A aplicação do plano reforça a supervisão teológica sobre educadores por meio de um responsável em cada divisão, assim como a revisão da grade curricular nos ensinos de teologia e religião
Por Alex Aamodt | é o editor e repórter investigativo da Spectrum Magazine. Traduzido e adaptado do original em inglês por André Kanasiro para a revista Zelota. André Kanasiro, Elias Batista Jr. e Alexander Carpenter contribuíram com esta reportagem.
Na quarta-feira passada (10), durante o segundo dia do Concílio de Primavera da Comissão Executiva da Associação Geral (AG), o presidente Ted Wilson insistiu que os líderes da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) adotassem uma proposta para combater “deslizes” da membresia mundial em sua afirmação das 28 crenças fundamentais.
Lideranças da AG e da Divisão realizaram uma reunião especial após o Concílio Anual de 2023 que criou três subcomissões, as quais se reuniram nos últimos meses e desenvolveram cada uma parte do plano. “Por favor entendam que isso é uma mudança,” disse Wilson. “Ela será aceita em todos os lugares? Talvez não. Mas nós esperamos que sim. É uma tentativa de mudar as pesquisas que mostram que estamos falhando.”
O plano, presidido pelo vice-presidente aposentado da AG, Mike Ryan, tem três partes. O primeiro esboça conferências globais bíblicas e missionárias sobre crenças adventistas que serão financiadas pela AG. Elas serão organizadas pelo Instituto de Pesquisa Bíblica (BRI), o Instituto de Pesquisa em Geociências (GRI), o Ellen White Estate, e outras entidades ministeriais da AG. Além destes encontros — presenciais e virtuais — eles criarão vídeos e “prepararão apresentações em PowerPoint, Word, a outros formatos, e oferecerão links de download para pastores de igrejas locais, anciões etc.”
A segunda subcomissão vai ser focada em “conteúdo global e proclamação midiática”. Isso inclui uma variedade ampla de vídeos digitais curtos e longos, apresentados parcialmente via redes sociais. Por exemplo, eles produziriam “cinco vídeos com explicações de 10-15 minutos de duração, com alto valor de produção e animação, para tratar de questões doutrinárias”. Eles também trariam de volta o interesse à série da década de 1980 DARCOM (Comissão para Séries sobre Daniel e Apocalipse), com o BRI publicando um novo oitavo volume.
Fortalecendo (a influência da AG sobre) a educação
Mas foi a terceira apresentação que atraiu mais polêmica: um plano para “fortalecer” a educação teológica, pastoral e da membresia. Ela foi lida pela presidente da subcomissão Audrey Andersson, que passou a maior parte de sua carreira na comunicação.
De acordo com uma apresentação obtida pela Spectrum que foi compartilhada com membros da comissão executiva anteriormente neste ano, a subcomissão para educação foi descrita como um esforço para permitir que os líderes eclesiásticos tenham mais influência sobre a contratação de professores. “Atualmente, os responsáveis pela contratação de ministros têm um papel consultivo ao invés de determinante para moldar a educação ministerial,” disse a apresentação. “Equipar e empoderar líderes eleitos pelo corpo constitutivo em todos os níveis para que eles tenham maior poder de supervisão e envolvimento no que é ensinado e na contratação é crítico para lidar com a lacuna entre a Bíblia e a prática.”
O plano propõe a criação de um novo cargo de assistente para o presidente ou secretário de campo em todas as Divisões mundiais para supervisionar a contratação de professores de religião e dirigir o currículo de educação teológica. A AG vai financiar a posição pelo primeiro ano até que os custos passem para a Divisão.
Além de criar esta nova posição, o BRI criaria um novo programa de pós-graduação em cooperação com o seminário na Universidade Andrews para “fortalecer e tratar das verdades concedidas por Deus para Sua Igreja no fim dos tempos”. Cada Divisão enviaria alguém para este programa, que então retornaria para ser um “recurso de base ampla” para promover as crenças fundamentais da IASD em sua respectiva Divisão. Esta pessoa agiria como um supervisor, ficando de olho em como a teologia de cada professor se conforma às crenças oficiais da denominação e às afirmações do BRI.
O plano também pede a criação de novos critérios para a contratação de professores de religião e teologia, assim como a revisão da grade curricular de religião. Os critérios de contratação incluirão examinar a proporção de professores de teologia com diplomas de instituições da denominação versus de escolas não adventistas.
O elemento final do plano pede por mudanças de amplo espectro na governança de instituições educacionais. Todas as mesas institucionais de educação da AG vão incluir um membro do BRI ex officio, enquanto outros conselhos institucionais vão incluir um membro da mesa local de educação teológica e ministerial.
Antes de abrir a discussão, Wilson mencionou que duas Divisões da IASD mundial “usaram esta abordagem com muito sucesso.” Estas são a Divisão Interamericana e a Divisão Sul-Americana.
As apresentações e a discussão subsequente levaram mais de duas horas e meia, empurrando todo o Concílio de Primavera muito além do horário de encerramento planejado. A primeira onda de participantes expressou seu total apoio, muitos dos quais são membros leigos na comissão executiva. O primeiro a falar foi Harold (Hal) Butler, um membro leigo que escreveu para o website Fulcrum7. Ele expressou apoio a esta iniciativa e citou Ellen White na identificação de um problema paralelo na igreja cristã primitiva, na qual ele disse que os crentes não seguiam os apóstolos.
Kathryn Proffitt, uma membra leiga da comissão executiva da AG, elogiou efusivamente as propostas. “Eu até lacrimejei quando as li na noite passada,” ela disse, embora também esperasse que fosse acrescentada uma regulação maior da grade curricular de ciência. Proffitt disse que todos os seus quatro filhos deixaram a igreja, e culpa o ensino de evolução nas escolas adventistas que eles frequentaram.
Educadores respondem
Embora a maior parte dos que responderam tenha falado a favor, alguns compartilharam suas preocupações a respeito das propostas.
Ginger Ketting-Weller, presidente do Instituto Adventista Internacional de Estudos Avançados, disse que, embora apoiasse alguns dos objetivos mais amplos, não poderia votar a favor da proposta para a educação. “Ficou claro para mim que não houve educadores trabalhando com essas políticas,” disse ela. “Nós não podemos, por exemplo, entrar em um hospital e tomar decisões sem consultar os médicos,” acrescentou. “Penso que a mensagem que vai ficar… não vai nos trazer colaboração, e sim divisões.”
Lisa Beardsley-Hardy, diretora do departamento de educação da AG, falou por mais de 12 minutos sobre preocupações muito específicas no projeto, indo página por página ao longo da seção sobre educação, suas várias anotações visíveis nas margens. Muitas de suas preocupações giravam em torno de como a proposta entraria em conflito com políticas existentes. A GC Working Policy, o Manual de Educação Ministerial e Teológica Adventista do Sétimo Dia e outros documentos já possuem diretrizes extensas sobre critérios de contratação educacional.
Ela também mostrou indireta, mas claramente as contradições no documento devido ao fato de que a comissão diretora evitou consultar educadores. Ela reportou sobre o quão bem os processos atuais de credenciamento adventista, incluindo a Comissão Internacional de Educação Ministerial e Teológica (IBMTE), estão funcionando ao redor do mundo. Chamando atenção para a proposta de um novo supervisor para a ortodoxia teológica em cada Divisão, ela perguntou, “Como o secretário do campo vai se relacionar com a educação e com o sistema e a estrutura que temos?”
Beardsley-Hardy também notou que tentar exercer maior controle sobre práticas de contratação em faculdades e universidades pode ser difícil em muitas regiões. “Isso vai causar alguns desafios em algumas partes do mundo, onde se espera que instituições acadêmicas tenham autonomia,” disse ela. “Caso se interponham diretamente entre a instituição e seu conselho diretivo, isso será um desafio.”
Tom Lemon, vice-presidente da AG que preside o conselho da Loma Linda University Health, disse que apoiava o documento e votaria a favor dele, mas também se preocupava com o tom que este poderia deixar. “Minha preocupação é que às vezes atribuímos certo nível de culpa pelos deslizes aos nossos professores ou pastores, o que penso ser uma mensagem infeliz a ser transmitida,” disse. “Espero que não caminhemos nessa direção.” Lemon notou que muitas partes do mundo têm dificuldades para atrair e reter pastores e professores. Ele disse esperar que os esforços da AG tenham mais a ver com encorajamento.
A votação
O comentário final veio de Philip Mills, um membro leigo da comissão executiva: “Há muito tempo, Lutero escreveu: ‘Tenho muito medo de que as universidades demonstrem ser os grandes portões do inferno, a menos que trabalhem diligentemente para explicar as Escrituras Sagradas e inscrevê-las nos corações da juventude,’” disse. Mills também pediu que membros leigos com filhos ou netos no sistema educacional adventista possam contribuir.
“Obrigado, Phil, por suas palavras de encorajamento,” disse Ted Wilson em resposta. “Somos muito gratos por elas.”
“Nós vamos buscar incluir muitas das concepções que foram compartilhadas no documento final,” disse Wilson antes de passar para a votação, acrescentando que espera que este seja um “processo colaborativo e redentor”.
“Pela graça de Deus, vamos ver a diferença que isso vai fazer através do poder do Espírito Santo,” disse ele. “Mas creiam em mim, isso não vai ficar mais fácil. O diabo está atrás desta igreja.”
A proposta foi aprovada por 125 votos a favor e 29 votos contra. A comissão tem 351 membros.
Após o evento, a Spectrum entrou em contato com líderes educacionais ao redor do mundo, e o principal problema a ser identificado por muitos foi a falta de representação nas comissões. Eles expressaram preocupação de que isso sinalize uma nova tentativa da AG de colocar processos educacionais, grades curriculares e professores adventistas sob maior controle de não educadores na liderança da igreja. Um líder educacional chamou o projeto de “uma declaração massiva de desconfiança partindo da liderança da igreja, tudo isso dizendo coisas manipuladoras no texto”. Embora Wilson tenha enfatizado várias vezes que as instituições educacionais respondem a líderes “eleitos por corpos constitutivos”, estes observadores não puderam deixar de notar que o presidente deste projeto, Mike Ryan, está aposentado, e portanto não foi eleito.
O modelo sul-americano
Ao explicar a necessidade de implementação mundial, Wilson mencionou a Divisão Sul-Americana (DSA) como um exemplo de lugar onde estas medidas de supervisão estão funcionando. De fato, na DSA, a expectativa administrativa por conformidade teológica não se limita à investigação acadêmica de crenças fundamentais. No Brasil, ministros adventistas podem ser denunciado por pares através das redes sociais ou de conversas informais com líderes institucionais. Por exemplo, Edson Nunes, um biblista e ex-pastor adventista, foi entrevistado pelo ministerial da AP, Pr. Vicente Pessoa, e o ministerial da União Central Brasileira (UCB), Pr. Edilson Valiante, devido a um evento acadêmico onde ele criticou a noção fundamentalista de inerrância bíblica e fez uma análise literária do discurso de Raabe em Josué 2. Entre outras demandas, os líderes eclesiásticos pediram que Edson parasse de recomendar publicamente literatura acadêmica sobre crítica literária da Bíblia. Edson também foi repreendido informalmente por Adolfo Suárez, diretor do Seminário Adventista Latino-Americano (SALT), após um programa de jovens em sua igreja que discutiu definições de feminismo. Na época o presidente de sua Associação, Romualdo Larroca, confirmou para líderes da igreja que recebia reclamações informais de seus pares e líderes a respeito de Edson Nunes, e precisava fazer algo a respeito delas. Um pastor popular com uma igreja repleta de jovens profissionais, Edson, que tem um doutorado, e cujas apresentações públicas a respeito da criação foram elogiadas na Adventist World, perdeu seu emprego há alguns anos, após receber de administradores brasileiros um documento com linhas em branco para preencher de modo a testá-lo em vários conceitos teológicos.
A rigidez em abordagens teológicas é especialmente aguda em seminários da DSA. Em um contexto que deveria gerar pluralidade de pensamento e várias abordagens críticas, professores são aconselhados a se adequarem às crenças fundamentais da instituição, tanto na sala de aula quanto em suas publicações acadêmicas. Um exemplo notável de estagnação na produção dos seminários é a Kerygma, um dos principais periódicos teológicos da DSA. Desde 2005, a Kerygma tem articulado (com pouquíssimas exceções) um discurso apologético para a teologia adventista, dentro de um processo de revisão por pares que rejeita estudos que desafiam suas interpretações ou métodos de preferência. Em 2021, um de seus ex-editores até mesmo publicou um editorial pedindo mais flexibilidade e pluralidade nas publicações do periódico, esperando que ele se tornasse um espaço para debates críticos. Ele foi removido do periódico pela DSA no mesmo ano.
Expectativas de conformidade teológica não se restringem a ministros adventistas, mas também se estendem a professores de todas as áreas no sistema educacional da DSA. De acordo com uma fonte que pediu anonimato, em 2021, após uma “reunião tensa” com Martin Kuhn, diretor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), professores escolares e universitários tiveram que assinar um documento concordando com uma “delimitação de suas liberdades acadêmicas”, em harmonia com “diretrizes formuladas pela Associação de Professores Universitários Norte-Americanos (AAUP) em 1940”. Além da adesão às 28 crenças fundamentais, o documento proíbe explicitamente os professores de “interpretar a Bíblia usando metodologias que minem a autoridade da Bíblia”, tais como a “alta crítica”, assim como de adotar teorias de “macroevolução” ou “evolução teísta” em seus ensinamentos. Os professores também são obrigados a “apoiar o casamento monogâmico e heterossexual como o padrão divino” para relacionamentos. Todas as diretrizes são explicitamente obrigatórias pra dentro e fora da sala de aula, incluindo publicações em redes sociais e vida privada. Um ministro que pediu anonimato e que dava aulas de religião confirmou que teve que assinar um documento similar entre 2017 e 2019.
Esta expectativa e imposição de conformidade teológica se reflete nas taxas de crescimento da IASD entre os jovens. No território da Divisão Sul-Americana, entre 2011 e 2020, 674 mil pessoas de 17 a 30 anos de idade deixaram a igreja, enquanto 534 mil pessoas da mesma faixa etária entraram na igreja. Isso deixa a IASD sul-americana com uma taxa de crescimento negativa, de -26,3%, entre os jovens na última década.