A agenda da Assembleia Geral contém apenas pequenos equívocos e inconvenientes, mas também deixa de discutir assuntos vitais para a Igreja Adventista, como hermenêutica bíblica, casos de abuso infantil e uso de armas de fogo


Por Tom de Bruin | Artigo traduzido e adaptado do original em inglês por André Kanasiro para a revista Zelota

Tom de Bruin é um pesquisador em estudos bíblicos da África do Sul, Holanda e Reino Unido. Ele tem sido um pastor e administrador da União na Holanda, e um professor de Novo Testamento no Newbold College, Reino Unido. Encontre-o em seu Twitter ou em seu website, tomdebruin.com

A agenda para a Assembleia Geral da próxima semana tem 111 páginas e está cheia de mudanças triviais e não tão triviais em políticas e no Manual da Igreja. Não é uma leitura emocionante, mas eu estudei todas aquelas páginas para que você não precise! Aqui está um resumo de algumas das mudanças significativas.

COVID-19

A pandemia global causou uma série de mudanças nas constituições e no Manual da Igreja. Eles tentam mitigar futuros inconvenientes, por exemplo, uma pandemia global. As medidas incluem coisas como permitir assembleias eletrônicas. O preocupante é que a comissão executiva da AG agora aparentemente pode postergar a sessão indefinidamente, em vez do máximo de dois anos que havia antes.

Oradores

O Manual da Igreja tem uma proposta de mudança para quem pode falar em igrejas individuais. Ela se propõe a esclarecer o texto, mas também é possivelmente mais rigorosa. A passagem foi alterada de proibir para permitir: enquanto antes esta seção dizia quem não podia ser convidado, agora ela diz quem pode convidar quem. Digno de nota é que o convite sempre deve ser em consulta com o pastor, o que não era dito claramente antes. Essa última parte será útil para pastores que tentam evitar oradores indesejados.

Pastores e anciãos

Muitas edições no Manual da Igreja foram feitas para deixar algumas coisas claras sobre os anciões. Por exemplo, o manual sempre falava de um conselho de anciãos, mas não dizia nada sobre o que era isso. Agora ele diz.

A seção sobre o ministério pastoral foi reformulada e agora se concentra mais no treinamento da liderança local. Isso reflete um novo foco forte no discipulado ao longo de todo o manual, com a adição de um novo capítulo sobre o discipulado. Achei a redação desta nova descrição do trabalho pastoral extremamente imprecisa – tenho certeza de que muito será escrito sobre ela nos próximos dias – mas dá a impressão de que a AG quer pastores itinerantes em vez de estabelecidos.

Comissão de nomeação

Há algumas mudanças para as comissões de nomeação. As igrejas agora podem fazer oficialmente o que é prática comum em muitos lugares: eleger uma comissão de nomeação permanente que constantemente preenche cargos que ficam vazios. A comissão de nomeação agora não pode ter mais de dois membros de uma única família, e deve incluir uma faixa de idades e “ambos os sexos”. Isso também é uma prática comum, mas é bom tê-lo explicado.

Coordenador dos escritos do Espírito de Profecia

O Manual da Igreja agora exige esta nova posição na igreja local. Eles devem promover “a importância e o uso correto” dos escritos de Ellen White. Estou muito preocupado com a aparência disso na prática, e temo que essa pessoa acabe sendo a polícia de Ellen White na igreja local. Igualmente confuso é que eles não parecem fazer parte da comissão da igreja, mas não se enquadram em nenhum outro membro da comissão da igreja. O potencial para esta posição funcionar sem controle parece bastante alto. Espero que algum delegado questione isso e, no mínimo, sugira alguns freios e contrapesos.

Ministério Adventista de Possibilidades 

O Manual da Igreja não fala mais de ministério para pessoas com deficiência, mas de Ministério Adventista de Possibilidades. Isso reflete no nível da AG a mudança e renomeação que muitas Divisões e Uniões estão seguindo. Esta seção tem o cuidado de renomear “deficiências” como “oportunidades”. Estou certo de que isso é bem intencionado, mas minimiza severamente a experiência das pessoas com deficiência. Para este ministério, o foco mudou de tornar a igreja acessível a todos para tornar a participação na missão acessível a todos. Não nos preocupamos mais com o fato de os usuários de cadeira de rodas não poderem subir as escadas para o santuário, apenas agradecemos que um membro surdo possa evangelizar em linguagem de sinais. Pessoalmente, eu colocaria mais ênfase no primeiro.

Todas essas mudanças são simplesmente propostas, é claro. Os delegados terão a chance de editar essas alterações antes de aprová-las ou rejeitá-las.

Faltando na agenda da AG

Na semana passada, quando finalmente me preparei o suficiente para examinar detalhadamente a agenda da Assembleia da Associação Geral, fiquei sinceramente bastante aliviado. Depois do trauma que senti na assembleia anterior, a agenda desta realmente não tem muitas coisas preocupantes. Na última AG, eu era o secretário da União Holandesa. Fiquei sabendo que minha União e Divisão haviam rejeitado veementemente as mudanças sugeridas nas Crenças Fundamentais. Eu sabia que haveria uma votação sobre a ordenação de mulheres, o que não iria acontecer do jeito que minha União e Divisão queriam. Eu tinha feito parte da comissão da Divisão que preparou muitas mudanças no Manual da Igreja, que eu esperava que tornassem a igreja mais inclusiva para aqueles em relacionamentos não tradicionais, mas comprometidos.

Desta vez, porém, embora a igreja pareça mais restritiva, mais conservadora, a agenda parece muito menos preocupante. Não há novos fundamentos com os quais eu discorde e nenhuma votação sobre a ordenação de mulheres. Mesmo as mudanças no Manual da Igreja parecem apenas levemente inconvenientes, em vez de totalmente erradas. No entanto, isso me fez pensar: se as coisas ruins estão faltando, as coisas boas devem estar faltando também! Então, o que eu esperava ou gostaria que estivesse na agenda da Assembleia da AG que está completamente ausente?

Hermenêutica

Da última vez, um delegado pediu uma comissão mundial de estudo sobre estudo bíblico e hermenêutica. A Comissão Diretiva da AG concordou que o Instituto de Pesquisa Bíblica investigaria isso e, pelo que sei, o único resultado foi um livro (bem ruim!). Dificilmente o estudo mundial foi solicitado, com lugar para uma variedade de opiniões. Alguém poderia esperar que algo sobre isso voltasse à AG – parece justo relatar a promessa feita aos delegados, mas não vi nada.

Abuso infantil

Isso pode ser uma ilusão, mas seguindo o que vimos com os Batistas do Sul, a Associação Geral teria mostrado grande humildade e graça se também anunciasse uma investigação completa sobre abuso infantil em nossa igreja. Acho que a maioria das pessoas sabe que houve um histórico de abuso infantil, mas eu não conheço quase nenhuma investigação completa sobre o quão extenso e sistemático ele realmente foi.

Quando eu era secretário da União Holandesa, fiquei sabendo de dezenas de casos de abuso infantil, por anciãos, líderes de desbravadores e líderes de jovens. Se esse foi o caso em uma União de 5.000 membros, só posso imaginar o quanto existe em todo o mundo. Mas, em vez disso, temos uma nova política do Manual da Igreja prescrevendo que as igrejas precisam auditar melhor seus livros. Acho que é realmente revelador que os adventistas parecem estar mais interessados ​​em ter os nomes corretos nas listas de membros. Suponho que reflita a perspectiva missionária adventista, onde fazer discípulos é mais importante do que proteger os vulneráveis. E onde é mais importante ser salvo do que estar seguro.

Armas

Eu cresci em uma IASD que era pacifista, onde, se você tivesse que servir nas forças armadas, você se recusava a portar armas. A IASD fez uma declaração contra a venda a civis de fuzis de assalto nove anos antes do massacre de Columbine. Nos 32 anos que se seguiram, quando vimos um enorme aumento na violência armada, uma pessoa mais simples poderia esperar que a AG revisse essa declaração. Um acréscimo ao Manual da Igreja dizendo que os adventistas não possuem ou usam armas? Eu antes votaria pela censura a alguém que possui uma arma do que por muitas das razões de disciplina que o Manual da Igreja prescreve. Talvez o Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa pudesse votar uma política que defendamos contra a venda de armas, já que temos uma declaração sobre isso?

Vidas Negras

Apenas quatro meses após o assassinato de George Floyd, fiquei chocado ao ver que a ADCOM votou uma declaração oficial da IASD sobre racismo. Eu acho que este é o mais rápido que eu já vi a AG reagir a qualquer coisa! Essa ação relativamente rápida pode ter sido indício de uma nova ênfase na igualdade na igreja e no ativismo antirracista fora de nossas paredes. A Rede Adventista de Notícias até chamou de apelo para que os membros demonstrem amor e paz em suas comunidades. Então, quando vi que há sugestões de mudanças na seção sobre racismo do Manual da Igreja, eu esperava mais do que a inserção de um versículo bíblico. Mas talvez eu esteja esperando demais de uma igreja que usou a imagem de um protesto do BLM como um sinal dos tempos.

A princípio, fiquei aliviado com a agenda da AG — poderia ter sido muito pior. Mas quanto mais penso nisso, mais cresce a minha decepção com a falta de cuidado da igreja e de amor ao próximo.