A saída de aproximadamente 113 membros da Nova Semente teve como motivação a gerência do novo pastor, Igor Bolichoski, que solicitou auxílio financeiro extra para sua atuação pastoral e cerceou a atuação de pastores e atividades na comunidade
16 dez., 2022 | Redação Zelota
Púlpito da Nova Semente vazio (Foto: Elisa Domini)
No sábado (10), início do mês de dezembro, a Nova Semente realizou, como de costume, sua programação semanal: dois cultos, ambos transmitidos on-line. No primeiro culto foi ministrada uma pregação do Pr. Luciano Geraldo, mas o segundo apresentou uma peculiaridade: seria um momento especialmente destinado ao louvor, um “culto musical”. No entanto, essa não seria a única surpresa: na mesma ocasião, a Nova Semente também experimentou uma dissolução massiva de sua liderança e ministérios, somando, aproximadamente, a saída de 113 membros, de acordo com as estimativas mais recentes.
Em conversa com alguns líderes, voluntários, membros e visitantes, a Zelota constatou que o motivo de tal dissolução foi o clímax de uma série de conflitos com o novo pastor sênior da comunidade, Igor Bolichoski, que assumiu a gestão após o afastamento do Pr. Edson Nunes Jr., como já analisado pela revista na primeira e na segunda matéria sobre o assunto. Dentre os desentendimentos, houve o pedido, por parte do pastor, de uma “verba pastoral” extra, um valor de R$ 88.000 anual, como auxílio à sua atividade pastoral; o cerceamento do trabalho de alguns pastores auxiliares; e o impedimento de algumas atividades em programações da comunidade.
Embora o ocorrido não configure o “fim” da Nova Semente, ela passa, neste momento, por um processo de profunda mudança, não apenas com a saída massiva de sua liderança anterior, mas com a contratação de dois novos pastores auxiliares: Ricardo Nogaroto e Anderson Salvador. Tal reconfiguração promete conferir uma nova “roupagem” às programações da comunidade, destinada ao evangelismo pós-moderno no contexto adventista, uma abordagem vista, ainda, com desconfiança por camadas mais conservadoras.
A semente plantada não morre em vão
Até o presente momento, de acordo com levantamento feito pela Zelota em consulta com lideranças da comunidade, as informações mais precisas a respeito da dissolução das lideranças da Nova Semente devem envolver a saída de, ao menos, 113 membros: o desmonte do ministério de comunicação (todos os membros abandonaram seus cargos, totalizando 10 pessoas); da equipe de produção, responsável pela organização dos programas (todos deixaram seus cargos, totalizando 9 pessoas); do departamento técnico, responsável pela filmagem, teleprompter e áudio (todos teriam abandonaram suas funções, totalizando 35 pessoas); do grupo de louvor (não há certeza se todos deixaram seus cargos, embora 8 pessoas tenham desistido); da recepção (que possuía 28 membros, dos quais restam 3, totalizando 25 desistências); da fotografia (10 pessoas) e, por fim, da liderança jovem (todos abandonaram seus cargos, totalizando 8). Além destes, soma-se também a saída de 7 anciões e 1 tesoureiro.
Além de membros contratados pela comunidade, como Felipe Valente, que deixou a equipe de louvor, juntamente com sua esposa Suzanne Hirle, o momento também contou com a despedida de pastores auxiliares: o Pr. Luciano Geraldo e sua esposa Pamella Victória, o Pr. Fernando Rosales, a Pra. Aqueldan Feldberg. O Pr. Luciano Geraldo foi transferido, como capelão, para o Colégio Adventista de Alphaville, e ambos, a Pra. Aqueldan Feldberg e o Pr. Fernando Rosales, deixaram o ministério pastoral.
No momento de sua despedida, o Pr. Fernando foi elogiado pelo compromisso com a comunidade e disposição para protagonizar diferentes demandas, desde “carregar uma geladeira para o litoral” até “acompanhar uma pessoa diariamente no grupo de alcoólicos anônimos”. De maneira similar, a Pra. Aqueldan Feldberg foi elogiada pelo acolhimento e discipulado dos mais jovens, seja na comunidade ou particularmente, em sua casa. Por último, o Pr. Luciano e sua esposa, Pamella, foram elogiados pela responsabilidade e humildade com as quais guiaram a Nova Semente. Todas as despedidas foram regadas por emoção e salva de palmas.
Em seu discurso de despedida para os pastores Luciano e Fernando, e à pastora Aqueldan, o ancião, Ricardo Ortolan, reiterou, emocionado, uma citação do Pr. Alejandro Bullón, recentemente publicada nas redes sociais da Nova Semente, juntamente com um apelo pessoal à comunidade e aos que se despediam:
“A semente plantada nunca morre em vão. Não tenha medo de semear. Não se poupe. Gaste-se. Cumpra sua missão. É possível que ninguém o compreenda. Quem sabe o seu retorno imediato seja apenas canseira, suor e lágrimas. Mas continue a semear. Plante amor, esperança e confiança em Deus. Viva isso ainda que tenha impressão de estar nadando contra a corrente. Haverá ventos contrários. Surgirão tormentas. Você achará terreno duro, espinhos e pedregoso. Muitas vezes, sentirá que está semeando em vão. Mas continue, porque semear dá sentido à vida, e uma vida sem sentido é uma vida sem alegria. Por favor, pastores, continuem a semear, sempre, onde vocês forem. E para todos nós aqui, comunidade, vamos continuar também a semear. Deus está conosco, a colheita é certa e ela virá no seu tempo.”
O momento que abrangeu a despedida e o culto foi pacífico e amistoso. Não houve espaço para expressões de rebeldia ou revolta contra a instituição ou contra o atual pastor, Igor Bolichoski. Alef Lessa, membro e voluntário da comunidade, afirmou à Zelota que a programação “preferiu enfatizar o quanto nós éramos unidos como comunidade.” E acrescentou: “Eu fiquei realmente impressionado com a ausência de comentários contra qualquer atitude de qualquer pessoa. Todos os comentários e falas tentaram enaltecer algo bom da comunidade.”
Elisa Domini (que não quis ser citada por seu nome verdadeiro), uma adventista que visitou a comunidade no dia da despedida, disse ter se sentido especialmente acolhida na Nova Semente, mesmo em uma ocasião de tristeza para os membros. “Foi uma das poucas vezes que eu me senti orgulhosa de pertencer à igreja adventista. Foi tudo muito bonito, muito esperançoso, mesmo sendo uma despedida, e mesmo eles passando pelo que eles passaram. A esperança permaneceu”, comentou à Zelota.
De fato, após a despedida dos pastores e uma oração, o primeiro ancião, Erisson Jubanski, enalteceu o trabalho do voluntários e convocou a comunidade a um momento de adoração: “O momento de despedida é triste, mas acima de tudo é um momento de ação de graças. Nós vamos ter um momento de louvor agora. Então o meu apelo, o meu convite, é que você use essas lágrimas pra louvar a Deus.”
Dinheiro, dinheiro, dinheiro
A dissolução do conselho administrativo e a saída da equipe pastoral da Nova Semente foram o clímax de uma série de conflitos com o novo pastor sênior da comunidade, Igor Bolichoski, que assumiu a comunidade no dia 17 de setembro de 2022, numa decisão unilateral da Associação Paulistana (AP). Na ocasião da transição de pastores, o conselho administrativo da comunidade informou ao Pr. Romualdo Larroca e ao Pr. Ronaldo Oliveira, presidente e secretário da AP a seguinte observação: “gostaríamos de ter podido participar do processo da saída do Pr. Edson e da chegada do novo pastor.”
Alguns dias depois de sua posse do cargo, o pastor Igor Bolichoski convocou uma reunião virtual com os anciões e o conselho financeiro para propor a implementação de uma “verba pastoral”. “Ele queria uma verba da comunidade de R$ 22.000 por trimestre, o que poderia dar um total de R$ 88.000 ao ano”, conta um dos anciões presentes na reunião, que não quis se identificar.
A chamada “verba pastoral” teria como objetivo cobrir reuniões e treinamentos, custos de deslocamento para atendimentos pastorais e a aquisição de livros para produção de conteúdo. O ancião conta que, em reunião posterior com o conselho financeiro, todos vetaram a verba pastoral solicitada por Bolichoski. Ao se reunirem com ele para informá-lo da decisão, Igor afirmou que o conselho havia entendido sua proposta de forma equivocada e recuou de seu pedido.
A verba solicitada pelo Pr. Igor ao conselho da Nova Semente já é disponibilizada pela instituição adventista por meio de auxílios ou reembolsos para os devidos fins mencionados pelo pastor. Segundo os Regulamentos Eclesiástico-Administrativos (REA) de 2021, artigo Y 10 15, um pastor distrital ordenado pode ter direito a até 105% do Fator Padrão da Escala (FPE), valor de referência para manutenção de obreiros que é “fixado e revisado periodicamente pela Comissão Diretiva da Divisão para cada país na moeda local” (Y 05 05). Segundo o artigo Y 15, o obreiro também tem direito a ser reembolsado por despesas de viagem, hospedagem e alimentação gastas em benefício da obra, como em viagens e reuniões oficiais. Segundo o artigo Y 20 55 S, o obreiro ainda poderá receber ajuda/reembolso de até 100% das despesas com livros e equipamentos profissionais, desde que estas não excedam 85% do FPE.
Ainda, segundo o artigo Y 30 20 S, o pastor também possui auxílio para quilometragem, depreciação, custo de combustível, licenciamento e seguro de seu veículo:
“O proprietário de veículo autorizado receberá ajuda para cada quilômetro usado em sua atividade até o máximo de quilômetros que lhe forem atribuídos. Essa ajuda incluirá o seguinte:
a) A depreciação do veículo, tomando como referência o custo de um veículo médio, depreciado no transcurso de 100 meses.
b) O custo do combustível, óleo, pneus e despesas menores de manutenção.
c) O custo do licenciamento e IPVA.
d) O custo do seguro obrigatório exigido em alguns países.”
Segundo o Manual de Informações Financeiras da AP para 2020, a quilometragem máxima fixa para o campo dois anos atrás era de 1.500 km, o que era calculado em cerca de R$ 1.766,08. Já o auxílio para livros e equipamentos profissionais, que na época não poderia ultrapassar 75% do FPE, tinha um teto de R$ 3.712,50.1 De acordo com um dos pastores da AP, que preferiu não se identificar, dos valores apresentados, a tendência foi que todos aumentassem em 2021 e 2022.
Ao mesmo tempo que solicitava verba adicional da comunidade para a aquisição de livros, no item destinado à “produção de conteúdo” (R$2.000 por trimestre), Bolichoski repetiu um sermão já realizado na Nova Semente anteriormente. O sermão, ministrado no dia 15 de outubro de 2022, intitulado “Quando Deus te deixa esperando”, é o mesmo sermão feito por Igor na Nova Semente em 7 de agosto de 2017, intitulado “Um Deus atrasado”, também para um culto na comunidade.
Poucas semanas após a solicitação da verba pastoral, “o Pr. Igor começou a cortar o almoço de sábado da equipe do louvor e pedir sanduíches de metro para eles, alegando que o conselho tinha decretado corte de gastos”, conta um ex-membro da liderança à Zelota. “Mas a liderança conversava com o conselho, e logo descobriu que não havia corte de gastos.” A verba pastoral ficou conhecida informalmente pela liderança e pelos voluntários como o “orçamento secreto” do pastor.
Avisos e ameaças
Nos três meses de convivência entre Bolichoski e a liderança da comunidade, a situação se deteriorou rapidamente. Fernando Rosales, na época pastor auxiliar da comunidade, conta que foi proibido de pregar “a pedido de alguém da Associação Geral”; Aqueldan Feldberg, também pastora da comunidade, foi proibida de entrar no tanque batismal com uma irmã para quem tinha dado estudos bíblicos. “A irmã não tinha ninguém, e pediu que Aqueldan estivesse no tanque com ela enquanto o Pr. Igor a batizava. Ele não permitiu”, conta Felipe Valente à Zelota.
Uma das maiores fontes de atrito na comunidade foi o trato de Igor com a liderança jovem e Aqueldan, pastora encarregada de supervisionar o ministério. “A liderança jovem queria fazer um evento para comemorar o Dia da Consciência Negra, e eu pedi que eles preparassem a programação”, conta Aqueldan. “Como eu sou branca, imaginei que eles poderiam fazer isso melhor que eu. Mas o Igor ficou irritado por eu dar poder de decisão a outras pessoas, dizendo que isso tinha lhe dado ‘muito desgaste’.”
O desgaste ocorreu em uma reunião com as lideranças jovens e o ancionato, na qual Igor teria vetado a maior parte da programação – que teria samba, hip-hop e um convidado da Igreja Batista Água Branca (Ibab) – e censurado a teologia negra, associando-a à teologia da libertação, alegando que a teologia adventista já bastava para tratar do assunto. “Ele tinha uma preocupação constante com a própria imagem, dizendo que não estava ali para podar ninguém, independente do que tivessem nos dito”, conta um dos presentes na reunião. “Houve uma repetição constante de que a Nova Semente não poderia escandalizar as pessoas, de que ele como pastor não gostaria de estar associado a esse escândalo.” O evento foi reduzido de uma série de programas para uma única tarde no dia 26 de novembro.
“Os jovens ficaram insatisfeitos com o resultado, e eu repassei essa informação para o Pr. Igor”, conta Aqueldan. Ao ouvir isso, Bolichoski teria dito que a pastora estava colocando lenha na fogueira e colocando os jovens contra ele: “Ele disse que da próxima vez que isso acontecesse ‘não teria mais como trabalhar’. Quando perguntei se ele estava me ameaçando, ele disse que só estava avisando”, explicou Aqueldan à Zelota.
Para o evento, foi convidado o grupo adventista Sarará, que toca samba e outros gêneros musicais, e a amiga de um dos organizadores para cantar duas músicas: “Lágrimas Negras”, de Gal Costa, e “Negro é Lindo”, de Jorge Ben Jor. “Os organizadores iam orientar a convidada a cantar só o refrão da segunda música, pois uma das estrofes poderia causar polêmica”, explica um dos membros da equipe jovem. A polêmica seria a menção do “Preto velho”, associado por muitos a uma entidade da umbanda. “Mas ela estava desconfortável e disse que só ia cantar a outra música, então não havia necessidade de orientá-la. Só depois ela começou a se sentir à vontade e resolveu cantar Negro é Lindo, sem que ninguém a prevenisse.” Igor teria chegado nesse momento: “Ele chegou no intervalo da programação, só ouviu essa música e foi embora”, conta o voluntário. “Ele chamou um dos organizadores e o Pr. Luciano, disse que aquele tipo de programação nunca mais ia acontecer, e disse que iria embora para que seu nome não fosse associado ao programa.”
Em resposta à Zelota, Jackson Augusto (@afrocrente), coordenador nacional do Movimento Negro Evangélico (MNE), integrante da Coalizão Negra por Direitos e graduando em Teologia, explica que o Preto velho não é exatamente uma entidade pertencente a uma confissão de religião africana. “Ele é um lugar no mundo africano de amor e sabedoria, de ancestralidade”, esclarece. “O termo pode e é usado quando falamos dos mais velhos, e é usado inclusive nas igrejas pentecostais.”
Para além desse evento, a relação do pastor sênior com o ancionato passou a ficar cada vez mais conflituosa. “Ele convocou uma reunião querendo discutir a demissão do Felipe Valente e da Aqueldan”, conta um dos anciões. “Isso acabou não sendo discutido na reunião, mas ele começou a dizer que ninguém no conselho era confiável, e alegar que ninguém ali devolvia o dízimo, o que não era verdade.” Pouco tempo depois, Bolichoski subitamente anunciou no grupo da liderança a transferência do Pr. Luciano Geraldo para o Colégio Adventista de Alphaville, e a vinda de dois novos pastores auxiliares: Ricardo Nogaroto e Anderson Salvador. “A gente só fez as contas: saiu o Luciano, entraram dois novos pastores auxiliares, Fernando e eu somos dois. Não foi difícil entender o que ia acontecer”, conta Aqueldan. Todos esses conflitos, entre outros, foram se acumulando e culminaram no evento de despedida do último sábado (10).
A revista Zelota entrou em contato com o Pr. Igor Bolichoski e o Pr. Romualdo Larroca para obter esclarecimentos a respeito da “verba pastoral”, do cerceamento de pastores e membros, e para entender os critérios utilizados para a escolha dos novos pastores auxiliares. Não houve resposta ou manifestação de ambos até a publicação desta matéria.
Reações nas redes sociais
Dentre as manifestações publicadas na internet, o evento de despedida foi descrito, por exemplo, como “triste”, “lindo” e mesmo “simbólico” como resistência da membresia às imposições administrativas; como uma “experiência absurda” (em termos não pejorativos); ou como “momentos inesquecíveis”. Foram expressos também sentimentos de pesar e desejo de prosperidade ao novo rumo da membresia então desvinculada. Lamentavelmente, outras manifestações expressaram desorientação, em que membros presenciais ou remotos afirmaram não saber para onde ir, já que a comunidade representava para eles “abrigo”, “refúgio” ou “acolhimento”.
O Twitter foi, provavelmente, o palco com maior número de manifestações, como é o exemplo da carta aberta de remoção de Rafael Gonçalves, que atuou por 26 anos em diversos ministérios da IASD:
Em diversas outras expressões, o evento simbolizou o literal “fim da Nova Semente”, devido à debandada massiva da liderança, embora nenhuma decisão oficial da IASD tenha sido declarada nesse sentido. Houve até provocações que especularam a respeito da criação de uma “IASD Paraíso”, por conta do desvio missiológico urbano que a comunidade sofreria após o debandada, tornando-se uma igreja adventista tradicional, isto é, sem o foco na população pós-moderna. Além disso, membros e solidários à Nova Semente também afirmaram que o desmonte da membresia representava a “vitória” de ataques institucionais contra a comunidade, orquestrados por uma administração conservadora e autoritária.
Em contrapartida, a internet também foi palco para muitas manifestações que comemoravam o desmantelamento da comunidade. A página do Instagram @adventistaconservador, por exemplo, administrada por Diego Fortunatto, republicou um comentário feito no Twitter por uma ex-líder da Nova Semente. Na descrição do post, Diego diz “amém” ao ocorrido, elogia o procedimento do Pr. Igor Bolichoski, e afirma que, apesar da saída dos “subversivos”, “ainda existem muitos outros que não se dobraram ao Baal LGBT moderno”. Diego Fortunatto já se utilizou de sua influência nas redes sociais para desmerecer as programações da Nova Semente em outras ocasiões, e atualmente declara fidelidade e apreço ao novo líder da comunidade, Pr. Igor Bolichoski. Para Diego, Igor não é apenas um “enviado de Deus” para higienizar a Nova Semente, mas um fiel precursor de ordens administrativas da Associação Paulistana.
No entanto, as comemorações em torno da atual debandada de membros da Nova Semente não se restringiram ao fato em si, mas agregaram comentários de ódio e mesmo interpretações proféticas. Nos comentários ao post de Diego Fortunatto, há adventistas que creem ser o evento um sinal da “sacudidura”, em que Deus separa o “joio do trigo”. Além disso, outros comentários chegam a criticar a IASD por insistir em iniciativas missiológicas às grandes cidades, como os “Espaços Novo Tempo”, por serem, para eles, um agregador de “progressismos”. Para outros, os desvinculados da Nova Semente deveriam investir em uma comunidade própria e desistir do adventismo.
Em manifestações mais pacíficas, por outro lado, algumas pessoas agradeceram à comunidade pela relevância e pelo esforço de suas equipes. Muitos testemunharam sobre o papel transformador e renovador que a comunidade teve em sua experiência com Deus. Além disso, testemunhos de pessoas não adventistas foram publicados, também em tom de lamento pelo ocorrido e gratidão pela relevância do projeto até o presente momento.
Relevância para a Missão Urbana
Desde seu fundamento, a Nova Semente se configura como ministério oficial da IASD para o evangelismo urbano, direcionado ao público pós-moderno paulistano. A comunidade foi idealizada e fundada, em 2005, por Kleber Gonçalves, atual diretor do Centro de Estudos Seculares e Pós-Modernos (CSPS) e autor do livro Igreja Relevante: Missão Urbana para a Pós-Modernidade, publicado pela Unaspress. Em meados de 2012, Kleber explicou à Revista Adventista2 que a Nova Semente “é uma igreja adventista como qualquer outra em relação aos princípios e corpo doutrinário; só usamos, intencionalmente, uma metodologia diferente.”
Há anos, a NS é citada em diversas ocasiões pela Revista Adventista como estratégia promissora para o evangelismo urbano3, envolvendo seus membros em serviços de discipulado4, multiplicação de pequenos grupos5 e evangelização das elites brasileiras.6 Em virtude do fluxo migratório da cidade de São Paulo, e o contato da igreja com diferentes culturas, a NS se configura como projeto direcionado ao público pós-moderno, e atua em nível de proposta semelhante a outras comunidades étnicas, como a japonesa, a judaica, a árabe ou a hispânica.
A iniciativa foi um sucesso no contexto paulistano. De acordo com a Revista Adventista, em oito anos de existência, ela já computava 10% de crescimento anual.7 Em conversa com a revista Zelota, os membros atuais relataram que tal taxa de crescimento se manteve e chegou a aumentar com o trabalho do Pr. Edson Nunes, atualmente desvinculado da comunidade e demitido do ministério adventista de forma irregular e oculta à membresia. Em termos financeiros, ela superou em muito todas as comunidades paulistas: segundo dados da secretaria, entre os anos de 2020 e 2021, a Nova Semente coletou R$ 3.485.721 em dízimos por ano, e R$ 2.786.133 em ofertas. Somando a arrecadação dos dois anos e da metade de 2022, são R$ 8.331.060 em dízimos e R$ 6.116.241 em ofertas desde 2020.
As redes sociais também cresceram, segundo relatório da Nova Semente: só em 2020 o YouTube passou de 55 mil para 89 mil visualizações, um aumento de 61%, enquanto o Instagram teve um aumento de 31%. Devido a tantos resultados positivos, a liderança da comunidade foi convidada para falar como case de sucesso no Connect, encontro de comunicação da AP realizado este ano (7 de maio) na Rede Novo Tempo.
Desde suas perspectivas missiológicas mais antigas, o adventismo propôs alcançar o ser humano em sua integridade (físico, mental e espiritual), ultrapassando barreiras culturais e estabelecendo hospitais, orfanatos, escolas e universidades ao redor do mundo – além de uma grande estrutura de desenvolvimento humanitário por meio da ADRA. Parte da missão adventista engloba iniciativas para missão urbana, um esforço evangelístico que não se restringe ao Brasil, mas corresponde a um esforço mundial da IASD.
Cenário e prospecção
De acordo com um dos membros da antiga liderança da Nova Semente, em reuniões oficiais, não havia qualquer perspectiva de mudança no propósito da comunidade. Em outras palavras, em termos de valores, identidade e método de trabalho, ela continuaria a mesma. De acordo com a fonte, “[Igor Bolichoski] fez questão de dizer que não tinha ordens superiores para mudar as características da Nova Semente e que estava lá, unicamente, para pastorear uma igreja ferida por tudo o que tinha acontecido na saída do Pr. Edson Nunes.”
O cenário, no entanto, não é dos mais otimistas para os projetos da IASD voltados ao público pós-moderno, ou mesmo aqueles interessados na conquista das novas gerações. A saída massiva da liderança da Nova Semente representa a ponta de um iceberg ainda mais profundo: a crescente tendência de jovens que abandonam a instituição. Segundo dados oficiais, nos últimos dez anos, a IASD registrou um número expressivo de saída dos jovens das comunidades adventistas, na faixa entre 17-30 anos, quando comparados aos de entrada. Na América-Latina, entre 2011-200, “são 674 mil e 408 [entre 17 e 30 anos] que deixaram a comunidade adventista contra 534 mil e 136 [entre 17 e 30 anos] que se tornaram membros adventistas no mesmo período, um saldo negativo de 26,3%”.
Além disso, os ataques constantes aos “progressismos” – não apenas restritos às redes sociais mas, em alguns casos, aplicados como régua administrativa –, tendem a minar iniciativas promissoras de evangelismo para as novas gerações. Durante a cobertura do caso relacionado à Nova Semente, a revista Zelota recebeu denúncias que, provadas verdadeiras, evidenciariam um desmonte de iniciativas análogas à Nova Semente. Há informações de que o mesmo teria ocorrido em comunidades de Maringá, Curitiba, e em Belém, Pará. É possível, portanto, que o ocorrido com a Nova Semente seja sintoma de uma escalada do autoritarismo institucional, e abre precedentes preocupantes para o futuro da IASD brasileira.
Notas:
1.↑ Isso colocaria o valor do FPE em cerca de R$ 4.950 no ano de 2020. Valor não confirmado.
2.↑ STEIN, Gabriel. Do Brasil para o mundo. Revista Adventista, fevereiro, p. 27, 2012.
3.↑ ROCHA, Lucas. Mundo Urbano. Revista Adventista, outubro, p. 30-31, 2014.
4.↑ LEMOS, Felipe. Fábrica de Discípulos. Revista Adventista, Setembro, p. 24-25, 2015; MENDES, Fabio. Vida em Comunidade. Revista Adventista, Fevereiro, p. 34-35, 2015.
5.↑ Notícias. Revista Adventista, Setembro, p. 24, 2014.
6.↑ AZO, Carolyn; LEMOS, Felipe. Alcançar as Elites. Revista Adventista, julho, p. 28-29, 2013.
7.↑ AZO, Carolyn; LEMOS, Felipe. Alcançar as Elites. Revista Adventista, julho, p. 28-29, 2013.