Entre programas e entrevistas, o arqueólogo do UNASP compartilha fake news e apresenta imprecisões históricas que fortalecem o sionismo cristão


Por conta da intensificação dos conflitos no Oriente Médio, a equipe de comunicação da Divisão Sul Americana (DSA) da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) decidiu adotar a expressão “oremos pelo Oriente Médio”, ao invés de “oremos por Israel”. A razão é óbvia para a organização, que deseja se manifestar sem sugerir qualquer posicionamento político, lamentando os mortos em ambos os lados do conflito. Tal estratégia de comunicação é exigida de todas as Associações, sendo policiada por profissionais da instituição sob a liderança de Felipe Lemos, Assessor de Comunicação para a DSA. Contudo, enquanto um dos principais jornais de Israel reconhece a responsabilidade do primeiro ministro Benjamin Netanyahu pela guerra, e a IASD se esforça para manter uma postura neutra, personalidades do adventismo brasileiro se unem ao discurso sionista cristão. Essas figuras influentes, imunes às políticas institucionais, defendem ideologias reacionárias e pró-israelenses, pretendendo não apenas neutralidade política, mas piedade religiosa e coerência acadêmica.

Nesse contexto, é necessário destacar uma das figuras mais influentes do adventismo brasileiro, Rodrigo Silva, pastor e arqueólogo no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). Com a atual investida do Hamas contra Israel, o pastor intensificou suas atividades nas redes sociais, aparecendo em lives, programas e entrevistas com o intuito de afirmar sua especialidade e contextualizar o conflito no Oriente Médio. Até o momento, suas participações ultrapassam 2 milhões de visualizações e somam mais de 10 horas de conteúdo. Além disso, a influência de Rodrigo não se limita ao contexto adventista, mas encontra espaço indispensável nas mídias seculares ou religiosas de orientação reacionária, como já foi relatado pela revista Zelota.

Em todas as suas participações, após afirmar imparcialidade e respeito às vítimas do conflito, Rodrigo sublinha o nome de seu inimigo: “os guerrilheiros terroristas do Hamas”. Para o pastor, o grupo não atua com propósito político; ele tem como objetivo religioso a destruição de Israel e a intensificação do caos sem respeito às vítimas, incluindo idosos e crianças. Para fortalecer o caráter violento do Hamas, Rodrigo compartilha as fake news de que o movimento teria decapitado 40 bebês, cuja fonte é um colono israelense de extrema direita, e de que teria encarcerado crianças em gaiolas; além disso, Rodrigo desconfia da informação de que Israel teria bombardeado o hospital de Gaza devido ao fato de que uma das fontes pertence ao Hamas, embora sejam os Estados Unidos que se recusam a permitir uma investigação independente do bombardeio. Não satisfeito, o pastor recorre à expressão “ḥāmās” no hebraico para apontar a “interessante coincidência” de que o termo significaria “violência seguida de derramamento de sangue”. Para afirmar isso, Rodrigo desconsidera a sigla HMS para “Movimento Islâmico de Resistência”, e evita mencionar seu significado no árabe.1 Para o arqueólogo, a proporção do perigo propagado pelo movimento não se restringe aos israelenses: ele afirma que o Hamas é uma ameaça mesmo para os palestinos e, atualmente, é “pior do que os nazistas”. 

Em sua opinião, a questão da Palestina não deveria ser resolvida por meio da violência terrorista, mas através do diálogo e da burocracia. De maneira muito tímida, o pastor menciona a violência dos israelenses, mas enfatiza que ela ocorre, em primeiro lugar, (1) como resposta ao Hamas; e, em segundo lugar, (2) por há muito tempo ser iniciativa de judeus ortodoxos radicais, que invadem territórios palestinos. Já a burocracia resolveria tal situação, em sua opinião, por razões históricas: o conflito já teria sido apaziguado se, entre 1947-1948, os palestinos tivessem aceito a divisão das terras estipuladas por seus colonizadores sionistas, em conformidade com a maioria de votos na ONU. Afinal, “o palestino, na verdade, não é palestino”; Rodrigo defende que, no passado, o grupo teria origem na África subsaariana, e o título “palestino” teria sido atribuído artificialmente aos moradores da região por Públio Élio Adriano, imperador de Roma. Em outros termos, a Palestina não teria um “povo originário”, já que o local foi ocupado por grupos heterogêneos. O único povo expropriado da Palestina, nesse sentido, foram os judeus, que, inclusive, teriam ajudado os europeus a sustentar a região após a Segunda Guerra.

Ainda que se apresente como especialista, é necessário questionar sua profundidade e duvidar de suas afirmações históricas. O arqueólogo defendeu de forma genérica, por exemplo, que seria “mentira afirmar que Israel expulsou os palestinos”; ele teria expulsado apenas os jordanianos, na guerra de 1967, que estariam invadindo a área estipulada como propriedade palestina pela ONU. Em primeiro lugar, (1) Rodrigo desconsidera a ofensiva do comando sionista após a expiração do mandado britânico (em maio de 1948) para a partilha das terras, seguida da primeira Nakba, com a expulsão e o massacre de diversos palestinos. Em segundo lugar, (2) a afirmação de que apenas os jordanianos foram expulsos em 1967 é tanto parcial quanto tendenciosa. De fato, a investida de 1967 não se configurou como “segunda Nakba”, mas em termos de proporção e objetivos: o objetivo do comando sionista neste caso foi invadir a Cisjordânia para dominá-la e dar continuidade à implantação das colônias judaicas, instituindo uma espécie de apartheid que dura até hoje.2 Ainda assim, há relatos de que, em 1967, ao menos 5 mil palestinos foram expulsos de Jerusalém por estarem ausentes e, assim, incapacitados de retornar; além de outras 35 mil crianças nascidas ou criadas no exílio.3

De certa forma, tal liberdade de discurso ideológico, conferida a Rodrigo Silva pela DSA, se explica em termos financeiros, já que em torno do pastor se estrutura um mercado lucrativo que beneficia a instituição adventista. Em resposta à Zelota, o arqueólogo disse que “poderia estar rico” com o dinheiro que arrecada com atividades não relacionadas ao ministério pastoral. Não por acaso, Rodrigo aproveitou a situação da guerra para vender um curso com aulas “gravadas tão rápido quanto possível”, a fim de contextualizar a história por trás do conflito. Em 2021, por exemplo, ele afirmou ter lucrado a média de R$300 mil com cursos dessa natureza. Sabe-se que, oficialmente, o dinheiro granjeado pelos cursos é utilizado para a construção do Museu de Arqueologia Bíblica (MAB), cuja estrutura já teria arrecadado U$1,2 milhão – segundo dados de reuniões internas do UNASP em maio deste ano. Ainda que ele não tenha mencionado o destino de algumas de suas receitas, a IASD é quem costuma lucrar com seu ativismo e popularidade nas redes sociais.

Outra fonte de lucros para a IASD provém das caravanas organizadas à Israel que, segundo o arqueólogo, em 2021, geraram lucros de R$11 a R$12 mil cada. Segundo dados do Ministério de Turismo de Israel, o Brasil é o país da América Latina que mais envia turistas ao país. Além de outros fatores, por conta da crescente procura por caravanas religiosas, o número de viagens aumentou 14%, entre 2017 e 2018. Tais caravanas, de fato, movimentam um mercado lucrativo, tanto para agências de viagens quanto para denominações religiosas, normalmente em torno de uma celebridade de influência, como Rodrigo Silva. A despeito de manifestações pró-Israel, o sionismo cristão no Brasil conferiu ainda mais importância à peregrinação na “Terra Santa”; e, desde 1990, ao apelar a simbologias filossemíticas, fortalece a coligação política que elegeu Jair Bolsonaro em 2018.4 Nesse sentido, Rodrigo Silva não apenas guia caravanas para Israel para o benefício financeiro da instituição: ele também fortalece as bases ideológicas da extrema direita brasileira, conferindo substância ao sionismo cristão.

Pr. Valandro Junior e Pr. Rodrigo Silva em propaganda para Caravana (Fonte: Instagram)
Notas:

1. A nomenclatura provém do acróstico para Ḥarakah al-Muqāwamah al-ʾIslāmiyyah (HMS), “Movimento Islâmico de Resistência”. No árabe, como uma possibilidade semântica posterior, o termo ḥāmās pode abranger o guarda-chuva para “força”, “bravura” ou “zelo”. Ver HERZOG, Michael. Can Hamas Be Tamed? Foreign Affairs, v. 85, n. 2, mar.-apr., p. 83-94, 2006.

2. Ver HIRST, David. The Gun and the Olive Branch: The Roots of Violence in the Middle East. Bold Type Books, 2003, pp. 206-247.

3. Ibid., pp. 224,237.

4. O ex-presidente, por exemplo, se batizou no rio Jordão em 2016; e, em 2018, prometeu levar a embaixada brasileira a Jerusalém. Veja MACHADO, Maria das Dores Campos; MARIZ, Cecília Loreto; CARRANZA, Brenda. Sionismo Cristão. In: REIS, Lívia; NOVAES, Regina; CUNHA, Magali; OWSIANY, Laryssa (Orgs.). Dicionário para entender o campo religioso. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos da Religião, 2023, v. 1, p. 209-213.