Embora negada por muitos, a ordenação de mulheres ao ministério pastoral adventista é uma realidade inalterável e, especialmente no Brasil, deve ser levada em consideração por abrigar uma membresia majoritariamente feminina


Hao Ya Jie, pastora da Igreja Adventista de Beiguan em Shenyang, China (Montagem: Jayder Roger).

Uma das fake news mais difundidas em nossos encontros denominacionais é a de que não existem pastoras na Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD). Essa mentira é sucedida por, ao menos, duas outras falsas afirmações: (1) dissemina-se que a não existência de pastoras ocorre porque o ministério feminino é proibido pela Associação Geral; (2) ou declara-se que a ordenação feminina está em desarmonia com a Bíblia.  Há, ainda, uma “terceira via” de pessoas que apelam à cultura, e decretam que tal costume é rejeitado por ela, de forma que as mulheres pastoras não seriam bem-vindas por questões de costume.

Por muito tempo guardados nos arquivos dos corpos constituintes, nossas atas, anuários e relatórios sobre o assunto da ordenação feminina foram mantidos em completo sigilo. Na ausência da internet, o acesso a tais informações estava restrito aos funcionários das Associações, Uniões e Divisões. Assim, a existência do ministério evangélico realizado por mulheres e outras lideranças femininas na igreja ficaram esquecidas, ou conscientemente escondidas por uma liderança que não pretendia expor o assunto para o diálogo. Mas quem deve ser responsabilizado pelo desconhecimento deste assunto nas igrejas? Quem são responsáveis por essa desigualdade de gênero no ministério pastoral?

Ao longo desse período, no entanto, o ministério pastoral adventista e suas atribuições se transformou de acordo com as necessidades. Entre 1863-1865, Hannah More tornou-se a primeira plantadora de igrejas da denominação, convertendo pessoas na costa da África Ocidental. Em 1868, Sarah A. Hallock Lindsey e Ellen S. Edmonds Lane se tornaram as primeiras evangelistas da IASD. No ano que se sucedeu, 1869, Lindsey se tornou a primeira pastora adventista, recebendo sua licença ministerial.1 Dois anos depois, Ellen G. White, a cofundadora da IASD, recebeu a sua primeira credencial ministerial,2 conferida apenas para pessoas ordenadas ao ministério evangélico. Além de tantas outras pastoras ministrando até os tempos atuais, Ellen e Sarah não foram as únicas ministras nesses primeiros anos. 

Continuamente nossas comunidades se orgulham do legado dos pioneiros que dedicaram suas vidas para fundar a IASD. E, com exceção de Ellen G. White, pouca ou nenhuma outra mulher é mencionada – no que diz respeito ao Brasil, aspectos desse silenciamento já foram documentados e publicados pela revista Zelota sobre o caso de Eunice Michiles, a primeira senadora brasileira. Infelizmente, a constituição patriarcal e machista de nossos primeiros líderes apagou as trajetórias de nossas pioneiras de nossas reuniões e livros, ou, quando muito, atribuiu a elas o papel de “auxiliadoras”, sempre à margem ou à sombra de seus esposos.

Com o advento do ciberespaço e a tentativa de democratização da informação por parte  Associação Geral, os acervos on-lines e demais bases informativas possibilitaram o avanço das pesquisas sobre a atuação das mulheres na história do adventismo até 2016, quando os anuários interromperam as publicações dos nomes de suas ministras e ministros em serviço na contemporaneidade.

Segundo levantamento feito pela presidenta da Associação de Mulheres Adventistas, Nerida Taylor Bates, atualmente há cerca de 4 mil pastoras em campo. No relatório apresentado pela Divisão Pacífico Norte-Asiático, em 2013, seu território já contava com cerca de 3.221 pastoras. O documento também apontou que o time pastoral da China era composto por 60% de mulheres. Isso só é possível porque, de acordo com as Crenças Fundamentais, a Constituição e Regulamentos Eclesiástico-Administrativos internos, o Manual da Igreja e a Working Policy da Associação Geral, podemos ter pastoras licenciadas, comissionadas e ordenadas. Em outras palavras, qualquer impedimento nesse sentido é falta de conhecimento de nossa história e funcionamento como organização. 

Além disso, o Relatório Estatístico Anual de 2021 reportou que 57% da membresia adventista é composta por mulheres, e o mesmo percentual se repete na Divisão Sul-Americana. A Divisão, em 2021, relatou na Comissão Diretiva da Plenária que 5.626 igrejas tinham como sua maior liderança local uma mulher. Além disso, pesquisas recentes a respeito da realidade demográfica do adventismo no Brasil – baseadas no censo de 2010 – indicaram que “as mulheres são sempre maioria em todas as regiões [brasileiras], exceto nas crianças do Sul, onde existem 0,6% mais homens do que mulheres. No Nordeste, as mulheres adultas são 6,5% mais numerosas do que os homens, 5,1% no Centro-Oeste, 4,9% no Sudeste, 4,1% no Sul e 2,7% no Norte.”3 Em outras palavras, as mulheres adultas são maioria em números absolutos (15,9%) dentro da denominação brasileira.

Essa realidade nos faz questionar se a não afirmação do ministério pastoral das mulheres, no contexto sul-americano, trata-se de uma “questão cultural” ou apenas representa um esforço unilateral para a manutenção de uma liderança majoritariamente masculina. Afinal, se analisada a partir das bases, a administração de nossas igrejas hoje é, basicamente, realizada por mulheres comprometidas. 

Para esta semana (19-26/11), a revista Zelota se dedicou à preparação de um material exclusivo para a discussão a respeito da ordenação de mulheres ao ministério pastoral. Foi coletado conteúdo em forma de texto, podcast e documentário, todos com o objetivo de aprofundar a temática principalmente em termos históricos e eclesiástico-administrativos. Trata-se de um material inédito em língua portuguesa, uma oportunidade exclusiva para informação e educação de nossos membros sobre o assunto.

Devemos nos manter convictos nos ensinos bíblicos e, assim, manter em mente a crença fundamental 14 dos adventistas: “Em Cristo somos uma nova criação; distinções de raça, cultura e nacionalidade, e diferença entre altos e baixos, ricos e pobres, homens e mulheres não devem ser dissensões entre nós. Todos somos iguais em Cristo, o qual por um só Espírito nos uniu em comunhão com Ele e uns com os outros; devemos servir e ser servidos sem parcialidade ou restrição”. Sendo uma crença básica para qualquer adventista, a responsabilidade pela ordenação de pastoras não deve ser atribuída apenas à liderança – que até o momento inviabiliza os processos –, mas deve ser entregue às mãos da membresia nas comissões ministeriais.

Notas:

1. A Licença Ministerial é concedida a pessoas que estão iniciando o ministério para desenvolver seu dom ministerial, sendo autorizadas a ajudar em “todas as atividades da igreja”, incluindo pregação, evangelismo e ações missionárias. Em alguns casos se faz necessário que a ministra ou ministro seja ordenada ou ordenado ao ancionato, sendo limitada a executar suas funções na igreja à qual foi designada ou designado. A Credencial Ministerial Comissionada é concedida, embora não haja determinações de gênero, quase exclusivamente a ministras, após atingir seu tempo de confirmação do chamado; sua atuação é restrita ao campo que lhe concedeu o chamado. A Credencial Ministerial é concedida quase exclusivamente a homens, mas tem prestígio mundial, ou seja, permite atuar em qualquer IASD no mundo. Ministras e ministros licenciados, comissionados ou ordenados podem ministrar santas ceias, batismos, casamentos, dirigir comissões, entre outras funções ministeriais. A Credencial Ministerial permite que o ministro realize a abertura, o fechamento e/ou a união de igrejas, e, por ser ordenado, é responsável por ordenar anciãs e anciãos, diaconisas e diáconos locais. A credencial ministerial assume caráter político em 2005, quando a função do presidente de campo (Associação/Missão local, União, Divisão e Associação Geral) se torna restrita a quem tem esse tipo de credencial; ou seja, exclusivamente homens.

2. Records Pertaining to Ellen G. White’s Ministerial/Ordination Credentials. Disponível em: https://whiteestate.org/legacy/issues-egw_credentials-bio-htm/ Acessado em: 15 nov. 2022

3. FERREIRA, B.; PEREIRA, L.; NOVAES, A.; FOLLIS, R.; DIAS, M. O crescimento do reino: desafios demográficos para o adventismo brasileiro. In: FOLLIS, R.; NOVAES, A.; DIAS, M. (Orgs.). Sociologia e Adventismo: Desafios brasileiros para a missão. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2015, p. 114.