à violência cometida contra os trabalhadores, influenciando as admoestações da pioneira. Neste ponto, Köhler está alinhado ao Espírito de Profecia, e não se esforça para “demonizar” os movimentos sindicais, mas assumir que a associação dos adventistas poderia, em algum aspecto, obrigá-los a desistir de seus princípios cristãos; neste caso, o uso da violência. 

No geral, ao comentar sobre a associação dos adventistas com as greves, sua indisposição a respeito dos movimentos da esquerda é sentida, especialmente, quando afirma: “Nosso maior exemplo deve ser Cristo que, numa época de profunda injustiça, não criou nenhum movimento de libertação social, nem uma revolução política, muito menos um grupo de ativistas.” Erton Köhler carrega a convicção de que o “instrumento de justiça social mais eficiente que as greves” são precisamente “a fé e a oração”; e que “o testemunho é mais importante do que a reivindicação.” Assim como afirma o documento oficial da IASD sobre política, Köhler acredita que os cristãos devem cumprir com suas obrigações legais, até o ponto em que elas entrem em choque com as leis divinas – o que, supostamente, não seria aplicável às situações mencionadas acima. No entanto, ainda que afirme neutralidade política, assim como muitos líderes da IASD para a DSA, Köhler expressa o discurso típico da extrema direita brasileira, principalmente nas ocasiões em que tenta desqualificar movimentos e lutas sociais.

Sobre modéstia cristã adventista

Na edição de abril de 2006 da Revista Adventista, Erton Köhler é questionado a respeito do uso de joias, especificamente sobre a utilização de anéis de formatura.11 Em suma, o secretário explica que “existem dois tipos de joias: as ornamentais e as funcionais. As ornamentais apenas embelezam, já as funcionais têm um propósito definido, como é o caso da aliança de casamento. A posição bíblica é diferente para ambas e a igreja reflete essa postura.”

Boa parte de sua explicação leva em conta o que foi elaborado por Ángel Manuel Rodríguez a respeito do uso de ornamentos, com o intuito de ensinar que “a forma como nos enfeitamos declara os valores que possuímos como cristãos”. Em suma, além de desaprovar o uso de joias ornamentais e questionar o uso de possíveis joias funcionais, Köhler conclui que o anel de formatura seria classificado como “joia ornamental” e, portanto, desaconselhado pela igreja. Para isso, ele parte exclusivamente de uma observação de Rodríguez.

Em outra ocasião, enquanto comentava sobre a valsa em festas de debutantes, Köhler acrescentou mais um argumento sobre o uso de joias: “a dança aparece na história do povo de Deus no Antigo Testamento, mas vai gradativamente desaparecendo. Nos dias de Cristo, período do Novo Testamento, ela não aparece mais. Não faz parte da formação da igreja cristã. Esta questão é semelhante à da poligamia e do uso de joias, que também fizeram parte do povo de Deus no princípio, mas de maneira natural foram retirados e também não aparecem na formação da igreja cristã.”

Erton Köhler consegue ser mais claro sobre sua visão a respeito da modéstia em um texto cujo tema é o vestuário.12 Nas palavras do secretário, “o princípio bíblico sobre aparência pessoal envolve duas palavras-chave: modéstia e decência.” Ao utilizar alguns textos bíblicos e citações de Ellen G. White, Köhler oferece suas definições: a modéstia “não é extravagante, não tem custo exagerado, não tem por objetivo chamar a atenção para si”; e a decência “é cobrir o corpo sem chamar atenção para ele”. 

O secretário explica que, atualmente, “a moda, em sua maioria, é apelativa e sensual, e por isso é perigosa”. Dada essa dificuldade, quando o assunto é a modéstia cristã, o adventista deve evitar qualquer ostentação que alimente suas vaidades; “quando falamos de joias, maquiagem e outros acessórios, o ponto deve ser: quem é o mais importante ou quem vai aparecer?” De outra forma, em termos de decência, “a roupa existe para cobrir e proteger, não para modelar, destacar ou insinuar algo mais. É neste ponto que entram as discussões sobre comprimento das saias, uso de calças pelas mulheres, etc.”

Nesse mesmo contexto, há um posicionamento inesperado de Köhler, na Revista Adventista de maio de 2005, sobre o uso de cabelos compridos em homens.13 Nesse momento, um jovem indeciso pergunta à revista se pode deixar o seu cabelo crescer. Em resposta, o secretário ensina que “o cabelo comprido para o homem não é apenas uma questão de gosto pessoal ou estética”. Em suma, tratar-se-ia de um apelo desnecessário à vaidade, e uma inversão dos padrões femininos e masculinos na sociedade e na cultura.

Em primeiro lugar, homens com cabelos compridos chamam muita atenção à aparência exterior. Como cristãos, nosso compromisso “é ter uma aparência discreta, a ponto de chamar atenção para o interior, para aquilo que somos”. Assim, para um homem, deixar o cabelo crescer é uma demonstração de vaidade, e poderia, inclusive, ocasionar “comentários maliciosos” ou “trazer questionamentos”.Essa malícia, ou estranhamento, sugerida por Köhler, resulta da inversão dos padrões estéticos masculinos. Para ele, “a Bíblia sempre defende que o homem e a mulher devem manter características distintas”; assim, o cabelo comprido deve ser exclusividade das mulheres, pois essa “é uma característica feminina”. Além disso, o cabelo comprido também corre o risco de associar o cristão ao que Köhler considera ideologias perigosas: “hippies, foras da lei, movimentos afro-ritualistas e outros cultivam a imagem do homem com cabelos compridos.” Por isso, essa característica também pode, de acordo com o secretário, conotar rebeldia.

Sobre esportes na vida cristã adventista

Em julho de 2005, a Revista Adventista recebe a carta de um jovem que pratica artes marciais, e que costumava ser criticado pelos membros de sua igreja. Indeciso, ele procura Erton Köhler para aconselhamento.14 O atual secretário é contundente: “esse é um terreno perigoso, no qual o jovem adventista não deve envolver-se.” Embora reconheça que as lutas costumam ser praticadas como esportes olímpicos e comunicar benefícios, como autocontrole, autoconfiança, defesa pessoal etc., Köhler alerta: “você precisa entender o que está pro trás das coisas.”

Seus argumentos contra as artes marciais se resumem a dois: em primeira instância, segundo o pastor, as artes marciais carregam forte influência da filosofia oriental e da Nova Era. Em outras palavras, para que elas sejam praticadas é inevitável que o artista marcial entre em contato com conhecimentos místicos e filosóficos contrários à fé cristã. “A Bíblia […] ensina que não somos deuses, mas que dependemos de Deus. A ideia de que poderíamos nos tornar como Deus foi o primeiro engano apresentado pela serpente, no Jardim do Éden.”

O segundo argumento explica que há, pelo menos, duas reais violências contra as quais lutamos durante a vida: a espiritual e a social. Contra a espiritual, o cristão deve se utilizar de instrumentos condizentes: Bíblia e oração. Contra a social, segundo Köhler, os especialistas aconselham “não reaja”. Ele acrescenta: “O problema é que qualquer uma dessas lutas de autodefesa se torna uma arma. Num momento de cabeça quente, tensão, ameaça ou agressão, a luta extrapola, causando estragos irreparáveis. É assim com a maioria das pessoas que compra uma arma de fogo.”

Erton Köhler, no entanto, é mais modesto e permissivo quando o assunto é o futebol.15 Na edição de agosto de 2003, o atual secretário é questionado sobre a prática desse esporte entre os cristãos. Ele compreende a intensidade da polêmica, principalmente quando leva em consideração alguns textos em que Ellen G. White “condena” a prática do futebol americano. Por isso, argumenta no seguinte sentido: “É importante você avaliar como o esporte tem sido praticado pelos jovens da sua igreja. Se eles estão praticando de maneira errada.”

Para Köhler, existem ao menos cinco problemas na prática do futebol: é um esporte que (1) costuma ser praticado de forma apaixonada, como um vício, com exageros e excessos desnecessários; (2) que conduz as pessoas a enfrentamentos diretos, agressão e discussão; (3) que causa desentendimento entre os seus participantes; (4) que incentiva a competição e a rivalidade entre os grupos envolvidos; e (5) que são contra as orientações de Ellen G. White, que desaconselharia a prática.

Para tornar o futebol um esporte praticável, Köhler dedica a outra metade do seu texto para ensinar aos leitores como as dificuldades acima poderiam ser superadas, e o futebol praticado da forma correta. Segundo o atual secretário, “a grande realidade é que o mal do futebol não está no esporte em si, mas na maneira como ele é conduzido, promovido ou praticado.”

Além de tais práticas, Erton Köhler também comenta outra atividade física, que pode ou não estar associada diretamente ao esporte: a dança.16 Quando questionado sobre o assunto na Revista Adventista em março de 2006, o secretário reconhece que a bíblia menciona o assunto da dança em 27 ocasiões. Mas defende que “o significado hebraico da palavra ‘dança'” carrega um sentido diverso do atual: “esse tipo de dança consiste em movimentos como bater os pés, saltar, girar e dar pequenos pulos com os pés juntos.”

Ele explica que, embora exista uma forma correta para dançar, mesmo na igreja isso seria inviável: “se você começar a pular e dançar no corredor central de sua igreja no próximo sábado, não espere ser recebido calorosamente.” Tal atitude seria, em seu entendimento, agir como “pedra de tropeço” aos outros membros. Além disso, Köhler também compreende que a dança, como é conhecida popularmente, foi pervertida por Satanás. Nos tempos antigos, ela costumava ser usada para cultuar falsos deuses, e estimulavam sexualmente os seus participantes. Hoje em dia, “os salões de dança geralmente são lugares apinhados, poluídos pelo fumo, onde álcool e drogas são usados”.Quando comenta especificamente sobre dançar valsa em festas de debutante,17 além dos argumentos anteriores, Köhler apresenta alguns textos de Ellen G. White a fim de desestimular a prática. Nesse caso específico, ele aconselha um pai a não dançar valsa com sua filha de 15 anos, alegando que esse não seria o melhor exemplo paterno para um cristão. “Você precisa perguntar, porém: será que essa é a melhor referência para essa passagem? Será que esse é o hábito que ela deveria levar como estímulo para essa nova fase? Existem tantos hábitos bonitos e com significado mais útil para a vida de uma filha. Por que abrir exceção em um terreno perigoso?”

Vinho velho para odres velhos

Os conselhos oferecidos pelo atual secretário aos leitores da Revista Adventista entre 2003-2006 são variados e não poderiam ser resumidos neste breve artigo. Outros diversificados temas também são abordados, como exibições teatrais18, atividades propícias para o sábado à noite19, conselhos sobre relacionamentos20, masturbação21, depressão22, perfeccionismo23, Decreto Dominical24, entre outros assuntos comuns à juventude adventista daquela época. 

Passadas quase duas décadas de seus antigos posicionamentos, não seria prudente associá-los às suas opiniões atuais. Afinal, é possível que com o tempo e com o estudo Erton Köhler tenha refinado sua percepção crítica sobre os temas mencionados e desistido de algumas de suas antigas crenças. Mas isso só poderá ser comprovado se o atual secretário demonstrar evidência de novos posicionamentos, ou atitudes mais pragmáticas que comprovem sua mudança de perspectiva. 

Ainda assim, alguns fatores permanecem preocupantes. Em meados de 2012, por exemplo, a Pastora Therezinha Barbalho foi convidada para pregar na igreja do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), campus Engenheiro Coelho. Originalmente do Brasil, ela trabalhou como pastora nos Estados Unidos (e agora é pastora da Silver Spring Church em Maryland). Segundo noticiado na época, o então presidente para a DSA, Erton Köhler, entrou em contato com administração da universidade, exigindo que Therezinha fosse proibida de falar em qualquer reunião pública. Ele teria alegado que a pastora fazia parte de uma “Associação ‘renegada’ que ordenava mulheres ao pastorado”. Segundo uma fonte da administração do UNASP, que preferiu não se identificar, as informações publicadas nessa ocasião tiveram como base o testemunho de Therezinha sobre o assunto; e que, a princípio, o convite estendido à pastora não foi realizado com o objetivo de pautar o tema da ordenação feminina. 

Independentemente dos pormenores relacionados ao caso, o ocorrido reflete um modus operandi comum ao funcionamento da DSA centralizada nas decisões de Erton Köhler como presidente, e reflete seus posicionamentos teológicos e eclesiásticos.

Talvez por ironia do destino, nos últimos dez anos, a IASD registrou um número expressivo de saída dos jovens da igreja, na faixa entre 17-30 anos, quando comparados os de entrada. Na América-Latina, os meios de comunicação oficiais da instituição reconhecem abertamente essa realidade: entre 2011-2020, “são 674 mil e 408 [entre 17 e 30 anos] que deixaram a comunidade adventista contra 534 mil e 136 [entre 17 e 30 anos] que se tornaram membros adventistas no mesmo período. Um saldo negativo de 26,3%.” 

Esses dados, segundo o site oficial da IASD, são uma “evasão preocupante” dos jovens de suas comunidades. E é desta perspectiva que a atuação do atual secretário deve ser avaliada: Será que a administração de Erton Köhler, como ele mesmo afirmou em 2007, foi um chamado para que os jovens liderem nos últimos dias, ou apenas refletiu, mais uma vez, uma tentativa de adequar o adventismo a odres velhos?

Notas:

1. IASD. Entrevista: Desafios e sonhos do novo líder. Revista Adventista, jan., 2007, p. 6-7.

2. KÖHLER, Erton. Videogame. Revista Adventista, p. 19, set., 2005.

3. KÖHLER, Erton. Boa música. Revista Adventista, p. 19, ago., 2006.

4. KÖHLER, Erton. Entrevista: Parâmetros para a música. Revista Adventista, p. 5-6, ago., 2005.

5. KÖHLER, Erton. Show ou louvor? Revista Adventista, p. 19, nov., 2003. 

6. KÖHLER, Erton. Ir ao cinema: a melhor escolha? Revista Adventista, p. 18-19, mai., 2004.

7. BORGES, Michelson. Nos bastidores da mídia: Como os meios de comunicação afetam a mente. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2016.

8. NOVAES, Allan; CARMO, Felipe. O adventismo e a cultura pop. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2017.

9. KÖHLER, Erton. Luta por terras. Revista Adventista, p. 19, jun., 2006.

10. KÖHLER, Erton. O cristão e as greves. Revista Adventista, p. 19, jan., 2005.

11. KÖHLER, Erton. Joias. Revista Adventista, p. 19, abr., 2006.

12. KÖHLER, Erton. Vestuário. Revista Adventista, p. 19, jan., 2004.

13. KÖHLER, Erton. Cabelo comprido. Revista Adventista, p. 19, mai., 2005.

14. KÖHLER, Erton. Artes Marciais. Revista Adventista, p. 19, jul., 2005.

15. KÖHLER, Erton. Você pergunta: Futebol. Revista Adventista, p. 19, ago., 2003. 

16. KÖHLER, Erton. Dança. Revista Adventista, p. 19, mar., 2006.

17. KÖHLER, Erton. Valsa de aniversário. Revista Adventista, p. 19, jun., 2005.

18. KÖHLER, Erton. Teatro e encenações. Revista Adventista, p. 19, fev., 2004.

19. KÖHLER, Erton. O que fazer sábado à noite? Revista Adventista, p. 19, nov., 2006.

20. KÖHLER, Erton. Jugo desigual. Revista Adventista, p. 19, dez., 2003.

21. KÖHLER, Erton. Masturbação. Revista Adventista, p. 19, jul., 2003.

22. KÖHLER, Erton. Depressão. Revista Adventista, p. 19, jul., 2004; Depressão. Revista Adventista, p. 19, abr., 2003.

23. KÖHLER, Erton. Perfeccionismo. Revista Adventista, p. 19, jul., 2004.

24. KÖHLER, Erton. Decreto Dominical. Revista Adventista, p. 19, jan., 2006.