A trajetória do jovem Makarios na Igreja Ortodoxa foi marcada pelo domínio colonial do Chipre e sua luta por soberania nacional


Parte 1 da série “Makarios, o bispo revolucionário do Chipre”

Arcebispo Makarios de Chipre (O. Fernandez, World Telegram & Sun).

Creio que a primeira vez que li o nome Makarios foi em uma biografia de Fidel Castro escrita por Cláudia Furiati.1 Lá soube que um clérigo ortodoxo barbado (possível pleonasmo conceitual) foi chamado de “Fidel Castro do Mediterrâneo” pela administração dos EUA. Na verdade, muitos dizem que essa alcunha veio do próprio Henry Kissinger, que como Secretário de Estado apertou a mão de Makarios, mas possivelmente também quis que ele fosse morto, como os EUA também quiseram com Fidel Castro. 

Como Fidel Castro, Makarios liderava uma ilha, o Chipre. Cuba é a maior ilha do Caribe e o Chipre a maior ilha do Mediterrâneo Oriental (considerando a totalidade do Mar Mediterrâneo, só é menor que a Sardenha e a Sicília, ambas italianas). As duas ilhas ocupam posições geopolíticas importantes.

A ilha de Cuba está no encontro do Mar do Caribe com o Golfo do México e o Oceano Atlântico, foi o centro de um sistema espanhol que tomou as terras americanas; foi a base de onde os EUA saltaram para a condição de potência; e foi também de Cuba que a posição hegemônica dos EUA em um dos lados da Guerra Fria sofreu o seu maior desafio no hemisfério ocidental a partir dos anos 1950. A ilha do Chipre está em um cruzamento entre Europa, Ásia e África. Sua posição é estratégica para o controle de rotas de navegação; o país foi disputado durante séculos por potências de várias civilizações, e serviu para os otomanos e britânicos afirmarem seu controle sobre o Oriente Médio. 

Mas o que quer dizer a designação “Fidel Castro do Mediterrâneo”? Quer dizer que Makarios era um padre comunista, como alguns sugerem? Que ele surpreendeu abraçando os comunistas depois de denunciá-los na juventude? Ou que Makarios estava a colocar mísseis soviéticos apontados contra a Europa Ocidental? Aqui eu adianto uma conclusão: isso tem mais a ver com ser inimigo dos EUA, e possivelmente com a estética de líder carismático dado a fazer grandes discursos. 

Ler sobre a história de Makarios, além de nos informar sobre uma questão curiosa e interessante, é uma forma de tirar algumas lições importantes sobre a dinâmica dos processos políticos e sua dimensão internacional. O Chipre é um exemplo de como um país relativamente pequeno pode ser teatro de operações de grandes potências, um tabuleiro onde se desenvolve um “grande jogo” que influencia a correlação de forças em outras partes do mundo. Ali também existe um exemplo de como uma demanda histórica — no caso a independência — pode articular várias forças políticas. 

A história de Makarios é a história de um padre ortodoxo que assumiu a liderança de um movimento nacionalista e anticolonial, primeiro criando uma base entre movimentos de direita e depois tendo poucos aliados que não fossem do movimento comunista. Um caso que à primeira vista pode parecer tão peculiar, na verdade oferece reflexões mais universais a partir das peculiaridades que lhe são próprias.

Sua história se confunde com a história do Chipre. A ilha possui uma maioria de habitantes gregos, mas também uma minoria importante de origem turca — em 1964 os gregos e turcos eram 77,1% e 18,2% respectivamente, com o restante da população composta por cristãos armênios e maronitas. As vilas de maioria turca se concentravam no norte. As divisões intercomunais, armações geopolíticas e o conflito étnico culminaram na invasão turca da ilha em 1974, que consolidou um pequeno estado separatista ligado à Turquia, a República Turca do Chipre do Norte. Efetivamente, a ilha está a 60 km do sul da Turquia, cerca de 960 km da Grécia continental e 320 km da ilha de Rodes.

A imagem de Makarios viveu como uma memória tanto do movimento de independência total do Chipre como de sua reunificação com a Grécia.

Os primeiros colonos gregos no Chipre chegaram cerca de dois séculos antes da Era Comum, mas a ilha foi dominada por egípcios, persas, fenícios, romanos, bizantinos, árabes, francos e por Veneza, que se assenhoreou da ilha antes dela ser tomada pelos otomanos em 1571. 

As origens do cristianismo na ilha remontam ao apóstolo Barnabás e à conversão do governador romano da ilha por ele, junto do apóstolo Paulo, no ano de 45. A Igreja Ortodoxa do Chipre ganhou autocefalia em relação ao Patriarcado de Antioquia pelas mãos do imperador bizantino Zeno, no ano 478, conferindo ao Arcebispo do Chipre algumas prerrogativas imperiais exclusivas.  

A Igreja Ortodoxa do Chipre é uma das comunhões ortodoxas mais antigas do mundo, e seu poder político continuou mesmo sobre o Império Otomano. No sistema de millet, a população era governada de acordo com a filiação religiosa.2 Essa relação se manteve assim até o início do século 19, quando foi abalada pela guerra de independência da Grécia.3 O Arcebispo Kyprianos foi enforcado junto com outros cipriotas como retaliação pelo influxo de voluntários que as forças gregas recebiam da ilha,4 mas depois da guerra a relação da igreja com os otomanos passou por reparos promissores ao invés de ruptura total.5

O Chipre caiu nas mãos do sistema colonial britânico em 1878, que não tratava bem a igreja local e seus representantes. A destruição da relação que a igreja tinha com o Estado durante o período otomano e a perda de recursos durante o período colonial tornou-a mais suscetível às pressões populares, e a instituição foi então carregada pelo nacionalismo helenista.6

Demetris Assos7 usa as obras de Rolandos Katsiaounis e Paschalis Kitromilides para corroborar que a Igreja Ortodoxa no Chipre passou por uma transformação: uma instituição que antes resistia ao nacionalismo teve sua posição preservada e ganhou prestígio graças ao nacionalismo. A Igreja foi arrastada pelo movimento e catapultada para a condição de protagonista. 

Os governos dos arcebispos Paisios, Chrysanthos e Kyprianos no século 19 foram representados como esclarecidos e construtivos,8 marcados especialmente pela construção de escolas. A Igreja foi de fato uma instituição que preservou a língua e a cultura grega, e o final do século 19 foi um período de fortalecimento das ideias nacionalistas na maioria grega que habitava a ilha, enquanto a minoria turca era melhor representada na administração colonial britânica. O nacionalismo grego na ilha do Chipre tem um nome próprio: Enosis, reunificação, isto é, reunificação com a pátria grega.9

Makarios III, inicialmente conhecido como Michael Moskous, nasceu em uma família humilde de pastores de cabras. Perdeu a mãe aos 10 anos de idade10 e tinha dois irmãos mais novos, Yiacovo e Maria, destinados a papéis futuros como seu chofer e governanta, respectivamente.11 Moskous enfrentou a impossibilidade de custear sua educação secundária e, por recomendação de um professor, ingressou no monastério de Kykkos, um dos mais respeitados do mundo ortodoxo na época.12

No monastério, adotou o nome Christodoulou e manteve a rotina da instituição: estudos diurnos, trabalho vespertino e uma dieta frugal, com raros eventos de consumo de carne, privilegiando feijão, pão, azeitonas e queijo.13 Mais tarde recebeu uma bolsa para concluir os estudos do ginásio em uma escola que seguia o sistema grego e tinha professores formados em Atenas ou Salonika.14

No início do século 20, o poder colonial britânico passava por um desgaste tentando se legitimar com um simulacro de parlamento no governo da ilha, com seis cadeiras indicadas pelos britânicos, três para os cipriotas turcos e nove para os gregos cipriotas, que não tinham a maioria na câmara apesar da maioria demográfica. Nas vilas, os camponeses continuavam pagando o mesmo tributo que pagavam para o poder otomano, e este era usado pelo poder britânico para compensar titulares ingleses e franceses de uma dívida assumida pelos otomanos em 1855.15

A resistência explodiu na forma de uma revolta independentista liderada por Nicodemos Mylonas, Bispo de Kitium, e pelo padre Dionysios Kykkotis.16 A resposta das autoridades britânicas foi brutal, resultando em confrontos nos quais a polícia disparou contra a multidão, resultando na perda de seis vidas. Nicodemos Mylonas foi deportado e faleceu na Palestina, sem retornar a sua terra natal. O futuro Arcebispo Makarios II, então Bispo de Kyrenia, também foi deportado, juntamente com dois líderes comunistas que foram banidos da ilha. Esses acontecimentos causaram grande impacto no jovem noviço Michael Moskous. 

Em 1937, os britânicos intensificaram a repressão no Chipre, buscando consolidar seu controle sobre a igreja e suprimir atividades consideradas sediciosas. Para alcançar esse objetivo, implementaram medidas rigorosas, proibindo a eleição de pessoas ligadas a atividades sediciosas na igreja e sujeitando as eleições episcopais à confirmação britânica. Além disso, colocaram as finanças da igreja sob controle governamental, minando sua autonomia.17

Para restringir ainda mais a identidade cultural e nacional dos cipriotas, os britânicos impuseram restrições ao toque do sino das igrejas e ao uso da bandeira da Grécia. A censura de livros e jornais foi estabelecida como uma ferramenta adicional para controlar a disseminação de ideias consideradas subversivas.18

Terminando seus estudos básicos no Chipre amarrado pela dominação britânica, Moskous foi cursar o ensino superior na Grécia e estudou teologia na Universidade de Atenas, onde apreciou as ideias de Orígenes sobre a não eternidade do castigo aos pecadores e a eventual prevalência do bem sobre o mal.19

Durante a Segunda Guerra Mundial, temendo perseguições dos invasores alemães, tentou fugir da Grécia em 1940, sem sucesso. Sendo assim, foi um dos que sofreu com a fome em Atenas.20 Graduando-se em teologia em 1942, direcionou seus estudos para o direito na Universidade de Atenas, envolvendo-se ativamente na resistência. Em 1946, tornou-se arquimandrita21 na igreja de Santa Irene, frequentada por uma congregação de classe média.22

Naquela época conheceu uma figura que também seria de primeira importância anos mais tarde: o tenente-coronel Georgios Grivas — natural de Nicósia, seria o líder do movimento armado de reunificação do Chipre com a Grécia nos anos 1950. Makarios colaborou com artigos em seu jornal, adotando uma perspectiva cristã para criticar o comunismo,23 mas não se envolveu nas atividades paramilitares anticomunistas de Grivas, e nem existem indicações de que eles projetaram qualquer atividade política relativa à independência do Chipre nesse período. 

Com o final da guerra, em setembro de 1946, ganhou uma bolsa de pós-graduação em teologia em Boston, paga pelo Conselho Mundial de Igrejas; antes disso ele passou pelo Chipre e impressionou com seus sermões, que incluíam temas políticos como a Enosis e o sofrimento da Grécia na última década.24 Por conta da bolsa, Michael foi recebido pelos metodistas nos EUA.25 Segundo a descrição do biógrafo Mayes, o futuro arcebispo tinha 33 anos, “boa aparência”, uma linha capilar que recuava e um bigode cheio; em geral era considerado agradável, e sua oratória pausada desenvolvia a identidade que tomaria mais tarde como líder político; lia muito, mas não renunciava a uma vida social.

A Igreja e o Partido

Ao longo da história do Chipre, a função da igreja era também política, e assim foi durante o domínio colonial britânico. O Arcebispo era considerado o líder da comunidade grega, o Etnarca, e tinha dois conselhos à sua disposição que funcionavam de acordo com essa função, não sendo ocupados por clérigos — um formado com a sua indicação como uma espécie de gabinete de governo, e outro servindo como uma assembleia de notáveis.26

Mas nos anos 1930 também se desenvolveu outra força política poderosa na ilha do Chipre: o Partido Comunista (PC). Em 1943, durante a guerra, os britânicos suspenderam a censura, permitindo a formação de partidos e a realização de eleições municipais. Nisso os comunistas se reorganizaram no “Partido Progressivo do Povo Trabalhador” (AKEL, do grego Ανορθωτικό Κόμμα Εργαζόμενου Λαού), um partido com força de massa e quadros dedicados à organização.27

É importante mantermos em mente dois fatores em relação ao ano de 1943: o primeiro é lógico, de que os britânicos lutavam uma guerra contra os alemães também no Mediterrâneo, e que suas concessões podem ser entendidas como produto da pressão das circunstâncias; o segundo é histórico, pois o AKEL fez uma campanha para organizar voluntários que lutassem contra as forças de Hitler, o que efetivamente significava se alistar no exército britânico.

Rigorosamente, de início o AKEL não era estritamente o Partido Comunista do Chipre, este que já tinha uma experiência considerável na organização de voluntários antifascistas durante a Guerra Civil Espanhola. Seu surgimento acompanhava a estratégia da “Frente Popular”, do antifascismo e da aliança da URSS com a Grã-Bretanha, coincidindo com a dissolução da Internacional Comunista. Isso se refletia no discurso, que diluía o marxismo-leninismo e enfatizava reivindicações nacionalistas e democráticas, incorporando elementos ligados a essas lutas que mantiveram relações com os comunistas durante os anos 1930. O PC só vai se dissolver dentro do AKEL em 1945, e é só depois do final da guerra que o AKEL incorpora em seu programa menções à construção do socialismo mirando o comunismo; até então só se falava da criação de uma “democracia popular”. 

O AKEL “varreu” as eleições municipais por ser a força mais organizada, eficiente e popular de toda a ilha. Com exceção de Pafos e Kyrenia, o AKEL teve sucesso eleitoral nas principais cidades do Chipre. O ano de 1943 se torna então um corte temporal decisivo para entendermos as dinâmicas políticas do Chipre, que passaram a se mover em grande parte ao redor da competição dos comunistas com a Igreja Ortodoxa. 

A Igreja Ortodoxa e o PC eram considerados as maiores ameaças pela administração colonial britânica nos anos 1930.28 A Igreja Ortodoxa passa a competir com o PC, e isso teria reforçado o seu compromisso com a luta por independência.29 Stanley Mayes diz que o AKEL era “a única organização política eficiente na ilha”.30 O AKEL tomou a bandeira da Enosis das mãos da igreja, que buscou defender sua preeminência como defensora da reunificação com a Grécia. 

A repressão britânica produziu uma dialética política notável: a repressão dirigida contra a Igreja, agravada em 1931 e 1937, pode ter fortalecido os comunistas nos anos 1940, mas a preocupação britânica com os comunistas depois de 1943 inclinou o tabuleiro para que a Igreja se convertesse na principal fonte de oposição ao poder britânico. Os britânicos decidiram conduzir uma transição constitucional no Chipre e para isso revogaram as leis de controle da Igreja, o que deu mais espaço para a política clerical respirar, mesmo que a Igreja fizesse oposição à transição constitucional e defendesse a Enosis. 

A força da organização dos comunistas no final dos anos 1940 fez com que eles flertassem com a ideia de que eram os interlocutores do governo britânico, e, pelo menos em parte, acreditaram em uma estratégia gradual que incluísse algum modelo de “autogoverno” similar ao que os britânicos já haviam concedido em outros lugares. Essa posição prejudicou a imagem do AKEL entre os gregos cipriotas, e deu oportunidade para a direita e para a Igreja denunciarem os comunistas como traidores enquanto assumiram o manto da Enosis. O problema se converteria em uma crise, já que a direção do Partido Comunista da Grécia (KKE, do grego Κομμουνιστικό Κόμμα Ελλάδας) denunciou a posição e a maioria dentro do AKEL defendia um retorno ao slogan da Enosis, o que culminou na renúncia coletiva do Comitê Central em 1949 e na criação de um comitê de direção provisória de 7 pessoas. 

A direita também se organizou como reação ao triunfo eleitoral do AKEL: em 1942 já existia a União Agrária do Chipre (PEK, do grego Παγκύπριο Εργατικό Κόμμα), que representava elementos conservadores do setor rural, e em 1943 foi formado o Partido Nacional do Chipre (KEK, do grego Κοινοβουλευτικό Εθνικό Κόμμα). O Comitê de Sindicatos Pancipriota (PSE, do grego Παγκύπριο Συντονιστικό Συμβούλιο Εμπορικών Σωματείων) era dominado pela esquerda, mas em 1944 surgiram sete sindicatos de direita que criaram a Confederação do Trabalho do Chipre (SEK, do grego Συνομοσπονδία Εργατικών Δυνάμεων), dizendo-se representantes de um “novo sindicalismo”.31

Em 1946 ocorreram novas eleições municipais, e em 1947 as tão esperadas eleições episcopais definiram o novo arcebispo da Igreja Ortodoxa do Chipre. Embora com um funcionamento próprio, houve participação dos comunistas, que apoiaram o Bispo Leontios de Pafos, conquistando uma maioria avassaladora de 900 dos 1.000 representantes no conselho eclesiástico responsável pela eleição do líder.32

Leontios — que antes já era o “arcebispo provisório”, o Locum Tenens — viveu pouco tempo depois de sua eleição. Ele já era comprometido com a luta contra a dominação britânica, mas não correspondeu ao apoio que recebeu dos comunistas: ele condenou a participação do AKEL na Assembleia Consultiva e se negou a realizar a reforma do Conselho da Etnarquia que os comunistas desejavam.33 Depois de cinco semanas como arcebispo, Leontios faleceu e novas eleições foram realizadas em outubro, sendo vencidas por Makarios Myriantheus, Makarios II, que era apoiado pela direita e condenava os comunistas com fanatismo. 

Nesse período, o jovem Makarios voltou para a Grécia ao ser eleito como bispo de Kitium, em 13 de junho de 1948. Os comunistas também tentaram se aproximar dele naquele momento, mas sem sucesso.34 Na verdade, ele deu demonstrações de anticomunismo naquele período.35

A eleição de Makarios foi sensacional por sua juventude, e se deve à articulação de figuras como como o Arcebispo Makarios II e seu antigo professor, Chrysostomos.36 Makarios II não apoiaria o jovem Makarios caso suspeitasse que este fosse filocomunista: sua estratégia era combater e denunciar os comunistas dentro da Igreja, derrotar candidatos de esquerda dentro do sistema eclesiástico.

A partir de 1946 a Igreja entendeu que, para competir com o AKEL, seria necessário desenvolver uma organização política moderna, e isso se reforçou sob o governo de Makarios II.37 A estrutura da Igreja deveria servir para produzir comitês organizativos capazes de comunicar e mobilizar de forma eficiente em relação às exigências da política de massas.

Além dos efeitos que isso teve na política eleitoral e de rua — a esquerda passa a ter adversários mais fortes nas urnas, nas manifestações e nos confrontos — um dos efeitos políticos foi a interrupção do processo de organização da direita, que ficou subordinada ao sistema dominado pela Igreja (o que eventualmente seria um problema para os direitistas quando um Arcebispo se inclinasse para a esquerda). 

Dentre outros fatores, a politização do clero ocorria também em função das eleições dos bispos, que a princípio eram democráticas. Eu descreveria o regime como um regime “misto” e “republicano”: a hierarquia eclesiástica seleciona candidatos que precisam de apoio das forças políticas leigas e serão confirmados em uma eleição paroquial. Foi nessa mistura de modernização do aparato de intervenção política da Igreja e suas disputas internas que o jovem Makarios se destacou, sobretudo por seu envolvimento na organização do plebiscito.

Com apoio do AKEL, a Igreja organizou um referendo não reconhecido pelos britânicos que tinha duas opções: “Nós demandamos a união com a Grécia” e “Nós somos contra a união com a Grécia”. Sem a participação da minoria turca, que se absteve, a população grega da ilha participou em massa: dos 250 mil votantes registrados, 224 mil participaram e 215 mil (95,71%) votaram pela unificação com a Grécia. Os resultados não mudaram o regime da ilha, mas passaram uma mensagem política muito clara. 

É visível que existia uma questão central no Chipre, a questão nacional, e dois atores políticos disputavam a legitimidade de representar a solução para essa questão. Do outro lado, porém, existia a potência colonial britânica, que não pretendia ceder às reivindicações de plebiscitos, independência ou Enosis. Os anos 1950 viram uma nova fase da luta anticolonial, com o surgimento de uma luta armada e a ascensão de Makarios III.

Notas:

1. Claudia Furiati, Fidel Castro: uma biografia consentida (Rio de Janeiro: Revan, 2004).

2. O sistema de millet é uma estrutura administrativa usada no Império Otomano e em outros impérios islâmicos. O termo millet em turco significa “comunidade” ou “nação”. No contexto otomano, o sistema de millet se referia à autonomia religiosa concedida às diferentes comunidades religiosas não muçulmanas dentro do império. Cada comunidade religiosa tinha seu próprio sistema legal, administrativo e educacional, mantendo uma considerável autonomia sob a autoridade otomana. As comunidades mais conhecidas eram a millet grega ortodoxa, a millet armênia, a millet judaica e outras. Cada uma delas era liderada por um líder religioso ou étnico e tinha suas próprias leis e regulamentos internos.

3. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus (Londres: I.B. Tauris, 2018), pp. 5-7.

4. Stanley Mayes, Makarios: A Biography (Londres: Macmillan Press, 1981), p. 15.

5. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus, p. 6.

6. Ibidem, p. 9.

7. Ibidem, p. 11.

8. Stanley Mayes, Makarios: A Biography (Londres: Macmillan Press, 1981), p. 15.

9. Em outros termos, Enosis (do grego Ένωση) é frequentemente associada à ideia de união ou integração de um território ou população a um país ou entidade maior. No contexto cipriota, refere-se à proposta de unir a ilha de Chipre à Grécia.

10. Stanley Mayes, Makarios: A Biography, p. 8.

11. Ibidem.

12. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus (Londres: I.B. Tauris, 2018), p.17. Stanley Mayes, Makarios: A Biography, p. 11.

13. Stanley Mayes, Makarios: A Biography, p. 12.

14. Ibidem, p. 19.

15. Stanley Mayes, Makarios: A Biography, p. 7. David French, Fighting EOKA: The British Counter-Insurgency Campaign on Cyprus 1955-1959 (Oxford: Oxford University Press, 2015), pp. 14-15.

16. Stanley Mayes, Makarios: A Biography (Londres: Macmillan Press, 1981), p. 17.

17. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus (Londres: I.B. Tauris, 2018), p. 13.

18. Stanley Mayes, Makarios: A Biography, p. 20.

19. Ibidem, p. 22.

20. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus, p. 19.

21. “Arquimandrita” é um título usado na Ortodoxia Oriental. O nome indica o que “governa o claustro”, sendo em sua origem uma posição de abade superior responsável por mais de um monastério. Atualmente, o título não indica necessariamente responsabilidade por nenhum mosteiro; e se o Arquimandrita governa um mosteiro, ou não, será indicado pela forma de tratamento. O título é usado de forma honorífica e é condição dele que o padre seja celibatário (o que não é obrigatório para padres ortodoxos mas é necessário para os monges). Na igreja grega, geralmente, existe a condição de um grau superior em teologia e a nomeação — que depende do Patriarca — indica que o titular está sendo preparado para uma posição episcopal. Em termos de honra, e do ponto de vista sacramental, o Arquimandrita está abaixo do Bispo. Como Makarios recebeu o título jovem, este era um indicativo do seu potencial de ascensão na hierarquia eclesiástica, mas é importante salientar que ele não “governava” a igreja de Santa Irene, pois isso é responsabilidade do bispo.

22. Ibidem, pp. 20-21. Stanley Mayes, Makarios: A Biography (Londres: Macmillan Press, 1981), p. 23.

23. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus (Londres: I.B. Tauris, 2018), p. 20.

24. Stanley Mayes, Makarios: A Biography, p. 23.

25. Ibidem, p. 26.

26. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus, p. 24.

27. Ibidem, p. 14. Stanley Mayes, Makarios: A Biography, p. 33.

28. William Mallinson, Cyprus: A MODERN HISTORY (Londres: I. B. Tauris, 2005), p. 11.

29. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus (Londres: I.B. Tauris, 2018), p. 34.

30. Stanley Mayes, Makarios: A Biography (Londres: Macmillan Press, 1981), p. 25.

31. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus (Londres: I.B. Tauris, 2018), p. 23.

32. Ibidem, p. 24. Stanley Mayes, Makarios: A Biography (Londres: Macmillan Press, 1981), p. 27.

33. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus, p. 25.

34. Stanley Mayes, Makarios: A Biography, p. 27.

35. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus, p. 28.

36. Stanley Mayes, Makarios: A Biography, p. 28.

37. Demetris Assos, Makarios: The Revolutionary Priest of Cyprus (Londres: I.B. Tauris, 2018), p. 31. Stanley Mayes, Makarios: A Biography (Londres: Macmillan Press, 1981), p. 33.