Na Bíblia e no Espírito de Profecia, os aspectos que unificam a identidade remanescente relacionam-se à vivência da justiça social e à denúncia da opressão perpetrada pela união entre os poderes civis e religiosos


Mural do Leitor | Pablo Pimentel é doutorando em História e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná.

Pandemia, catástrofes derivadas das mudanças climáticas, crescimento alarmante das desigualdades socioeconômicas, da miséria e da fome. Sociedades cada vez mais radicalizadas, retrocessos democráticos promovidos por governantes autoritários que reforçam o ultranacionalismo, a xenofobia, o fundamentalismo religioso, o racismo, a misoginia e a homofobia. O mundo entra na terceira década do século 21 em suspense. Estamos em um momento de anticlímax no qual profundas mudanças têm impactado a vida em sociedade e a própria existência humana. Nesse contexto distópico e perturbador, de que forma o cristianismo pode ser relevante? 

Um princípio de resposta a essa pergunta é que a religião cristã não só tem sido centro do debate público como tem seu papel nesta crise global. A disputa pelos significados do cristianismo está na pauta das grandes movimentações políticas e sociais da última década e tem sinalizado para um aprofundamento desse conflito nos próximos anos. Uma das razões para esse fenômeno é o crescimento do fundamentalismo religioso cristão. Ele se expressa desde o ressurgimento de grupos de ódio  – que pretensamente afirmam lutar pela conservação de supostas “raízes cristãs nacionais” – até o lobby de movimentos ultraconservadores cristãos que pretendem alterar legislações em prol de seus pressupostos doutrinários. Autocratas são eleitos ao redor do mundo em aliança como esses movimentos religiosos ao se alimentarem do discurso da lei, da ordem e da defesa da família tradicional. 

Ao mesmo tempo, vários movimentos de resistência a essa onda ultraconservadora se levantam em diversos países. Os movimentos antirracistas, como o “Black Lives Matter”, as lutas interseccionais dos feminismos, os ativismos pelo meio ambiente, como a “Greve Global pelo Clima”, e movimentos pela garantia de direitos à população LGBTQIA+ têm engajado uma geração que não se enquadra nas instituições do século passado e tem urgência por mudanças estruturais. Líderes religiosos e seus aliados políticos buscam enquadrar esses movimentos como demoníacos e desagregadores da família e da sociedade como forma de angariar apoio popular para seus projetos de poder. Esse quadro global das disputas sobre o discurso político-religioso é um desafio para o adventismo, especialmente no Brasil. Parte das lideranças administrativas e pastorais da IASD brasileira adere ao discurso ultraconservador e se alinha, nesse ponto, a outras denominações evangélicas. 

Seria essa posição adequada ao entendimento do próprio adventismo sobre sua missão profética para este período? Acredito sinceramente que não. E pretendo buscar na própria razão de sua identidade e existência, o que considero que deveria ser os fundamentos de sua ação para essa nova década.

A identidade remanescente no Antigo e Novo Testamento

Um conceito fundamental para a compreensão do papel que o adventismo mobiliza para observar sua missão é o de remanescente (Mq 5: 7; Rm 9: 27 e 11: 5; Sf 3: 13; Is 10: 21). É através dessa chave de leitura das narrativas bíblicas e da história do cristianismo que esse movimento religioso, ao longo de sua existência, busca atuar. O remanescente diz respeito a um grupo de pessoas – independentemente de denominações religiosas – que vive o ethos do Reino de Deus, perdido no Éden. Essas pessoas deveriam ser representantes dos princípios desse reino através da sua vivência em comunidade. No Antigo Testamento, a entrega da Torá ao povo de Israel, um povo antes oprimido e escravizado por um império cruel (Ex 3: 9), representava de forma evidente a responsabilidade que o Divino outorgava a esse remanescente (Dt 30: 15-17). Deus escolheu esse povo para representar seu ethos radical num contexto em que os sistemas humanos deturparam as relações e instauraram a opressão, o controle e a objetificação do outro. Deus teria dado a esse povo um modelo de sociedade que representaria os princípios libertadores e igualitários baseados no amor.

Também foram entregues várias leis para proteger as minorias da época: escravizados, viúvas, órfãos e estrangeiros (Lv 19 e 25). A perspectiva era que, assim como os hebreus foram libertados por Deus, eles fossem os representantes dEle como agentes de libertação para aqueles que também eram oprimidos (Lv 19: 13 -18) . A cada 50 anos, por exemplo, toda a concentração da riqueza seria desfeita e as propriedades voltariam aos seus detentores originais. Todos aqueles que foram escravizados seriam libertos (Lv 25). Esses princípios retratam o desejo de Deus em revelar os princípios de seu reino: um reino de profunda igualdade e justiça social.

Porém, esse povo logo se esqueceu da opressão sofrida e passou a oprimir. A vivência do reino foi esquecida e, consequentemente, Deus levantou um remanescente entre o povo de Israel para denunciar os malfeitos. Diversos profetas foram enviados aos reis da Judá e de Israel como forma de demonstrar as principais preocupações do Divino. Exploração, opressão, corrupção eram temas da forte denúncia social daqueles que falavam em nome de Deus (Is 1: 15-17, 10: 1, 58: 6-11; Jr 6: 6; Ez 45: 9; Hc 1: 2-4) . Muitos deles foram mortos por aqueles que julgavam serem os detentores do monopólio do sagrado. 

Já no Novo Testamento, os primeiros cristãos viveram o reino em suas relações, como é descrito em Atos dos Apóstolos:

Os que criam se reuniam num só lugar e compartilhavam tudo que possuíam. Vendiam propriedades e bens e repartiam o dinheiro com os necessitados, adoravam juntos no templo diariamente, reuniam-se nos lares para comer e partiam o pão com grande alegria e generosidade, sempre louvando a Deus e desfrutando a simpatia de todo o povo. E, a cada dia, o Senhor lhes acrescentava aqueles que iam sendo salvos (At 2:44-47, NVT).

Todos os que creram estavam unidos em coração e mente. Não se consideravam donos de seus bens, de modo que compartilhavam tudo que tinham. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e sobre todos eles havia grande graça. Entre eles não havia necessitados, pois quem possuía terras ou casas vendia o que era seu e levava o dinheiro aos apóstolos, para que dessem aos que precisavam de ajuda (At 4:32-35, NVT).

A identidade remanescente e os Valdenses

Quanto ao período medieval e moderno, o adventismo liga a ideia de remanescente a grupos religiosos cristãos contra-majoritários, como os valdenses e os lolardos das ilhas britânicas; assim como aos reformadores da Igreja no século 16, Lutero e Calvino. Esses movimentos têm em comum o fato de se contraporem ao domínio político e religioso da Igreja Romana, identificado pelos adventistas como um poder que perseguiu e matou, indevidamente, em nome de Deus através de sua aliança corrupta com os reinos seculares. Em O Grande Conflito, obra clássica da pioneira adventista Ellen G. White, é afirmado explicitamente que o adventismo deveria continuar a obra desses grupos religiosos.1 

Os valdenses, chamados por White como “povo que difunde luz”, seguiam a convicção religiosa de Pedro Valdo, que abriu mão de suas riquezas e passou a viver em comunidade a partir da inspiração do modelo de igreja descrita no livro de Atos. Inicialmente, eles eram chamados de “os pobres de Lyon” por praticarem o voto de pobreza como forma de denúncia ao luxo e ao poder econômico da Igreja Romana. Com o decorrer dos anos, o movimento se desenvolveu a partir de dois grupos, os valdenses lyoneses, na França, e os valdenses lombardos, na Península Itálica. 

Segundo o historiador Eric Morales Schmuker, em Los Valdenses y la Iglesia de Colonia Iris, com o recrudescimento da perseguição de Roma, esses grupos formavam uma religiosidade baseada na proclamação do evangelho simples de origem lyonesa e na vida colaborativa, organizada e marcada por um profundo senso de justiça social de origem lombarda.2 A quebra dos monopólios políticos e religiosos da interpretação da Bíblia e a crítica à opressão da Igreja Romana foram causas da perseguição aos valdenses, considerados subversivos durante o medievo europeu.

Já os lolardos, discípulos de John Wycliffe, concentravam suas críticas na aliança que existia entre a Igreja Romana e os poderes civis na Inglaterra. Além de condenarem o poder de Roma sobre seu país, os lolardos protestavam contra a concentração fundiária, principalmente da Igreja, e defendiam a taxação dessas propriedades que ela detinha nas ilhas britânicas. Esse movimento advogava que era essencial ser fiel às Escrituras a partir do livre acesso de todos à Bíblia. Ellen G. White afirma que esses movimentos lançaram a semente para a Reforma Protestante.3

A identidade remanescente adventista

É essa história, movimento e missão que o adventismo reivindicou para justificar a sua atuação a partir do século 19. Ellen G. White afirma que “a obra de Deus na Terra apresenta, século após século, uma surpreendente semelhança, em todas as grandes reformas ou movimentos religiosos. […] Os movimentos importantes do presente têm seu paralelo nos do passado, e a experiência da igreja nos séculos antigos encerra lições de grande valor para o nosso tempo”.4 Ao se apropriar dessa tradição contramajoritária que subvertia os status quo de cada período, e que denunciava a união entre os poderes civis e religiosos, os pioneiros adventistas desejavam viver representando esse legado dos princípios edênicos do Reino de Cristo e anunciando uma mensagem peculiar para os nossos tempos: as três mensagens angélicas de Apocalipse 14.

Vi outro anjo que voava no ponto mais alto do céu, levando as boas novas eternas para anunciá-las aos habitantes da terra, a toda nação, tribo, língua e povo. “Temam a Deus!”, dizia em alta voz. “Deem glória a ele, pois chegou o tempo em que ele julgará a humanidade. Adorem aquele que fez os céus, a terra, o mar e todas as fontes de água.” Então outro anjo o seguiu, dizendo em alta voz: “Caiu a Babilônia! Caiu a grande cidade que fez todas as nações beberem do vinho da fúria de sua imoralidade!”. Um terceiro anjo os seguiu, dizendo em alta voz: “Aqueles que adorarem a besta e sua estátua, ou aceitarem sua marca na testa ou na mão, beberão do vinho da fúria de Deus, que foi derramado, sem mistura, na taça da ira de Deus. E serão atormentados com fogo e enxofre na presença dos santos anjos e do Cordeiro. A fumaça de seu tormento subirá para todo o sempre, e não terão alívio de dia nem de noite, pois adoraram a besta e sua estátua e aceitaram a marca de seu nome”. Isso significa que o povo santo deve ser perseverante, obedecendo aos mandamentos de Deus e permanecendo fiel a Jesus (Ap 14:6-12, NVT).

Segundo a interpretação dos adventistas, essas passagens revelam mensagens específicas para os últimos tempos. A primeira delas adverte a todas as nações que o juízo do Deus criador se manifestará. É importante lembrar que, no Antigo Testamento, a mensagem do juízo é central no profetismo hebreu. O juízo dá cabo a um estado de injustiça; libertar àqueles que foram oprimidos pelas estruturas político-religiosas e punir o opressor (Sl 54: 5 e 72: 4 ; Is 1: 17; Jr 21:12, 22: 3,  e 30: 20). Em outras palavras, seria uma mensagem de esperança e libertação pela ação divina. A segunda mensagem revela quem deveria temer esse juízo: um poder representado por Babilônia.

O poder que por tantos séculos manteve despótico domínio sobre os monarcas da cristandade, é Roma. […] Babilônia é também acusada do pecado de relação ilícita com “os reis da Terra”. […] Roma, corrompendo-se de modo semelhante ao procurar o apoio dos poderes do mundo, recebe condenação idêntica. […] A mensagem de Apocalipse 14, anunciando a queda de Babilônia, deve aplicar-se às organizações religiosas que se corromperam. Muitas das igrejas protestantes estão seguindo o exemplo de Roma na iníqua aliança com os “reis da Terra”: igrejas do Estado, mediante suas relações com os governos seculares; e outras denominações, pela procura do favor do mundo. E o termo “Babilônia” – confusão – pode apropriadamente aplicar-se a estas corporações.5

Essa mensagem é de fundamental importância por revelar o teor profético que o movimento adventista queria desempenhar para representar o legado dos antigos movimentos religiosos já citados: a condenação da aliança entre o Estado e a religião. Isso implica em afirmar que a mensagem principal de advertência é especificamente ao “mundo dito cristão” e sua corrupção. Em nossa era, o surgimento de agentes políticos que arrogam para si autorização para legislar em prol das igrejas cristãs deveriam ser alvo de veemente denúncia. O resultado do solapamento das bases do Estado Laico e dos preceitos constitucionais é a derrocada da liberdade de consciência – “o mais sagrado direito do homem”, nas palavras de Ellen G. White.6

A terceira mensagem angélica revela um chamado para que todas as pessoas deixem de se engajar nesse sistema que fere a liberdade e, ao mesmo tempo, que resistam a ele. Perceba que se trata de um chamado inclusivo que defende a liberdade de todos contra um Estado teocrático, e não um chamado exclusivo para uma determinada religião ou denominação. Na sequência da última mensagem, a narrativa fala sobre uma estátua ou “imagem” que seria formada em nome da Besta apocalíptica. Para Ellen G. White,

Quando as principais igrejas dos Estados Unidos, ligando-se em pontos de doutrinas que lhes são comuns, influenciarem o Estado para que imponha seus decretos e lhes apoie as instituições, a América do Norte protestante terá então formado uma imagem da hierarquia romana, e a aplicação de penas civis aos dissidentes será o resultado inevitável. […] A “imagem da besta” […] se desenvolverá quando as igrejas protestantes buscarem o auxílio do poder civil para imposição de seus dogmas.7

Ainda comentando sobre a imagem da besta, Ellen G. White afirma que “Governantes, políticos […] aderem à igreja como o meio de alcançar o respeito e confiança da sociedade, e promover os seus próprios interesses mundanos. Procuram, assim, encobrir, sob o manto do cristianismo, todas as suas transações injustas.” Do outro lado, “as várias corporações religiosas, robustecidas com a riqueza e influência dos mundanos batizados, mais ainda se empenham em obter maior popularidade e proteção.”8  É a condenação desses negócios escusos travestidos de cristianismo – que a autora identifica como “mundanismo” ou favores do “mundo” – que deveria ser o centro das críticas. Denúncia necessária e urgente para o período que estamos vivendo.

Onde está o remanescente?

A partir dessa rápida retomada histórica e teológica, repito a pergunta introdutória deste texto: Como a prática do nosso cristianismo pode ser relevante nesses dias? Faço minhas as palavras do teólogo e historiador adventista George Knight: “Às vezes, a igreja perde sua história de vista e precisa lembrar o que ela representa”.9 Todos os movimentos religiosos que aqui citei viveram, em seu tempo, o ethos do evangelho do reino de Cristo. Em uma passagem do Comentário Bíblico Adventista, é reafirmado – com base na voz profética revelada em Isaías 58 – que “o verdadeiro propósito da religião é libertar o ser humano dos fardos do pecado, eliminar a intolerância e a opressão e promover justiça, liberdade e paz”.10 Em um guia de estudos dos adventistas é sustentada a ideia de que “a verdadeira adoração não é algo que acontece apenas durante um ritual religioso, mas é também compartilhar do interesse de Deus pelo bem-estar dos outros, buscando elevar os oprimidos e negligenciados a uma condição mais digna e justa”.11 Complementando essa ideia, “a verdadeira adoração inclui a atenção às necessidades do faminto, dos oprimidos e pobres. […] É difícil imaginar um modo melhor de refletir ao mundo o caráter de Cristo”.12

Promover em nosso meio a justiça social e defender publicamente esse princípio é a melhor maneira de praticarmos os ensinamentos de Cristo e sermos relevantes em mundo caótico e cada vez mais marcado pelas grandes injustiças. Jean Paulsen, ex-presidente da Associação Geral da IASD, ecoa essa constatação: 

Como igreja e indivíduos, não só temos o direito, mas também a obrigação de ser uma voz moral na sociedade, de falar com clareza e eloquência sobre o que está relacionado aos nossos valores. Direitos humanos, liberdade religiosa, saúde pública, pobreza e injustiça são algumas das áreas nas quais temos responsabilidade dada por Deus de defender aqueles que não podem falar por si mesmos.13

O posicionamento dessa liderança histórica do adventismo contemporâneo é muito relevante, pois reposiciona o discurso da igreja para a defesa dos direitos humanos e dos direitos sociais, e não por legislar doutrinas religiosas ou defender valores conservadores que impactam as liberdades e outras vivências.

Da mesma forma, Ellen G. White reitera a importância de erguer a voz pela justiça. “Muitos lamentam os erros que sabem existir, mas se consideram isentos de qualquer responsabilidade na questão. Não pode ser assim. Todo indivíduo exerce influência na sociedade”.14 A pioneira do movimento adventista precisou colocar em prática estas últimas palavras. Em 1892, na assembleia da Associação Geral da IASD em Battle Creek, Ela confrontou membros da igreja que estavam discriminando e menosprezando o povo negro dos Estados Unidos.

Eu sei que o que falo agora me colocará em conflito. Isso eu não cobicei, pois o conflito pareceu ser contínuo nos últimos anos; mas não pretendo viver como covarde nem morrer como covarde, deixando meu trabalho não feito. Eu devo seguir os passos do meu Mestre. Tornou-se moda olhar mal para os pobres e para os negros em particular. Mas Jesus, o Mestre, era pobre, e ele simpatiza com os pobres, os descartados, os oprimidos e declara que todo insulto mostrado a eles é como se fosse mostrado a si mesmo. Estou cada vez mais surpreso quando vejo aqueles que se dizem filhos de Deus, possuindo tão pouco da simpatia, ternura e amor que atuaram em Cristo.15

Nesse episódio, Ellen G. White estava se aliando ao conteúdo ético das fortes denúncias dos profetas bíblicos. Em toda a narrativa bíblica, a voz profética é marca do povo que mantém os ideais e a vivência do reino. “Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados” (Pv 31:8-9). Se os adventistas procuram corresponder à missão de anunciar que é chegada a hora do juízo, o discurso pela igualdade social não pode ser esquecido, pois é parte integrante do evangelho eterno. Num guia de estudos bíblicos da Iasd, intitulado O papel da Igreja na comunidade, é destacado que “desde o princípio, a justiça social fez parte das leis de Deus e de seu ideal para seu povo. A justiça social é a intenção original de Deus para a sociedade humana: um mundo em que as necessidades básicas são satisfeitas, as pessoas prosperam e a paz reina”.16 Essa assertiva tem amparo no pensamento de Ellen White que afirmava que “os estatutos que Deus havia estabelecido destinavam-se a promover a igualdade social”.17

Portanto, o primeiro elemento da relevância pública dos cristãos para este tempo deveria ser não só o engajamento pelas causas sociais e o combate à opressão de grupos historicamente marginalizados, como também a vivência prática desses princípios em suas próprias comunidades. Trata-se da revolucionária práxis do amor. É dessa forma que os seguidores de Jesus de Nazaré podem viver o espírito do remanescente, sinalizando a realidade dos ensinamentos e Reino de Cristo e anunciando o fim da injustiça proclamada na primeira mensagem angélica. O chamado para adorar ao criador, presente na voz do primeiro anjo, passa necessariamente pela ação em prol dos oprimidos. 

O segundo elemento essencial para a consecução da missão profética para nosso tempo é o reforço de uma defesa da liberdade religiosa e de consciência que vá além de suas próprias comunidades, mas que defenda a liberdade de todas as religiões. A razão da existência dos adventistas é a denúncia contra os ataques ao muro que separa Estado e religião, ou seja, a defesa intransigente da laicidade estatal. É o combate ao domínio que os sistemas político-religiosos impõem para efetivação de seus projetos de poder. Estamos vivendo como nunca antes, especialmente no Brasil, a cooptação do discurso religioso por autoridades que têm, abertamente, realizado esforços por “cristianizar” o Estado com a justificativa de governar para as maiorias, enquanto que as minorias deveriam desaparecer. É nesse momento de anticlímax da história que é necessário um movimento que exerça uma voz profética. Um movimento inclusivo, de esperança e de resistência para todos aqueles que não se submetem ao autoritarismo da aliança nefasta entre lideranças religiosas e políticas. 

Muitas pessoas que pertencem – ou pertenceram – às comunidades religiosas institucionalizadas, ao não enxergarem esse imperativo político e missional em suas experiências eclesiásticas, perdem o sentido de suas vivências religiosas. Ao problematizar a falta desse conteúdo profético em suas igrejas, são essas pessoas que, de fato, se associam ao legado do Reino de Cristo. Se você se identifica com esse legado, missão, caminhada histórica e com esse conteúdo ético e político, você não está sozinho ou sozinha. Precisamos nos encontrar, construir e tecer redes de sociabilidade e solidariedade para viver essa mensagem profética e os princípios do reino que subvertem a lógica dos poderes. Sejamos, todos juntos, remanescentes.

Notas:

1. White, E. G. O Grande Conflito, p. 78. Disponível em: <http://ellenwhite.cpb.com.br/livro/index/1/61/78/um-povo-que-difunde-luz> acesso em 26 mar. 2020.

2. Schmuker, E. M. Los Valdenses y la Iglesia de Colonia Iris: el devenir de una comunidad protestante en la pampa central (1901-1930). Universidad Nacional de la Pampa, 2014.

3. White, E. G. O Grande Conflito, p. 78. Disponível em: <http://ellenwhite.cpb.com.br/livro/index/1/61/78/um-povo-que-difunde-luz> acesso em 26 mar. 2020.

4. White, E. G. O Grande Conflito, p. 343. Disponível em <http://ellenwhite.cpb.com.br/livro/index/1/343/354/luz-para-os-nossos-dias> acesso em 26 mar. 2020.

5. White, E. G. O Grande Conflito, p. 382-383. Disponível em: <http://ellenwhite.cpb.com.br/livro/index/1/375/390/a-causa-da-degradacao-atual> acesso em 26 mar. 2020.

6. White, E. G. O Grande Conflito, p. 289: Disponível em: <http://ellenwhite.cpb.com.br/livro/index/1/289/298/o-mais-sagrado-direito-do-homem> acesso em 26 mar. 2020.

7. White, E. G. O Grande Conflito, p. 445. Disponível em: <http://ellenwhite.cpb.com.br/livro/index/1/433/450/a-imutavel-lei-de-deus> acesso em 26 mar. 2020.

8. White, E. G. O Grande Conflito,  p. 386. Disponível em: <http://ellenwhite.cpb.com.br/livro/index/1/375/390/a-causa-da-degradacao-atual> acesso em 26 mar. 2020.

9. Para Não Esquecer, Meditações Diárias. Casa Publicadora Brasileira, 23/06/2015.

10. Comentário Bíblico Adventista do Sétima Dia (vol. 4). Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 235.

11. Comentário Bíblico Adventista do Sétima Dia (vol. 4). Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 235.

12. “O papel da Igreja na comunidade”. Lição da escola sabatina. Casa Publicadora Brasileira, 13/07/2016.

13. “Serving Our World, Serving Our Lord”, Adventist Work, Edição da Divisão Norte Americana, maio de 2007, pp. 9-10.

14. “The Advent and Sabbath”. Review and Herald, 15/10/1914.

15. White, E. G. The Southern Work. Ellen G. White Estate, [1901] 2010, p. 10.

16. “O papel da Igreja na comunidade”. Lição da escola sabatina. Casa Publicadora Brasileira, 10/07/2016.

17. White, E. G. Patriarcas e Profetas, p. 534. Disponível em: <http://ellenwhite.cpb.com.br/livro/index/2/530/536/o-cuidado-de-deus-para-com-os-pobres> acesso em 26 mar. 2020.