Por Arthur Sibanda | Enfermeiro do Zimbábue especializado em saúde mental, envolvido em ministério de ajuda a pessoas com vícios sexuais. 

Texto originalmente publicado na Adventist Today, traduzido e adaptado por Mariana Rocha para a revista Zelota.

Eu cresci em uma cultura onde falar sobre sexo era tabu. Os adultos se esforçavam para usar o discurso indireto para explicar como nasciam os bebês. Os órgãos sexuais nunca eram chamados por seus nomes próprios. Ainda hoje não posso mencionar a genitália, ou mesmo a simples palavra “sexo” em minha língua materna, sem liberar emoções incômodas. 

Usar o discurso indireto é uma forma de reconhecer a sensibilidade ou mesmo a sacralidade de um assunto, e em muitas culturas a sexualidade se enquadra nesta categoria. No entanto, a globalização e a tecnologia estão trazendo um novo conjunto de desafios à minha cultura conservadora, com os quais agora precisamos lidar. Informações sobre sexo estão disponíveis com o clique de um botão, e assuntos em que tradicionalmente se estremeceria só de sussurrar sobre podem agora ser facilmente pesquisados em um celular.

Os desafios do mundo da Internet

O WhatsApp facilita significativamente o processo de comunicação para muitos no continente africano, mas também traz males significativos. Como meu país (Zimbábue) é conservador na expressão sexual, principalmente na arte ou na moda, as mídias sociais causaram um enorme choque cultural. Quase todos agora têm acesso a um mundo sexual que era tradicionalmente proibido. Embora existam leis que proíbem a indecência pública e criminalizem a produção, distribuição ou uso de pornografia, a Internet abriu um caminho para o acesso irrestrito a materiais sexuais, e há pouco que se possa fazer para controlar o uso privado de um smartphone ou laptop. 

A linha moral e ética que delineia o comportamento apropriado se tornou borrada até mesmo para os cristãos. Já estive em grupos de WhatsApp para homens cristãos casados onde, de vez em quando, uma foto de uma mulher posando seminua ou nua é compartilhada. A justificativa: “Somos todos homens casados maduros que conseguem lidar com uma piada de mau gosto de vez em quando. Não precisamos ser rígidos e excessivamente religiosos”. 

Que tal um vídeo animado mostrando várias posições sexuais para fins de educação? Isso não seria educativo sobre como melhorar a vida sexual? Certamente é melhor do que assistir pornografia hardcore com o mesmo propósito! 

Uma vez, quando eu estava trabalhando em uma clínica da igreja anexa a uma instituição de ensino superior, um jovem me perguntou sobre representações gráficas de doenças sexualmente transmissíveis que ele tinha visto na internet. Apesar de eu estar feliz por ele ter perguntado a uma pessoa da área médica, fiquei chocado com a facilidade com que essa informação era acessível a ele. O que mais ele estava acessando?

De vícios e lutas

Em algum momento eu tive que tomar uma posição pessoal sobre como me envolver com a internet. Qualquer uma das pessoas que eu conhecia poderia facilmente enviar uma mensagem sexualmente sugestiva para o meu telefone, mesmo com uma razão supostamente “boa” como “Veja como o diabo está causando o pecado das pessoas”. Já vi como as pessoas enviam prontamente seus dados de contato do WhatsApp quando lhes é prometido receber um vazamento do último vídeo sexual de uma figura pública. É uma ocorrência comum no Whatsapp a mensagem “desculpe, grupo errado” em pedidos de desculpas por postar acidentalmente material impróprio no grupo da igreja ou do trabalho. Um pastor sul-africano cometeu suicídio após postar acidentalmente conteúdo pornográfico no grupo de WhatsApp de sua igreja: ele não conseguiu enfrentar o constrangimento e a vergonha. 

No entanto, mesmo tais histórias não protegem as pessoas de atividades imprudentes online. Existem grupos de WhatsApp dedicados exclusivamente ao compartilhamento de material pornográfico e várias pessoas com quem falei admitiram estar neles. Este fascínio pelo sexo e pela nudez se espalhou como um inferno devastador, e é difícil abordar o tema porque o uso da Internet é amplamente anônimo. Qualquer pessoa de aparência comum na igreja poderia estar vinculada ao uso compulsivo de material pornográfico. Como pode um indivíduo que se sente preso a tais atividades tão envolventes encontrar ajuda para se libertar? 

Censura e exclusão

A igreja também não tem certeza de como lidar com este problema. Das razões para a disciplina no Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, os números 3 a 5 têm a ver com delito sexual. O número 5 dá “A produção, uso ou distribuição de material pornográfico” como razão pela qual um membro pode receber disciplina da igreja, o que implicaria que muitas pessoas, pelo menos na minha parte do mundo, precisam receber esta disciplina. Entretanto, tenho questionado se as disciplinas listadas a seguir são soluções práticas para lidar com questões tão delicadas.

De acordo com o Manual da Igreja, uma pessoa que fabrica, usa ou distribui pornografia deve receber um voto de censura ou um voto para ser retirada do rol de membros da igreja (exclusão). No entanto, duvido que estes métodos disciplinares atinjam as feridas criadas pela pornografia. A censura serve a dois propósitos, de acordo com o Manual da Igreja. Ela dá à igreja uma plataforma “para expressar sua desaprovação de uma ofensa grave que trouxe vergonha sobre a causa de Deus”. Ela também “impressiona os membros ofensores quanto à necessidade de mudança de vida e reforma de conduta” e “dá a eles um período de graça e provação durante o qual podem fazer essas mudanças”. O período para alcançar estes dois objetivos vai de “um mínimo de um mês a um máximo de doze meses”. 

Mas como conseguir que os membros que possuem problemas com a pornografia venham a público pedir ajuda? O uso da pornografia é como um caso extraconjugal secreto. Como excomungamos ou censuramos as pessoas por um problema com o qual nem sabemos que estão lutando contra? 

Além disso, qualquer pessoa que lutasse com um comportamento sexual compulsivo não acharia encorajador que outros expressassem sua desaprovação e prescrevessem um “período de disciplina” dentro do qual ele ou ela deveria superar completamente sua compulsão. O período de disciplina garante que a mudança de comportamento terá ocorrido quando o período transcorrer? Que ajuda proporcionamos durante esse período? Quem quer dar um passo à frente e se voluntariar para esse tipo de tratamento? 

A remoção da igreja também não soa como uma boa opção. Mesmo que se suponha que ela seja usada somente depois de falharem “todos os esforços possíveis terem sido feitos para conquistar e restaurar” a pessoa para os caminhos corretos, quais são esses “esforços possíveis”? O pastor ou a diretoria da igreja tem algum conhecimento ou treinamento a respeito dos problemas psicológicos da dependência e da recuperação? Dadas as complexidades de cada caso individual e as circunstâncias que o envolvem, parece impossível padronizar em uma regra todas as intervenções possíveis, muito menos como elas seriam empreendidas de forma eficaz e compassiva. 

Aqui é tão comum a disciplina da igreja (particularmente para quem tem filhos fora do casamento) que há aqueles que foram excluídos e rebatizados ocasiões o bastante para que ela se torne uma espécie de distintivo de honra, perdendo completamente seu significado pretendido.

A igreja pode ajudar?

Algumas pessoas com quem falei — membros comuns que afirmam as vinte e oito crenças fundamentais, alguns em posições de liderança na igreja — expressaram como lutaram com imensos sentimentos de culpa e vergonha por problemas com vício. Quando pergunto se eles pensaram que poderiam se abrir para alguém em sua igreja local, a resposta é sempre um sonoro e enfático não! A igreja é vista como o último lugar a obter ajuda para tais questões. Por quê? Porque a disciplina da igreja é mais punitiva do que restaurativa. 

O Manual da Igreja, em sua leitura mais simples, não capta o primeiro passo essencial para uma pessoa que luta contra o vício: criar um ambiente seguro que lhe dê confiança para buscar ajuda abertamente. Ao usar a palavra “vício” afirmo que estas questões podem levar mais de doze meses para serem resolvidas. O indivíduo pode descobrir que continua sendo suscetível a estas tendências devido às mudanças neurológicas que ocorreram por causa do uso habitual. Isto sugere que aqueles que oferecem ajuda precisam de conhecimento e treinamento, e não apenas de regras para disciplina. 

Há alguns anos, um pastor que lutava com pornografia escreveu uma carta aberta anônima à revista Ministry, sugerindo soluções de recuperação, tais como um mecanismo de referência voluntária e anônima para a terapia, no qual a igreja pagaria pelo serviços de aconselhamento prestados pela ou pelo terapeuta sem saber o nome do membro que o utilizou. Alguns dos grupos evangélicos e pentecostais administram programas abrangentes de recuperação de vícios em suas igrejas. 

Nós adventistas ainda temos que aprender como andar com segurança nestas águas turvas. Podemos estar relutantes em lidar plenamente com estas questões, porque admitir que temos tais problemas na Igreja Remanescente implica que estamos falhando em nossa missão e propósito, e por isso escolhemos o caminho da negação.

Um Caminho melhor

Se queremos ser uma igreja de cura, precisamos adotar o modelo de cura do evangelho e descartar o modelo punitivo legal ao administrar a disciplina. Creio que foi isto que se mostrou na vida de Jesus, que foi um agente de cura onde quer que ele fosse. Para os líderes religiosos, a mistura de Jesus com a escória da sociedade era abominável, uma abordagem fraca para lidar com o pecado (ver Mc 2.15-17). Eles preferiam o apedrejamento ou, se os romanos o permitissem, uma crucificação — qualquer coisa que afirmasse publicamente que não toleravam tal comportamento. Jesus, por sua vez, preferiu trabalhar através de um relacionamento pessoal de cura com aqueles que eram atormentados por seus pecados.

Há cerca de um ano, comecei um ministério online para ajudar indivíduos que se sentiam presos aos vícios sexuais. O ministério oferece recursos (livros e vídeos em pdf) e mensagens de incentivo. Antes da recente crise de saúde (pandemia de Covid-19), fizemos experiências com reuniões presenciais semanais do grupo de apoio. Aqueles que passaram pelo ministério acharam isso útil.

Anseio por treinamento e pesquisa para orientar as igrejas sobre como lidar com questões relacionadas a vícios, sejam eles sexuais ou de substâncias químicas. Não podemos continuar usando métodos que apenas promovem a vergonha e o medo. O Manual da Igreja também poderia usar uma linguagem que promova a transparência e a cura. Devemos nos preocupar menos em salvar a imagem da igreja, e mais em criar um meio terapêutico espiritual para os que estão aflitos com suas lutas. Isso é muito melhor do que as pessoas terem que parecer devotas na igreja enquanto lutam secretamente contra o pecado. Se fizéssemos isso, muitos nos perceberiam como um povo honesto e transparente que enfrenta genuinamente suas lutas. Eles desejariam ser parte de nós porque somos reais e genuínos.