Conheça a história de Merikay Silver, a adventista que processou sua igreja e conquistou igualdade salarial entre homens e mulheres na denominação


Por Bonnie Dwyer | Traduzido e adaptado do original em inglês por André Kanasiro para a revista Zelota. Republicado em colaboração com SPECTRUM: o periódico e website do Adventist Forum desde 1969. www.spectrummagazine.org

Nota dos editores: O texto que segue é a introdução do livro Betrayal: The Historic and Personally Shattering Sex Discrimination Case that Pitted the Adventist Church Against its own Women (“Traição: O caso histórico e pessoalmente estilhaçante de discriminação sexual que fez a Igreja Adventista se voltar contra suas próprias mulheres”), escrito pela própria Merikay Silver e publicado pela primeira vez em 1985. O livro está sendo republicado em 2025 pela Spectrum Magazine, com um evento de lançamento no dia 11 de julho, às 21h. Clique aqui para assistir a transmissão ao vivo. 

Muito tempo antes da batalha de Lilly Ledbetter por igualdade salarial na Goodyear Tire and Rubber Company, em 1999, outra mulher já tinha desafiado a desigualdade salarial — neste caso na Associação Publicadora Pacific Press, uma empresa da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD). A ação judicial coletiva iniciada em 1973 por Merikay (McLeod) Silver, visando igualdade salarial, ajudou a transformar o sistema de pagamentos da denominação, que era baseado em gênero.

Revisitar a história dela quarenta anos após a publicação de seu livro de memórias nos lembra que a igualdade não vem automaticamente quando uma lei é aprovada. Merikay entrou com sua ação judicial quase dez anos após o Congresso ratificar o Ato de Igualdade Salarial (1963) e o Título VII do Ato de Direitos de Civis (1964), ambos criados para proibir a discriminação trabalhista. Mas as leis não mudam a cultura por conta própria — pessoas precisam agir para que justiça seja feita.

A paridade para mulheres demorou para chegar. Nessa época, uma mulher ganhava em média US$3.293,00 por ano, cerca de 40% menos que a média masculina. Mulheres não podiam ter seus próprios cartões de crédito, comprar imóveis, veículos, ou estabelecer empresas sem um cossignatário do gênero masculino. Mais litigância seria necessária para que caíssem essas barreiras.

Mudanças reais na sociedade exigem que indivíduos tomem atitude e façam a diferença. E o processo iniciado por Merikay fez a diferença. Como observado por John Rea em seu ensaio, sua ação coletiva foi citada em mais de 500 casos, artigos acadêmicos e livros. Contudo, conforme revelado por mudanças recentes no poder e na prática da política, direitos são frequentemente transitórios, mesmo após serem transformados em leis. É importante lembrar o passado para alimentar o que há de melhor no presente.

Quando Merikay foi trabalhar na Pacific Press em 1971, a escala salarial era baseada na situação matrimonial, com o objetivo de pagar aos funcionários o “salário mínimo” para o sustento. Homens casados estavam no topo da escala, pois eram “chefes de família” e tinham que sustentar o seu lar. Mulheres casadas estavam no nível mais baixo da escala.

O conflito entre Merikay e a Pacific Press começou quando seu marido voltou a estudar e ela pediu um salário de chefe de família. Disseram a ela que, por ser mulher, ela não podia receber um salário de chefe de família, e seu pedido foi negado. Outros funcionários se uniram a ela, pedindo que a Pacific Press alinhasse suas práticas ao que era exigido pela lei.

Mas a Pacific Press e sua proprietária, a Associação Geral (AG), a entidade corporativa que engloba a IASD, lutaram por dez anos contra o pedido das mulheres por esta mudança. Elas foram exortadas a serem pacientes. Os líderes denominacionais não só combateram as mulheres que primeiro solicitaram igualdade salarial, mas também argumentaram contra a Comissão de Igualdade Trabalhista dos EUA, afirmando que tinham o direito religioso de praticar discriminação. Eles enfrentaram a lei e, depois de algum tempo, as mulheres e a lei venceram. Mas a batalha deixou marcas.

Com o envolvimento da AG, a batalha passou a ser por mais do que só salário e emprego. Líderes da IASD se ofenderam muito com o fato de que as mulheres recorreram a meios legais, e sugeriram a suas igrejas locais que as excluíssem da membresia. Quando foi feita a observação de que processar a denominação não estava listado no Manual da Igreja como razão para disciplina eclesiástica, uma moção para acrescentá-la foi escrita e votada rapidamente na Assembleia da AG de 1975. Mas, frente ao argumento de que a própria IASD tinha processado seus membros e instituições anteriormente, a moção foi retirada.

Merikay era uma autora adventista popular, e enviava regularmente manuscritos para várias publicações adventistas. Após o início da disputa legal, um líder da AG escreveu para todas as casas publicadoras e revistas denominacionais, solicitando que, antes que “comece qualquer nova produção ou promoção de obras de Merikay, a organização deve buscar o conselho da AG e do departamento de publicações da AG”. Ela foi incluída numa lista negra, o que encerrou sua carreira como escritora na denominação.

Por fim, em 1983, dez anos após o início da ação judicial coletiva contra a Pacific Press, após vários vereditos e apelos, o juiz Spencer Williams deu o veredito de que a Pacific Press teria que depositar mais de US$600.000 como compensação para suas funcionárias.

Dois anos depois, Merikay publicou Betrayal (“Traição”). A resposta ao livro dentro e fora da IASD foi em apoio a Merikay e sua história. Leitores entusiasmados, os quais agora se sentiam como se conhecessem Merikay, escreviam para agradecê-la pelo aumento salarial que as obreiras da IASD experimentaram. Outras compartilhavam suas próprias histórias de tratamento injusto pela IASD. 

Um advogado que dava aulas em universidades sobre sociologia do direito escreveu para contar que estava adotando o livro dela como leitura obrigatória em sua disciplina. “A maioria dos livros com alguma relevância para a sociologia do direito parece não ter carne e osso. Eles falam do direito, de casos, decisões judiciais, como se não houvesse seres vivos envolvidos. Seu livro, além de ser informativo sobre a evolução de um caso particular e suas implicações, tem pessoas que sofrem, choram, sentem raiva, têm egos, e são hipócritas. É importante para as pessoas entenderem que disputas legais envolvem não somente casos, precedentes, vereditos e advogados, mas também angústia emocional, pressão de amigos e inimigos, e artimanhas psicológicas intermináveis.”

A coordenadora de um departamento de Estudos Feministas escreveu: “Betrayal explora a luta por justiça econômica em seu nível mais profundo. Ele conta, em termos humanos, como é ser arrancado da segurança de suas premissas religiosas e sociais. Ele descreve graficamente o preço pessoal (e as recompensas) da coragem.”

Como demonstrado por lutas mais recentes, como a de Ledbetter, as histórias de mulheres como Merikay importam hoje porque são testemunhos da luta contínua para preservar uma igualdade difícil de se conquistar. Por exemplo, muitas pastoras adventistas ainda são impedidas de acessar a igualdade que a ordenação representa. Líderes denominacionais atualmente empregam argumentos similares para defender seu direito religioso de praticar discriminação contra estas mulheres, assim como seus predecessores fizeram mais de quarenta décadas atrás.