Ao selecionar passagens, copiar trechos de outros livros e aplicar lições moralizantes, Ellen G. White, como muitos da sua época, escreveu um tipo de “ficção bíblica” em “O desejado de todas as nações”, com o objetivo de melhorar a experiência religiosa dos leitores


Por Warren C. Trenchard | Doutor em Novo Testamento e Literatura do Cristianismo Primitivo pela Universidade de Chicago. Aposentado, ele continua a servir a Universidade La Sierra como professor de Novo Testamento e Literatura do Cristianismo Primitivo, e Diretor da Pós-Graduação para a H.M.S. Richards Divinity School. Artigo traduzido e adaptado do original em inglês por Alef Lessa para a revista Zelota.

Entre as centenas de trabalhos publicados por Ellen White,1 seus escritos sobre partes da Bíblia são, muito provavelmente, os mais amados por aqueles que enaltecem seu trabalho. A Sra. White regularmente escrevia narrativas bíblicas, exposições e materiais em periódicos e manuscritos com propósito específico. No entanto, ela é mais reconhecida por seus seus livros que exploram grandes porções do Antigo e Novo Testamento. Esses livros foram publicados ao longo de sua profícua carreira, começando com Spiritual Gifts,2 Volume 1,3 em 1858, e terminando com Profetas e Reis,4 publicado postumamente5 em 1917.6 As primeiras obras eram bem seletas no que se tratava a temas bíblicos; os volumes subsequentes, outrossim, os incluíam cada vez mais. 

Ignorando as exortações de cuidado da própria Ellen White,7 muitos leitores dessas obras as consideram comentários divinamente inspirados sobre os textos bíblicos e outros materiais que exploram, chegando ao ponto de utilizar suas interpretações e aplicações como afirmações de autoridade. A Crença Fundamental nº 18 da Igreja Adventista do Sétimo Dia contém uma advertência similar à encontrada nos escritos de Ellen White, mas num todo parece dar suporte a esse uso vulgar de suas interpretações bíblicas: 

Um dos dons do Espírito Santo é a profecia. Esse dom é uma característica da Igreja remanescente e foi manifestado no ministério de Ellen G. White. Como a mensageira do Senhor, seus escritos são uma contínua e autorizada fonte de verdade e proporcionam conforto, orientação, instrução e correção à Igreja. Eles também tornam claro que a Bíblia é a norma pela qual deve ser provado todo ensino e experiência.8

A despeito dessas práticas comuns adventistas ou das declarações oficiais sobre o credo, como deveríamos de fato enxergar os escritos da Sra. White sobre materiais bíblicos? Vamos primeiramente examinar como os enxergavam aqueles que efetivamente trabalharam nesses escritos, ou pelo menos no mais querido deles, O Desejado de Todas as Nações (DTN).9

Enquanto trabalhavam na redação de DTN, os assistente literários de Ellen White discutiam os planos e desafios do projeto, como Marion Davis, que disse: 

Independente do plano que seguirmos, há muito trabalho a ser feito se o livro [Desejado de Todas as Nações] for terminado, como deveria. Considerando que seu próprio tutano foi retirado de uma grande parte do livro antigo [The Spirit of Prophecy], e o mesmo foi distribuído para muitas pessoas, é uma pena essa nova obra não conter nada de novo em muitos de seus capítulos importantes. É também uma pena que a parte mais importante do livro seja justamente a que será acelerada e diminuída. Reitero que os capítulos como estão no livro antigo devem sofrer profunda revisão e reorganização para o novo. Você sabe que tipo de críticas isso vai incitar. Se pudéssemos adicionar conteúdo inédito, iria ajudar nessa situação. Não escrevo essas coisas para reclamar das dificuldades, mas porque eu penso que, na medida do possível, devemos entender a situação assim como ela é.10

Esse modelo recomendado prevaleceu na diagramação e publicação final de DTN, como bem reconhecido no prefácio redigido pelos “editores”: 

Nas páginas a seguir a autora, uma mulher de grande, profunda e longa experiência nas coisas de Deus, nos apresenta novas belezas sobre a vida de Jesus. Ela traz muitas novas gemas do precioso guarda-jóias. Ela abre diante do leitor riquezas nunca dantes sonhadas dessa infinita casa de tesouros. Nova e gloriosa luz brilha de uma outrora familiar passagem, cuja profundidade o leitor supôs que já havia contemplado há muito.11

Surge a questão: o que exatamente essas recomendações e descrições pós-publicação significam? Sem sombra de dúvida, ambos se referem à adição de ideias, reflexões e observações “novas” e “inéditas” não encontradas nos volumes anteriores do material sobre a “Vida de Cristo” publicados por Ellen White, a exemplo de The Spirit of Prophecy (O Espírito de Profecia, a partir de agora SP) volumes 2-3. (A coleção de 4 volumes cobria os evangelhos na integridade do volume 2 e numa parte do 3º, nos primeiros 19 de 36 capítulos). A fim de determinar se a autora e seus editores em última instância atingiram esse objetivo (e por outras razões elencadas a seguir), eu selecionei aleatoriamente um dos capítulos em DTN analisados por Fred Veltman, em seu estudo massivo sobre dependência literária nos escritos de EGW sobre a vida de Cristo:12 capítulo 46: “A Transfiguração.”

Esse capítulo mostra evidências de material “novo” e “inédito” quando comparado ao material anterior em The Spirit of Prophecy, volume 2 (O Espírito de Profecia, a partir de agora 2SP).13 O capítulo em DTN contém 1.846 palavras, ou seja, é 10,87% maior que as 1.665 palavras do material encontrado em 2SP. Ademais, o capítulo 46 de DTN inclui material “novo” e “inédito” específico não encontrado em 2SP. Embora muitas dessas adições sejam relativamente desimportantes,14 eu considero algumas como significativas, como: 

  • Uma alusão a Enoque é incluída no material sobre Elias. 
  • O entendimento de Miguel como Cristo fica evidente na história da ressurreição de Moisés. 
  • Os discípulos queriam ficar mais tempo na gloriosa presença dos visitantes especiais, e por esse motivo Pedro propõe a construção das três tendas. 
  • A divindade de Jesus brilhava através de sua humanidade. 
  • Moisés e Elias são chamados de “seres celestiais”. 
  • É dito que Jesus estava vestido com a luz celestial, assim como ele estará na Parusia. 
  • Apenas os três discípulos aos quais foram confiados papéis mais íntimos no Getsêmani receberam permissão para participar da Transfiguração. 
  • Através da Transfiguração, Jesus buscava garantir mais segurança sobre sua onipotência. 
  • Na passagem também estão incluídas longas expansões/exortações sobre a ignorância dos discípulos, bem como sobre os papéis antigos de Moisés e Elias. 
  • Ademais, algumas mudanças no capítulo 46 de DTN envolveram remover elementos encontrados em 2SP.15

Essas recomendações e comentários dos envolvidos na produção de DTN e a evidência de seu impacto no produto final podem levar alguém a crer que essa postura aditiva é única neste livro, no que concerne à carreira de Ellen White escrevendo sobre a vida de Cristo. Nada poderia estar mais distante da verdade. Logo no primeiro volume dessa carreira, em Spiritual Gifts volume 1 (1SG), já existe um capítulo intitulado “A Transfiguração”. Veltman acertadamente verificou que apenas 11 de suas 51 frases16 versam diretamente sobre a narrativa bíblica contida nos Evangelhos Sinópticos. As outras 40 frases são apenas informações de pano de fundo sobre as experiências prévias de Moisés e Elias. 

Como já verificamos previamente, o material sobre a Transfiguração em 2SP consiste de 1.665 palavras, em contraste com as 957 de 1SG. O material sobre transfiguração em 2SP não é apenas 73,98% mais longo, como ainda apresenta uma enorme quantidade de material adicional em comparação ao primeiro livro. Assim, o esforço para acrescentar material “novo” e “inédito” em DTN não foi novo, nem inédito. Mesmo que nesse caso a existência de material novo não seja anunciada pelos editores, o resultado foi o mesmo obtido da evolução de 1SG para 2SP. Na verdade, essa expansão foi ainda mais extensa e significativa que a analisada evolução de 2SP para DTN. Mas essa afirmação tem ainda mais a ver com outras informações que veremos a seguir. 

Até agora, examinamos a extensão da cobertura narrativa entre os três livros de Ellen White que contemplam a trajetória da vida de Cristo, através da evidência em seus escritos sobre a história da Transfiguração contida nos evangelhos sinópticos. Concluímos que houve uma copiosa expansão de conteúdo entre 1SG e 2SP, e uma modesta expansão deste último para DTN. No entanto, para compreender profundamente a natureza de seus escritos sobre a vida de Cristo precisamos antes explorar a relação da narrativa nestes três livros com as narrativas bíblicas em Mateus, Marcos e Lucas.17 Para facilitar, vou dispor desses três relatos sinópticos contidos na versão King James (KJA),18 a começar por Marcos.19

Marcos 9.2-8

Passados seis dias, tomou Jesus consigo a Pedro, Tiago e João e os conduziu a um lugar retirado, no alto de um monte, onde puderam ficar a sós. E ali Ele foi transfigurado diante deles. Suas vestes tornaram-se alvas, de um branco reluzente, como nenhum lavandeiro em toda a terra seria capaz de alvejá-las. Então, apareceu à sua frente Elias com Moisés, e estavam conversando com Jesus. E Pedro, tomando a palavra, sugeriu: “Rabi, é muito bom estarmos aqui! Vamos erguer três tabernáculos: um será teu, um para Moisés e um para Elias”. Pedro não sabia o que falar, pois eles haviam ficado aterrorizados. Em seguida, surgiu uma nuvem que os envolveu, e dela soou uma voz, que declarou: “Este é o Meu Filho amado, a Ele dai ouvidos!”. E, de repente, quando olharam ao redor, a ninguém mais viram, a não ser Jesus.

Mateus 17.1-8

Passados seis dias, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago, e os levou, em particular, a um alto monte. Ali Ele foi transfigurado na presença deles. Sua face resplandeceu como o sol, e suas vestes tornaram-se brancas como a luz. De repente, surgiram à sua frente Moisés e Elias, conversando com Jesus. Expressando-se Pedro, disse a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui. Se desejares, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias”. Enquanto ele ainda estava falando, uma nuvem resplandecente os envolveu, e dela emanou uma voz dizendo: “Este é o meu Filho amado em quem me regozijo: a Ele atendei!” Ao ouvirem isso, os discípulos prostraram-se com o rosto em terra e ficaram atemorizados. Então Jesus, aproximando-se deles, tocou-os e disse: “Levantai-vos, e não temais!” Ao erguer os olhos, a ninguém mais viram, senão somente a Jesus.

Lucas 9.28-36

Passados quase oito dias após o pronunciamento destas palavras, Jesus tomou consigo a Pedro, João e Tiago e subiu a um monte para orar. Enquanto orava, a aparência do seu rosto foi se transformando e suas roupas ficaram alvas e resplandeceram como o brilho de um relâmpago. Então, surgiram dois homens que começaram a conversar com Jesus. Eram Moisés e Elias. Apareceram em glorioso esplendor e falavam sobre a partida de Jesus, que estava para se cumprir em Jerusalém. Pedro e seus amigos estavam dormindo profundamente, mas despertaram de súbito, e viram a fulgurante glória de Jesus e os dois homens que permaneciam com Ele. Quando estes iam se afastando de Jesus, Pedro sugeriu: “Mestre, como é bom que estejamos aqui! Vamos erguer três tabernáculos: um será teu, outro para Moisés, e outro, de Elias”. Mas Pedro não sabia, ao certo, o que estava propondo. Entretanto, enquanto ele ainda falava, uma nuvem surgiu e os encobriu, e grande foi o temor que sentiram os discípulos ao verem aqueles homens desaparecerem dentro da espessa nuvem. Então, dela propagou-se uma voz, afirmando: “Este é o meu Filho, o Escolhido; a Ele dai toda atenção!” Passado o som daquela voz, Jesus ficou só. Os discípulos, então, guardaram o que viram e ouviram somente para si; durante aquele tempo não compartilharam com ninguém o que acontecera.

Aqui segue o relato em Marcos — a versão mais antiga da história — de acordo com a New Revised Standard Version (NRSV),20 uma tradução moderna, com minhas notas nas diferenças entre Mateus e Lucas.21

Seis dias depois,22 Jesus tomou consigo Pedro e Tiago e João,23 e os guiou para uma alta montanha24 sozinhos, a sós. E ele foi transfigurado diante deles,25 e suas roupas se tornaram deslumbrantemente brancas, como ninguém na Terra poderia alvejá-las.26 E27 ali apareceram diante deles28 Elias com Moisés,29 que conversavam com Jesus.30 Então, Pedro disse a Jesus, “Rabi,31 é bom estarmos aqui;32 façamos33 três habitações,34 uma para ti, uma para Moisés, e uma para Elias.” Ele não sabia o que dizer,35 pois estavam aterrorizados. Então uma nuvem36 encobriu-os em sombras,37 e da nuvem veio uma voz, “Este é meu Filho, o Amado;38 ouvi-o!”39 De repente, quando olharam ao redor, não viram ninguém mais com eles, apenas Jesus.40 

A maioria das variações entre Mateus e Lucas não são significativas para o sentido da narrativa. Contudo, várias são dignas de nota. Algumas edições de Lucas são especialmente importantes, pois revelam suas próprias reflexões sobre o evento:

  • A intenção de Jesus para a caminhada na montanha era orar.
  • Moisés e Elias falavam com Jesus sobre sua experiência vindoura em Jerusalém.

Outras observações são interessantes, mas não tão importantes, como: 

  • Os discípulos estavam sonolentos, mas permaneceram acordados e assim viram os dois visitantes. 
  • Pedro sugeriu construir as habitações enquanto os visitantes estavam indo embora. 
  • Os discípulos não contaram a ninguém sobre isso naquela ocasião.

Algumas das edições de Mateus também são significativas, especialmente no que concerne à importância de Pedro:41

  • Pedro declarou que ele construiria as habitações.42
  • Mateus ignora a referência a Pedro não saber o que dizia. 

Além disso, note essas adições que parecem revelar a bondosa preocupação de Jesus com seus discípulos:43

  • Após ouvir a voz vinda da nuvem, os discípulos prostraram-se na terra com medo.
  • Jesus tocou os discípulos prostrados, e os disse para levantar e não terem medo.

Agora, vamos examinar em detalhes as três descrições de Ellen White e suas discussões sobre a narrativa da Transfiguração nos Evangelhos Sinópticos. A primeira, em 1SG, como mencionado anteriormente, se debruça sobre esse tema em apenas 11 frases (237 palavras). É tão notavelmente pequena, que podemos citá-la aqui em sua integralidade: 

[Eu vi que]44 A fé dos discípulos ficou grandemente fortalecida na transfiguração, quando lhes foi permitido contemplar a glória de Cristo e ouvir a voz do Céu testificando do seu caráter divino. Deus desejou dar aos seguidores de Jesus forte prova de que Ele era o prometido Messias, a fim de que, em seu amargo desapontamento e tristeza quando da crucifixão, não perdessem por completo sua confiança. Por ocasião da transfiguração, o Senhor enviou Moisés e Elias para falarem com Jesus sobre Seus sofrimentos e Sua morte. Em vez de escolher anjos para falar com Seu Filho, Deus escolheu os que tinham experimentado por conta própria as provações da Terra. [A alguns de seus seguidores foi permitido estar consigo e contemplar sua face iluminada com a glória divina, e testemunhar suas vestes brancas e resplandecentes, e escutar a voz de Deus, em temível majestade, dizendo, Este é meu filho amado, a Ele ouvi.]45 46 

Na transfiguração esta promessa se cumpriu. Transformou-se ali o rosto de Jesus, e resplandeceu como o Sol. Suas vestes se tornaram brancas e luzentes. Moisés estava presente para representar os que serão ressuscitados dentre os mortos, por ocasião do segundo aparecimento de Jesus. E Elias, que fora trasladado sem ver a morte, representava os que serão transformados à imortalidade por ocasião da segunda vinda de Cristo, e serão trasladados para o Céu sem ver a morte. Os discípulos contemplaram com temor e espanto a excelente majestade de Jesus e a nuvem que os cobriu, e ouviram a voz de Deus com terrível majestade, dizendo: “Este é o Meu Filho, o Meu Eleito: a Ele ouvi.”47

Apesar da brevidade do relato inicial de Ellen White sobre a Transfiguração, existem abundantes exemplos já em 1SG de seu distanciamento em relação ao texto bíblico, vagamente compreendido como material encontrado em Mateus, Marcos ou Lucas. Essas adições extrabíblicas incluem o seguinte: 

  • A fé dos discípulos foi fortalecida na ocasião da Transfiguração. 
  • Deus deu prova de Jesus como o Messias. 
  • Deus enviou Moisés e Elias. 
  • Deus escolheu aqueles com experiências em provações. 
  • A promessa de Deus se cumpriu na Transfiguração. 
  • Moisés representava os ressuscitados dos mortos na Parusia. 
  • Elias representava os que seriam transladados sem passar pela morte na Parusia.

Tudo isto acontece em apenas 11 frases! Além disso, suas 40 frases adicionais sobre Moisés e Elias também constituem uma adição significativa à narrativa da Transfiguração. 

As adições de Ellen White a esse relato bíblico em 1SG em nada se comparam à gigantesca e generalizada expansão de detalhes espalhada por todo o texto no material correspondente em 2SP. Podemos constatar isso apenas na contagem de palavras: 1.665 de 2SP, contra 957 em 1SG.48

Obviamente, não reproduzirei por extenso o material presente em 2SP aqui. Ao invés disso, eu fornecerei uma lista com os detalhes extrabíblicos adicionados em 2SP além dos já mencionados. 

O evento ocorreu enquanto o sol se punha, sua luz sumindo no topo das montanhas. 

  • Jesus e seus discípulos saíram de uma cidade barulhenta, atravessaram os campos e viajaram para a parte íngreme da montanha. 
  • Jesus buscava a elevação alta para se afastar das multidões. 
  • Ele fora não só orar, mas meditar. 
  • Ele e seus discípulos estavam cansados. 
  • Os discípulos tinham dúvidas do que estava acontecendo, mas não as verbalizaram. 
  • O evento ocorreu na escuridão da noite. 
  • Jesus passou horas em oração e lágrimas. 
  • Ele orou por graça sobre seus discípulos. 
  • O orvalho cobria Jesus enquanto se prostrava. 
  • As trevas da noite estavam ao seu redor. 
  • A princípio os discípulos também oraram. 
  • Jesus lhes alertara sobre seus sofrimentos futuros. 
  • Ele orou para que seus discípulos vissem sua divindade. 
  • Deus ouviu sua oração. 
  • Os portões celestiais da Cidade de Deus foram abertos. 
  • Jesus mostrou sua majestade divina. 
  • Suas vestes eram sujas e maltrapilhas. 
  • Os discípulos creram que a presença de Elias apontava para a proximidade do reino terreno de Jesus. 
  • Pedro se esquecera das frequentes explicações de Jesus sobre o plano da salvação. 
  • A nuvem era ainda mais clara do que aquela que guiava Israel. 
  • A voz vinda das nuvens fez a terra tremer. 

Essa lista representa como foi a trajetória de Ellen White em seus escritos sobre a vida de Cristo em geral, e especificamente na história da Transfiguração. Como observamos acima, ela e seus editores planejavam, ao final dessa trajetória — O Desejado de Todas as Nações — acrescentar ideias inéditas e novas, bem como novos insights e observações não encontradas em 2SP. 

Nós já revisamos exemplos desse material em DTN comparado ao de 2SP. Precisamos agora examinar o material extrabíblico contido em DTN, cap. 46 “A Transfiguração”, não presente nas extensas adições já contidas em 2SP. Em outras palavras, qual é o dito material extrabíblico “inédito” e “novo”, presente nesse capítulo?  

Como esse capítulo também é grande demais, segue uma lista com os detalhes extrabíblicos no capítulo 46 de DTN que eu selecionei da lista maior de adições já mencionadas: 

  • Os discípulos desejavam permanecer na presença gloriosa dos visitantes especiais, daí Pedro oferecer-se a montar as três tendas. 
  • A divindade de Jesus brilhava através de sua humanidade. 
  • Moisés e Elias são chamados de seres celestiais. 
  • É dito que Jesus estava vestido da luz celestial assim como estará na Parusia. 
  • Através da Transfiguração, Jesus almejava ganhar uma nova compreensão de sua onipotência. 

Tudo isso mostra que, embora Ellen White realmente tenha continuado com a adição de detalhes extrabíblicos, ela o fez de maneira mais limitada em comparação com 2SP. Porém toda a sua trajetória na escrita dessa história específica mostra uma profusão de detalhes expandindo as narrativas bíblicas. 

A resposta simples é: ela nunca respondeu essa questão, sobre adicionar ou não elementos extrabíblicos. No entanto, podemos observar alguns detalhes do próprio material. Em 1SG ela usou a expressão “Eu vi” três vezes no capítulo sobre a Transfiguração — uma vez nas 11 frases sobre o evento em si, e mais duas quando refletindo nas experiências prévias de Moisés e Elias. Ela implica, consequentemente, ter efetivamente “visto” essas coisas em visão. O único uso de “eu vi” no material específico da transfiguração está na primeira frase do capítulo: “Eu vi que a fé dos discípulos ficou grandemente fortalecida na transfiguração.” Embora essa primeira frase pareça referenciar o capítulo inteiro, é mais provável que ela se limite apenas à observação imediata que segue; ela afirma que meramente “viu que” algo na fé dos discípulos foi fortalecido por causa deste evento. O fato de ter usado a expressão “eu vi” duas vezes quando discute as vidas de Moisés e Elias sugere que o uso desse jargão nesse contexto deve ser interpretado em conexão com o que vem imediatamente em seguida, e não como uma ressalva de compreensão relativa a todo o parágrafo, seção ou capítulo.49

Além disso tudo, Veltman, em seu estudo monumental sobre os escritos da Sra. White a respeito da vida de Jesus, mostra que ela incorporou muitos elementos extrabíblicos, narrativos e material devocional presentes em outras “Vidas de Jesus” contemporâneas, bem como outros materiais disponíveis a ela. Embora Veltman tenha se focado numa seleção de capítulos de DTN, ele estendeu sua investigação até incluir suas fontes internas — seus primeiros livros e escritos sobre a vida de Jesus. No geral, sua dependência literária era mais proeminente nessas fontes internas anteriores do que em DTN, como Veltman descobriu. 

Felizmente, não precisamos especular quanto a isso sobre o capítulo 46, porque esse foi justamente um dos capítulos analisados por Veltman. Como as evidências acima mostram, ele concluiu que “A questão da expansão é mais corretamente aplicável ao texto aumentado de 2SP em relação ao texto anterior de 1SG, do que no texto de DTN.”50 Veltman descobriu que 38 das 88 frases (42,7 %) desse capítulo de DTN mostrava “algum nível de dependência literária”.51 A maior parte dessa dependência, note, já estava evidente no capítulo correspondente em 2SP. Nas palavras do especialista, “Uma vez sendo o conteúdo do texto em DTN, em sua maior parte, uma revisão da narrativa em 2SP, não é surpresa encontrar o mesmo conteúdo de fontes sendo usadas geralmente da mesma maneira. O texto anterior é frequentemente considerado como igualmente ou mais dependente que o texto mais recente de DTN.”52

Veltman descobriu também que 48 das 88 frases deste capítulo de DTN eram “independentes”53 (não mostravam dependência literária), o que corresponde a 53,94%. Eu examinei essas frases, e concluí que 24 delas (50%) incluem adições à narrativa bíblica. Eu também analisei as 38 frases “dependentes” de Veltman e descobri que 26 delas (68,4%) mostravam evidências de adições extrabíblicas. Combinadas, essas 50 frases, tanto as independentes quanto as dependentes que incluem adição à narrativa bíblica, formam 56,82% do total de 88 frases neste capítulo. Claro que, como já vimos, muitas das frases dependentes analisadas por Veltman refletem a dependência já estabelecida em 2SP. Não obstante, essas descobertas demonstram que White estava ocupada em inflar a narrativa com detalhes extrabíblicos e detalhes ficcionais em sua decenária discussão publicada sobre a história da Transfiguração dos Evangelhos Sinópticos. 

Além das 50 expansões narrativas, White também acrescenta detalhes de pano de fundo fora da narrativa em cinco frases dependentes, bem como 18 independentes, assim como detalhes homiléticos ou devocionais em cinco frases dependentes, e seis independentes. Juntamente com as 50 frases já mencionadas, o número total de frases que envolvem qualquer tipo de expansão à narrativa bíblica da Transfiguração é de 84 das 88 frases nesse capítulo de DTN. No entanto, é importante lembrar que Veltman identificou a Bíblia como fonte de 3 dessas frases dependentes. Eu descobri que uma dessas forneceu informações adicionais para o pano de fundo. Em resumo, descobri que das 88 frases desse capítulo, 82 (93,18%) exibiram algum tipo de expansão do texto bíblico, adições narrativas, detalhes, ou material devocional. 

Após revisar e analisar a evidência ao redor de DTN, o exemplo mais bem conhecido dos escritos bíblicos de Ellen White, como deveríamos interpretar a classificação e o gênero literário desses escritos? 

Considerando especialmente DTN e seus outros escritos sobre Jesus, primeiro precisamos localizar seus escritos dentro do contexto do século 19. Este século presenciou uma explosão de escritos sobre Jesus, especialmente na Europa. Muitas dessas obras eram tentativas de compreender Jesus como uma figura histórica. Contemplando essa produção monumental, Albert Schweitzer54 não apenas examinou criticamente essas iniciativas acadêmicas como redigiu os jazigos dos defuntos. Segundo ele, as tentativas falharam por serem influenciadas demais pelas visões do autor, quer fossem teológicas, sociais ou políticas.55 Esses trabalhos acadêmicos, classificados como “vidas de Jesus” e incluindo a própria tentativa de Schweitzer nessa matéria, foram caracterizadas desde então como a “primeira cruzada pelo Jesus histórico.”

Mark Allan Powell identifica três características predominantes dessas “vida de Jesus” oitocentistas:56

  1. Elas impõem um grande esquema que dita a temática da obra, e através da qual os Evangelhos são interpretados. 
  2. Elas excluem partes do Evangelho que não coadunam com esse esquema. 
  3. Elas adicionam material novo, não encontrado nos Evangelhos, para preencher as lacunas da história.

Veltman não oferece nenhuma evidência de que, ao escrever sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, Ellen White tenha lido ou usado quaisquer das publicações acadêmicas revisadas por Schweitzer. Muito embora DTN tenha focado em Jesus no contexto dos evangelhos, ele evidentemente não o fez como um trabalho crítico ou histórico. De maneira alguma DTN foi parte da “primeira cruzada pelo Jesus histórico”, e nunca foi listado ou revisado dessa forma por acadêmicos como Schweitzer ou Powell. DTN não é uma “vida de Jesus”. 

No entanto, fora essas publicações mais acadêmicas, muitos outros livros oitocentistas consistiam em pesquisas gerais e devocionais sobre a vida e os ensinamentos de Jesus. As mais sistematicamente bíblicas dessas obras eram chamadas de “vidas de Cristo”, que se dedicavam a contar a história de Jesus como encontradas nas narrativas dos Evangelhos. Outras eram compilações de sermões e material devocional em aspectos da vida e ensinamentos de Jesus. 

Embora os critérios de Powell para definir o que é uma “vida de Jesus” se refiram aos escritos acadêmicos associados à “Cruzada pelo Jesus histórico” do séc. 19, eles podem, razoavelmente, se estender para também definir a profusão de “vidas de Cristo” gerais e devocionais, que inclusive Ellen White leu e incorporou em seus próprios escritos. Então, para esse fim, seria DTN uma “Vida de Cristo” típica do século 19? 

  1. DTN é a culminação dos escritos de Ellen White sobre a vida e os ensinamentos de Jesus da perspectiva do tema do “Grande Conflito”, assim chamado. Claramente, trata-se de um grande esquema.57
  2. DTN exclui material que não coaduna com tal esquema, como por exemplo Mateus 9.18-26 (especialmente o conteúdo do verso 18 e a flagrante ausência do material correspondente em Marcos 8.35-36 e Lucas 8.49-50) e Lucas 22.35-38. 
  3. DTN adiciona material novo para preencher as lacunas nas histórias, como vimos nos exemplos da história da Transfiguração. 

Os editores de DTN claramente identificaram DTN com as “vidas de Cristo”, ao afirmarem: “Existem diversas ‘vidas de Cristo’ publicadas, livros excelentes, com copiosa informação, elaborados tratados sobre cronologia e história contemporânea, costumes, e eventos, com muito do ensinamento e muitos vislumbres da vida não contada de Jesus de Nazaré. Ainda assim, pode-se verdadeiramente dizer, ‘nem metade foi dito’.”58 Com isso, eles implicam que DTN veio para fechar essa lacuna. 

Com efeito, Ellen White foi a autora do que pode, razoavelmente, ser classificado como uma “vida de Cristo” típica do séc. 19. De fato, ela claramente valorizava e usava muitas das “vidas de Cristo” escritas por seus contemporâneos, incorporando vastas porções de seus detalhes extrabíblicos, observações e ideias devocionais em seus próprios livros sobre Cristo. A importante pesquisa de Veltman apontou que sua frequente dependência literária se limitava a autores de “vidas de Cristo”59 e coleções de sermões e materiais devocionais.60 Esses volumes contemplavam não apenas significados espirituais das narrativas e lições contidas nos Evangelhos, mas também regularmente aumentavam ou inflavam as narrativas bíblicas. A Sra. White não apenas incorporou muitos exemplos desse tipo de extensão literária comum às “vidas de Cristo” de sua época, mas também adicionou seu próprio material devocional e suas extensões narrativas. 

Um artigo sobre DTN afirma que ele faz parte de uma coleção de cinco volumes dos livros de Ellen White conhecidos como “O Conflito dos Séculos”, uma série descrita como “um comentário devocional que abrange a história da Bíblia desde o Gênesis até a segunda vinda de Cristo.”61 Não há sombra de dúvida que essa série que inclui DTN é “devocional”. Que ela seja um “comentário” — nem tanto. Ninguém poderia esperar quem um comentário genuíno escolhesse harmoniosamente os textos aos quais comentar; ignorasse contextos, detalhes linguísticos, formas veterotestamentárias de citações do NT, tendências de autores, línguas originais etc.; que ignorasse material problemático ou desafiador; ou adicionasse detalhes às narrativas regularmente. O Desejado de Todas as Nações faz tudo isso. É literatura devocional, mas não um comentário. 

Fica a dúvida: qual é, então, o gênero literário dos escritos de Ellen White sobre a Bíblia? Primeiro, vou dizer o que ele NÃO é. Não é acadêmico, exegético, ou contribuição para (ou produto de) estudos bíblicos. Em contrapartida, com base na minha análise da evidência de que DTN é um exemplo de tal gênero, eu concluo que se trata de uma ficção bíblica — bíblica, porque é baseada em textos bíblicos subjacentes, embora muitas vezes harmonizados com o grande esquema da obra; ficção, porque ela livremente emenda, exclui, modifica, muda e aplica as narrativas bíblicas. Isso não deve ser visto como uma caracterização negativa. Geralmente o propósito desse tipo de escrita é motivar espiritualmente, estimular a devoção e melhorar a experiência religiosa e de fé dos leitores.

Notas:

1. Uma bibliografia de seus trabalhos inclui mais de 600 títulos (CRANE, Marilyn. EGW Bibliography. Loma Linda University: University Libraries, https://library.llu.edu/heritage-research-center/egw-estate-branch-offic…) De acordo com Arthur Patrick, Ellen White escreveu por volta de 26 livros, 200 tratados e 5.000 artigos. (PATRICK, Arthur in Ellen Harmon White: American Prophet. editores Terrie Dopp Aamodt, Gary Land, and Ronald L. Numbers. : Oxford University, Oxford Press. pg. 91, 2014. A lista mais definitiva contêm 155 títulos. (“EGW Writings book list,” Ellen G. White Estate, https://whiteestate.org/books/booklist/. Cf. “List of Ellen G. White Writings,” Wikipedia, https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Ellen_G._White_writings.)

2. Nota do Tradutor (N.T.): O livro Spiritual Gifts não foi traduzido diretamente para português como volume separado, mas está contido no livro Primeiros Escritos (PE, 2007), tradução direta do original Early Writings (EW, 1945). Para fins de precisão, no entanto, optamos por nos referir a Spiritual Gifts no nome original. O mesmo acontece com Spirit of Prophecy, que está quase integralmente contido em A História da Redenção.

3. O título do volume original e individual era The Great Controversy Between Christ and His Angels and Satan and His Angels (O Grande Conflito Entre Cristo e Seus Anjos e Satanás e Seus Anjos, ipsis litteris, material não traduzido para PT-BR)

4. Story of Prophets and Kings As Illustrated in the Captivity and Restoration of Israel. (A História dos Profetas e Reis Como Ilustrada no Exílio e Restauração de Israel, ipsis litteris.), Originalmente The Captivity and Restoration of Israel. (O Exílio e Restauração de Israel, ipsis litteris, material não traduzido para PT-BR).

5. O manuscrito original ainda não fora concluído na ocasião de sua morte, em 16 de Julho de 1915.

6. A principal coleção de livros sobre materiais bíblicos eram The Spirit of Prophecy (O Espírito de Profecia, ipsis litteris), em 3 ou 4 volumes (1874-1878) e a série denominada “O conflito dos Séculos”, com 4 ou 5 volumes (1888-1917).

7. E.g., Primeiros Escritos, pg. 78; Testemunhos para a Igreja, vol 5, pg. 663-665.

8. Crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Disponível em: https://www.adventistas.org/pt/institucional/crencas/

9. Publicado em 1898, DTN expande algumas partes de The Spirit of Prophecy, volumes 2-3 (1877-1878), que por sua vez trata-se de seções expandidas de Spiritual Gifts, vol. 1 (1858), traduzidos indiretamente para português em outras obras, como História da Redenção (2008).

10. Carta de Marian Davis para William White, 9 de Agosto de 1897, citado por Fred Veltman, Full Report of the Life of Christ Research Project (Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia: Comissão de Revisão do Projeto de Pesquisa de ’Vida de Jesus’, Novembro de 1988), pg. 431. Os esclarecimentos entre parênteses ou sublinhados estão presentes nas citações de Veltman. Ele não indica se estão no original. Na mesma página, Veltman deu sua própria visão sobre a situação: “Está claro pelo comentário de Marian Davis e da introdução geral para essa investigação que os objetivos em produzir esse novo ‘Vida de Jesus’ incluíam tanto a necessidade de antigo material como a adição de ‘conteúdo novo’. Os escritores também reconheceram a necessidade de ‘realinhamento’ dos capítulos.”

11. DTN, pg. 17. Para uma descrição do projeto ao redor de DTN e o papel de Marian Davis nele, vide PATRICK pp. 94-96.

12. Para resumos do trabalho de Veltman, vide PATRICK (p. 106) e LAND, Gary: “Biographies” in Ellen Harmon White: American Prophet. editores AAMODT, Terrie Dopp; LAND, Gary; e NUMBERS, Ronald L.. Oxford University, Oxford Press. pp. 332-333, 2014.

13. O capítulo 28 de 2SP, “A transfiguração”, contêm uma quantidade significativa de material antes e depois da narrativa da Transfiguração propriamente dita. Em DTN, esse material adicional é colocado em capítulos separados.

14. Por exemplo, Jesus é descrito como “Homem de Dores”; novas referências à “estrada acidentada” e à “solitária região montanhosa”; o Salvador nota a melancolia de seus discípulos; a introdução de grafia mais moderna e dos pronomes divinos em maiúsculas; a mudança de conjugação dos verbos de 2SP, de presente histórico para pretérito perfeito.

15. Por exemplo, Deus, o Pai, escolheu Moisés e Elias para a ocasião; os discípulos não ouvem a conversa entre Jesus e os santos; a referência às vestimentas vulgares e maltrapilhas de Jesus; a menção ao interesse de Jesus na meditação assim como à oração; o fato de Jesus não estar mais vestido do brilho divino ao fim; material adicional sobre Moisés; pequenos decréscimos do original, como descrições da montanha, da trilha e da nuvem.

16. VELTMAN, Life of Christ Project, pg 406. Essas foram as primeiras cinco e as últimas seis frases no capítulo. No que tange à contagem de palavras, apenas 237 das 957 palavras no capítulo versam diretamente sobre o episódio da Transfiguração.

17. Ellen White e seus editores estavam cientes do material bíblico que embasava o capítulo 46 de DTN. Após o título “A Transfiguração”, o leitor é informado que “Este capítulo é baseado em Mateus 17.1-8; Marcos 9.2-8; Lucas 9.28-36.”

18. Ela usou a KJV (King James Version; ou Bíblia King James Atualizada em PT-BR) no material sobre a Transfiguração.

19. Muitos estudiosos dos Evangelhos hoje em dia chegaram à conclusão de que essa unidade pode ser um exemplo da Tradição Tríplice. Por exemplo, material em comum entre Mateus, Marcos e Lucas, já que acredita-se que Marcos tenha sido o primeiro relato e usado como fonte principal para os outros dois.

20. N. T.: Nova Versão Padrão Revisada, não existente no português. Tomei a liberdade de traduzir o texto bíblico, ipsis litteris, com todo o cuidado que uma tradução bíblica exige, sem adaptar a linguagem nem alterar a forma das frases, concordância ou pontuação.

21. Segue o significado dos símbolos usados abaixo: “:” é uma substituição; “+” é uma adição; “-” é uma supressão.

22. Lucas: passados quase oito dias após o pronunciamento destas palavras.

23. Lucas: Pedro e João e Tiago.

24. Lucas + para orar

25. Mateus + sua face resplandeceu como o sol; Lucas: enquanto orava, a aparência de seu rosto foi se transformando.

26. Mateus/Lucas – como ninguém na Terra poderia alvejá-las.

27. Mateus/Lucas + de súbito.

28. Lucas: viram dois homens.

29. Mateus/Lucas: Moisés e Elias.

30. Lucas: Apareceram em glorioso esplendor e falavam sobre a partida de Jesus, que estava para se cumprir em Jerusalém. Pedro e seus amigos estavam dormindo profundamente, mas despertaram de súbito, e viram a fulgurante glória de Jesus e os dois homens que permaneciam com Ele. Quando estes iam se afastando de Jesus […].

31. Mateus: κύριε “Senhor”; Lucas: ἐπιστάτα “mestre”.

32. Mateus + se desejares.

33. Mateus: Eu irei (ποιήσω ὧδε). Essa tradução é baseada na forte evidência de א B C 700*, embasada em NA28, UBS5 e as versão em inglês mais modernas (por exemplo, a ASV, ERV, ESV, GNT, NASB, NET, NIV, RSV). No texto mais antigo e majoritário, seguido pela KJA (ver acima) e seus derivados modernos lê-se “façamos aqui” (ποιήσωμεν ὧδε). Bruce M. Metzger (A textual commentary on the Greek New Testament. 2º ed. Deutsche Bibelgesellschaft: Stuttgart, 1994. pg 34-35) conclui que a leitura majoritária de Mateus foi assimilada com as leituras de Marcos 9.5 e Lucas 9.33. Eu acrescento que, internamente, a leitura ποιήσω ὧδε suporta mais facilmente a mudança para ποιήσωμεν ὧδε que o oposto. Portanto, com base na evidência interna e externa, a leitura ποιήσω ὧδε é preferível, validada pelo menos com a classificação {B} — “é quase certa” (METZGER, pg. 14).

34. Mateus + aqui.

35. Mateus – Ele não sabia o que dizer, pois estavam aterrorizados; Lucas: não sabia, ao certo, o que estava propondo.

36. Mateus: Enquanto ele ainda estava falando, uma nuvem resplandecente; Lucas: enquanto ele ainda falava, uma nuvem surgiu e.

37. Lucas + e grande foi o temor que sentiram os discípulos ao verem aqueles homens desaparecerem dentro da espessa nuvem.

38. Lucas: ὁ ἐκλελεγμένος “Meu Escolhido” (ipsis litteris “O escolhido”).

39. Mateus + Ao ouvirem isso, os discípulos prostraram-se com o rosto em terra e ficaram atemorizados. Então Jesus, aproximando-se deles, tocou-os e disse: “Levantai-vos, e não temais!”

40. Lucas: Passado o som daquela voz, Jesus ficou só. Os discípulos, então, guardaram o que viram e ouviram somente para si; durante aquele tempo não compartilharam com ninguém o que acontecera.

41. Alguns outros exemplos do tratamento único e generoso que Mateus legou a Pedro, comparado a Marcos e Lucas, incluem “O primeiro”, quando se referindo à lista com os nomes dos Doze (10.2; em contraste com Marcos 3.16; Lucas 6.14); Pedro caminhando sobre as águas (14.28-31; não existente em Marcos e Lucas) E a história única em Mateus de quando Pedro é enviado a pescar um peixe com o tributo do templo em sua boca (17.24-27).

42. Vide nota 33 para evidência textual.

43. Temos mais dois exemplos da visão mais positiva de Mateus diante dos discípulos, em detrimento de Marcos, sua fonte. Um está em Jesus Acalma a Tempestade, onde Mateus altera a resposta de Jesus aos discípulos temerosos em Marcos, “ainda não tendes fé?”(4.40) para “homens de pouca fé” (Mateus 8.26); o outro está em Pedido sobre os Filhos de Zebedeu, onde Mateus põe a mãe de Tiago e João para fazer o pedido inoportuno (20.20-21), ao invés dos próprios discípulos, como conta Marcos 10.35-36.

44. N. T. : Esse trecho de Spiritual Gifts encontra-se em tradução oficial de 2007 em português PT-BR, contido no livro Primeiros Escritos, tradução direta de Early Writings de 1882 (houve edição posterior em 1945, mas o texto não foi mudado). No entanto, o trecho de Spiritual Gifts contido em Early Writings, posterior, foi profundamente editado, suprimindo quase sempre a expressão “I saw” (Eu vi, em primeira pessoa). Muito notável é a omissão total dessa expressão e similares usados em português PT-BR, como “Vi que” e “Foi-me mostrado” em quase todos os textos referentes aos evangelhos sinópticos na tradução brasileira. Não obstante, flagrante é ainda a liberdade que os tradutores da versão em português tomaram de, nesse relato da transfiguração, suprimir um derradeiro “I saw” presente na edição de EW, em “Moisés não pecou com isto” (PE, p. 174. Original em EW p. 163: I saw that Moses did not sin in this. Grifo meu.). Portanto, nesse relato em português, a expressão “Eu vi” ou similares não existe.

45. N. T.: Essa última frase em colchetes também foi suprimida em Early Writings, e consequentemente na versão para português Primeiros Escritos, mas está contida no original Spiritual Gifts, e a traduzi ipsis litteris, para respeitar a continuidade do original utilizado no texto de Trenchard.

46. Nesse ponto do capítulo, Ellen White deixou de lado a discussão específica sobre a Transfiguração e inseriu 40 frases (720 palavras) que exploram as experiências anteriores de Moisés e Elias.

47. N. T.: Aqui “o Meu eleito” também foi incluído livremente na versão PT-BR. Esta expressão não está presente nem em Spiritual Gifts nem em Early Writings. Grifo meu.

48. Essa contagem de palavras inclui não apenas sua discussão sobre a Transfiguração em si, mas todas as extensas considerações sobre Moisés e Elias.

49. A despeito disso tudo, quando Ellen White usa “Eu vi” ou “foi-me mostrado”, nada garante que ela efetivamente viu essas coisas em visão ou sonho. Conforme o secretário associado do Ellen G. White Estate, Ron Graybill, concluiu em 1981, seus livros contém “empréstimos” literários que “aparecem em descrições de conteúdo específico às visões da Sra. White.” Mais além ele aconselha: “Não seria sábio a essa altura afirmar que exista algum livro em particular escrito pela Sra. White, ou qualquer tipo de escrito advindo de sua caneta, em que empréstimos literários não sejam encontrados.” Ron Graybill, “E. G. White’s Literary Work: An Update,” Ellen White Investigation, https://www.nonsda.org/egw/graybill.shtml

50. Veltman, 437.

51. Veltman, 437.

52. Veltman, 438.

53. Veltman, 438.

54. SCHWEITZER, Albert. The Quest of the Historical Jesus: A Critical Study of its Progress From Reimarus to Wrede. Londres: Adam and Charles Black, 1911.

55. Schweitzer revisou os escritos de aproximadamente 50 escritores que escreveram sobre a vida de Jesus durante o final do século 18 e o século 19, incluindo: Bruno Bauer, Wilhelm Bousset, Gustaf Dalman, Karl August Hase, Heinrich Julius Holtzmann, Adolf Jülicher, Hans Lietzmann, Hermann Samuel Reimarus, Ernest Renan, Friedrich Ernst Daniel Schleiermacher, David Friedrich Strauss, Johannes Weiss, Christian Hermann Weisse, A. Wünsche.

56. POWELL, Mark Allan.  Jesus as a Figure in History: How Modern Historians View the Man from Galilee. 2ª ed.. Louisville: Westminster John Knox Press, 2013 pgs. 12-15. A obra de Powell é uma biografia da “saga em busca do Jesus histórico” — da primeira busca no século 19, através da nova pesquisa no meio do século 20, até a terceira do final do século 20 até o início do 21.

57. A continuidade do tema do “Grande Conflito” através da trajetória dos livros de Ellen White que versam sobre Cristo é clara: 1SG foi originalmente publicado em 1858 como The Great Controversy, Between Christ and His Angels, and Satan and His Angels (em PT-BR: O Grande Conflito, Entre Cristo e Seus Anjos e Satanás e Seus Anjos). 2SP foi publicado originalmente em 1877, sob o título The Great Controversy Between Christ and Satan. Life, Teachings and Miracles of Our Lord Jesus Christ (O Grande Conflito entre Cristo e Satanás. Vida, Ensinamentos e Milagres de Nosso Senhor Jesus Cristo). 3SP se chamava, na sua publicação em 1878, de The Great Controversy Between Christ and Satan. The Death, Resurrection and Ascension of Our Lord Jesus Christ. (O Grande Conflito entre Cristo e Satanás. A Morte, Ressurreição e Ascensão do Nosso Senhor Jesus Cristo). Os volumes 2 e 3 de SP foram “posteriormente expandidos como O Desejado de Todas as Nações”. Vide “lista dos livros de EGW”.

58. DTN, pg 17.

59. De acordo com Veltman, a obra da Sra. White era dependente dos seguintes livros sobre “a vida de Jesus”: John Cumming, Alfred Edersheim, Frederic W. Farrar, John Fleetwood, Cunningham Geikie, William Hanna, John Harris, J. H. Ingraham, George Jones, John Ross Macduff, Daniel March e James A. Wylie. Tratam-se de trabalhos acríticos, e nenhum deles foi revisado por Schweitzer. Veltman (Apêndice E: 1-10) dá algum detalhe biográfico da maioria desses autores. Praticamente todos eram pastores que escreviam para um público leigo de leitores cristãos.

60. Ellen White também usou material devocional dos escritos de John Cumming, Daniel March, Henry Melvill, Francis Wayland e Octavius Winslow.

61. “The Desire of Ages”, Wikipedia. https://en.wikipedia.org/wiki/The_Desire_of_Ages.