A Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista é predominantemente composta de Uniões-Missões, enfatizando unidade e controle sob a Divisão ao invés de autonomia local


Sede da Divisão Sul-Americana em Brasília (Montagem: Jayder Roger)

Segundo o Manual da Igreja, a forma de governo da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) é representativa: “Esse modelo reconhece que a autoridade da igreja repousa sobre seus membros e é expressa por meio de representantes devidamente eleitos em cada nível da organização, com a responsabilidade executiva delegada a entidades e oficiais representantes para dirigir a igreja no nível respectivo.”1 A autoridade de seus membros, em teoria, é exercida nas assembleias quadrienais para Associações e quinquenais para Uniões, onde delegados de todo o território de uma unidade administrativa se reúnem para escolher seus representantes.

Contudo, este não parece ser o caso para as Uniões situadas no território da Divisão Sul Americana (DSA): entre suas 16 Uniões, apenas 4 são Uniões-Associações, isto é, com autonomia administrativa frente à DSA. As 12 Uniões restantes são Uniões-Missões ou Uniões-Missões de Igrejas, com seus líderes eleitos em uma única Assembleia Quinquenal dirigida pela DSA e pouca autonomia administrativa local. Essa forma de administração, direta ou indiretamente, insere as Uniões-Missões em uma posição de dependência das decisões tomadas pela DSA; posição que facilita uma gestão centralizada e confere oportunidade a tendências autoritárias.

Estas contradições refletem conflitos mais amplos de uma IASD mundial, que desde 1901, ano em que a Associação Geral (AG) começou a transferir suas responsabilidades para as recém-criadas Uniões, oscila entre movimentos por descentralização e autonomia e recrudescimento do autoritarismo institucional. Por outro lado, a falta de explicações para uma administração pouco autônoma na América Latina é, provavelmente, resultado de uma preferência por modelos estrangeiros, já que a presidência da IASD latino-americana é historicamente monopolizada por famílias de ascendência alemã ou estadunidense.

Descentralização iniciada

De acordo com Gerry Chudleigh,2 ex-diretor de Comunicação da União Pacífico, até 1901 a Igreja Adventista era uma organização extremamente centralizada; os líderes locais eram designados pela AG, e as Associações estaduais precisavam de autorização da AG para quaisquer iniciativas que fossem tomadas. Já as organizações auxiliares, como escolas, hospitais e editoras, estavam completamente fora da jurisdição da AG, sendo inteiramente conduzidas por um conselho de acionistas e investidores privados da IASD.

Tudo isso mudaria em 1901, ano que foi um marco para a reorganização mundial da IASD. A assembleia deste ano foi a conclusão de um conflito que se arrastava por anos, conforme documentado por Barry David Oliver, ex-presidente da Divisão Sul-Pacífico da IASD: Ellen G. White e seu filho, W. C. White, por exemplo, criaram a primeira União-Associação, a União-Associação Australásia, em 1894, um ano após a AG votar contra a criação de Uniões. A despeito do apoio do presidente da AG à iniciativa, a criação da União assustou muitos líderes em Battle Creek, sede da AG, que falavam em um perigo de “secessão” e ratificaram a falta de autoridade de suas associações locais.3

Até 1901, a tensão ainda era palpável, e pode ser sentida no discurso feito por Ellen G. White a vários dos líderes da AG às vésperas da assembleia: ela clamava pela criação de uma organização “completamente nova”, e pela eleição de uma comissão representativa que não garantisse “poder e controle” a “meia dúzia” de líderes,4 e começou sua fala na assembleia da AG clamando pelo fim do exercício “régio” de poder. Felizmente, os resultados da assembleia foram muito positivos, e deixaram uma forte impressão em Ellen G. White:

“Durante a Assembleia Geral o Senhor lutou poderosamente por Seu povo. Toda vez que eu penso naquela reunião, uma doce solenidade desce sobre mim, e envia uma onda de gratidão à minha alma. Nós temos visto os passos majestosos do Senhor, nosso Redentor. Nós louvamos Seu santo nome, pois Ele trouxe salvação ao Seu povo.”5

Mas o que mudou em 1901 exatamente? Poder e autoridade na IASD foram inteiramente transferidos da AG para organizações locais, isto é, Uniões-Associações e Associações. Instituições paralelas, como escolas e hospitais, também deixaram de ser independentes e se tornaram departamentos nas instituições locais, pondo fim ao controle exclusivo de acionistas e investidores nestas organizações. Já as Uniões e Associações teriam seus líderes e suas políticas estabelecidos por seu “corpo constituinte”, composto de delegados dos membros e obreiros de seu território. Conforme sistematizado por Chudleigh, as implicações destas mudanças foram padronizadas e descritas em políticas ao longo das décadas:

1. Igrejas locais têm autoridade final para decidir como serão gastas as doações para congregações locais (mas não os dízimos), planejar o evangelismo local, e para decidir quem serão os membros da congregação. Nenhuma outra instância da igreja, incluindo a Associação local, a União-Associação ou a Associação Geral, tem autoridade para passar por cima de decisões locais nestas áreas. 

2. Associações locais têm autoridade final para orçar gastos com os dízimos, para formar e dissolver igrejas e escolas locais, para contratar, demitir e supervisionar pastores e professores, e para possuir e controlar propriedades relacionadas a essas instituições locais. Oficiais da Associação são eleitos pelo corpo constituinte da Associação, isto é, por membros das igrejas locais. Oficiais da Associação local não podem ser substituídos por ações da União ou da AG, nem mesmo pela comissão executiva da AG ou por delegados em uma sessão mundial. Uma Associação local é autônoma, controlada por seu próprio corpo constituinte – as igrejas locais que compõem a membresia da Associação. A partir daí vemos que a autoridade é compartilhada. A igreja depende de cooperação voluntária: as Associações têm autoridade significativa sobre as igrejas, mas as igrejas em conjunto têm total autoridade sobre a Associação local.

3. Uniões-Associações possuem e operam faculdades e universidades, e garantem aprovação quando Associações desejam continuidade, cooperação ou uniformidade, tal como na aprovação de candidatos para ordenação. E Uniões coordenam planos conjuntos das Associações, tais como oficinas, conferências bíblicas e camporis. Oficiais da União não podem ser substituídos pela AG, e votos da União não podem ser sobrepostos por votos da AG. As Uniões são autônomas, controladas por seus corpos constituintes – as Associações locais que compõem a membresia da União. Então há uma linha clara de comando na IASD, mas ela vai dos membros da igreja local para cima.

4. Divisões não têm corpos constituintes ou estatutos separados, e seus funcionários são eleitos na sessão da Associação Geral pelo corpo constituinte da AG, de modo que são unidades administrativas da AG. Na teoria, elas não têm autoridade final em nada. Na prática, elas fornecem uma via para Uniões fazerem planos juntas, desenvolverem materiais e administrar programas e políticas em cooperação, tais como escalas de pagamento e iniciativas de evangelismo. Às vezes as Divisões derivam poder considerável das Uniões em seus territórios – que de fato têm autoridade autônoma.

5. A Associação Geral administra o orçamento mundial, que é crítico para o crescimento da igreja ao redor do mundo, especialmente em áreas de missão – áreas da igreja mundial até certo ponto financiadas por dízimos e doações de outras partes do mundo. O orçamento mundial não inclui rendas e gastos em igrejas locais, Associações ou Uniões. Na prática, a AG também conduz o desenvolvimento de políticas mundiais, como as que constam na GC Working Policy [adaptada para a DSA como Regulamentos Eclesiástico-Administrativos] e no Manual da Igreja. Mas, devido à estrutura da igreja adotada em 1901, a AG não pode exigir que uma União ou Associação siga essas políticas. O quanto uma União ou Associação segue a política da AG depende dos votos do corpo constituinte da União ou Associação. […]”6

Centralização retomada

Infelizmente, a descentralização da IASD mundial tem sido historicamente revertida pela AG, embora esta não tenha poder coercitivo para que Uniões-Associações aceitem suas mudanças. Segundo Gerry Chudleigh, estes avanços da AG são observados através de emendas a políticas e estatutos-modelo e iniciativas de líderes individuais, especialmente presidentes da AG, pelo menos desde 1975.7

No caso da América do Sul, por outro lado, a centralização da administração adventista sob a tutela da DSA, braço sul-americano da AG, pode ser observada de uma forma mais concreta e eficiente: isto é, a criação e manutenção de Uniões-Missões em detrimento da criação de Uniões-Associações, conforme mostra o mapa do Yearbook oficial da IASD.

Figura 1: Mapa para a Divisão Sul-Americana, como consta no Anuário de 2021, p. 238.

Segundo o artigo B 05 02 dos Regulamentos Eclesiástico-Administrativos (REA), o “status de Missão confere à organização o direito de se identificar como parte oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Além disso, o status de Missão indica que uma organização recebe apoio direto (financeiro ou administrativo) da organização imediatamente superior. Os administradores de uma organização com status de Missão são nomeados pela organização imediatamente superior; no caso das Missões locais, são nomeados pela assembleia da União ou pela Comissão Diretiva da União entre suas assembleias; e, no caso das Uniões-Missão, pela Comissão Diretiva da Divisão. As organizações com status de Missão realizam reuniões de constituintes em harmonia com o regulamento operativo (com base no documento do Working Policy da Associação Geral) para o respectivo nível organizacional.”

Em outras palavras, uma União-Missão responde diretamente à Divisão superior, com pouca ou nenhuma autonomia do corpo constituinte na eleição de seus líderes e na administração do território. Em compensação, a Divisão oferece apoio financeiro e administrativo à União.
Atualmente, há apenas 4 Uniões-Associações na DSA: a União Argentina (UA), a União Central Brasileira (UCB), a União Sudeste Brasileira (USEB) e a União Sul Brasileira (USB). Todas as outras 12 são Uniões-Missões ou Uniões-Missões de Igrejas;8 dentre elas, 4 foram criadas desde 1996 (UB, UNP, UNOB e ULB), sob a presidência de Ruy Nagel e Erton Köhler, a partir de Uniões-Missões que também permanecem Missões até hoje. Estas Uniões têm seus representantes eleitos conjuntamente em um concílio quinquenal presidido pela DSA, como ocorreu nos dias 4–5 de novembro de 2021.

Tabela 1: Lista de Uniões da DSA a partir da data de organização

UniãoAno de criaçãoUnião de origem
União-Associação Argentina (UA; anteriormente União-Associação Austral)1906; reorganizada em 1966; reorganizada e renomeada em 2010União-Associação Sul-Americana
União-Associação Central Brasileira (UCB)1907; reorganizada em 1986, 2015União-Associação Brasileira
União-Missão Sul Peruana (USP)1914 (União-Missão Inca);reorganizada como União-Missão Peruana em 1996; território dividido e renomeado em 2006; reorganizada em 2017União-Associação Sul-Americana
União-Associação Sudeste Brasileira (USEB)1919; reorganizada em 1996; renomeada em 2012; reorganizada em 2019União-Associação Brasileira
União-Missão Norte Brasileira (UNB)1936; reorganizada em 2010; reorganizada em 2016União-Missão Leste Brasileira (atual União-Associação Sudeste Brasileira)
União-Missão Chilena (UC)1966União-Associação Austral (atual União-Associação Argentina)
União-Associação Sul Brasileira (USB)1986União-Associação Central Brasileira (anteriormente União-Associação Sul Brasileira)
União-Missão Boliviana (UB)1996União-Missão Inca
União-Missão Nordeste Brasileira (UNEB)1996; reorganizada em 1999; reorganizada, e território dividido em 2013; reorganizada em 2016União-Associação Leste Brasileira (atual União-Associação Sudeste Brasileira)
União-Missão Equatoriana (UE)2001N/A
União-Missão Centro-Oeste Brasileira (UCOB)2005; reorganizada em 2019União-Associação Central Brasileira
União-Missão Norte Peruana (UNP)2006União-Missão Inca
União-Missão Noroeste Brasileira (UNOB)2010União-Missão Norte Brasileira
União-Missão de Igrejas Paraguaia (UP)2010União-Associação Austral (atual União-Associação Argentina)
União-Missão de Igrejas Uruguaia (UU)2010União-Associação Austral (atual União-Associação Argentina)
União-Missão Leste Brasileira (ULB)2013União-Missão Nordeste Brasileira

O artigo B 60 05 do REA estabelece um total de 17 critérios para que uma União-Missão se qualifique ao status de União-Associação. Contudo, o processo não é claro: muitos dos critérios são qualitativos e pouco mensuráveis, prescrevendo à União características, por exemplo, como “compreensão clara dos objetivos básicos da Igreja”, “ampla visão evangelizadora” e um “espírito de unidade”. É inevitável compreender que o cumprimento ou não de tais prescrições dependem de uma avaliação subjetiva e pouco material das instâncias superiores. Os critérios mais facilmente mensuráveis são os seguintes:

“5. A União-Missão deve contar com suficientes recursos humanos próprios para atender as diferentes atividades em seu território e estar pronta para partilhar seus obreiros com outros campos, quando se fizer necessário.

11. Os membros devem ser suficientemente numerosos para justificar as responsabilidades adicionais quanto a passar à categoria de União-Associação. Os campos locais devem estar bem-organizados e contar com dirigentes competentes e judiciosos.

12. Um ou mais campos locais deve ter status de Associação e estar operando com êxito.

13. A maior parte dos recursos financeiros para o funcionamento dos campos deve se encontrar no território da União.

14. A União-Missão deve demonstrar, durante um tempo razoável, que é capaz de funcionar com recursos próprios. Isso se refere não apenas ao custo de operar a própria União, mas também ao sustento de suas instituições, assim como a capacidade de manter as contas correntes reconciliadas entre a União, os campos, as instituições de seu território, e entre a União e a Divisão. Deve demonstrar também disposição e habilidade para assumir a responsabilidade financeira que lhe corresponde no programa denominacional de Missões mundiais, como está estabelecido nos regulamentos denominacionais.

15. A União-Missão como um todo, incluindo as organizações subsidiárias, deverá ter estabilidade econômico-financeira. Deverá possuir recursos suficientes para fazer frente às suas obrigações financeiras, com prontidão, incluindo as contas a pagar a outras organizações denominacionais.”

Dos critérios mensuráveis listados, não há dados disponíveis à membresia para que a posição de cada União-Missão, em relação a estes critérios, seja analisada, com exceção dos critérios 11 e 12, a partir dos quais é possível levantar alguns questionamentos sobre o contexto latino-americano.

O critério 11 não deixa claro qual o número suficiente de membros para justificar maior autonomia da União, mas é possível comparar o número de membros das Uniões-Missões com o das Uniões-Associações, e neste aspecto reside a contradição: a União-Missão Chilena, por exemplo, possui mais igrejas e quase tantos membros quanto a União-Associação Argentina, embora o Chile tenha menos da metade da população da Argentina. A disparidade é ainda mais dramática com as Uniões-Missões peruanas, que possuem quase o dobro de igrejas e membros que a UA e a UC, embora com uma população menor até que a do Chile em seus territórios.

No Brasil, a situação é similar: ULB, UNEB e UNOB possuem quase o mesmo número de igrejas e membros que a UCB, União-Associação mais antiga do país, embora a população no território desta última seja duas vezes maior que no território das três Uniões-Missões. A UNB, por outro lado, possui 600 igrejas e 40 mil membros a mais que a UCB, embora seu território tenha uma população de 30 milhões a menos que o da UCB. Além disso, todas as Uniões-Missões, com exceção da UB e da UE, cumprem o critério 12 e possuem pelo menos um campo local com status de Associação em seus territórios.

Figura 2: Tamanho não é documento
A quantidade de membros não define o status de União na Divisão Sul Americana:

Fonte: ASTR

A Zelota entrou em contato com a administração das Uniões-Missões da DSA, fazendo as seguintes perguntas:

1. Qual tem sido a movimentação da União para passar do status de Missão ao status de Associação?

2. Qual é o aporte de recursos financeiros e humanos que a Divisão Sul-Americana oferece à União?

3. O que falta para a União se qualificar a se tornar União-Associação?

Não houve resposta das Uniões-Missões até a data de publicação deste artigo.

Em resposta à Zelota, um pastor no território de uma das Uniões-Missões, não querendo se identificar, afirma que não enxerga “motivações macabras” na manutenção de Uniões-Missões, e sim um interesse na diminuição de burocracias, com maior celeridade aos processos administrativos. “O problema disso é que acaba perdendo a ligação com a igreja local. Fica cada vez mais distante, entende? Precisamos de maior participação da base”, argumenta o pastor. Ele não acha que elas permanecem Missões devido a problemas financeiros, acrescentando que a condição atual delas é “considerável”. Ele por fim explica por que prefere não se identificar: “Sei que tem gente que pode interpretar isso como uma rebeldia, e prejudicar ainda mais a minha pessoa e essa causa”.

Conclusão

Há uma citação de Ellen G. White que é usada com frequência para compelir os membros da IASD a aceitar a AG como autoridade última:

“Foi-me mostrado que o julgamento de nenhum homem devia render-se ao julgamento de outro. Mas quando o julgamento da Associação Geral, que é a mais elevada autoridade que Deus tem sobre a Terra, é exercido, independência e julgamento particulares não devem ser mantidos, mas renunciados.”9

Esta declaração, no entanto, foi feita em um contexto muito específico. Chudleigh assinala10 que ela foi feita em uma carta a um irmão em 1875, época em que todo o corpo da IASD era diretamente administrado pela AG, exortando o destinatário a aceitar o chamado da AG e assumir uma posição em Battle Creek, sede da IASD mundial.

No entanto, Chudleigh lista algumas outras citações de Ellen G. White que também merecem ser apresentadas. Na década de 1890 (quando a estrutura de 1863 estava falhando, mas antes da reorganização de 1901), por exemplo, ela pronunciou as seguintes considerações sobre o mesmo assunto:

  • “A voz da Associação geral tem sido representada como uma autoridade a ser obedecida como a voz do Espírito Santo. Mas quando os membros da comissão da Associação Geral ficam emaranhados em questões empresariais e perplexidades financeiras, o caráter sagrado e elevado da sua obra é em grande medida perdido” (Manuscrito 33, 1895, {14MR 278}).
  • “Quanto à voz da Associação Geral, não há voz de Deus que seja confiável naquela organização” ({17MR 178} 1895).
  • “A voz de Battle Creek, que tem sido considerada uma autoridade no aconselhamento sobre como a obra deve ser feita, não é mais a voz de Deus” ({17MR 185} 1896).
  • “Já fazem alguns anos desde a época em que eu considerava que a Associação Geral é a voz de Deus” ({17MR 216} 1898).

Em 1901 [em uma Assembleia Geral, enquanto urgia a igreja a ser completamente reestruturada]:

  • “Estes homens (líderes) ficarem em um local sagrado, para serem como a voz de Deus para as pessoas, algo que já cremos se aplicar à Associação Geral, isso é passado” (General Conference Bulletin, 3 de abril de 1901, p. 25).
  • “O Senhor declara que sua igreja não deve ser governada por regras ou precedentes humanos. Homens não são capazes de governar a igreja. Deus é o nosso governante. Eu fico oprimida ao pensar na administração humana questionável vista em nossa obra. Deus diz, tirem as mãos. Governem a si mesmos antes de tentar governar outros. Coisas estranhas têm sido feitas, coisas que Deus aborrece. Homens alegarem que a voz de seus conselhos em sua administração passada é a voz de Deus quase parece blasfêmia para mim (Manuscrito 35, 1901, {17MR 250.1}).

1909 (oito anos após a criação de Uniões autônomas):

  • “Por vezes, quando um pequeno grupo de homens, aos quais se acha confiada a direção geral da obra, tem procurado, em nome da Associação Geral, executar planos imprudentes e restringir a obra de Deus, tenho dito que eu não poderia por mais tempo considerar a voz da Associação Geral, representada por esses poucos homens, como a voz de Deus. Mas isso não equivale a dizer que as decisões de uma Associação Geral composta de uma assembléia de homens representativos e devidamente designados, de todas as partes do campo, não deva ser respeitada. Deus ordenou que os representantes de Sua igreja de todas as partes da Terra, quando reunidos numa Assembléia Geral, devam ter autoridade. O erro que alguns estão em perigo de cometer, é dar à opinião e ao juízo de um homem, ou de um pequeno grupo de homens, a plena medida de autoridade e influência de que Deus revestiu Sua igreja, no juízo e voz da Associação Geral reunida para fazer planos para a prosperidade e avançamento de Sua obra.” (9T 260.2).

Parece claro que, para Ellen G. White, a AG era valiosa para a IASD mundial e deveria ser respeitada; sua autoridade, no entanto, não deveria sobrepor-se à das administrações locais e forçar uniformidade, especialmente após a reorganização de 1901. O mesmo se aplica à Divisão Sul-Americana, que é um braço administrativo direto da AG na América do Sul.

A multiplicação de Uniões-Missões na DSA em detrimento de Uniões-Associações dificilmente é mal intencionada. Seja por inércia ou por uma tradição administrativa não questionada, presidentes da DSA como Ruy Nagel e Erton Köhler têm multiplicado as unidades administrativas da IASD sul-americana e elevado sua eficiência, mas sem conceder autonomia a qualquer uma delas. 

Curiosamente, conforme já notado pela Encyclopedia of Seventh-Day Adventists (ESDA), “a Divisão Sul-Americana foi liderada por nove norte-americanos de ascendência britânica e escandinava, e durante as três últimas administrações continuou sob a presidência de descendentes de imigrantes alemães”. Também vale notar que, pelo menos para o Brasil, todas as Uniões-Associações estão na região Sul e Sudeste do país, uma região com maior proporção de pessoas brancas e descendentes de imigrantes europeus.

Em última instância, o subdesenvolvimento que caracteriza a dependência de países latino-americanos de potências ao norte também se reflete de algum modo no histórico de presidentes da DSA, e pode em certa medida explicar este cenário. Em populações que desvalorizam sua própria cultura e exaltam o modo de vida norte-americano ou europeu, não surpreende que celeridade e eficiência nas mãos de homens brancos sejam mais valorizadas que a diversidade e a autonomia local, cenário que serve como mais um exemplo do que dissera Fanon: “A Igreja nas colônias é uma Igreja de Brancos, uma igreja de estrangeiros. Não chama o homem colonizado para a via de Deus, mas para a via do Branco, a via do patrão, a via do opressor. E como sabemos, neste negócio são muitos os chamados e poucos os escolhidos.”11

Notas:

1. Manual da Igreja, p. 28-29.

2. CHUDLEIGH, Gerry. Who runs the Church? Understanding the Unity, Structure and Authority of the Seventh-day Adventist Church, p. 8-13. AdventSource, 2013.

3. OLIVER, Barry D. Principles for Reorganization of Seventh-day Adventist Administrative Structure, 1888-1903; Implications for an International Church, p. 103-107,130. Tese de doutorado. Andrews University, 1989. Disponível em https://digitalcommons.andrews.edu/dissertations/118

4. Ibid., p. 165. O discurso é conhecido como “College Library Address” [em português: “Discurso na Biblioteca da Faculdade”].

5. “During the General Conference the Lord wrought mightily for His people. Every time I think of that meeting, a sweet solemnity comes over me, and sends a glow of gratitude to my soul. We have seen the stately steppings of the Lord our Redeemer. We praise His holy name, for He has brought deliverance to His people” (Review and Herald, “Bring an Offering to the Lord,” 26 de novembro de 1901, p. 1 [761]).

6. CHUDLEIGH, 2013, p. 23-25.

7. Ibid., p. 31-37.

8. Uma União-Missão de Igrejas equivale em escopo a uma Associação local, mas administrada diretamente pela Divisão.

9. WHITE, Ellen G. Testemunhos para a Igreja, vol. 3, p. 471 [492]. Ellen G. White Estate, Inc., 2013.

10. CHUDLEIGH, 2013, p. 27-30.

11. FANON, Frantz O. Os condenados da terra, p. 34. Feira de Santana: Editorial Adandé, 2022.