A realidade desconhecida dos adventistas que lutam desarmados ao lado da militância sem-terra, em nome da fé e da esperança por um pedaço de solo no qual viver


Um fato desconhecido – ou esquecido – dos adventistas no Brasil é a relação que alguns membros da  Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) possuem, ou possuíam, com movimentos de ativismo político relacionados à reforma agrária: o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST); o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM); a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre outros. Se, hoje em dia, eles são desconhecidos pela falta de um relato histórico honroso, em sua época de militância os “adventistas sem-terra” eram deliberadamente marginalizados de suas comunidades, criminalizados por seus atos, e negligenciados pela assistência social da igreja.

Como já demonstrado na reportagem “Direita, volver!”, a liderança adventista no Brasil, atualmente, aparelha um discurso político-ideológico de extrema direita, além de endossar a difamação de políticas associadas à esquerda. A Zelota também apresentou um panorama histórico de como a IASD, na América-Latina e na Europa, se envolveu em relações de servilismo e clientelismo com governos ditatoriais de direita; além de se aliar à promoção ufanista da Ditadura Civil Militar brasileira. O mesmo sentimento religioso reacionário é sentido contra os adventistas sem-terra – se não pela reprovação, pela indiferença à história de luta e resistência que carregam há décadas em sua memória e nas marcas de seu corpo.

Constata-se que os adventistas sem-terra possuíam diversas ocupações, que poderiam envolver cultos semanais. Estas poderiam ser realizadas ao ar livre ou em cabanas, feitas de tenda ou de madeira. Embora alguns dos assentamentos tenham sido objeto de evangelismo após a conquista da terra, há relatos de adventistas que participaram ativamente da militância em prol da reforma agrária, mesmo vítimas de críticas e afastamento de suas comunidades religiosas.

Como “bons adventistas”, eles permanecem fiéis às suas convicções religiosas: se recusam a pegar em armas para reivindicarem as terras; promovem cultos e outras atividades religiosas entre os membros de sua comunidade; intercedem ativamente pelos companheiros que, na falta de opção, encaram a violência dos grileiros; e, o mais importante, aplicam a fé e esperança de sua religião à prática da justiça e da misericórdia – confrontando, se necessário, as autoridades de sua igreja em respeito à pureza de seus princípios.

Dos adventistas sem-terra

É difícil oferecer, de forma precisa e atualizada, o número exato de igrejas ou comunidades adventistas inseridas em assentamentos da reforma agrária. Isso ocorre pela falta de documentação e pelo desconhecimento histórico que as associações possuem de tais movimentos entre os adventistas. A revista Zelota constatou a existência de, ao menos, 12 assentamentos com presença adventista distribuídos pelo Brasil, com datas de estadia que abrangem de 1995 a 2021, em comunidades que poderiam abrigar de 40 assentados a 6 mil deles.

Esses dados foram coletados a partir de documentos variados, que abrangem trabalhos acadêmicos, livros, entrevistas a leigos e pastores ou matérias jornalísticas. Embora não seja exato ou qualitativo, o cenário demonstra um envolvimento claro dos adventistas com o MST em grande parte das regiões do Brasil. O quadro não pode ser definitivo, mas ilustra parte da realidade adventista brasileira que ainda não foi devidamente explorada.

Embora os movimentos de esquerda no Brasil, historicamente, possuam maior afinidade com a igreja católica (devido à atuação das Comunidades Eclesiais de Base [CEBs]), em 1996, a Datafolha já constatava o aumento de grupos evangélicos em comunidades do MST. Segundo o The Intercept Brasil, o maior assentamento do estado do Rio de Janeiro, Zumbi dos Palmares, presenciou um aumento significativo de evangélicos ao longo dos anos: em 1999 eram menos de 7%, e, atualmente, em 2021, eles já somam 72%; no cômputo de todos os assentamentos do estado, eles podem chegar a 80% dos religiosos assentados. Os dados não impressionam, devido ao já conhecido crescimento dos evangélicos no Brasil, segundo informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010.

Dado o contexto, a aparição de adventistas entre militantes sem-terra também não deveria surpreender. Em novembro de 2008, a Revista Adventista comentou a existência de um clube de desbravadores e de cultos sabáticos no assentamento “Pequena Vanessa II”, no município do Bom Jardim, GO. O Pr. Gessé Vieira, em conversa com a Zelota – e na época pastor para a área que abrangia o assentamento – informou que a relação dos adventistas com o MST ocorreu por conta de uma irmã que já residia no local; e que disponibilizou uma parte de seu terreno para a construção de uma igreja. O pastor recorda ter batizado, naquela época, em média 20 pessoas do assentamento.

Não apenas em Pequena Vanessa II, mas na maioria das comunidades adventistas assentadas, é possível presenciar atividades comuns às igrejas tradicionais: cultos semanais, pequenos grupos, clube de desbravadores, encontro de jovens, estudos bíblicos etc. Os assentamentos costumam ser receptivos a atividades religiosas das mais diversificadas e, inclusive, se abrem para trabalhos de cunho evangelístico.

Em contato com o Pequena Vanessa II, Gessé afirmou não ter presenciado qualquer conflito ideológico entre a fé adventista e o caráter político do assentamento. Não havia, em suas palavras, uma “guerra de ideias”, adventismo vs. MST. A relação entre a consciência religiosa e política dos assentados era orgânica, isenta de impedimentos ou preconceitos: “a igreja não via a política com maus olhos, não viam nenhuma contradição em si. Eles entendiam que [a política e a religião] podem se ajudar mutuamente”, esclarece o pastor.

Outros exemplos podem ser citados: adventistas e militantes do MST, entre 2018-2019, no acampamento Gabriel Pimenta, em Juiz de Fora, MG, o casal José Agostino Costa e Delizete Rodrigues da Silva Costa foram “convertidos” à militância da reforma agrária por curiosidade. Desde pequenos, por conta da vida no campo, sempre sonharam com um pedaço de terra para cultivo familiar. Ao entenderem os propósitos da militância sem-terra e se impressionarem com a persistência do movimento, mesmo sendo adventistas, concluíram ser aquela uma causa justa para a concretização de seus sonhos. O casal relata ter ficado, em média, seis meses acampado em um terreno abandonado, em Goianá.

“Eu costumo dizer pra Deus: ‘Senhor, se eu estiver fazendo alguma coisa errada, o Senhor me impeça na hora!’ Mas Deus esteve com a gente, e sentimos que Ele esteve conosco o tempo todo. A gente só estava fazendo o bem. A gente foi lá com a melhor das intenções. Deus não viu aquilo com a intenção de maldade, de roubar”, explica Delizete.

Experiência semelhante ocorreu na região de Bauru, SP, em torno do assentamento atualmente conhecido como “Horto Aimorés”. Por volta de 2003, um grupo de aproximadamente dez adventistas se encontrou na rodoviária do município. O encontro, no entanto, não foi combinado, embora todos tivessem o mesmo objetivo: conseguir um pedaço de terra para subsistência de suas famílias. “Não foi combinado que os adventistas ficassem todos juntos, foi Deus que colocou”, comenta a ex-militante Josefa Gonçalves.

“Ninguém combinou nada, a gente se encontrou na rodoviária. Todo mundo se encontrou no mesmo dia sem combinar, um grupo de adventistas! E o que fazer quando tem adventista junto? A gente fazia os cultos. E eu não esqueço os cultos que a gente fazia no estradão. No sábado a gente sentava nos barrancos e fazia o culto, pra estudar a lição da escola sabatina”, recorda Alzira Maria da Silva, uma das ex-militantes.

Em entrevista à Zelota, o grupo relatou que alguns se locomoveram de Sumaré e outros de Andradina, ambos municípios de SP. A maioria deles já avançava na idade; e perceberam que as empresas da região preferiam contratar trabalhadores mais jovens. A partir de então, o grupo, antes disperso, viu nas terras destinadas à reforma agrária a oportunidade de um novo começo. Unidos à CPT e ao acampamento “Terra Nossa”, os adventistas sem-terra levantaram suas barracas, a princípio, na região de Iguapó e, posteriormente, se dirigiram à Pederneiras. Mas em nenhuma das ocasiões obtiveram sucesso.

O verdadeiro desafio do grupo ocorreu quando, finalmente, chegaram à região do Horto, onde “a luta foi brava”, segundo Josefa. O acampamento era alvo de incontáveis liminares, que os obrigavam a desocupar os locais, ocasionando uma sucessão de êxodos naquela região: “A gente não ia embora pra casa, a gente entrava em outra área. Só aqui na área do Horto, a gente deve ter levado umas cinquenta liminares: sai, entra, sai, entra. Eles tiravam a gente de um espaço e a gente entrava em outro.”, recorda uma das entrevistadas. A instabilidade durou sete anos: “Só ficou gente de fibra aqui”, relatam.

O grupo finalmente consegue um pedaço de terra no Horto. E embora estivessem reunidos como adventistas, acalentavam organizar uma igreja fixa para o grupo. Como não houveram auxílios intencionais das igrejas da região – por conta de preconceitos –, o grupo levantou o templo sozinho. Em 2011, já congregavam em um espaço físico, mas o registro como igreja só ocorreu em 2012, quando a associação percebeu que havia ali uma comunidade organizada.

“O nosso sonho era fazer nossa igreja aqui. E a gente orava pra Deus, né, irmã Alzira? A gente orava pra Deus mandar alguém de lá [de Bauru] pra ajudar a gente aqui, porque não tinha condição, acesso. A gente se reunia na minha casa, na casa dos outros, debaixo do eucalipto, lembra? Mas nunca desistimos de ter igreja aqui. E existe hoje por causa do nosso sonho, porque Deus ouviu as orações”, recorda Josefa, emocionada.

Não há dados históricos completos sobre a instituição da igreja no assentamento Horto Aimorés, informações sobre cargos da membresia ou processos administrativos, porque os irmãos arranjaram a congregação de maneira desorganizada; não entendiam do assunto. Atualmente, depois da oficialização, a igreja do Horto congrega adventistas de igrejas vizinhas, como membros da igreja central de Bauru.

Mas a relação dos adventistas com os movimentos de militância da reforma agrária não se restringiu à agricultura. Na década de 1990, uma extensa região da “Cohab Adventista”, no Capão Redondo, SP (área do antigo IAE, hoje UNASP, campus São Paulo), tinha como proprietária a IASD. O terreno era muito extenso, e poderia ser classificado como imóvel oceoso, por não possuir planejamentos para uma área específica e não cumprir com sua função social, tanto da parte da igreja quanto da prefeitura. Por isso, entre 1990-1994, a Associação Pró-Moradia da Zona Sul ocupou o local para desapropriá-lo, a fim de utilizá-lo para os benefícios do povo.

De acordo com a Enciclopédia Adventista, o terreno do Capão Redondo – ou ao menos parte dele – já estava em posse dos adventistas desde 1915. O dinheiro para a compra, na época, era proveniente do fundo para educação da Conferência da União e uma doação da Associação Geral (AG), realizada em Washington, DC, em 1909. O valor pago, na época, somou a quantia de 20:000$000 (vinte mil contos de réis).

A adventista Gersina Dalva de Sampaio Curaçá recorda a ocasião, pois liderava a ocupação na época, e ainda não estava ligada à IASD: “Quem diria. Eu estava protestando contra a igreja que faria parte, no futuro”, comenta a ex-militante em tons de humor. Gersina atuava como diretora da associação, e reunia em torno de sua liderança, em média, de 150 a 200 militantes, todos treinados e educados para agir em obediência a seu comando.

“A associação era registrada, não era bagunça. Mas as pessoas achavam que era um monte de baderneiro, que iam pra lá pra fazer bagunça, e não era assim. Tem toda uma ideologia, um propósito, um planejamento e uma reivindicação. E o que a gente reivindicava? Moradia pra quem não tem. Eu creio que eu trabalhava pra Deus naquele tempo, porque fiz muito mais coisa naquela época do que fiz pela igreja”, explica Gersina.

A ex-militante também relatou à Zelota ter sido convertida ao adventismo dentro do próprio movimento. Ela recebia folhetos para palestras “Como deixar de fumar”, e estudou a Bíblia com uma das professoras da creche, construída pela associação em uma das áreas desapropriadas. Segundo Gersina, a funcionária costumava repetir a ela: “Eu vejo esse seu dinamismo no palanque. Você um dia vai ser uma grande ganhadora de almas.”

A organização e os propósitos desses movimentos sociais do campo – e nas cidades – são simples: ao identificar grandes latifúndios improdutivos, famílias levantam acampamento próximo ao local que pretendem desapropriar. Essa acomodação é construída às margens de uma estrada como forma de pressão sobre o governo, que, por respeito à constituição, deveria providenciar assentamento naquela ou em outra área, privada ou pública. Os adventistas fizeram (e ainda fazem) parte de tais reivindicações, e possuem um histórico de luta e resistência dignos de recordação.

“Fugir da luta, a gente não foge”

Não é novidade aos adventistas o princípio religioso que os constrangem a não participar de confrontos ou guerrilhas, por serem contextos que os obrigam a utilizar armas e ferir o próximo. Essa convicção é expressa não apenas em termos bíblico-teológicos, mas é evidente na publicação de livros como O soldado desarmado, de Fraces M. Doss, ou Mil cairão ao teu lado, de Susi Hasel Mundy e Milan Schurch, ambos publicados pela Casa Publicadora Brasileira (CPB) e repletos de testemunhos de fé no campo de guerra.

Por irônico que seja, o protagonismo dos personagens de tais livros diz muito a respeito da agenda política adventista. Em ambas as narrativas, os soldados “lutam” ao lado de exércitos organizados com propósitos imperialistas: o primeiro em colaboração com esforços estadunidenses, e o segundo em companhia do exército nazista. Esses soldados adventistas merecem, de fato, congratulações por insistir em ir à guerra desarmados. Mas o mesmo elogio seria duvidoso se levadas em consideração suas motivações políticas, no que diz respeito à natureza moral dos conflitos de uma perspectiva geopolítica.

No contexto da reforma agrária, contudo, os “soldados desarmados” avançam em uma trincheira contrária a da experiência americana ou nazista. Os militantes sem-terra se recusam a agir de forma violenta, mesmo assediados por tropas da Polícia Militar (PM) e outras ações de linchamento gratuito. Esses agricultores apoiam a desapropriação dos grandes latifúndios, mas lutam movidos por convicção religiosa, recusando pegar em armas – como foices, facas, facões etc. Em todas as experiências relatadas à Zelota, os adventistas militam de forma pacífica, e na maioria das ocasiões atuam como “intercessores” nos momentos de combate.

No início da pandemia, os adventistas do assentamento Horto Aimorés, Bauru, SP, resolveram realizar seus cultos ao ar livre, utilizando máscaras e mantendo certo grau de distanciamento. Em um sábado do mês de agosto (28) de 2020, houve um culto breve e incisivo, ministrado pelo obreiro bíblico da região, com foco nas desventuras evangelísticas do apóstolo Paulo, na relação entre este e Marcos.

Em resposta ao comentário do pregador, um membro anônimo interrompeu o sermão, no afã de oferecer uma opinião sobre o apóstolo: “Paulo é dos meus! Por mais radical que eu seja, eu sei diferenciar o que é do bem e o que é do mal. Eu não sou covarde!” Consciente ou não, a intervenção do membro assentado no Horto traduziu o sentimento ético-religioso que envolve a militância adventista sem-terra diante dos inevitáveis conflitos contra a PM há, ao menos, três décadas.

Os ex-militantes adventistas do acampamento Gabriel Pimenta, em Juiz de Fora, Delizete e Agostinho, foram vítimas de uma tentativa de incêndio enquanto reivindicavam em Goianá. De acordo com o casal, o incêndio foi ocasionado nas proximidades do acampamento para que, mais tarde, o fogo pudesse alcançar os militantes. “Tacaram fogo em volta, pra poder alcançar o acampamento; e fazer com que aquelas famílias se dispersassem… é tanta família carente! Você precisava ver como tinha criança lá! Tinha muita criança”, lamenta Delizete ao recordar o ocorrido.

Embora tenha sofrido tais ataques, Delizete afirma ser contra a violência, mesmo em ocasiões de defesa. “Eu sou mais careta! Eu não sou misturada não! Ou eu sou adventista ou não sou adventista. Se eu vim pra cá é porque Deus permitiu; e eu não vou deixar de ser o que eu sou”, afirma a ex-militante. Ao recordar a época acampada, Delizete descreve as ocasiões em que seus companheiros permaneciam de sentinela, armados de foice e facão e, por vezes, questionava se aquele ambiente era propício para uma cristã adventista como ela. Mas ao se deparar com os objetivos dos militantes, mudava de ideia:

“Eu pensei que aquele não era um lugar pra gente, mas achei interessante a luta deles e a união deles. Eu não vi nada de errado ou de injustiça no que eles fazem lá dentro. A única coisa que eu achava é que eles não tinham que ficar usando esses tipos de ferramenta pra defesa”, esclarece. E brinca: “estar acampado é uma experiência de louco, mas a gente gosta de loucura mesmo.”

Entre os adventistas assentados no Horto, a experiência e a convicção religiosa se manifestaram da mesma maneira. De acordo com Josefa, uma das militantes em Bauru, SP, no vai-e-vem dos acampamentos devido à ordem das liminares, o militantes eram retirados dos locais sob a ameaça de policiais que apareciam com camburões: “Pra tirar a gente dos locais, às vezes, vinha até camburão junto com polícia. Os empresários de Bauru diziam que esse lugar era deles; e eles tinham dinheiro, então, pagavam advogado e pagavam juiz.”

Uma ocasião de conflito permaneceu vívida na memória de Artur Camilo do Carmo, esposo de Alzira, também assentado no Horto:

“Uma vez teve um conflito muito grande na fazenda. Quando nós entramos, vieram lá de baixo uns capangas atirando. E a gente ficou ali, mas teve uns que correram. Duas pessoas se machucaram, o resto ficou bem, graças a Deus. Mas era tiro pra todo lado! De 38 mesmo. Eu tava correndo e passou uma bala no chão, jogando muita poeira pra cima! Eu fui embora. E não era tiro pra assustar a gente, não, era pra matar! E foi quase morte mesmo. Mas graças a Deus a gente nunca precisou tomar nenhuma iniciativa violenta”, relata Artur.

Sua esposa, Alzira, recorda dos mesmos acontecimentos com tristeza, mas afirma sua convicção a respeito da proteção divina quando era urgente. Nessas ocasiões, ela se retirava para oração, e poderia passar a noite em vigília se necessário: “Nas minhas orações, eu pedia a Deus que ninguém saísse ferido daqui. E o Daniel falava: ‘A dona Alzira não dorme, ela ora a noite inteira’. Por que eu fazia isso? Onde eu ia buscar apoio? No ser humano? Eu tenho que buscar em Deus. E foi por milagre que Deus ajudou a gente. Eu sinto que nós só pegamos a terra porque Deus estava conosco. E eu tenho fé até hoje que Deus sustenta todos nós que estamos aqui.”

Assentado no Pontal do Paranapanema, em meados de 1997, o adventista Rosinei Oliveira Santos alegou ter perdido as contas das ocupações que participou. Como é comum entre os adventistas, ele se recusava a pegar em armas, e corria o risco de ir ao “campo de batalha” como soldado desarmado: “Pela palavra de Deus, a gente não pode pegar em armas, mas fugir da luta a gente não foge”, reflete o militante. Em uma das ocupações da época, na fazenda São Domingos, seis sem-terra saíram feridos a bala. Rosinei, relembrando o ocorrido, conta que orou pela empreitada.

Em um relato publicado por Carolina Teles Lemos sobre a “mística da luta camponesa” para a revista Caminhos, uma adventista é citada como intercessora da resistência contra a polícia militar, no Paraná. O acampamento, denominado pelos sem-terra de “Cristópolis”, localizado no município de Ibema, teria sido formado de uma ocupação no final de 1980. No dia 28 de dezembro, em 1989, a polícia militar tentou despejar 300 famílias do local, mas recuou ao ataque de baionetas, cassetetes, foices e facões. Relembrando a vitória, um dos militantes comentou:

“A polícia chegou, por volta das 6h30 da manhã. Com poucas palavras o pessoal já estava unido, tentando resistir à polícia. Eram em torno de 700 a 800 policiais contra mais ou menos 1.500 a 2.000 pessoas. Um grupo guarneceu a parte da cerca, levando foice, água para proteger-se contra bomba de gás. Levaram também bomba de gasolina, que foi construída na hora. E a terra foi nossa arma. Houve orações de uma companheira adventista, que rezou o tempo todo. As mulheres ficaram juntas fazendo comida para alimentar as crianças […] Deus nos ajudou muito. O dia estava bonito e Deus logo mandou chuva pra nos ajudar. A chuva judiou de nós, mas judiou mais deles [da PM]. A bomba de gás mesmo não ia funcionar com a chuva. Aquele dia para nós foi muito importante, uma data inesquecível.”

Em São Paulo, a irmã Gersina, líder da Associação Pró-Moradia da Zona Sul, mesmo antes de sua conversão ao adventismo, já sustentava uma política de não-violência – quando possível. Os apartamentos que hoje constituem a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), na região do Capão Redondo, foram, na época, conquistados por ela e sua equipe. Embora houvesse promessas de que o terreno seria desapropriado para moradias, a prefeitura recuou na decisão, e, por isso, Gersina e os militantes se locomoveram à porta do Palácio dos Bandeirantes em forma de protesto.

A ex-militante recorda que, nessa ocasião, os policiais foram truculentos e objetivos em sua busca. O foco eram as lideranças: “Pra você ter uma ideia, na frente do Palácio dos Bandeirantes, quem nos vigiava eram os cachorros. Eu cochilei, e os líderes que estavam em volta cochilaram. Era de madrugada. Quando a gente pensou que não, a polícia já tava em cima da gente. Quando o cara tava pra atirar, falaram ‘pega essa moreninha aí, ela é líder do movimento’. A gente pedia calma pro pessoal, e a polícia falou que queriam só os líderes. Nós fomos pra delegacia todo mundo pra explicar o por que a gente tava lá”, descreve Gersina.

Para esses momentos, a associação liderada por Gesina era devidamente treinada. Como o objetivo era pacífico, com intenções de manifestação e reivindicação, o grupo era instruído a não revidar a polícia, ainda que ela fosse truculenta. A ocupação era organizada, com equipe de vigilância, equipe das barracas, equipe de jornalismo, entre outras. Mesmo assim, a violência policial foi inevitável:

“Nós fomos tirados, os líderes, com batalhão de choque mesmo! Foi muito esquisito. Mas a gente treinava. No meu caso, quando eu levantava a mão, ninguém se mexia, todo mundo parava pra não partir pra agressão. Porque a gente ia ali só pra reivindicar. Então nós fizemos um treinamento, várias reuniões, e cada um pegou uma equipe, era tudo separado. Como líder, qualquer pessoa que se machucasse ficava na nossa responsabilidade,” explica a adventista.

Covardia, equilíbrio e passividade não são virtudes entre os militantes sem-terra, que precisam se defender de violentas investidas da polícia, de grileiros, proprietários, falsos proprietários, agentes ou órgãos do Estado etc. Segundo a CPT, em 2017, das 71 mortes ocorridas no campo, 22% foram de lideranças; em 2018, dos 24 assassinatos registrados, 54% são de líderes do movimento. Em entrevista ao G1, Ruben Siqueira, membro da coordenação executiva nacional da CPT, explica que o homicídio funciona como intimidação: “você intimida de duas formas: ou matando indiscriminadamente, ou matando lideranças. E as duas coisas estão acontecendo.”

Em 2019, os dados dos Conflitos no Campo, registrados pela CPT, apontaram a ocorrência de 1.254 conflitos por terra, 12% superior a 2018, ultrapassando todos os cômputos desde 1985. No mesmo ano, a CPT registrou 32 assassinatos, 30 tentativas de assassinato e 201 ameaças de morte – todos eles contra camponeses, camponesas, indígenas, quilombolas e lideranças da resistência. A maioria das mortes (87,5%) ocorreu em contextos de conflitos por terra. Entre os dados parciais divulgados para 2020, 1.083 conflitos foram registrados, somando 18 assassinatos. Em cômputo geral, entre 1985-2020, mais de 1.900 trabalhadoras e trabalhadores foram assassinados.

Galeria

Membros adventistas do Assentamento Horto Aimorés, Bauru, SP (Fotos de Anderson Pinaty para a Zelota):

“Dá pra fazer as duas coisas”

A luta dos sem-terra não contradiz a fé adventista, mas a crítica e o preconceito que envolvem a militância política de esquerda, na instituição, descredibilizam os agricultores, afastando-os do convívio entre os irmãos por reivindicar direitos básicos à terra. Em 1997, assentado no Pontal Paranapanema, Valmir Rodrigues Chaves – popularmente conhecido como “Bill” –, deixou de frequentar a igreja após “bater no liquidificador” o que conhecia sobre a Bíblia e O capital, de Karl Marx. Em entrevista concedida à Folha de S.Paulo, ele afirmou que “dá pra fazer as duas coisas”. O seu afastamento não ocorreu por uma contradição entre a Bíblia e a militância, mas por conta do que alguns adventistas pensavam sobre a militância.

Os adventistas sem-terra, não raro, costumavam ser hostilizados, tanto pela membresia de suas comunidades quanto pelas lideranças. Nas palavras de Agostino, do acampamento Gabriel Pimenta, em Juiz de Fora: “muita gente passava lá [no acampamento] e xingava a gente, porque não concordavam com a gente. Muitos apoiavam, mas a maioria xingava a gente.” E complementa: “Os adventistas ficam chateados quando vê a gente fazendo esse tipo de coisa. Ficam chateados, ofendidos, sabe?”

A esposa de Agostinho, Delizete, ativa no mesmo acampamento, experimentou situação desagradável com uma irmã de sua comunidade: “A gente pegava um ônibus que passava na porta do acampamento. Eu estava sentada no ônibus e entrou uma adventista que mora lá perto. Daí essa senhora, mais nova do que eu, entrou no ônibus, e quando ficou sabendo que eu estava indo pra lá, ela se afastou de mim apavorada! Como se eu fosse matar ela!”

O casal relatou à Zelota, contudo, uma ocorrência ainda mais problemática. Na época em que se encontravam acampados em Goianá, reivindicaram uma porção do latifúndio cujo filho do fazendeiro era adventista – membro da comunidade em Juiz de Fora. Consciente de que haviam adventistas entre os militantes do MST, o filho do fazendeiro teria persuadido o pastor a visitar os membros a fim de convencê-los de que a prática era pecaminosa. O pastor foi, então, à procura do casal para aconselhá-los, embora, na ocasião, não os tenha ameaçado de uma perspectiva eclesiástica.

“Ele encheu a cabeça do pastor. Disse que a ocupação era ilegal, que isso não estava certo, que a gente estava roubando, pegando o que não era da gente. Que a gente estava pecando. Daí o pastor veio aqui, perguntando: ‘você gostaria que alguém chegasse aqui e invadisse o seu terreno?’ Ele se colocou no lugar do fazendeiro, e começou a falar essas coisas. E eu disse: ‘não, porque a casa é nossa, mas o terreno é da prefeitura, e quando as coisas são da prefeitura, e diz respeito à plantação de alimento, a prefeitura não impede! Imagina se eu vou tomar o terreno de uma família pobre?’”, narra Delizete.

O adventista Cilmar Rosa, que também participou do acampamento Gabriel Pimenta, em Juiz de Fora, relatou dificuldades semelhantes com membros e pastores da comunidade:

“Dentro do contexto adventista existe preconceito, porque muitos tôm a mente fechada, e não se importam com a visão do outro. Tem muito preconceituoso que acha que você tá roubando. São preconceitos de quem não entende a luta de quem está lutando por um pedaço de terra. A gente passou até preconceito de alguns pastores que davam conselhos a partir da mentalidade deles, e não consideravam a nossa”, relata Cilmar.

Junto à militância do MST, Cilmar realizou cursos profissionais que o capacitaram para funções de seu interesse, voltadas à agricultura, como o curso de plantas medicinais, agroecologia e fitoterapia. Antes disso, ele trabalhava com uma carroça de reciclados na periferia de Juiz de Fora. O movimento não apenas o educou, mas conferiu ao adventista a possibilidade de realizar o sonho de viver da plantação, chegando a vender alguns de seus produtos em feiras de seu município. Durante seu envolvimento com o MST, Cilmar foi desencorajado tanto por membros quanto por pastores, que não ofereciam a ele qualquer alternativa de trabalho ou suporte financeiro.

“Um pastor chegou a falar pra mim que isso não é bíblico, que é errado, que a terra tem dono. Mas a gente sabe, pela constituição, que a terra que não produz é propriedade da reforma agrária. A terra é de quem planta, se você não planta a terra não é sua”, explica.

De maneira semelhante, os adventistas sem-terra do Horto Aimorés sentiram preconceitos de seus irmãos, da igreja central de Bauru, e de outras localidades. Mas no caso desse grupo, o preconceito foi superado pela indiferença. Enquanto estavam em Pederneiras, os adventistas sem-terra passaram por muitas dificuldades, necessitando de recursos básicos para subsistência: “tava precisando de tudo”, conta Josefa. Ao recorrerem à igreja para conseguir algum auxílio – em especial da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistencias (ADRA) –, a comunidade respondeu com ajuda, mas afirmou que seria a única e última.

“A primeira vez que a gente veio pedir ajuda pra igreja aqui de Bauru, a gente tava na área de Pederneiras. Aí a gente pensou ‘vamo lá em Bauru, na igreja, e quem sabe ela ajuda a gente, né?’ E aí a gente foi na central de Bauru. Os irmãos não desfizeram da gente, mas disseram ‘a gente só vai ajudar uma única vez’; e realmente ajudou uma vez só, e nunca mais”, relata Josefa.

Na época em que os adventistas sem-terra do Horto ainda não possuíam seu próprio espaço para reunião, era costume, vez ou outra, visitar as comunidades mais próximas. Ao frequentarem essas igrejas, os militantes eram abertamente criticados por seus irmãos: “A gente sentiu preconceito, né irmã Alzira? Não dos assentados, mas dos irmãos de Bauru. Eles falavam ‘Como pode adventista andar no meio desse povo do MST’, mas a gente não era MST, a gente era Pastoral da Terra. A gente veio aqui porque disseram que era uma terra destinada à reforma agrária, e era mesmo”, relembra Josefa, em lágrimas.

“Mesmo tendo preconceito, eu ia mesmo assim. Eu falei ‘eu vou lá pra ouvir a palavra de Deus. Eu não ia lá pra ver os membros, eu ia pra ouvir a Palavra de Deus”, responde Alzira à amiga.

Embora Gersina, em sua época de militância ao lado da Associação Pró-Moradia da Zona Sul, não tenha experimentado preconceitos por parte da membresia adventista – pois não congregava com a comunidade – disse ter sentido estranhamento dos membros, ao relatar suas experiências após a conversão. “Eu acho que os irmãos adventistas tinham, quando conheceram minha história, um misto de preconceito e admiração”, reflete. Ainda que possua algumas ressalvas sobre a vida na política, Gersina não vê contradições entre suas reivindicações do passado e sua atual vida como adventista:

“As pessoas devem reivindicar por seus direitos até o ponto que não fira os seus princípios. Porque a gente não pode vender os nossos ideais. E querendo ou não, ser adventista é um ideal. Mas a gente vive a vida como se estivesse brincando de cristianismo”, alerta a ex-militante.

Gersina explicou à Zelota que o envolvimento de um cristão adventista com a política deve reconhecer seus limites, mas nunca apostar na impossibilidade ou inviabilidade dessa relação. Para ela, a boa política é composta de moral e ideais, ao contrário da má política, que costuma emaranhar-se de preconceitos, interesses pessoais e ganância. Fazer boa política, para a ex-militante, é, ao mesmo tempo, também ser polêmico; e essa atitude reflete o próprio ministério de Jesus que, para Gersina, “era uma pessoa muito polêmica”.

“Então, você tem que ir com a política até o ponto em que ela não vai ferir a sua religião. Jesus era político! Quando ele dizia pra Judas que tinha que deixar aquelas moedas ali, Ele estava fazendo política! Ele fez política quando foi pregar. Quando você nasce, você já está se posicionando: quando te batem, você chora! É a primeira vez que você faz política na sua vida”, reflete.

Entre esses adventistas, não havia (e não há) qualquer contradição entre sua crença e a luta pelo direito da terra. Ao contrário: a fé se manifesta por meio da luta por justiça em um país que, segundo o Censo Agropecuário do IBGE, publicado em outubro de 2019, o número de terras improdutivas cresceu de 45% para 47,6%, em comparação às últimas edições; o equivalente a 47,5 mil propriedades com extensos latifúndios, em 2006, para 51,2 mil em 2017. Ainda que sejam adventistas, e almejem um “novo céu e uma nova terra”, eles também lutam por uma terra prometida pela constituição brasileira: um local para viver da agricultura familiar enquanto aguardam e pregam a respeito do segundo advento de Cristo.

Estará ‘inda longe Canaã?

A reforma agrária, na atuação de suas frentes de militância (MST, MTST, CPT etc.), almeja que a terra cumpra com sua função social e seja dividida, de forma justa, nos termos já estabelecidos pela Constituição. Ela pretende incentivar a agricultura familiar, inserindo cada vez mais trabalhadores no campo e multiplicando os proprietários de terra. Ela não apenas deseja, mas já é protagonista da produção de alimentos saudáveis, isentos de agrotóxicos e disponibilizados em feiras a preço acessível à população.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de 2019, a agricultura familiar produz 80% dos alimentos no mundo. Segundo a organização, o incentivo dessa iniciativa ajuda a combater a fome e a obesidade, por facilitar o acesso à alimentação saudável em grande quantidade; tudo de forma sustentável. No Brasil, os Dados do Censo Agropecuário (2017-2018) indicam que a agricultura familiar é a principal responsável pelo alimento que vai à mesa dos brasileiros; mesmo diminuindo nos últimos anos, ela ainda representa o maior contingente de estabelecimentos agrícolas do país (77%).

Em 2017, a BBC noticiou que o MST, sozinho, foi considerado o maior produtor de arroz orgânico (sem agrotóxicos) da América Latina. Na época, eram mais de 27 mil toneladas, produzidas em 22 assentamentos diferentes, implicando a participação de 616 famílias. Da produção, 30% do produto é exportado para os EUA, Alemanha, Espanha, Nova Zelândia, Noruega, Chile e México.

Em conversa com a Zelota, o jornalista. Heron Santana, Diretor de Comunicação e Liberdade Religiosa da União Leste Brasileira (ULB), reconhece o potencial da agricultura familiar e seus benefícios para a economia. Entre 2000-2002, ele trabalhou com a assessoria de imprensa do Incra, em Pernambuco. Durante esse período, teve contato com diversos agricultores e assentados do MST, e afirmou ter conhecido melhor tanto o movimento quanto suas reivindicações, além de impressionar-se com experiências do campo: “a agricultura familiar, a economia solidária e o trabalho cooperativo.”

“O trabalho com os agricultores me permitiu perceber a visão muitas vezes estereotipada da opinião pública acerca dos assentamentos, uma vez que eram raras as pautas sobre a atividade econômica dessas comunidades, e até a capacidade de produção em escala maior, por meio de sistemas comunitários de cultivo”, explica o pastor adventista.

A experiência de Heron com a agricultura familiar, ao lado dos assentamentos do MST, foi útil, anos depois, para assessorar Landerson Santana, atual diretor da ADRA para o estado do Paraná, no projeto “Programa de Policultura para o Desenvolvimento do Semiárido”. O projeto, mantido pela ADRA em Uauá, BA, chegou a auxiliar em média três mil pessoas, e tinha como foco a policultura – técnica agrícola que une o cultivo de diversificados tipos de hortifrúti e a preservação da caatinga.

O trabalho com a policultura, aplicado ao contexto adventista, coloca em prática os ideais nutridos por qualquer militante da reforma agrária: a valorização dos pequenos agricultores e dos minifúndios; a produção de alimento saudável em grande quantidade para a população, com preços acessíveis; e o zelo prestado à saúde e manutenção do solo.

“[A policultura] é um meio de permitir que tanto o homem quanto a terra cresçam e se desenvolvam, para o bem do valente sertanejo da caatinga e para a preservação de um dos mais deslumbrantes cenários brasileiros”, afirmou Landerson Santana para a Revista Adventista, em outubro de 2009, sobre o projeto desenvolvido.

Em artigo publicado pelo site oficial de notícias adventistas, o Pr. Heron Santana, em 2017, recorda sua experiência na Bahia e conclama a igreja à realização mais iniciativas do gênero: “a ADRA desenvolvia um projeto de policultura no sertão da Bahia, ensinando novas maneiras de plantio e de cuidado com a terra, permitindo o desenvolvimento de várias culturas, mesmo na estiagem. E se a ADRA voltasse a desenvolver um projeto desse tipo, com o apoio da igreja?”, sugere o pastor.

Não seja por isso: a igreja já desenvolve “projetos do tipo”, mas suas iniciativas são desconhecidas ou alvos de preconceito de adventistas que não entendem a reivindicação dos sem-terra. Ou pior, por conta de opiniões “neutras”, o seu ativismo político em prol da agricultura familiar é desconsiderado pela mídia adventista, há décadas; e hoje ainda mais difamado por conta do posicionamento reacionário de líderes e influencers da instituição.

Se despida de seus preconceitos políticos, a IASD poderia corroborar com o bem-estar de seus membros, pequenos agricultores, que sonham com um pedaço de terra cultivável. A igreja, também, ao valorizar a luta de seus militantes sem-terra, poderia conferir a estes, e a outros milhares de desterrados, um vislumbre da paz, da prosperidade e da abundância que pregam para um futuro de esperança.

A irmã Delizete, de Juiz de Fora, já compreendeu isso. E talvez seu questionamento possa ser ecoado às instâncias superiores da IASD, a fim de que as promessas de Deus possam ser experimentadas o quanto antes:

“Enquanto eu converso contigo, olho meu pé de abacate… Eu fico apreciando as bênção de Deus através das plantas. Deus permitiu que o povo de Israel saísse do Egito e fosse pra terra que ele falou que ia dar; já tinha dado pra Abraão e pra Isaque, mas mesmo assim Deus permitiu que eles matassem uma grande quantidade de gente pra ficar na terra. Mas aqui a gente não tá matando ninguém. Por que a gente não pode plantar num terreno que tá abandonado?”