A relação de interesses entre Ted Wilson e a igreja africana é uma evidência de que os presidentes adventistas mantêm seu poder por meio de alianças, exigindo a reformulação de métodos para eleições de presidentes à Associação Geral


Por Matthew Quartey | ganês transplantado, que hoje chama de lar o gueto adventista de Berrien Springs, Michigan. Artigo traduzido e adaptado por André Kanasiro do original em inglês para a revista Zelota.

“Luís XIV recebe os embaixadores suíços” (Adam Van der Meulen, 1664).

Houve considerações no passado sobre mudar o processo eleitoral de nossa liderança eclesiástica. Irregularidades na comissão de nomeação durante a última Assembleia Geral, onde Ted Wilson foi renomeado e subsequentemente eleito para um terceiro mandato como presidente da Associação Geral (AG), amplificaram a discussão. Mas precisamos compreender nossa situação atual de modo a apreciar a necessidade de mudança.

Nossa estrutura de governança espelha o sistema político dos Estados Unidos de muitas formas. Talvez isso não seja surpreendente, já que a igreja [adventista do sétimo dia] foi fundada nos EUA, e nossos pioneiros de 1863 não tinham razões muito fortes para procurar um modelo diferente além de suas fronteiras. O padrão de liderança hierárquica na política estadunidense – local, estadual e nacional – é similar ao da organização da igreja, onde líderes são investidos de poder crescente conforme vão “subindo” de igrejas locais para Associações, Uniões, e em última instância a AG. Assim como políticos estadunidenses, no geral, começam suas carreiras em distritos locais e buscam subir na escada do poder, líderes eclesiásticos usualmente começam no nível local e buscam subir os degraus.

Para muitos pastores-administradores adventistas do sétimo dia, a presidência da AG é um pouco como o “Santo Graal”. De modo similar, a presidentes estadunidenses recém-eleitos, que têm total liberdade para compor seu gabinete, os presidentes da AG têm bastante espaço para selecionar seus oficiais executivos e auxiliares. Eles também desempenham um papel importante de bastidores na escolha de presidentes de Divisão. Consequentemente, os presidentes da AG têm tido historicamente uma liberdade quase irrestrita para determinar a direção da igreja, um incentivo adicional para se manter na posição ou resistir a abrir mão dela. Mas, diferente de políticos seculares, que passam muito tempo arrecadando verba para a próxima eleição, os líderes eleitos no adventismo não precisam arrecadar verba, já que oficialmente não fazem “campanha” por posições. Ao invés disso, presidentes esperançosos da AG usam uma moeda política diferente – alianças.

Ninguém foi melhor em fazer isso que Ted Wilson. Mas a tática de forjar alianças do presidente tem dividido a igreja mundial em campos pouco saudáveis. Portanto, este ensaio foca em como Wilson explorou a construção de relacionamentos para avançar seus alvos administrativos, e o papel desempenhado por líderes da igreja africana para facilitar estes esforços. Este cenário fala a favor de uma reforma em como escolheremos futuros presidentes da AG.

Wilson e a igreja africana

Sendo transparente, eu sou um africano de Gana, com raízes profundas no continente e conexões fortes com a igreja africana. Embora eu tenha me esforçado para evitar vieses analíticos em minha avaliação da relação entre Wilson e seus colegas africanos, também estou tentando não ficar paralisado por preocupações com um viés potencial a ponto de não reconhecer algumas tendências “políticas” óbvias nessa relação. No fim, eu cheguei à conclusão, da perspectiva de um adventista africano observando de fora, que a “aliança estratégica” de Wilson com líderes eclesiásticos africanos é de conveniência, e danificou a imagem da igreja e de seus líderes em ambos os lados do Atlântico.

Não está claro quando essa colaboração foi formada, mas se solidificou em 2012, quando a ordenação feminina se tornou a preocupação prioritária do adventismo. Logo no início do mandato de Wilson, a igreja ocidental parecia unida a favor da ordenação feminina, e muitas Uniões estavam a ponto de votar para deixá-la acontecer. Isso pareceu colocar o novo presidente contra a parede, e ele precisava da ajuda de outros blocos globais para frear o impulso do Ocidente. Estou certo de que Wilson, cuja primeira posição missionária estrangeira foi na Costa do Marfim, na África Ocidental, está familiarizado com as fortes tendências patriarcais da África. Então, quando as ansiedades perenes da igreja quanto à ordenação feminina emergiram novamente diante de seus olhos, ele provavelmente viu uma oportunidade e colocou o debate nos termos culturais que os líderes ministeriais africanos entendiam e apreciavam. Logo, esses líderes estavam dizendo aos seus irmãos da igreja que a ordenação feminina era outra imposição ocidental sobre a igreja africana, à qual o presidente Wilson estava resistindo.

Este foi o início de como a igreja africana e seus líderes, sua imagem esfolada por milhares de cortes de pequenas indignidades, passou a ser difamada novamente como os “capangas” de Ted Wilson. Sob circunstâncias normais, este rótulo teria sido dispensado sumariamente como bobagem, mas ele ganhou validação durante as deliberações da Comissão de Estudos da Teologia da Ordenação (TOSC), quando todas as três Divisões africanas se alinharam a Wilson em sua oposição à ordenação feminina. A acusação recorrente durante este período de tensões elevadas foi uma alegação não provada de que os líderes das Divisões africanas, constituindo um bloco de 23% dos votos em San Antonio, tinham se aproveitado de sua posição antiordenação feminina para obter influência. Verdade ou não, Wilson e os líderes das Divisões africanas se tornaram inseparáveis, e juntos impediriam mudanças em relação à ordenação feminina, tanto na Assembleia Geral quanto nos Concílios Anuais subsequentes.

Daí em diante, Ted Wilson apoiaria aberta ou tacitamente ações controversas de líderes africanos, o que só aumentou a desconfiança. E a igreja ocidental apontaria para tal apoio como o “pagamento” de Wilson pelo apoio africano. Através dessas ações, Wilson inadvertidamente pintou a igreja africana e sua liderança como reprováveis. Tomemos o caso de Paul Ratsara, ex-presidente da Divisão Sul-Africana e do Oceano Índico e fiel apoiador de Wilson, que se envolveu em um escândalo com sua tese de doutorado. Ratsara fez o que era esperado em tais circunstâncias e entregou sua resignação. Mas Wilson, por nenhuma razão discernivelmente boa, se intrometeu e pediu à comissão que rejeitasse a resignação. Isso aprofundou e aumentou o escândalo. A resignação de Ratsara seria aceita posteriormente, mas o dano já fora feito. Em que outro lugar além da África, sugeria a narrativa, Wilson encorajaria um plagiador confesso a continuar em um cargo importante? Este incidente serviria como outra evidência para a história de que há podridão generalizada na liderança adventista africana, e que esta é sustentada pelo apoio da AG.

Então veio a Assembleia Geral de 2015 em San Antonio. Aqui, o “elefante” realmente grande, que diminuía todas as outras questões, era a ordenação feminina. Os estudos de anos da TOSC, com seus objetivos sempre mudando, tinham criado desconfiança entre as Divisões ocidentais de tendências progressistas e Ted Wilson com seus apoiadores. Devido a preocupações com intimidações em potencial durante a votação, a AG contratou uma empresa de reputação para conduzir todos os votos eletronicamente. No entanto, quando foi testado no primeiro dia da assembleia, o sistema registrou várias vezes uma subcontagem estranhamente alta (25%) entre a contagem eletrônica e a manual. Quando a empresa contratada não pôde explicar a discrepância adequadamente, sugeriu-se fazer uma contagem eletrônica Divisão por Divisão, já que havia especulação de que o teste estava sendo sabotado de propósito. Mas antes que isso pudesse ser feito, o presidente da AG subiu na plataforma e fez a “moção para que paremos com essas tentativas de usar o sistema eletrônico”. Isso foi aprovado em voto rapidamente, com aplausos de um agrupamento de delegados na seção africana. Logo houve rumores de que a delegação africana sabotou o sistema de votação eletrônica. E com isso, outra impressão negativa da igreja africana foi acrescentada à lista crescente.

Mas o que aconteceu quando Jan Paulsen, presidente da AG antes de Wilson, tomou o microfone, entrou para a história como ainda mais lamentável. Paulsen falou a favor de permitir a cada Divisão autonomia para fazer suas próprias políticas quanto à ordenação feminina, e o resultado ainda me mata de vergonha quase oito anos depois. Por sua sugestão, Jan Paulsen foi vaiado. Alto. Em frente à igreja para a qual ele dedicou quase meio século de serviço.

Não há dúvidas de que as vaias vieram da direção dos delegados africanos. Há muitas coisas erradas com este incidente. Há somente cinco anos [naquele momento], Jan Paulsen era o presidente da AG, a posição ocupada por Wilson. Paulsen é um líder respeitado com múltiplas passagens missionárias pela África. Ele estava lá, educando africanos, numa época em que não havia escritórios ou casas com ar condicionado para os missionários. Foi este mesmo Dr. Paulsen que foi vaiado em público por meus irmãos africanos. E isso a despeito de um respeito cultural a nossos anciãos profundamente arraigado, que proscreve cometer tal tabu. E hoje, espero que mais sóbrios, devemos entender o que nos fez perder o caminho.

Mas muito mais perturbador que este ato ignóbil, que alguns posteriormente tentariam desculpar botando a culpa na indiscrição da juventude, foi o que os “adultos” na Assembleia deixaram de fazer. Ted Wilson estava na plataforma quando Jan Paulsen foi vaiado. E Ted Wilson não disse uma única palavra em reprovação aos que vaiaram seu antecessor. Ele tampouco pediu desculpas em nome da igreja pela quebra de decoro vergonhosa que se deu em sua presença. Ele, e seus tenentes na plataforma e no auditório, só assistiram. E, por sua inação, eles normalizaram este comportamento repreensível, garantindo que o mau cheiro daquele momento permanecesse na consciência da igreja.

Eu gostaria que isso fosse tudo, mas também há o papel proeminente de pastores/líderes adventistas africanos no impulso de criminalização LGBTQ+ na África. Em 2009–2010, líderes da Associação e União em Uganda apoiaram publicamente um projeto de lei apelidado de lei “Mate os Gays”. Na época havia outro presidente da AG em Silver Spring. Ele rapidamente condenou a iniciativa, e teve sucesso em fazer com que os líderes infratores não só recuassem de seu apoio à lei, mas também se desculpassem por envolver a igreja nela. No ano passado [2021], outro presidente de União, desta vez em Gana, navegou pela mesma correnteza de criminalização dos gays. O líder da União declarou publicamente que a Igreja Adventista apoiava completamente o projeto de lei, em consideração pelo parlamento, que criminalizava indivíduos LGBTQ+ e seus apoiadores. Para não ficar para trás, Moses Maka Ndimukika, presidente atual da União-Associação Uganda, tornou-se o mais novo líder africano a brincar de policial da moralidade no país que nunca para de perseguir seus gays. A lei recém-aprovada em Uganda exige prisão perpétua por meramente se dizer LGBTQ+, e a pena de morte para acusados de abuso sexual LGBTQ+. Líderes adventistas importantes no país expressam seu claro apoio a essas penas.

Tamanho apoio público de oficiais da Igreja Adventista a medidas que outras comunidades de fé em ambos os países têm condenado, por temor de que os maus-tratos a um grupo vulnerável sejam normalizados, levou a pedidos de uma resposta da AG. Havia a esperança de que alguma atitude, mesmo que menos decisiva que a tomada pelo antecessor de Wilson, pelo menos distanciaria a igreja do apoio público destes líderes. Mas nem Ted Wilson, nem qualquer oficial da AG, ofereceram comentários. Por que não? Se um líder adventista estadunidense ou europeu declarasse publicamente que o adventismo apoia a criminalização da comunidade LGBTQ+, será que Wilson ou seus tenentes teriam ficado em silêncio? Por que a administração de Wilson ignoraria um comportamento tão moralmente reprovável quando líderes africanos são os perpetradores? Contraste Wilson e seu silêncio e inação vergonhosos com o Papa Francisco, que em sua passagem recente por países africanos falou explicitamente a líderes eclesiásticos e seculares. Ele denunciou estas leis draconianas, chamando a criminalização das pessoas LGBTQ+ de “pecado” e “injustiça”. Então, em uma empatia notável com esta minoria atribulada, ele declarou que “Deus os ama e acompanha”.

Modelos melhores

Essas preocupações nos levam à busca por modelos alternativos que não sejam tão facilmente suscetíveis a manipulação. De que outras formas a igreja pode reformar seu mecanismo eleitoral de modo que líderes não entrem em alianças questionáveis que podem paralisar sua ética e atrapalhar sua boa governança? Há discussões incipientes em círculos adventistas sobre encontrar um modelo melhor. Uma dessas considerações recomenda adotar uma postura administrativa com base em geografia e cultura compartilhadas, de modo a lidar com as diversas questões não teológicas confrontando a igreja. Isso seria similar à nossa organização atual da igreja, exceto que as Divisões serviriam como terminais para cada território, e o envolvimento da AG seria eliminado. Nesta concepção, uma Divisão na África subsaariana poderia, por exemplo, chegar a uma abordagem consensual à poligamia sem arrastar toda a igreja mundial a uma posição uniforme. De modo similar, o adventismo no norte global poderia determinar suas próprias políticas de ordenação de gênero neutro sem que o sul global ficasse preso à sua abordagem. Todo o modelo parte da premissa de reconhecer que a igreja mundial contemporânea está em ambientes socioculturais complexos, os quais desafiam soluções de tamanho único.

Embora este modelo busque juntar grandes territórios que podem compreender vários países, ele ainda evoca um ethos congregacionalista, onde as Divisões têm muita “autonomia”. Uma desvantagem deste arranjo é que ele sacrifica, ou pelo menos dilui, o altamente valorizado ethos “universal” da igreja. E vender um modelo de 13 ou mais territórios, com cada corpo constituinte respondendo somente a si mesmo, pode ser muito fragmentário, além de projetar mais divisões do que seria confortável para a igreja. Além disso, para uma igreja cujos líderes estão acostumados com reuniões em Washington e por todo o globo, não ter tal centro para discutir outras preocupações compartilhadas pode ser o toque fúnebre de tal plano.

Se a abordagem regional/congregacionalista se provar pouco palatável a uma mentalidade adventista tradicional, um sistema que preserve e melhore o atual pode ser a solução. O modelo corporativo praticado por grandes instituições adventistas, como universidades e redes de hospitais, embora dificilmente seja usado para eleger/designar líderes eclesiásticos, ainda é familiar o bastante para merecer consideração. Quando a mudança de liderança se torna necessária em universidades ou grandes hospitais adventistas, comissões de busca são estabelecidas para buscar substituições. Estas comissões geralmente levam meses para completar seu trabalho. Não há razão para que a igreja não possa ter um processo similar para escolher o presidente da AG.

Isso pode exigir ter uma comissão permanente, de preferência bem representada por não pastores, com todos informados por critérios predeterminados de qualificação à liderança. Tal mecanismo poderia ser ativado cerca de seis meses antes de uma Assembleia Geral, ou em uma situação interina. Seu único dever seria identificar, entrevistar e conduzir uma verificação de antecedentes para candidatos em potencial às principais posições executivas da AG. Esta comissão teria o poder para filtrar “inscritos” potenciais até que restem três ou quatro por posição, e enviar recomendações para um corpo maior, tal como a comissão de nomeação da AG, para um voto final. Embora a comissão de nomeação maior tenha mais ou menos a mesma quantidade de tempo que o sistema atual para conduzir suas pautas, muito do trabalho braçal já teria sido feito antes que a comissão se reunisse. Isso produziria um processo de busca mais minucioso que o que temos atualmente.

Eu reconheço que estes dois modelos ainda são só esqueletos, mas podem ser um início e visam facilitar diálogos sobre reforma. Embora possamos ainda não estar no ponto da observação do Lord Acton de que “o poder tende a corromper”, é certo que os líderes no adventismo, assim como suas contrapartidas seculares, se acostumaram aos atrativos do cargo, e por isso buscam formas de permanecer. O sistema atual é crescentemente propenso a abusos. Em minha visão, os presidentes da AG, particularmente Wilson, têm às vezes comprometido sua integridade e ética básica para permanecer no cargo. Um sistema que tenta líderes decentes a assinar barganhas faustianas que borram limites éticos precisa ser revisto.