A destituição de Edson Nunes como pastor da Nova Semente resulta de punições injustificadas que envolvem instâncias superiores da administração adventista; membros resistem e exigem transparência e fidelidade aos regulamentos da igreja
07 jul., 2022 | Redação Zelota
Edson Nunes pregando (Foto: Gustavo Oliveira; Montagem: Jayder Roger)
O costumeiro culto sabático da comunidade adventista Nova Semente, neste sábado (2), foi ocasião para o sermão de despedida de Edson Nunes Magalhães Jr., pastor sênior da comunidade. Ao contrário do que costumava ser praticado semanalmente, a programação foi transmitida ao vivo. Ao final do primeiro culto, sem o conhecimento do pastor, o conselho administrativo subiu ao púlpito para reivindicar a permanência de Edson, posição contrária à decisão da Associação Paulistana (AP).
A atuação de Edson Nunes como pastor e professor de teologia não se resume apenas à área acadêmica, mas teve protagonismo nas redes sociais e influência significativa entre os jovens adventistas e não adventistas. Como acadêmico, ele se destacou no contexto adventista e chegou a estudar com um dos maiores biblistas do mundo nos últimos cinquenta anos, Robert Alter. Nas redes sociais, Edson, e alguns amigos pastores ou acadêmicos, ficaram conhecidos por conta do podcast “Terceira Margem do Rio” (TMR). Como pastor, sua atuação se restringiu à comunidade judaica Beth B’nei Tsion e à comunidade Nova Semente, da qual foi recentemente destituído.
O motivo para sua destituição envolve um crescente sentimento de desconfiança relativo à sua teologia. Sentimento que costuma ser propagado de forma difamatória por influencers reacionários, culminando em ações administrativas omissas e injustificadas que envolvem a Divisão Sul-Americana (DSA), a União Central Brasileira (UCB) e a Associação Paulistana (AP). Os ataques a Edson Nunes também agregam outras investidas conservadoras à Nova Semente, que desde a sua fundação é atacada e criticada por todas as instâncias da igreja, mesmo sendo um projeto oficial da instituição em prol do evangelismo urbano.
A destituição de Edson Nunes como pastor sênior da Nova Semente não envolve razões de transferência. A falta de transparência e de motivos claros para essa decisão torna válida qualquer forma de manifestação da membresia, como a realizada pelos membros da comunidade, que exigem o cumprimento dos regulamentos administrativos e abominam a aplicação de decisões autoritárias.
“O espírito sopra onde quer”
Com o avanço da COVID-19 e a necessidade da quarentena, a comunidade Nova Semente seguiu à risca as orientações da IASD e do governo de São Paulo: o prédio estava fechado para a membresia, que só poderia ter acesso à programação por meio de uma gravação realizada na semana anterior. Ao contrário de outras denominações religiosas, a comunidade levou a sério a questão do distanciamento social, e ganhou destaque em matéria para a Folha de S.Paulo como “alternativa espiritual” para a quarentena.
Antes transmitidas ao vivo, gravar as programações para então publicá-las no dia seguinte tornou-se, então, um costume, mesmo com a flexibilização governamental, com o decréscimo de mortes pela COVID-19 e aplicação das vacinas. Uma exceção ao hábito foi estabelecida neste sábado (2): para este dia, em especial, a liderança da igreja decidiu que o culto deveria ser transmitido ao vivo — como de costume antes do contexto pandêmico.
Mas a decisão não ocorreu fora de contexto: neste sábado, Edson Nunes deveria ministrar o seu último sermão na comunidade, devido à destituição de seu cargo como pastor sênior. O desligamento foi anunciado ao Edson pelo presidente da AP, Pr. Romualdo Larroca. Ao receberem a informação, o conselho administrativo da Nova Semente se reuniu, sem o conhecimento, permissão ou convite de Edson Nunes, para articular uma manifestação pública após o culto, em transmissão ao vivo com o objetivo de exigir a sua permanência.
Além de ter sido compartilhado nas redes sociais, e possuir até o momento mais de 14 mil visualizações no YouTube, o texto da manifestação foi transcrito e publicado na página oficial da comunidade. Nele, o conselho administrativo se diz “consternado” e afirma “discordar veementemente” da decisão tomada por, ao menos, dois motivos: a ausência de consulta à liderança ou apoio da comunidade; e a falta de razão de “ordem ética, moral, doutrinária, financeira ou administrativa.” Na verdade, Ruy Mendes Reis, ancião da comunidade desde sua fundação, ao ler a declaração, afirmou que “os motivos para tal medida nos são desconhecidos”.
Por fim, o conselho administrativo decidiu, por voto unânime, eleger Edson Nunes ao cargo de Pastor Honorário — ação análoga à realizada com o Pr. Kleber Gonçalves, atual diretor do Centro de Estudos Seculares e Pós-modernos (CSPS). Nesse contexto, a declaração afirma que Edson Nunes “continuará em qualquer circunstância sendo sempre o nosso pastor”. Todo o discurso foi acompanhado de aplausos e outras manifestações de apoio ao posicionamento dos líderes.
A manifestação dos membros da Nova Semente causou grande comoção nas redes sociais, e foi assunto em diversos grupos de adventistas no Brasil e no mundo. No mesmo dia, o tema alcançou os trending topics do Twitter, somando mais de 11 mil tweets. A discussão foi especialmente repercutida pelo cantor Leonardo Gonçalves tanto em sua conta no Instagram quanto no Twitter. Ele manifestou não apenas sua indignação com o ocorrido, mas contextualizou a disputa entre adventistas conservadores e progressistas, denunciando a preferência da liderança pelos primeiros. Uma reação mais radical foi vista no perfil @marias_e_madalenas, que, em grupo, anunciaram seu desligamento como membras da instituição por não compactuarem com o discurso de ódio e a perseguição articulada pela administração da igreja no Brasil.
A despeito da manifestação da membresia na comunidade e da comoção nas redes sociais, em seu sermão de despedida, Edson Nunes não fez qualquer menção à destituição de seu cargo. A mensagem girou em torno principalmente do evangelho de João, com o foco temático na ação livre e autônoma do Espírito Santo na igreja. Muita atenção foi dada também à liberdade do Espírito em agregar e se manifestar em pessoas com distintas personalidades e posicionamentos políticos, enfatizando a impotência humana diante da ação do Espírito, que “sopra onde quer”.
O sermão foi seguido de uma cerimônia de batismos: foram quatro pessoas no primeiro culto e outras nove no segundo. Entre eles, Edson Nunes batizou os seus dois filhos com o desejo, em suas palavras, de que eles pudessem fazer parte da Nova Semente, uma demonstração de carinho da família à comunidade que deixaram.
Programação da Nova Semente, 2 de jul., 2022. Fotos: Gustavo Oliveira.
Aterrando a terceira margem
Edson Nunes começou a dar aulas no curso de Teologia do UNASP [Centro Universitário Adventista de São Paulo], em 2010. Nessa época, Edson dava aulas no seminário, era pastor auxiliar na Nova Semente, pastor da Beth B’nei Tsion, e mestrando na Universidade de São Paulo (USP). Tantas atividades simultâneas ao nascimento de seu primeiro filho, é claro, cobraram um preço em relação a saúde dele, com aumento considerável de peso. As relações com a instituição adventista eram tranquilas quando de sua transferência definitiva para o UNASP, em 2011. Até uma promessa de estudo em qualquer instituição de ensino no exterior foi feita, já que seus estudos não oneravam o UNASP.
Poucos anos depois, o então professor do UNASP criou, com alguns colegas pastores e acadêmicos, o website “Terceira Margem do Rio” (TMR), inspirado no conto homônimo de Guimarães Rosa. O grupo publicava periodicamente textos devocionais e pequenas análises literárias e teológicas – principalmente de textos bíblicos. Em 2016, o grupo – composto por Edson Nunes, Leonardo Gonçalves, Felipe Valente, Lucas Iglesias e Tiago Arrais – começou também a gravar podcasts, ainda disponíveis no YouTube. Foi então que, segundo um dos componentes do grupo, algumas situações estranhas começaram a acontecer.
Em 2017, alguns convites dos membros da TMR para eventos em igrejas e associações começaram a ser misteriosamente desmarcados. No início de 2018, o próprio Edson foi desconvidado de ministrar aulas de extensão em Teologia na Divisão Sul-Americana (DSA). Ao questionar o motivo, recebeu o convite para ir até a sede da DSA para conversar. Durante as conversas, um pedido para que o podcast cessasse imediatamente foi feito, o que foi prontamente acatado e atendido. Desde então, o podcast da TMR não foi mais gravado.
Em dezembro de 2017, Edson defendeu sua tese de doutorado na USP, intitulada “A terra em Gênesis 1–9: uma leitura microscópica crítica da narrativa”. Nela, o pastor fez uma análise literária do texto bíblico e argumentou que a terra era tratada como personagem na narrativa de Gênesis. Na ocasião de sua defesa, um membro de sua banca, um acadêmico ligado à PUC-RS, o acusou de heresia. Edson esclareceu que sua tese não propunha ser a terra uma nova divindade ou um ser consciente, e sim que era tratada literariamente como um personagem no trecho analisado. O acadêmico em questão se satisfez com suas respostas e a tese foi aprovada com honra e mérito.
Após a defesa do doutorado, a promessa de envio a qualquer instituição de ensino foi negada e restringida à Universidade Andrews. O argumento era que Edson havia apenas estudado em universidades seculares após sua graduação em Teologia no UNASP. Sendo assim, ele precisaria passar por uma instituição adventista para um “alinhamento exegético e hermenêutico”. O recém-doutor aceitou a proposta, que resultou apenas em incertezas. Por fim, Edson tomou a iniciativa e começou a procurar orientadores para o seu pós-doutorado, sendo aceito por Robert Alter, professor emérito na Universidade de Berkeley, Califórnia, e um dos maiores biblistas do mundo nos últimos cinquenta anos, sendo um dos poucos críticos literários da Bíblia com obras traduzidas para o português.
Edson foi à direção do UNASP com o convite de Robert Alter em mãos, e conseguiu um acordo com a seguinte condição: ele passaria um ano de seu pós-doutorado na Berkeley, e um ano na Andrews.
O pastor foi para Berkeley, mas um ano depois, quando deveria ir à Andrews, conforme o combinado, a IASD comunicou que ele deveria voltar, e a razão dada para a volta nesse comunicado (via WhatsApp) eram as dificuldades econômicas do UNASP. Em tese, todos os obreiros do UNASP que estavam estudando no exterior deveriam voltar. Entretanto, apenas Edson e sua família parecem ter voltado. Após ter descoberto que não havia sido enviado oficialmente como obreiro para estudo, como havia sido levado a crer anteriormente, compreendeu que não receberia as ajudas mencionadas nos Regulamentos Eclesiástico-Administrativos (REA). Foi nesse contexto, no final de 2019, que veio o chamado para que Edson Nunes fosse pastor da Nova Semente.
Enquanto pastor sênior da comunidade, a situação se manteve razoavelmente tranquila até outubro de 2020, quando o programa Conexão, realizado nas tardes de sábado pela Nova Semente para discutir assuntos relevantes ao século 21 com não crentes, começou a série “A hora da estrela”. De acordo com a descrição do YouTube: “Através de uma série de narrativas bíblicas, demonstramos como a Bíblia não é um livro patriarcal e nem machista e sim um livro com uma visão do feminino bem interessante e inclusiva.” Para conduzir as palestras em parceria com a Profa. Christie Chadwick, Edson Nunes adotou a definição de feminismo utilizada pelo Dicionário do Pensamento Social do Século XX – “O feminismo pode ser definido como a defesa de direitos iguais para mulheres e homens” –, e terminou citando a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie: “sejamos todos feministas, e o mundo será melhor a cada dia”.
O Dr. Edson foi duramente criticado por essa fala, e recortes da última frase circularam em diversos grupos e em redes sociais. No segundo episódio da série “A hora da estrela”, Edson e Christie criticaram abordagens feministas que consideram a Bíblia patriarcal, e argumentaram que não era viável aplicar este conceito às Escrituras; no entanto, nenhum dos críticos da série parece ter assistido sua continuação. A Zelota perguntou ao Pr. Edson Nunes sobre isso e ele disse: “toda vez que eu apareço no vídeo de algum influenciador conservador, a discussão sempre gira em torno dos recortes e não do todo.”
Nova Semente e o projeto de cinco anos
O chamado para o Pr. Edson Nunes assumir a Nova Semente envolvia um período de tempo mais longo, de no mínimo cinco anos, em um projeto para diminuir o impacto dos cinco anos anteriores com mudanças curtas (foram três pastores nesse período), conforme dito pelo próprio presidente da Associação Paulistana, o Pr. Romualdo Larroca, no culto do dia 14 de dezembro de 2019. Indo “em nome da Associação Paulistana” ao culto da comunidade, o Pr. Larroca disse trazer um presente de Natal tão especial “que vale pra este Natal, pro Natal do outro ano, do outro, do outro, e do outro”, referindo-se à escolha de Edson Nunes como novo pastor sênior da Nova Semente. Havia uma espécie de acordo verbal entre o pastor Nunes, a AP, a liderança da Nova Semente e o Pr. Kleber Gonçalves sobre esse período.
Apesar de uma série de sucessos consistentes, devido à sua abordagem alternativa – quando comparada à realidade adventista brasileira –, a Nova Semente, desde a sua origem, recebe críticas das alas conservadoras do adventismo. A iniciativa de Kleber Gonçalves foi encarada com desconfiança e costumava ser mencionada de forma pejorativa nos círculos mais tradicionais da instituição. Em mensagem enviada à Revista Adventista1, em 2012, por exemplo, um adventista remetente comemora a publicação de um artigo que, segundo ele, esclarece “o que é a Nova Semente”. Embora não faça menção à polêmica, a mensagem ao periódico evidencia a existência de um clima de preconceito. Um membro da comunidade que não quis se identificar relata que, na época de sua fundação, a comunidade recebia cerca de 50 e-mails diários enviando-os para o inferno. Ela recebeu inclusive um apelido que até hoje ressurge ocasionalmente: “Nova Serpente”.
Com o passar dos anos, de forma direta ou indireta, as críticas direcionadas ao ministério não diminuíram, a despeito de sua atuação e relevância para a missão urbana em São Paulo. No dia 15 de dezembro de 2013, por exemplo, o cantor Maurício Manieri fez uma programação especial de Natal no espaço da comunidade. “Nos dias seguintes chegamos a ver publicações de gente querendo literalmente apedrejar a Nova Semente”, conta o membro da comunidade. Mais recentemente, o perfil @adventistaconservador, no Instagram, em maio deste ano, descreveu a programação “Imagine-se”, do Coral Livre, realizada na Nova Semente, como “balada musical”, sugerindo que o local se tratava de uma “casa de espetáculos, pois de igreja, louvor e adoração, isso não tem é nada!” Tal comoção, no entanto, não ocorreu no dia 23 de outubro de 2019, quando a Nova Semente sediou o I Encontro Nacional da Federação de Advogados Adventistas do Brasil (FAAB). O evento teve a participação especial da Dra. Janaína Paschoal (PRTB), uma das autoras do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), e do Dr. Uziel Santana, presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), já conhecido por sua atuação em meio à extrema direita brasileira. Conforme esclarecido por membros do conselho da Nova Semente à Zelota, todos os eventos foram realizados por grupos externos, e a comunidade simplesmente cedeu o espaço alugado para sua realização.
Até mesmo a política de transparência nos dízimos – aplicada pelos membros da Nova Semente para que tenham conhecimento dos processos financeiros da comunidade – teria sido alvo de críticas indiretas. Em um sermão realizado no dia 19 de setembro de 2020 na IASD Central de Brasília, o Pr. Erton Köhler, na época presidente da DSA, criticou os membros que pediam transparência financeira: “talvez você imagine que entregou o seu dízimo, colocou um chip nele e quer ver por onde esse dinheiro vai, o que estamos fazendo com o seu dinheiro, onde estão gastando o seu dinheiro, como está sendo aplicado o seu dinheiro […] a igreja não é banco pra você fazer investimento de recurso financeiro dentro da própria igreja.”
Como é evidente, tais polêmicas não se restringem a discussões nas redes sociais: em conversa com a Zelota, vários membros do conselho administrativo da Nova Semente que fazem parte da comunidade desde sua fundação confirmaram sofrer ameaças institucionais “desde sempre”, isto é, há 17 anos. Segundo os membros do conselho da comunidade, as críticas dirigidas à Nova Semente não se restringem ao ambiente das redes sociais: a prática é comum mesmo nas instâncias superiores da denominação, que, em tese, deveriam colaborar com o desenvolvimento da comunidade.
Os ataques dirigidos a Edson Nunes e à Nova Semente possuem um modus operandi reacionário que parte da polêmica para a punição. Após a realização da série “A hora da estrela” na Nova Semente – dialogando com debates feministas contemporâneos –, as redes sociais conservadoras dirigiram seus ataques à programação e à abordagem. Em paralelo à série da Nova Semente, Adolfo Suárez, reitor do Seminário Latino-Americano Adventista de Teologia (SALT) para a América do Sul, participou com influenciadores da extrema direita adventista em uma “maratona espiritual” no UNASP, em São Paulo, realizada em outubro (10), novembro (7) e dezembro (12), com o nome de “Adventismo em tempos líquidos”. Além da promoção de teorias conspiratórias sobre o marxismo cultural por Michelson Borges e do autor Olavo de Carvalho por Rodrigo Silva, a maratona demonstrou com mais clareza seu papel de oposição à Nova Semente com uma palestra intitulada “O Papel da Mulher aos olhos de Deus”.
Em outra ocasião, bem mais recente, Edson Nunes participou do podcast QOHÉLET, com o Pr. Ed René Kivitz, intitulado “Bíblicos” (EP19), em que são tratados assuntos sobre leitura e interpretação bíblica. Pouco tempo após a divulgação do episódio, um pastor adventista publicou um vídeo atacando Edson Nunes por sua participação; ele se refere às reflexões de Edson como heresia, por conta das conclusões oriundas de sua tese doutoral apresentadas no programa. Recortes dos comentários desse pastor sobre o podcast foram publicados no perfil @adventismosolido, página conservadora compartilhada por outros líderes e influencers inclinados a ideologias de extrema direita, como Michelson Borges, editor na Casa Publicadora Brasileira (CPB), e, novamente, Adolfo Suárez. Poucas semanas antes deste vídeo, outro influenciador da extrema direita adventista, Leandro Quadros, publicara vídeos acusando o Pr. Edson Nunes de negar a Lei de Deus e chamando-o de herege.
Em determinado momento do podcast, Edson Nunes comenta que a expressão “façamos”, no primeiro capítulo Gênesis, corresponde a um diálogo entre Deus e a terra, em que a segunda é dramatizada como um personagem. Essa observação – além de já ser acusada como heresia na sua banca doutoral – é disseminada por influencers conservadores de extrema direita de forma indignante. Dentre as críticas, é dito que Edson apela a abordagens “ecoteológicas” ou mesmo propaga “panteísmo” em sua leitura. O trecho seguinte do podcast – no qual Edson esclarece que a terra em Gênesis não é Gaia e tampouco é uma deusa – parece ter sido ignorado pelos influenciadores e administradores que agiram a partir de seus ataques.
É possível que parte da comoção conservadora tenha ocorrido por conta da proximidade entre Edson Nunes e Ed René Kivitz, que, após um processo disciplinar, foi desligado da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB) por conta de – entre outros assuntos na sua trajetória ministerial – uma polêmica que envolvia sua breve fala sobre a necessidade de “atualizar a Bíblia”. Adolfo Suárez, por exemplo, em sermão apresentado no UNASP, campus Engenheiro Coelho, no dia 28 de novembro de 2020, faz ao menos duas críticas indiretas à fala de Ed René, quando pretende corrigir as pessoas que afirmam “precisamos atualizar ou reinterpretar a Bíblia”, e chega a defender que “isso significa que Deus tem que ser atualizado”.
Adolfo Suárez demonstrou diretamente suas desavenças com o discurso de Edson Nunes e outros participantes do grupo TMR quando o assunto é Bíblia e Teologia. Na ocasião em que a página @adventismosolido compartilhou em um post um texto intitulado “Tiago e Léo: Saída estratégica para esquerda”, acusando os membros da TMR de serem parciais na escolha de suas abordagens teológicas – ao mesmo tempo em que os classificava como teólogos balizadores de teologias específicas – o reitor do SALT, Adolfo Suárez, elogia o conteúdo da página nos comentários e dá graças a Deus pela iniciativa exercida pela página, que ele considera um “ministério”.
Entre os obreiros que atacam diretamente o Pr. Edson Nunes está também Apolo Streicher Abrascio, presidente da Associação Norte Sul-Rio-Grandense (ANSR), já conhecido por seu ativismo homofóbico e de extrema direita nos púlpitos e redes sociais. Após prestar solidariedade publicamente à pastora batista Odja Barros, que sofreu ameaças de morte após ministrar um casamento homoafetivo, Edson foi questionado publicamente pelo presidente de Associação, que ainda relativizou as ameaças sofridas pela pastora: “Está se solidarizando com uma pessoa que se sente ameaçada, ou também está aprovando o casamento homoafetivo?”, perguntou o pastor gaúcho.
Essas situações parecem ter afetado o acordo feito com a comunidade de que o Pr. Edson Nunes ficaria na Nova Semente por cinco anos, e culminaram com o pedido da Associação Paulistana de que o sábado do dia 02 de julho fosse seu último sábado como pastor sênior da referida comunidade. A ideia era que Edson seguisse para a Universidade Andrews para um período de estudos e “reciclagem teológica”; ao recusar essa proposta, sua situação na instituição até o presente momento permanece indefinida.
Ao comunicar a decisão (em privado) ao conselho administrativo da Nova Semente, Edson pediu que nada fosse feito a respeito. O conselho, no entanto, discordou e agiu rápido: em resposta à Zelota, membros da liderança explicaram que convocaram uma reunião sem a presença do Pr. Edson e dos auxiliares, e os excluíram dos grupos no WhatsApp a fim de que não pudessem interferir nas decisões tomadas pela liderança e para que não fossem tratados como cúmplices ou até arquitetos de qualquer medida tomada. O resultado da reunião, aprovado com unanimidade pelo conselho, foi a carta lida ao final do primeiro culto de sábado, 02 de julho, apelando para que o Pr. Edson Nunes permaneça na Nova Semente.
“É momento de transbordar”
A Nova Semente é um ministério oficial da IASD que surgiu tendo como objetivo aplicar metodologias evangelísticas ao público pós-moderno paulistano, que normalmente não se identifica com abordagens religiosas tradicionais. Ela foi idealizada e fundada, em 2005, por Kleber Gonçalves, atualmente diretor do Centro de Estudos Seculares e Pós-Modernos (CSPS) e pastor emérito da comunidade, como concretização de um projeto voltado à missão urbana. Em 2012, Kleber Gonçalves2 explicou à Revista Adventista que a Nova Semente “é uma igreja adventista como qualquer outra em relação aos princípios e corpo doutrinário; só usamos, intencionalmente, uma metodologia diferente.”
Trata-se de uma “igreja contextualizada”, que responde às demandas de uma comunidade pós-moderna brasileira – especialmente aquela próxima à Avenida Paulista, em São Paulo, onde a comunidade encontra-se localizada. Ela se assemelha a outras propostas de contextualização, como as dirigidas aos judeus, árabes ou japoneses. Desde o seu fundamento, a Nova Semente cumpre com seus objetivos evangelísticos e contribui com a missão urbana: de acordo com a Revista Adventista3, em oito anos de existência, o ministério já possuía uma taxa de crescimento de 10% ao ano.
Em conversa com a Zelota, membros do conselho administrativo da Nova Semente relataram que esse crescimento se manteve e até se intensificou sob a gestão de Edson Nunes, nomeado pastor sênior da comunidade em 2020. “Nesse momento a gente estava pensando em expandir a programação, alcançar mais pessoas. É momento de transbordar”, relata Juliana Frank, integrante do Conviva, programa equivalente à Escola Sabatina de igrejas adventistas convencionais, e do louvor. Ela cita o Conviva como exemplo: “O momento do Conviva, no discipulado, é um momento muito complicado, porque as pessoas acabam de assistir o culto e vão embora. Já se criou na mente de algumas pessoas que momento de escola sabatina, de debate em grupo, é um negócio tedioso […] Mas mesmo depois de 2 anos fechados para encontros presenciais, temos 11 classes lotadas, e com pessoas participativas”, narra a anciã. Mesmo nos últimos sábados, em que as classes foram transformadas em uma grande classe geral devido ao aumento no número de casos de COVID-19, a participação não diminuiu: “eu pensei que ia esvaziar outra vez, mas a igreja continuou cheia, e as pessoas participam até nos microfones”.
De fato, os dados financeiros da Nova Semente, públicos e transparentes durante toda a gestão de Edson Nunes, demonstram que a comunidade nunca esteve tão bem (Figura 1). Os anos de 2020 e 2021 tiveram uma média de R$3.485.721 em dízimos arrecadados por ano, e de R$2.786.133 em ofertas. Somando a arrecadação dos dois anos e da metade de 2022, são R$8.331.060 arrecadados em dízimo, e R$6.116.241 arrecadados em ofertas desde 2020.
Débora Maia, anciã e diretora do Instituto Sementes, explica que esse crescimento não se limita a números, mas é sintoma de um reavivamento espiritual: “nós chegamos em um patamar de espiritualidade, de aproximação, de convívio amoroso […] As pessoas entram aqui e falam ‘que espírito é esse que eu nunca senti em outra igreja?’” Ela acrescenta: “o pastor sempre lidera pelo amor, não pela ira, não rebatendo, e isso impacta a comunidade de uma forma muito profunda; ele é amado e querido por todos. Não há divisão, não há grupos isolados, não existem rupturas na liderança. Durante a gestão do Pr. Edson, a liderança da igreja se manteve cada vez mais unida.”
“Eu tenho 54 anos de adventismo, mas pareço um menino na hora de ir para a igreja no sábado,” brinca Ricardo Ortolan, membro do conselho administrativo da Nova Semente. “Isso porque os sermões aqui são bíblicos e cristocêntricos.”
Cartas abertas, cartas na mesa
A reação do conselho administrativo da Nova Semente foi a primeira de muitas. Logo após a leitura da carta, uma segunda carta aberta, redigida por membros da comunidade, membros de outras igrejas da IASD e pessoas não filiadas à IASD, começou a ser publicada e compartilhada nas redes sociais. Intitulada “Quem manda na igreja?”, questiona o procedimento através do qual o Pr. Edson Nunes foi considerado teologicamente problemático, e disponibiliza uma petição pela permanência de Edson na Nova Semente. A petição pode ser assinada neste link, e acumula cerca de 3 mil assinaturas até o momento de publicação deste artigo.
Outra longa carta aberta à IASD na América do Sul, publicada pelo cantor adventista Leonardo Gonçalves, argumenta que a Igreja Adventista prefere apagar incêndios sumindo com o incendiado e culpando-o pelo fogo ao invés de avaliar a situação com bom senso e decidir qual a medida a ser tomada, e conclui que esta postura deixa a IASD nas mãos de influenciadores incendiários que sequer cuidam ou cuidaram de igrejas. Sua publicação, somando Facebook, Instagram e Twitter, já soma cerca de 24 mil curtidas, e mais de 600 mil pessoas foram alcançadas pelas publicações. O Twitter também esteve em polvorosa no sábado: “Igreja” entrou nos trending topics com cerca de 11 mil tweets, vários deles relacionados à Nova Semente, com usuários lamentando o ocorrido e testemunhando positivamente do ministério de Edson Nunes.
A administração da IASD de fato não seguiu qualquer procedimento para determinar que o Pr. Edson Nunes possui “problemas teológicos”. De acordo com o artigo E 12 05 S dos Regulamentos Eclesiástico-Administrativos (REA), “a Igreja tem o dever de proteger o bom nome, a dignidade e o prestígio de seu corpo de obreiros”; caso um obreiro seja questionado formalmente, o artigo E 12 10 S do REA prevê que deve ser formada uma Comissão Ministerial (composta de acordo com o artigo FM 40) para “examinar os fatos, entrevistar as pessoas afetadas, avaliar a situação e apresentar um relatório à Comissão Diretiva”. Nenhum desses procedimentos foi seguido para que a teologia de Edson Nunes fosse determinada problemática ou necessitada de reciclagem teológica.
A revista Zelota entrou em contato com o pastor Romualdo Larroca, presidente da Associação Paulistana, com o fim de obter esclarecimentos. As perguntas feitas foram:
1. Por que Edson Nunes foi destituído da Nova Semente?
2. Quais os planos da IASD pra o ministério de Edson Nunes?
3. Por que a IASD quer enviar Edson Nunes para a Universidade Andrews?
A Zelota também entrou em contato com o pastor Adolfo Suárez, reitor do SALT, com as seguintes perguntas:
1. Da parte do SALT, existe alguma ressalva teológica a respeito do Pr. Edson Nunes?
2. Qual o procedimento administrativo oficial para lidar com pastores que são acusados de heresia?
3. Quais foram os procedimentos seguidos para lidar com as alegações de heresia contra Edson Nunes?
4. Quais os objetivos da IASD quando envia seus acadêmicos à Andrews para “reciclagem teológica”?
5. Por que o senhor endossa discursos de páginas conservadoras não oficiais da igreja que atacam pastores da instituição?
Não houve resposta de ambos os pastores até o momento da publicação deste artigo.
Em resumo, a remoção de Edson Nunes da Nova Semente dificilmente é uma iniciativa autônoma da Associação Paulistana. No ano da assembleia quadrienal que elegerá o próximo presidente da AP, parece no mínimo curioso que o atual presidente, até então sem qualquer histórico de desavenças públicas com a Nova Semente ou Edson Nunes, tome iniciativas tão drásticas – especialmente quando seus superiores se opõem tão vocalmente ao ministério do pastor citado.
Tudo indica que líderes da IASD em vários níveis deliberaram, sussurraram e conspiraram em corredores, de forma não oficial e utilizando materiais manipulados de natureza difamatória, para se livrar de quem consideram um problema. As motivações da liderança não estão claras, mas transparecem a existência de questões pessoais e preconceitos conservadores contra produções acadêmicas no meio teológico – tudo isso em um ambiente contaminado por ideologias políticas de extrema direita, e em um ano de eleições presidenciais. Longe de refletir a imagem de Cristo, tal conduta reflete a antiga serpente: antes conhecida como pai da mentira, encarna no Leviatã hobbesiano e torna-se máquina indestrutível de opressão e controle. Cabe agora aos membros imitar a descendência da mulher, e finalmente pisar a criatura na cabeça.
Notas:
1.↑ CARTAS. O leitor opina: Nova Semente. Revista Adventista, p. 3, abr., 2012.
2.↑ STEIN, Gabriel. Do Brasil para o mundo. Revista Adventista, p. 27, fev., 2012.
3.↑ AZO, Carolyn; LEMOS, Felipe. Alcançar as elites. Revista Adventista, p. 28, jul., 2013.