Ao mencionarem seus críticos, adventistas usam a taxação preferida pela ditadura civil-militar brasileira para categorizar movimentos de insurreição popular na instituição


“Passeata dos Cem Mil no Centro do Rio” (Evandro Teixeira, 1968; fonte: Acervo IMS)

Quando dizem “uma imagem vale mais que mil palavras”, a segunda não está sendo desprezada. Palavras são importantes, e podem conter significados amplos a depender da perspectiva pela qual são analisadas: de um viés etimológico, por exemplo, palavras podem ecoar curiosidades antigas que aprofundam seu sentido; se tomadas do dicionário, podem abraçar um guarda-chuva semântico versátil; e, quando lidas em diferentes contextos, possuem a capacidade de comunicar significados inesperados ou mesmo antagônicos aos sentidos recorrentes. Daí, portanto, a máxima “para bom entendedor, meia palavra basta”, dada a variedade de mundos que podem girar em torno de um único termo.

Recentemente, em especial entre os evangélicos brasileiros, uma palavra foi recuperada e atualizada no vocabulário adventista. Trata-se do termo “subversivo”, por vezes utilizado como substantivo ou adjetivo, grosso modo, para identificar e classificar os críticos da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) e seu conjunto de crenças. O termo costuma aparecer como sinônimo para “progressista” ou “dissidente”; e, a depender da situação, carrega um forte apelo político, como um “movimento” que pretende subverter o governo e a instituição adventista, propagando separação, heresia e rebeldia. 

Ainda que a taxação de “subversivos” pareça por vezes despretensiosa — ou mera referência ao perfil do instagram @adventistasubversivo —, ela possui um histórico de utilizações na Revista Adventista e um contexto político que reforçou e expandiu seu significado no vocabulário da instituição: a ditadura civil-militar brasileira. A relação entre a IASD e a ditadura já foi explorada pela revista Zelota em alguns termos: sabe-se, a princípio, que a denominação bajulou regimes autoritários de direita a fim de conquistar vantagens; e que, no Brasil, chegou a fazer parte de campanhas ufanistas da ditadura e teve membros trabalhando para o governo, atuando como legitimadora não oficial do regime

Naturalmente, a utilização do termo não se restringe à realidade adventista: ele existe no vocabulário da língua portuguesa, e costuma abranger significados desde “opiniões opostas às da maioria” até “atitudes de insurreição política”; da crítica às ideias à perturbação do sistema governamental.1 Neste artigo, no entanto, importa apenas demonstrar que, no contexto adventista atual, a utilização do termo “subversivo” prefere seu significado e contexto políticos, e que esse costume possui antecedentes históricos na Revista Adventista.

A “caça aos subversivos” na ditadura civil-militar brasileira

Na ditadura civil-militar brasileira, a “caça aos subversivos” era fruto de uma Doutrina de Segurança Nacional (DSN). Em termos simples, esta partia de uma “metáfora biológica” aplicada às sociedades contemporâneas: em um corpo saudável, cada parte contribui para o benefício do todo, de maneira que o indesejado deveria ser imediatamente expelido. Esse tipo de proposta idealizava a promoção de uma sociedade sem conflito, divergência ou diversidade e, dessa forma, lançava mão de mecanismos totalitários de perseguição e repressão. Qualquer mobilização popular que, de alguma forma, questionava a autoridade ou os valores da época poderia ser considerada como porta de entrada para a “subversão”.

A harmonia da sociedade era compreendida à luz de uma ideologia liberal, que almejava manter — além de uma gama de moralidades — um modo de produção majoritariamente capitalista. Significa dizer que, para os generais da ditadura, os subversivos representavam uma ameaça ao “mercado” e à “moral e bons costumes” da família brasileira. No topo da lista figuravam os “comunistas infiltrados”, que planejavam suposta e secretamente destruir os valores familiares, proibir a religião, assaltar as propriedades privadas, destruir a economia capitalista e implantar uma revolução. Com tais acusações, os militares conquistaram salvo-conduto para combater movimentos considerados subversivos sem estipular limites éticos ou jurídicos para a extirpação de tais indivíduos, por meio da vigilância, da censura, da tortura e de prisões ilegais.  

Assim, o termo “subversivo” foi utilizado como referência a indivíduos ou grupos que eram vistos, principalmente, como opositores ao regime autoritário estabelecido pelos militares. Esse termo abrangia diversas categorias de pessoas, como: políticos de oposição; lideranças estudantis; intelectuais; artistas; sindicalistas; e mesmo religiosos. Tais grupos — “corpos indesejados” — eram frequentemente perseguidos, presos, torturados, assassinados e mesmo forçados ao exílio pelo governo militar. O uso da expressão “subversivo” sugeria a criminalização e repressão de qualquer um que se opusesse à ditadura, independentemente do método ou da natureza pacífica de suas ações.

Por incrível que pareça, em 1964, início da ditadura civil-militar no Brasil, essa doutrina já se articulava como política de Estado, mas foi oficialmente promulgada apenas em 1967 como Lei de Segurança Nacional, contra “antagonismos internos e externos”. Tal iniciativa afetava diretamente a camada “subversiva” de movimentos sociais à esquerda, que aplicavam críticas ao regime vigente e ao sistema capitalista. Essas atitudes eram classificadas como crimes de guerra — “lesa-pátria” —, ações tidas como preparatórias para uma insurgência revolucionária. O projeto de censura e repressão era muito bem articulado e distribuído em sistemas de informações instalados em órgãos importantes da administração pública.2 O aspecto político, econômico e moral da censura à subversão pode ser facilmente identificado no decreto-lei 1.077, de 26 de janeiro de 1970:

“Considerando que se tem generalizado a divulgação de livros que ofendem frontalmente à moral comum; considerando que tais publicações e exteriorizações estimulam a licença, insinuam o amor livre e ameaçam destruir os valores morais da sociedade brasileira; considerando que o emprego desses meios de comunicação obedece a um plano subversivo que põe em risco a segurança nacional […] Não serão toleradas as publicações […] contrárias à moral e aos bons costumes, quaisquer que sejam os meios de comunicação.”

Sobre a tecnologia de informação utilizada, atualmente sabe-se, por exemplo, que o Serviço Secreto da Aeronáutica monitorava 25 mil opositores, considerados como “subversivos” em 1972. Um informe, elaborado pelo brigadeiro Newton Vassalo da Silva, chefe do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA), que integrava a repressão na ditadura, relata que, à época, os órgãos de espionagem das Forças Armadas haviam identificado “47 organizações subversivas” no Brasil, das quais 15 encontravam-se em “franca atividade”. Entre tais subversivos, são listados o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Ação Popular (AP), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), entre outros. No mesmo informe, os subversivos são acusados de aplicar uma “tática de atração” em torno de campos ideológicos, cujas sedes se concentravam em jornais, universidades e igrejas.

Naturalmente, o termo não se restringiu à ditadura brasileira: ele foi uma palavra-chave para suprimir opositores ao macarthismo na década de 1950. Os termos “subversive” ou “subversion” se referiam a iniciativas populares que pretendiam enfraquecer o sistema político vigente; e eram utilizados para rotular “suspeitos de comunismo”, referidos como ameaça à segurança nacional. Em termos mais amplos (para não dizer genéricos e indiscriminados), a dita subversão extrapolou a política e se estendeu ao moralismo, isto é, a comportamentos sexuais, estética, música, linguagem, gênero etc. Durante a perseguição macarthista, estima-se que o termo e as acusações que ele carregou eram utilizados com mais frequência contra mulheres, provavelmente por “subverterem” o papel de gênero no imaginário estadunidense.3 Ele também chegou a ser utilizado para condenar o conteúdo produzido em histórias em quadrinhos, entre artistas e editores, como responsáveis pela perversão da juventude.4

Em sentido semelhante, no Brasil, o termo foi utilizado como referência a movimentos ou a iniciativas que sugerissem qualquer “promiscuidade sexual” ou “imoralidade” para a destruição da família. Duas ações policiais de 1968 exemplificam: meses antes de uma palestra dirigida a “150 moças”, a Universidade de Brasília (UnB) foi invadida por policiais sob a denúncia de que a residência dos docentes foi transformada em “bordéis onde praticam toda sorte de desatinos, inclusive violências sexuais contra moças, tudo isso lado a lado com uma pregação subversiva”.5 Dias depois do AI-5, a polícia também invadiu o Conjunto Residencial da Universidade do Estado de São Paulo (CRUSP) e alegou ter encontrado, entre outras coisas, rifles e preservativos — no mesmo nível de ameaça —, “um verdadeiro Quartel General da subversão e corrupção dos costumes […] [para] doutrinar jovens, desencaminhar moças e subverter a ordem e o regime”.6 

Ainda em relação à devassidão moral-sexual, a segurança da informação também mencionava o uso de drogas como estratégia do movimento comunista, articulada e promulgada por subversivos. Em 1973, por exemplo, um documento confidencial do SNI afirmou que a “toxicomania” era “uma das mais sutis e sinistras armas do variado arsenal do [Movimento Comunista Internacional] MCI […] em sua busca contínua e subreptícia pelo domínio do mundo e escravidão da humanidade”.7 No mesmo ano, foi realizada novamente uma operação policial na UnB, com o intuito de investigar a vida de 33 moradores da instituição. Os jovens foram acusados de pederastras, promíscuos e viciados, onde “tóxicos e sexo […] [eram] misturados com a impregnação ideológica de esquerda”. Esse estilo de vida, para os militares, comprovaria a estratégia comunista “em utilizar a corrupção dos costumes, como auxiliar do binômio tóxico-subversão”.8   

Em termos sumários, o adjetivo “subversivo”, além de eleger um grupo como inimigo da ditadura civil-militar brasileira, basicamente era utilizado para identificar e reprimir atividades de resistência política. Os grupos subversivos, além de comunistas “infiltrados”, eram acusados de todo tipo de devassidão moral, considerados como perigo à nação e à família tradicional brasileira. No entanto, tal classificação não se restringia a uma menção abstrata: em nome de uma doutrina e da política de Estado, a identificação de subversivos era seguida de perseguição, tortura, exílio ou morte. A caça aos subversivos era eficiente: após dois anos de trabalho, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou, em relatório final, 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura no país. Esse número, naturalmente, não inclui o sem número de vítimas desaparecidas e não identificadas, a exemplo das 1.049 ossadas despejadas clandestinamente na Vala dos Perus durante a ditadura.

A “caça aos subversivos” na Revista Adventista

Em pesquisa ao acervo da Revista Adventista, a busca pelo termo “subversivo” apresentou apenas 15 resultados, de 1906 a 2022. Uma quantidade minúscula, comparada ao acúmulo de conteúdo publicado pelo periódico todos esses anos. A menção mais antiga data de fevereiro de 1925, e a mais recente de outubro de 2001. Embora os resultados sejam escassos, é possível compreender a utilização do termo a partir de, ao menos, quatro diferentes perspectivas, as quais destacamos a seguir. Em todo caso, o fato de o termo não ser muito utilizado pode sugerir que, para o “vocabulário adventista”, a palavra “subversivo” estava restrita a significações semânticas raras e particulares.

Para o início, vale a pena considerar a utilização mais antiga do termo, relacionada à (1) propagação de críticas à igreja.9 Em 1925, na primeira aparição da palavra, essa é a principal categorização dos “subversivos”; da mesma forma, essa também é a conotação atribuída ao termo em 2001, a última aparição, atestando uma espécie de consenso com o passar dos anos. Em resumo, entende-se como “subversivo” qualquer pessoa, grupo ou ensino contrários ou críticos ao que foi estabelecido pela IASD. No entanto, a ênfase principal dada ao subversivo, neste contexto, são as críticas direcionadas à instituição, a seus líderes e a seus membros, e não necessariamente as de cunho doutrinário — ainda que estejam implicadas.

Na década de 1920, por exemplo, Francis M. Wilcox, editor da Review and Herald estadunidense, publicou na Revista Adventista uma espécie de apelo à vigilância, face a uma onda de ensinamentos falsos de “pretensos reformadores”. Essa iniciativa é, para o autor, um dos “sinais do fim”, já que ela é perpetuada por “falsos mestres” e “elementos subversivos”,10 e tem como objetivo principal criticar a IASD, o remanescente de Deus para os últimos dias. Na década de 1930, outro artigo do mesmo autor alerta seus membros sobre folhetos independentes que costumavam ser distribuídos nas comunidades adventistas. Esse material é considerado pelo autor como “ensino subversivo”, por tratar os assuntos da igreja de forma crítica.11 Em ambos os exemplos, tais ensinos são propagados pelos próprios membros, articulando-se como mídia e opinião independentes da instituição.

Embora não existam evidências para tanto, é possível sugerir que as críticas mencionadas pelo autor, nos artigos, digam respeito à reação popular, oriunda da própria IASD, em 1914, denominada “movimento adventista da reforma” (IASD-MR). Em suma, o movimento foi uma reação dos membros a uma decisão tomada pela Divisão Europeia, na Alemanha, que se articulou ideológica e teologicamente para liberar os adventistas a participar da Primeira Guerra Mundial, pegando em armas ou mesmo lutando aos sábados. Em discordância, um grupo que somava aproximadamente 2% da igreja, na época, foi desvinculado da instituição, formalizando, entre eles, o Movimento Adventista da Reforma. A separação oficial entre a IASD e a IASD-MR, contudo, ocorreu apenas em 1920. 

Essa sugestão é atestada pelo próprio tom conferido às subsequentes utilizações do termo “subversivo”, que passaram a fazer referência direta aos adventistas da reforma. Eles são descritos como dissidentes e como ameaça à união da “igreja grande” — expressão utilizada em referência à IASD, como instituição. Ao criticar a igreja, os reformistas costumavam associá-la à Babilônia e reforçar práticas morais sustentadas pelos adventistas mais conservadores, como o vegetarianismo e a modéstia cristã. Na Revista Adventista, os membros da reforma chegaram a ser mencionados como “guerrilheiros” e “subversivos”.12

Há, contudo, um caminho oposto. A Revista Adventista também denomina “subversivos” aqueles que, no contexto da IASD-MR, reagiram ao movimento reformista e retornaram à antiga instituição. A revista comenta que alguns jovens eram considerados como “subversivos” e “terroristas” pelos próprios reformistas, principalmente os mais dotados e estudiosos.13 Nesse sentido, publicou-se o testemunho de um ex-reformista,14 que alegou ter sido considerado subversivo entre os membros do movimento por conta do seu espírito crítico. A utilização do termo por ambas as igrejas para denominar seus críticos evidencia uma correspondência semântica para “subversivo” no vocabulário adventista. 

Um segundo nível de significado ao termo “subversivo”, na Revista Adventista, pode ser categorizado em relação à (2) insurreição política popular.15 Essa inovação, curiosamente, passa a ser registrada no periódico apenas a partir de 1964, ano preciso para o início da ditadura civil-militar brasileira. Em suma, o subversivo, nesse contexto, aparece como sinônimo de “rebelde”, desta vez, não contra um movimento ou dogma religioso, mas contra uma autoridade política; o subversivo é o indivíduo ou grupo que se revolta contra seus superiores e se organiza em prol de reformas ou revoluções, por meio de agitações populares ou manifestações de protestos.

Essa categorização, como parece evidente, tem conotação mais política do que religiosa — embora os contextos em que ocorre não possuam tal dualidade. Em uma edição de 1964, por exemplo, a revista faz menção a um indivíduo chamado Hilário Alves, que foi preso no dia 3 de abril, do mesmo ano, por ser um dirigente sindical. A casa de Hilário teria sido revirada sob suspeita de abrigar “material subversivo”.16 O termo também é utilizado para fazer referência à revolta popular judaica inventada por Hamã, na Bíblia, para enganar Assuero e prejudicar os judeus, acusando-os de organizar “atos subversivos”.17 Na mesma direção, um grupo de insurreição dentro da tripulação de um navio, que se rebelou contra o capitão e controlou a embarcação, é classificado como “subversivo”.18

O artigo que talvez comunique com mais precisão e profundidade essa perspectiva foi publicado em 1984, intitulado “Reforma ou Redenção: A igreja tem que escolher?”19 Nele, Enoch de Oliveira — já conhecido por suas visitas a países comunistas — oferece uma visão dualista do cristianismo, dividido entre conservadores e progressistas. Os primeiros praticam uma religião “vertical”, isto é, priorizando a relação do homem com Deus; enquanto os segundos praticam uma religião “horizontal”, ou seja, preocupada com as relações humanas, almejando reformas e revoluções. Dessa perspectiva, o autor, ex-presidente da Divisão Sul-Americana (DSA) e na época vice-presidente da Associação Geral (AG), já esclarece o enredo de sua argumentação, que basicamente tenta converter o leitor a um evangelho mais “teológico” e menos social, enfatizando a necessidade de uma redenção e não de uma reforma ou revolução.

Parte considerável do texto, por exemplo, é dedicada à crítica da Teologia da Libertação (TdL), assim como qualquer outra iniciativa teológica-religiosa que pretenda militar contra estruturas sociais perversas. A relação do cristianismo com “movimentos subversivos” de caráter popular — em ativismo político, greves e marchas de protesto —, não representa um caminho seguro para o autor, que prefere se limitar à beneficência social sem qualquer conotação crítica às autoridades vigentes.   

Mas, que tipo de ação deve incentivar-nos nessa experiência horizontal? Diante de exacerbados e clamorosos movimentos subversivos, greves e marchas de protesto, muitos perguntam a si mesmos: Como devemos relacionar-nos com isso como Igreja? É correto que unamos as forças como os ativistas em sua luta por uma sociedade humana e justa? Podemos nós, em nossa experiência horizontal, erguer o estandarte da subversão? […] O único caminho seguro para a igreja é seguir o notável exemplo de Cristo. Ele advertiu os ricos de que eles teriam dificuldade para entrar no Reino de Deus; todavia, nunca participou de movimentos de protesto, nem denunciou a injusta distribuição da riqueza. Nunca se uniu a grupos subversivos carregando cartazes que diziam: ‘Abaixo os romanos!’ Jamais proferiu um discurso contra a tirania e a opressão imperialista de César.

As duas últimas significações atribuídas ao termo “subversivo”, na Revista Adventista, são mais raras, mas importantes para abranger o alcance semântico da palavra no vocabulário adventista. A terceira classificação diz respeito a (3) Satanás e seus anjos.20 Em pormenores, o termo é utilizado para fazer menção direta ou indireta a Satanás e seus anjos, que trabalham para perverter a pureza na vida da juventude como “agentes subversivos da alma”.21 O termo também é utilizado para fazer referência aos planos satânicos como orquestração de esforços para distrair os jovens do preparo para a volta de Cristo, “um movimento subversivo oculto e milenar”.22 Como parece evidente, de uma perspectiva teológica, a subversão possui origem e autoria; impressiona também o fato de ser mencionada como um mal que afeta, majoritariamente, os jovens.

A quarta e última significação diz respeito à (4) perversão moral.23 Trocando em miúdos, a pessoa ou o comportamento subversivo são responsáveis pela disseminação de uma cultura de comportamento nocivo, basicamente tudo o que contradiz a moralidade cristã. Dado o caráter amplo desta classificação, a subversão pode abranger uma lista de devassidões: ela apregoa, por exemplo, o amor livre, o divórcio frívolo e as relações pré-maritais;24 acrescentando-se também o entretenimento, a literatura nociva, a frequência em cinemas e circos ou a negligência no uso de trajes modestos. Em 1935, as universidades fizeram parte dessa lista, considerada como antro de “ensinos subversivos”.25

Reflexões subversivas para hoje

Em resumo, quem é o “subversivo”, a partir do vocabulário adventista? Se fôssemos sumarizá-lo em um perfil, a partir do periódico, ele seria um indivíduo ou grupo (normalmente jovem) convencido por enganos satânicos a criticar a IASD, e regido por sentimentos políticos de revolução, contra a igreja e o governo. Também seria o precursor de uma cultura anticristã, realizada no amor livre e no consumo desenfreado de entretenimento. Fica evidente, assim, que a caracterização do subversivo não se restringe ao aspecto moral de sua religiosidade, mas agrega significativa substância política.  

Essa substância pode ser evidenciada a partir de 1964, com o novo alcance semântico que o termo “subversivo” agrega à Revista Adventista. Não se trata meramente de um acréscimo ao guarda-chuva de significados do termo, mas de uma possível equiparação de sentidos concretos, que se complementam no período da ditadura civil-militar. De fato, a utilização do termo em 1964 na Revista Adventista, dado o ânimo e o espírito da época, inclinava-se perfeitamente à doutrina militar, e fortalecia a identificação e classificação dos “inimigos da nação”, do “perigo vermelho”. Por ser veiculado pela revista oficial da denominação, o termo passa a compor significado na cultura adventista e, inevitavelmente, somar sentidos a outras possibilidades semânticas anteriores.

Em outras palavras, é como se a Revista Adventista reconhecesse que um “subversivo” pode ser ambos, um rebelde contra a denominação e um rebelde contra o governo; e que a insurreição popular contra as autoridades é negativa, seja na igreja ou no senado. E pior: que os “inimigos da ditadura” enquadram-se no guarda-chuva semântico para os “inimigos da igreja” e mesmo para os “inimigos de Deus”. Nesse sentido, os adventistas abstraem ainda mais o significado de “subversivo”, para além das expectativas políticas e morais dos militares: eles enquadram o grupo numa agenda satânica, e lutam contra ele em nome do bem, dentro de um conflito cósmico; mas expresso, na época, na perseguição, tortura e morte dos subversivos na ditadura civil-militar brasileira.    

É a partir desse prisma de significados que a expressão das lideranças adventistas deve ser interpretada, ao mencionarem seus críticos. Não se trata apenas de uma defesa moral, neutra, “bíblica”, mas de uma agenda política e religiosa que se expressa sempre nos mesmos termos — seja de forma consciente ou inconsciente, de 1964 para cá. Por esses motivos, líderes e influentes adventistas não conseguem criticar seus “subversivos” sem expressar boa porção de sua agenda política reacionária e anticomunista. Trata-se, na verdade, de um costume antigo, que hoje se manifesta em termos escusos, mas nostálgicos no que diz respeito à linguagem:

Notas:

1. Veja, por exemplo, os termos “subversão” e “subversivo” no HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

2. O trinômio vigilância-censura-repressão contra o inimigo subversivo, em 1972, foi centralizado pelo regime militar; e a principal instituição responsável pela censura era o Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1964, que mantinha contato direto com o presidente da república e outros órgãos de segurança. Ele se ramifica nas Divisões de Segurança e Informação (DSI) e na Assessoria de Segurança e Informação (ASI).

3. Ver MARINO, Michella M. Mothers, Spy Queens, and Subversives: Women in McCarthy Era. In: EMMONS, Caroline S. Cold War and McCarthy Era. Santa Barbara: Greenwood Publishing Group, 2010, p. 129-144.

4. Ver DUSSURE, Erik. Subversion in the Swamp: Pogo and the Folk in the McCarthy Era. The Journal of American Culture, v. 26, n. 1, p. 134-141, mar., 2003. http://dx.doi.org/10.1111/1542-734X.00081  

5. BRITO, Antonio Mauricio Freitas. A subversão pelo sexo: representações anticomunistas durante a ditadura no Brasil. Varia História, v. 36, n. 72, p. 859-888, 2020. http://dx.doi.org/10.1590/0104-87752020000300010 

6. Idem.

7. BRITO, Antonio Mauricio Freitas.A droga da subversão: anticomunismo e juventude no tempo da ditadura. Revista Brasileira de História, v. 41, n. 86, p. 39-65, 2021. http://dx.doi.org/10.1590/1806-93472021v41n86-02 

8. Idem.

9. As ocasiões em que esse significado é atribuído são as seguintes: WILCOX, F. M. Não rejeiteis a vossa confiança. Revista Adventista, fev., p. 2, 1925; O espírito da confissão verdadeira. Revista Adventista, mar., p. 3, 1935; RAYMUNDO, Benito. Zêlo sem entendimento. Revista Adventista, set., p. 8-10, 1970; BENEDEK, E. Kanyo. Por que saí do movimento da reforma. Revista Adventista, jan., p. 10-11, 1974; BARBOSA, J. Laerte. Decisão de um reformista: vim para junto do povo de Deus. Revista Adventista, jan., p. 12-15, 1974; BORBA, Wilson. Cartas: “Povo da Bíblia”. Revista Adventista, out., p. 3, 2001.

10. WILCOX, Francis M. Não rejeiteis a vossa confiança. Revista Adventista, fev., p. 2, 1925.

11. WILCOX, Francis M. O espírito da confissão verdadeira. Revista Adventista, mar., p. 3, 1935.

12. RAYMUNDO, Benito. Zêlo sem entendimento. Revista Adventista, set., p. 8-10, 1970.

13. BENEDEK, E. Kanyo. Por que saí do movimento da reforma. Revista Adventista, jan., p. 10-11, 1974.

14. BARBOSA, J. Laerte. Decisão de um reformista: vim para junto do povo de Deus. Revista Adventista, jan., p. 12-15, 1974.

15. As ocasiões em que esse significado é atribuído são as seguintes: PEREIRA, Osmando G. Nossos livros soltam um preso. Revista Adventista, set., 1964; REVISTA ADVENTISTA. O fim visto de Susã. Revista Adventista, mai, p. 2, 1972; TAYLOR, Ron W. Bicentenário da ilha Pitcairn. Revista Adventista, set., p. 11-12, set., p. 26, 1990; OLIVEIRA, Enoch de. Reforma ou Redenção: A igreja tem que escolher? Revista Adventista, dez., p. 11-13, 1983.

16. PEREIRA, Osmando G. Nossos livros soltam um preso. Revista Adventista, set., 1964.

17. REVISTA ADVENTISTA. O fim visto de Susã. Revista Adventista, mai, p. 2, 1972.

18. TAYLOR, Ron W. Bicentenário da ilha Pitcairn. Revista Adventista, set., p. 11-12, set., p. 26, 1990.

19. OLIVEIRA, Enoch de. Reforma ou Redenção: A igreja tem que escolher? Revista Adventista, dez., p. 11-13, 1983.

20. As ocasiões em que esse significado é atribuído são as seguintes: TAVARES, Neemias. A juventude, a Bíblia e a Pureza. Revista Adventista, out., p. 17-18, 1969; o artigo foi publicado anteriormente em TAVARES, Neemias. A juventude, a Bíblia e a Pureza. Revista Adventista, ago., p. 15-16, 1969; PINHO, Orlando G. de. Nosso tempo e nossa doutrina VIII. Revista Adventista, dez., p. 8-10, 1972; REVISTA ADVNTISTA. Consultoria doutrinária. Revista Adventista, jun., p. 30-31, 1975.

21. TAVARES, Neemias. A juventude, a Bíblia e a Pureza. Revista Adventista, out., p. 17-18, 1969; o artigo foi publicado anteriormente em TAVARES, Neemias. A juventude, a Bíblia e a Pureza. Revista Adventista, ago., p. 15-16, 1969.

22. PINHO, Orlando G. de. Nosso tempo e nossa doutrina VIII. Revista Adventista, dez., p. 8-10, 1972.

23. As ocasiões em que esse significado é atribuído são as seguintes: REVISTA ADVNTISTA. Consultoria doutrinária. Revista Adventista, jun., p. 30-31, 1975; WILCOX, F. M. A mensagem evangelica e seu mensageiro. Revista Adventista, jul., p. 2, 1935.

24. REVISTA ADVNTISTA. Consultoria doutrinária. Revista Adventista, jun., p. 30-31, 1975.

25. WILCOX, F. M. A mensagem evangelica e seu mensageiro. Revista Adventista, jul., p. 2, 1935. Curiosamente, poucas décadas antes seu autor participou de uma reunião histórica que foi denunciada como outro antro de subversivos, assumindo ele mesmo posições “subversivas”: a Conferência Bíblica de 1919.