Na investida contra os homossexuais, a igreja adventista mobilizou tanto a imprensa quanto práticas eclesiásticas para descredibilizar a teologia e a representação da comunidade LGBTQIAP+ em suas fileiras


Série História dos LGBTQIAP+ no adventismo (Parte 2)

Leia a primeira parte desta série clicando aqui. Texto traduzido e adaptado para a revista Zelota do original publicado pela Spectrum 

Declarações da IASD e envolvimento político

A Sessão da Associação Geral (AG) de 1985 alterou o Manual da Igreja, pela primeira vez, para se referir à homossexualidade: “O adultério, práticas homossexuais e lésbicas estão entre as perversões do plano original de Deus”.1 Em 1987, o Concílio Anual votou “Uma Declaração de Preocupação quanto ao Comportamento Sexual”: “adultério e sexo antes do casamento, bem como comportamento sexual obsessivo […] Abuso sexual de cônjuges, abuso sexual de crianças, incesto, práticas homossexuais (gays e lésbicas), e bestialidade estão entre as óbvias perversões do plano original de Deus.” Foi extremamente doloroso para os adventistas LGBTQIAP+ serem parte dessa lista.

Nos anos que se seguiram, a AG emitiu várias declarações focadas em questões relacionadas aos homossexuais. Em 1994, quando o presidente Robert Folkenberg soube que Mitchell Tyner, um membro da equipe da AG, havia sido convidado para ministrar em um Kampmeeting2, ele emitiu esta declaração:

“REUNIÕES DE HOMOSSEXUAIS — CONVITES PARA FALAR. Em vista do fato de que o comportamento homossexual é claramente contrário aos ensinamentos bíblicos, às crenças da Igreja, […] e para evitar a aparência de uma sanção da Igreja a tal comportamento, foi VOTADO solicitar a todos os funcionários da Associação Geral que recusem convites para falar em reuniões de homossexuais.”

Essa resposta indicou que os administradores da igreja não haviam se atualizado com as interpretações dos chamados “textos batidos” feitas por pesquisadores da Bíblia. Como Tyner viu necessidade de apoio e pastoreio, ele participou do Kampmeeting durante toda a semana.

Em 1996, a Comissão Administrativa da AG votou “Uma Afirmação do Casamento”, que lembrou aos adventistas homossexuais que sua única opção aceitável era o celibato. Em 1999, à medida que as questões homossexuais se tornavam cada vez mais importantes em debates políticos e processos judiciais, o Concílio Anual votou uma nova “Declaração da Posição Adventista do Sétimo Dia sobre Homossexualidade”, mais abrangente e negativa do que aquela acrescentada ao Manual da Igreja em 1985. Este foi revisado em 2012:

Os Adventistas do Sétimo Dia acreditam que a intimidade sexual é apropriada unicamente no relacionamento conjugal entre um homem e uma mulher. Este foi o desígnio estabelecido por Deus na Criação […] Por todas as Escrituras, este padrão heterossexual é afirmado. A Bíblia não faz acomodação para a atividade ou relacionamentos homossexuais. Atos sexuais fora do círculo do casamento heterossexual são proibidos […] Por essas razões, os Adventistas do Sétimo Dia são opostos às práticas e relacionamentos homossexuais. […] Também acredita que pela graça de Deus e através do encorajamento da comunidade de fé, um indivíduo pode viver em harmonia com os princípios da Palavra de Deus.”

Com a chegada do novo milênio, o adventismo se envolveu diretamente nos violentos debates políticos. Em fevereiro de 2000, o presidente da União Pacífico e seu especialista em Liberdade Religiosa publicaram artigos no jornal da União, urgindo membros da Califórnia a apoiarem a Proposta 22, projetada para garantir que a Califórnia não tivesse que reconhecer casamentos homossexuais quando e se eles se tornassem legais em outros estados. Alan Reinach, o diretor de Liberdade Religiosa, acrescentou: “Não precisamos ficar à margem desta questão, assegurando-nos de que os adventistas evitam questões políticas […] Podemos ajudar nos esforços para educar nossos vizinhos e para espalhar a palavra, bem como exortar os membros de nossa própria igreja a votar.” 

Reinach tornou-se muito mais frequente e virulento em suas declarações do que seus colegas da AG. Em maio de 2000, enquanto Vermont estava em um processo de adoção da legislação que reconhecia uniões civis entre casais homossexuais, funcionários da União Atlântico e da Associação North New England ergueram suas vozes em oposição a ela. Da mesma forma, quando os tribunais do Canadá começaram a reconhecer casamentos homossexuais, o diretor de Liberdade Religiosa declarou que “os adventistas têm a responsabilidade de fazer com que suas vozes sejam ouvidas sobre esse assunto”.

Em abril de 2003, Reinach se opôs à legislação na Califórnia que exigiria que as organizações que fornecem bens e serviços ao Estado fornecessem benefícios iguais a parceiros domésticos e a casais, porque a lei não isentava as organizações cristãs. Ele lançou uma petição contra o projeto de lei e solicitou que as igrejas fizessem anúncios pedindo aos membros que o assinassem. Os adventistas se aliaram a mórmons, protestantes fundamentalistas, muitos pentecostais, católicos conservadores e outros elementos da direita religiosa em seu posicionamento. Sua oposição falhou.

Enquanto isso, a Suprema Corte dos Estados Unidos chocou tais oficiais adventistas quando, em Lawrence v. Texas3, derrubou uma lei de sodomia do Texas, afirmando que esta não tratava homossexuais e heterossexuais igualmente. Quando o Canadá acrescentou a ofensas a “orientação sexual” à sua lista de crimes de ódio, a Adventist News Network relatou que os pastores tinham medo de que suas pregações contra a homossexualidade pudessem resultar em uma violação da lei.

Depois que a Suprema Corte Judicial de Massachusetts legalizou o casamento homossexual em 2004, Reinach atacou a decisão e sugeriu que os adventistas apoiassem a legislação destinada a anular essa decisão. Os adventistas comprometidos com a posição antiga de separação entre a Igreja e o Estado viram essas declarações como uma mudança notável na posição da IASD.

Enquanto isso, várias cidades começaram a realizar casamentos homossexuais, atraindo grande atenção da mídia. Esses acontecimentos, juntamente com o número crescente de nações considerando a legalização das uniões homossexuais, levaram a Comissão Administrativa da AG a publicar, em março de 2004, uma “Resposta Adventista do Sétimo Dia às Uniões Homossexuais — Uma Reafirmação do Casamento Cristão”. Isso reafirmou a posição limitada da IASD quanto à homossexualidade.

As posições oficiais anunciadas pelos líderes da igreja tornaram-se mais limitadas e mais polarizadas com o tempo. Embora muitas vezes declarassem que todas as pessoas, incluindo homossexuais, são filhos de Deus e que o abuso, o desprezo e a zombaria dirigidos a eles eram inaceitáveis, o tom dominante era a insistência de que os adventistas gays e lésbicas levassem uma vida celibatária.

Em 2008, quando a Igreja Mórmon financiou secretamente a campanha de apoio à Proposta 8, que encerrava temporariamente o casamento homossexual na Califórnia, Reinach, o diretor de Liberdade Religiosa na União Pacífico, apoiou-a abertamente. No entanto, um grupo online organizado por professores de religião nas universidades adventistas de Loma Linda e La Sierra apresentou uma petição em oposição à medida. Isso criou um rebuliço, pois era algo novo e inesperado. Reinach lutou para lançar uma petição contrária. A AG, sob o presidente Jan Paulsen, optou por ficar fora do assunto.

Em 2010, Ted Wilson, filho de Neal Wilson, tornou-se presidente da AG. Sabendo que obteria pouco apoio no mundo desenvolvido, ele usou sua viagem ao mundo em desenvolvimento durante o ano anterior para atrair apoio, expressando sua oposição à ordenação de mulheres e à aceitação de membros homossexuais. Uma vez eleito, ficou claro que sua oposição era aos homossexuais sexualmente ativos, incluindo qualquer pessoa que vivesse em relacionamentos comprometidos.

Em 2012, a Comissão Executiva da AG votou uma declaração sobre uniões homossexuais:

As instituições do casamento e da família estão sob ataque e enfrentando crescentes forças centrífugas que as estão separando […] A homossexualidade é uma manifestação da perturbação e quebrantamento nas inclinações e relações humanas causado pela entrada do pecado no mundo. Embora todos estejam sujeitos à natureza humana decaída, também acreditamos que pela graça de Deus e pelo encorajamento da comunidade de fé, um indivíduo pode viver em harmonia com os princípios da Palavra de Deus […] A Palavra de Deus que transcende o tempo e a cultura não permite um estilo de vida homossexual.”

Em 2015, o Seminário Adventista aprovou esta declaração: “Todas as pessoas, incluindo homossexuais praticantes, devem se sentir bem-vindos para frequentar nossas igrejas, enquanto os gays não praticantes devem ser bem-vindos como membros e líderes da igreja.” Logo depois, a Divisão Norte-Americana (NAD), em sua reunião anual, votou uma declaração que fazia a mesma distinção de que qualquer adventista LGBTQIAP+ poderia ser membro e ocupar qualquer cargo religioso, incluindo o de ancião, desde que não fosse sexualmente ativo: “aqueles com orientação homossexual, que estão em conformidade com os ensinamentos bíblicos sobre o comportamento sexual, podem participar plenamente na vida da Igreja Adventista”. 

A declaração também insistiu que “os funcionários da Igreja Adventista do Sétimo Dia não devem oficiar, realizar ou ter um papel ativo e participativo em cerimônias de casamento homossexual”. Essas regras eram propensas a impactar especialmente os adventistas que viviam em relacionamentos comprometidos, enquanto aqueles que permaneciam no armário e praticavam sexo promíscuo com estranhos eram muito menos propensos a atrair atenção. A posição adotada provavelmente encorajaria um tipo de comportamento estranho aos princípios bíblicos. Em 2017, a AG finalmente emitiu uma “Declaração sobre Transgêneros” um tanto confusa. Ela reconhece “tendências contemporâneas de rejeitar o binário bíblico de gênero (homem e mulher) e substituí-lo por um crescente espectro de tipos de gênero”. No entanto, alerta que

o desejo de mudar ou de viver como uma pessoa de outro gênero resulta em escolhas de estilo de vida biblicamente impróprias […] Deus criou o ser humano como duas pessoas que são respectivamente identificadas como homem e mulher em termos de gênero […] Desde que os homens e mulheres transgêneros estejam comprometidos em ordenar sua vida de acordo com os ensinos bíblicos sobre a sexualidade e o casamento, eles podem ser membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia […] Visto que a Bíblia considera os seres humanos como entidades integrais e não faz distinção entre sexo biológico e identidade de gênero, a Igreja veementemente adverte os homens e mulheres transgêneros contra a cirurgia de mudança de sexo e contra o casamento, se tiverem passado por esse procedimento.”

A atitude da Igreja Adventista para com seus membros LGBTQIAP+ deve ser entendida como parte de uma tendência mais ampla em direção ao fundamentalismo na sociedade com a qual está em sintonia. É parte de um quadro mais amplo de polarização social em muitos países, incluindo os Estados Unidos. A própria religião é vista cada vez mais como aliada da direita política; nos Estados Unidos, os evangélicos são talvez o segmento mais fervoroso da base do ex-presidente Donald Trump. Além disso, a esperança de mudança com base nas atitudes muito mais abertas ​​das gerações mais jovens é diluída pelo fato de que essas mesmas gerações têm muito menos probabilidade de serem atraídas pela religião organizada. Muitas igrejas na NAD não têm mais membros millenials, deixando os membros conservadores das gerações mais velhas no controle total.

Em março de 2014, o presidente da AG, Ted Wilson, patrocinou uma “cúpula” intitulada “À Imagem de Deus: Escritura, Sexualidade e Sociedade”, na Cidade do Cabo, África do Sul. Esta foi a primeira conferência sobre este assunto convocada pela igreja oficial. Uma apresentação de palestrantes dos Ministérios “Coming Out”, que endossam a posição oficial da igreja de que o único homossexual aceitável é um homossexual celibatário, recebeu destaque; eles também foram as únicas pessoas LGBTQIAP+ convidadas a participar. Wilson mostrou que a orientação sexual era para ele uma questão muito negativa. No entanto, embora algumas das apresentações tenham sido muito negativas para as pessoas LGBTQIAP+, Wilson não conseguiu controlar todos os palestrantes. Esta conferência trouxe a questão para o primeiro plano; foi um momento significativo para a Igreja Adventista.

Ministérios adventistas para homossexuais

Em 1995, a Pacific Press publicou My Son, Beloved Stranger [“Meu filho, estranho amado”], que contava a história da angústia de uma mãe ao saber que seu filho era gay e os eventos que se seguiram. A mãe, Carrol Grady, era bem conhecida na igreja, pois era casada com um pastor e os dois trabalharam na AG por anos. Embora inicialmente tenha sido publicado sob um pseudônimo, o livro resultou em convites para que ela falasse em reuniões adventistas e publicasse artigos em revistas relacionadas à IASD. 

Sua experiência com o filho a levou a perceber que os pais adventistas de crianças gays ou lésbicas não tinham a quem recorrer em busca de apoio. Ela começou um boletim informativo, “Alguém com quem falar”, em 1996, e um grupo homônimo de apoio a famílias e amigos de gays e lésbicas adventistas em 1999; ela também lançou um site no ano 2000. Quando Grady decidiu se aposentar de seu cargo após 20 anos no comando, ela passou o bastão para um pastor e esposa que eram pais de uma filha transgênero.

Vários “ministérios de reversão” promovendo o celibato para gays adventistas surgiram no final do milênio. O mais proeminente foi o “Coming Out” Ministries (COM), formado em 2010 por três homens com um passado LGBTQIAP+. Uma quarta pessoa, uma mulher, juntou-se a eles algum tempo depois. A abordagem deles é compartilhar suas histórias pessoais com aqueles que “lutam contra sua sexualidade, identidade ou quebrantamento” e apresentar Jesus “como a fonte de esperança, cura e vitória duradoura”. Eles afirmam que rejeitam a “terapia reparadora”, mas defendem a possibilidade de se tornarem heterossexuais e se casar — o que foi conseguido por um dos quatro palestrantes; no entanto, seu principal impulso para o celibato.

O COM conduz reuniões em igrejas e espaços acadêmicos adventistas, onde seus palestrantes contam suas próprias histórias, caracterizadas por uma promiscuidade descontrolada e o envolvimento com drogas e álcool. Essas histórias pessoais são retratadas como típicas de todas as pessoas LGBTQIAP+. Em uma apresentação em Asheville, NC, em 2018, achei que eles estavam fora de sintonia com a diversidade das pessoas LGBTQIAP+ e as tendências comportamentais entre elas ao longo do tempo e, portanto, foram tanto falsos quanto ofensivos. Nas duas instituições acadêmicas perto de Asheville, a participação dos alunos tornou-se obrigatória; os alunos LGBTQIAP+ ficaram tão angustiados com a experiência que alguns teriam se tornado suicidas.

O COM foi abraçado pela administração de Ted Wilson na AG, pois sua mensagem está em sintonia com a dele. Eles foram as únicas pessoas “LGBTQIAP+” apresentadas na conferência global patrocinada pela AG em 2014 sobre homossexualidade na África do Sul, que teve a participação de 350 delegados de todas as Divisões da IASD a nível mundial. Ele também foi adotado por outras organizações conservadoras relacionadas aos adventistas, como a rede de televisão 3ABN. “Journey Interrupted” (em português: “Jornada Interrompida”), um documentário lançado em 2016 que também conta suas histórias, recebeu o imprimátur da AG quando foi exibido no Concílio de Outono, em setembro de 2016. Desde então, ele foi amplamente exibido, como na convenção GYC em dezembro de 2016, na Convenção Ministerial da NAD em janeiro de 2017, no Seminário Adventista em março de 2017, e em vários outros países.

As histórias dos três homens mais velhos destacadas neste grupo refletem a experiência de alguns homens gays várias décadas atrás: eles eram enrustidos, promíscuos, se odiavam e eram envolvidos com álcool e drogas ilegais. Eu achei realmente problemático que suas histórias fossem apresentadas como a típica experiência gay em uma época em que muitos casais LGBTQIAP+, especialmente casais cristãos, agora formam relacionamentos monogâmicos e comprometidos, e se casam legalmente. No entanto, líderes da igreja mal informados evidentemente querem acreditar que suas biografias ainda são uma representação verossímil da vida dos adventistas LGBTQIAP+.

O COM perdeu dois de seus palestrantes recentemente. Fui informado de que um dos fundadores renunciou porque não conseguiu manter um registro de celibato; a mulher também renunciou por “motivos pessoais”. Consequentemente, o site do COM agora oferece apenas dois palestrantes, e a organização perdeu credibilidade. Eles descobriram que aliar suas crenças ao perfeccionismo de última geração não era sustentável.

Fui informado em uma entrevista de que um fundador do COM teria tido uma “queda” sexual. Como eu não tinha certeza de até que ponto isso havia se tornado público, pensei muito antes de decidir mencioná-lo. Decidi que se um dos fundadores do COM não pode mais dizer que é celibatário, isso é relevante para as pessoas saberem. É óbvio para mim que, para um gay assim, mesmo mais velho, tentar desesperadamente ser celibatário é pedir muito de si mesmo, e que proclamar o celibato como um exemplo para atrair outros a esse caminho deve aumentar a pressão. Então, eu sinto por ele. Mas eu, e muitos outros, fomos oprimidos por ouvir seu testemunho e seu julgamento sobre nossas vidas. Sei, por minha própria história, que pedir a Deus repetidas vezes que nos ajude a mudar de orientação ou ser celibatário e, em seguida, fracassar novamente e odiar a nós mesmos como resultado, é uma experiência verdadeiramente miserável. 

Quando eu encontrei o amor, foi uma bênção enorme — eu entendi melhor a Deus como resultado, pois Deus é amor. Meus anos de orações mal-sucedidas para mudar minha orientação sexual, dos 18 aos 34 anos — um total de 16 anos! — foram uma tortura. Em vez de tentar estabelecer um número incontável de trajetórias semelhantes entre os jovens adventistas, a igreja deveria nos permitir lhes mostrar como criar relacionamentos de amor e compromisso, e usá-los como exemplos de relacionamentos semelhantes com Jesus. A mensagem do COM, proclamada com o apoio da AG, de que ser celibatário é a única maneira de uma pessoa LGBTQIAP+ agradar a Deus, é abusiva.

Durante essas décadas, a SDA Kinship cresceu mais rapidamente do que antes, tanto na América do Norte quanto internacionalmente. Seu número total de membros em janeiro de 2020 era de 3.311 em 79 países; 2.033 (61,4%) deles estavam na América do Norte. A Kinship apoia relacionamentos comprometidos entre seus membros, e suas reuniões e atividades oferecem oportunidades para que adventistas gays e lésbicas se encontrem e busquem tais relacionamentos. Ela também acolhe, sem julgamentos, todas as pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros e intersexo que a abordam. A maioria dos membros é adventista ou de formação adventista, com a maioria de seus membros não-adventistas sendo parceiros de adventistas. 

A mensagem espiritual da Kinship, que muitas vezes trouxe encorajamento e cura aos homossexuais que se sentiam afastados de Deus e rejeitados por sua igreja, é a de que Deus os ama e os aceita como são. Seus cultos de adoração no Kampmeeting são experiências emocionantes, pois não apenas os sermões são dirigidos diretamente às suas necessidades, mas são os únicos cultos em que muitos de seus membros se sentem bem-vindos.

A imprensa adventista

Os periódicos oficiais da IASD em sua maior parte mantiveram silêncio sobre a homossexualidade até a década de 1990, exceto pelos artigos de Colin Cook na revista para jovens, Insight, e os da Ministry, divulgando e, em seguida, tentando reabilitá-lo. No entanto, algumas revistas dirigidas a públicos específicos tornaram-se mais dispostas a publicar artigos que abordassem a homossexualidade e questões relacionadas. Enquanto alguns ampliavam as questões abordadas, todos permaneceram dentro das diretrizes oficiais de comportamento da igreja.

Em 1992, a Insight publicou um artigo importante — “Resgatando nossa triste situação gay: uma resposta cristã à questão da homossexualidade”, da autoria de Christopher Blake, editor da revista. Blake admitiu que a IASD deveria ter emitido um pedido público de desculpas após o colapso do Quest Learning Center, e que ela não havia avançado com qualquer outra abordagem para ajudar os membros gays e lésbicas da igreja. Em muitos aspectos, o artigo representou um avanço na compreensão do assunto, especialmente em suas seções intituladas “Ninguém escolhe ser homossexual”, “‘Atacar homossexuais nunca é aceitável, especialmente para cristãos”, “Muitos medos quanto à homossexualidade são irracionais”, “Homossexuais não são por natureza necessariamente promíscuos ou molestadores de crianças ”, “Mudar a orientação homossexual é difícil e raro” e “Homossexuais podem ser cristãos exemplares genuínos”. No entanto, o artigo definia esses cristãos modelo como aqueles que “lutam contra sua orientação por toda a vida”, pois “a atividade homossexual é pecaminosa” e não pode ser tolerada.

A Insight publicou vários outros artigos lidando com a homossexualidade nos anos subsequentes, mas esses foram muito menos audaciosos e tiveram o cuidado de não infringir a posição oficial da Igreja.

O artigo da mãe de um filho gay escrevendo sob um pseudônimo apareceu em Women of Spirit no ano 2000. Ela contou que viajou para encontrar o parceiro de seu filho pela primeira vez e se viu comendo com três gays e uma lésbica, que inesperadamente perguntou a ela sobre sua fé e igreja. Comovido com as respostas dela, um comentou que sabia pouco sobre o cristianismo, mas gostaria de aprender mais. Ele então perguntou: “Posso ir à sua igreja? Eles seriam como você?” Ela relatou que respondeu: “Não, Jed, minha igreja ainda não está pronta para você.”

Em novembro de 1996, a revista Ministry, dirigida ao clero adventista, publicou uma edição que abordava a questão “O que os homossexuais precisam de um pastor?” Todos os artigos permaneceram dentro das diretrizes de comportamento oficialmente recomendadas para homossexuais. O artigo principal afirmou que era essencial reconhecer a diferença entre orientação e comportamento, e exortou que os pastores e as igrejas “sejam profeticamente claros e genuinamente compassivos”; isto é, sustentou que a orientação sexual provavelmente era fixa, mas os adventistas LGBTQIAP+ deveriam escolher ser celibatários.

À medida que a questão do casamento homossexual se tornou politicamente proeminente nos Estados Unidos, o tom de alguns artigos nas publicações da IASD tornou-se muito mais estridente. Em outubro de 2003, por exemplo, Roy Adams publicou um editorial na Adventist Review, o “jornal oficial da igreja”. Intitulado “Casamento sob cerco”, o artigo se referia ao “esforço conjunto para a aceitação total, feito por um lobby homossexual bem financiado e abastado, com a mídia se atropelando para promover a agenda”. Depois de listar a derrubada da lei antissodomia do Texas, a aceitação do casamento homossexual pela Holanda e Bélgica e seu avanço nos tribunais no Canadá e Massachusetts, ele levantou a questão: “Qual deve ser nossa postura como Igreja?” Declarando que “a crise espiritual dos últimos dias” estava aqui, que estávamos vendo “um ataque ousado, deliberado e orquestrado aos três pilares fundamentais do livro de Gênesis: Criação, sábado e […] casamento”, Adams afirmou que apesar de os adventistas historicamente abraçarem a separação entre Igreja e Estado, “O silêncio não é uma opção. As apostas são muito altas […] Este é o momento para as comunidades de fé se manifestarem.”

Em 2004, uma edição da Liberty estabeleceu um tom semelhante. O que foi surpreendente, visto que o propósito histórico da publicação era promover a liberdade religiosa e, nos Estados Unidos, a separação entre Igreja e Estado.

Em contraste, os periódicos adventistas independentes e progressistas, Spectrum e Adventist Today, junto com seus sites, desempenharam papéis muito diferentes e significativos. Durante a década de 1980, a Spectrum informou seus leitores sobre o surgimento do movimento de direitos civis gays dentro do adventismo e a resposta da igreja. Ela cobriu o primeiro Kampmeeting da SDA Kinship em detalhes, a abordagem do “ministério de reversão” financiado pela IASD e seu colapso em meio a um escândalo, o impacto do HIV/AIDS em adventistas gays na América do Norte e o fracasso do processo movido pela AG contra a Kinship. 

Em 2008, ela concluiu um projeto ambicioso e importante: a publicação do livro Cristianismo e Homossexualidade: Algumas Perspectivas Adventistas do Sétimo Dia. Ele contava histórias de adventistas LGBTQIAP+ e de seus pais, discutia perspectivas biomédicas, éticas e de ciências sociais, incluindo uma história da evolução das respostas adventistas a seus membros LGBTQIAP+, e apresentava discussões feitas por biblistas e teólogos adventistas que eram muito diferentes do entendimento oficial da igreja. 

No novo século, tanto a Spectrum quanto a Adventist Today e seus sites ampliaram consideravelmente sua cobertura, abrindo as portas para uma compreensão da vida e dos problemas dos adventistas LGBTQIAP+, incluindo aqueles que são transgêneros e intersexuais. Ambas apoiaram tratá-los como irmãos e irmãs. Elas também cobriram as descobertas de grandes estudos detalhando como as famílias adventistas respondiam a seus filhos LGBTQIAP+, e artigos teológicos significativos ajudando as pessoas a compreender o real significado dos poucos textos bíblicos geralmente evocados contra esta minoria. Eles também desafiaram os adventistas a tratarem os adventistas LGBTQIAP+ como Cristo o faria. A Spectrum publicou um total de 47 artigos relacionados com os LGBTQIAP+, 23 desde 2000, e seu site mais de 80, todos no último período; a Adventist Today publicou 29 artigos apenas nos últimos quatro anos.

Notas:

1. Tradução adaptada da versão de 2015.

2. “Kampmeeting” é um acampamento anual da Kinship. O termo também é utilizado para fazer referência aos encontros da Kinship no Brasil.

3. Foi um caso da Suprema Corte dos Estados Unidos em que se derrubou uma lei da sodomia no Texas, invalidando outras semelhantes em diferentes estados, tornando a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo uma prática legal.