Devido à guerra, a igreja adventista na Finlândia dependia da atuação de mulheres para trabalhos pastorais, resultando em uma forte liderança feminina que, em 1968, pediu à Associação Geral o direito à ordenação das mulheres


Série: O problema da ordenação feminina (parte 1)

Por Hannele Ottschofski | finlandesa, serve à igreja adventista como escritora, educadora, editora, palestrante e tradutora. Texto traduzido e adaptado por André Kanasiro do original em inglês para a revista Zelota.

Templo adventista na Finlândia (Fonte: Kuopion adventtiseurakunta)

Lembro-me bem de como, no inverno de 1957, uma grande campanha evangelística foi realizada na capital da Finlândia, Helsinque, no prédio da igreja recém-concluída em Castreninkatu. O grande salão comportava cerca de 400 pessoas, e estava tão lotado que muitos ainda tiveram que ficar de pé. Nós, crianças, fomos autorizadas a sentar nos degraus do púlpito. De lá ouvimos a evangelista Elsa Luukkanen pregando e cativando as pessoas com sua mensagem. Com sua própria história de conversão, ela não apenas levou o público às lágrimas, mas as lágrimas também correram pelo meu rosto quando a mensagem do amor de Deus atingiu meu coração. Ao final da campanha evangelística, 80 pessoas foram batizadas na primavera.

Elsa Luukkanen e sua colega Aino Lehtoluoto foram pioneiras no evangelismo em seu país. Para essas duas e muitas outras mulheres na Finlândia que trabalharam no evangelismo, a questão da ordenação nunca pareceu ser importante. As pessoas que elas serviam não se importavam. Essas mulheres tiveram a oportunidade de servir a Deus, sua igreja e as pessoas onde quer que fossem. Isso era o suficiente para elas. Elas responderam ao chamado e fizeram o que podiam.

Durante os anos de guerra, quando quase todos os homens estavam na linha de frente, as mulheres eram especialmente necessárias. Os pastores ordenados não podiam ficar em casa para encorajar o povo, nem podiam realizar reuniões evangelísticas. Naquela época as pessoas aceitavam prontamente a palavra, de qualquer um que pudesse pregar o evangelho. E Elsa foi uma das muitas mulheres que se sentiram compelidas a proclamar seu Senhor.

Essas mulheres fiéis trabalharam por 30 anos no evangelismo, realizando reuniões e pregando em casas, salões, teatros e igrejas. Elas caminhavam quilômetros ou viajavam de trem ou carroças puxadas por cavalos em qualquer clima para cumprir seus prazos. Elas tocavam seus instrumentos, cantavam sobre o amor de Deus e falavam com as pessoas onde quer que encontrassem interesse. Elsa concluiu sua missão de vida com as palavras: “Há um Deus vivo que faz maravilhas e cuida de todas as pessoas.”1

Não é que em 1957 não houvesse pastores homens na Finlândia para realizar uma grande campanha evangelística. A liderança da igreja deliberadamente chamou essa mulher para a capital. Elsa havia dito várias vezes que nunca pregaria na capital, mas Deus a conduziu até lá por motivos familiares também. As reuniões estavam tão lotadas que cada evento teve que ser repetido. Elsa podia fazer aconselhamento em uma sala adjacente, e sua irmã coordenava os compromissos, para que Elsa pudesse se concentrar na oração e no estudo da Bíblia com os interessados. Dois outros obreiros bíblicos foram designados para ajudá-la nessa obra. Naquela época havia muitas “Irmãs da Bíblia” na Finlândia, como eram chamadas, ministrando às igrejas e proclamando o evangelho. E, mesmo assim, o sucesso desta campanha evangelística foi novo até mesmo para a Finlândia. No entanto, os batismos dos quais me lembro bem foram realizados por pastores homens. Para Elsa Luukkanen e as outras irmãs da Bíblia não era importante quem batizava os crentes. Elas seguiam sua vocação de proclamar a palavra de Deus. “O amor de Cristo nos constrange, pois percebemos que um morreu por todos.”2

Em 1968, quando a direção da União Finlandesa perguntou sobre a possibilidade de ordenar tais mulheres, foi meu pai, então secretário-tesoureiro da União, que escreveu aquela carta. Mas não me lembro de termos falado sobre isso em casa. Este pedido foi um dos fatores que levaram às reuniões de Mohaven sobre a ordenação de mulheres em 1973.

Embora a Finlândia tenha sido o primeiro país europeu a dar às mulheres o direito de voto, em 1906, e tenha sido pioneira na igualdade de gênero, a Igreja Adventista na Finlândia estava sempre ansiosa para cumprir as regras da igreja mundial. Assim é mais fácil entender como eles lidam com credenciais ministeriais. A primeira pregadora nativa foi uma mulher: Alma Bjugg. Ela havia sido comandante do Exército da Salvação e, portanto, foi reconhecida como uma líder qualificada.

Os Anuários da IASD, tanto em 1904 quanto em 1905, listam Bjugg com licenças ministeriais. Em 1909, porém, ela recebeu licença missionária como obreira bíblica. Aparentemente, naquela época, as credenciais pastorais em toda a IASD não eram concedidas de acordo com o trabalho realizado, mas de acordo com o gênero. O trabalho de Alma Bjugg provavelmente não mudou, mas agora havia mais pastores homens.3

As estatísticas de 1949 ilustram esta tendência. A igreja na Finlândia lista doze ministros ordenados. Há também doze ministros licenciados – todos homens; e 36 missionários licenciados, 25 dos quais eram mulheres. Entre essas 25 mulheres, 11 trabalhavam em instituições. Das 14 restantes, nove trabalhavam como pastoras, mas não eram devidamente credenciadas.

O jornal da divisão Northern Light publicava relatórios sobre as campanhas evangelísticas dessas mulheres, confirmando que elas estavam realmente trabalhando como pregadoras. Em outras palavras, em 1949 foram emitidas credenciais para pelo menos nove mulheres em desconformidade à natureza de seus ministérios como pregadoras. Estima-se que desde o início do século 20, entre 20-40 mulheres na Finlândia trabalharam como pregadoras. E, no entanto, Alma Bjugg é a única que tinha licença ministerial!

A União Finlandesa surpreendeu tanto a Divisão Norte-Europeia quanto a Associação Geral em 1968 com o seu pedido para corrigir essa situação. No entanto, eles não pediram permissão para conceder licenças ministeriais. A Finlândia queria ordenar essas mulheres. W. Duncan Eva, Presidente da Divisão Norte-Europeia, encaminhou o pedido da União Finlandesa e consultou W. R. Beach, o secretário da Associação Geral. Beach respondeu que os adventistas não haviam ordenado mulheres no passado. Ele sugeriu que a Associação Geral e a liderança da divisão abordassem “o problema” durante a sessão de 1968. Essas duas cartas desencadearam uma discussão que ainda está em andamento. A ordenação de mulheres ainda é um “problema”.

A igualdade de gênero hoje é a base de nossa vida. Algumas dizem que, como mulheres, já conquistamos tanto, que agora deveríamos estar satisfeitas. E, no entanto, há muitas áreas em que a igualdade ainda não funciona. Isso inclui a discriminação contra mulheres nas igrejas que se recusam a tratar pastoras e pastores igualmente, independentemente de seu gênero.

Por alguns desses maus-tratos, nós, como mulheres, somos em parte responsáveis. Por que as mulheres ainda escolhem os homens como seus representantes nos parlamentos? Por que as mulheres não garantem que mais mulheres sejam enviadas como delegadas às assembleias administrativas da IASD? Por que as mulheres em nossa igreja muitas vezes não estão interessadas em ver e apoiar mulheres no ministério? Por que não defendemos as pastoras para que elas recebam a mesma estima que seus colegas homens, incluindo a ordenação? Por que não nos pronunciamos?

As mulheres sempre tiveram que lutar para conquistar seus direitos. Muitas mulheres lutaram pelo sufrágio feminino e pelo direito de serem tratadas igualmente perante a lei. Não foi fácil para elas impor isso. Como disse Hillary Clinton em seu discurso em Pequim, realizado no dia 5 de setembro de 1995, “os direitos das mulheres são direitos humanos e os direitos humanos são direitos das mulheres”. Isso também é verdade nas igrejas.

Enquanto isso, como mulheres, estamos felizes por não termos mais que lutar sozinhas. Muitos homens estão fazendo campanha pelos direitos das mulheres. E mesmo no mundo religioso as mulheres não estão mais sozinhas. O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter acusa os líderes de algumas igrejas de discriminar contra mulheres para “buscar seus próprios fins egoístas”. A discriminação contra as mulheres, escreve ele, não é apenas uma violação dos direitos humanos, mas também contradiz os ensinamentos de Jesus. Em 2009, Carter explicou que estava deixando sua igreja onde as mulheres não são ministras ordenadas.

Infelizmente, um homem como Jimmy Carter não poderia ser membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia pela mesma razão, porque também discriminamos as mulheres negando-lhes tratamento igual aos seus colegas homens. Embora elas possam cumprir todas as funções de um pastor através do comissionamento, o acesso à liderança está associado à ordenação, à qual elas não têm direito.

Notas:

1. Em referência a 2Coríntios 5.14.

2. Kit Watts: “Moving Away From the Table: A Survey of Historical Factors Affecting Women Leaders”, The Welcome Table: Setting a Place for Ordained Women. edited by Patricia A. Habada and Rebecca Frost Brillhart, TEAM Press, Langley Park, Maryland, 1995 http://www.sdanet.org/atissue/wo/welcome2.htm

3. Theology of Ordination Study Committee (2012–2014).