A criação da humanidade e a função atribuída aos gêneros em Gênesis 1.26–28 expressam uma crítica subversiva ao direito de autoridade monárquica no Antigo Oriente Médio, invalidando qualquer leitura hierárquica e complementarista do texto


Parte 3 da série “Carne da minha carne: uma crítica à ideologia complementarista”. Clique aqui para ler a parte 1 e a parte 2.

Os relatos da criação na Antiguidade tentam apresentar uma explicação e dar um significado para a ordem das coisas e para a experiência humana. Por esse motivo, muitos mitos da criação refletem uma determinada ordem social. No antigo Oriente Próximo, o contexto do qual o antigo Israel e as tradições bíblicas fazem parte, essa ordem social geralmente é determinada pela realidade do palácio, ou seja, de uma experiência e ideologia monárquicas e muitas vezes imperiais. Essa ênfase na ordem, a partir do contexto do palácio, explicam o motivo de John Walton, um importante estudioso de cosmologias do antigo Oriente Próximo, afirmar que a pergunta mais importante que toda cosmologia antiga busca responder é: quem está no comando?1

Esse é o contexto e o cenário cultural que precisam ser considerados ao lermos as narrativas bíblicas da criação. Isso combina perfeitamente com as questões que permeiam a discussão em torno do complementarismo. Tenho enfatizado até aqui exatamente a questão da relação entre teologia e ordem social. Tratar do complementarismo à luz de Gênesis 1, então, é mais do que justificável, é necessário.

Leitores comuns da Bíblia, ou mesmo estudiosos de teologia, ignorantes desse pano de fundo, dificilmente serão capazes de interpretar bem o que o texto bíblico está comunicando, porque não entendem ao que o texto bíblico está respondendo. Mesmo quando esse pano de fundo é percebido, compromissos ideológicos ainda impedem o intérprete de entender a questão básica do texto, como veremos. Considerando a relação entre mitos da criação e a ordem social monárquica ou imperial no antigo Oriente Próximo, há um consenso entre os especialistas bíblicos de que Gênesis 1—11 é uma crítica, muitas vezes subversiva e irônica, da ideologia dos grandes impérios que dominavam e subjugavam Israel e Judá.2

Como tenho apresentado nessa série de posts, o complementarismo reflete uma ordem social e uma ideologia tipicamente hierarquizada e instrumentalizada típica do imperialismo. Por isso, afirmei no último post que o complementarismo é incompatível com o evangelho. Agora, considerando o contexto e o cenário cultural dos textos que relatam a criação da humanidade entre homens e mulheres em Gênesis, uma definição mais precisa pode ser apresentada. Quem está no comando? Numa perspectiva complementarista, a resposta é fácil: o homem. Se Gênesis 1 refletisse valores complementaristas, teríamos uma ordem entre os gêneros que fosse claramente hierarquizada. Teríamos na literatura bíblica uma ordem social típica do palácio, como nos outros relatos da criação de outras culturas ao redor do antigo Israel e Judá. Mas isso iria contra a característica geral da literatura bíblica, crítica e subversiva a ordens sociais imperiais marcadas pela hierarquização e instrumentalização das relações. Complementaristas, como veremos, precisam se desdobrar para impor hierarquias nas relações de gênero em Gênesis 1 ou para fugir do óbvio, de que as relações de gênero, mesmo no complementarismo mais generoso, ainda são hierarquizadas. Em grande parte, a leitura complementarista de Gênesis 1 é definida por uma conclusão equivocada da cadeia de relações entre Deus, Jesus, homens e mulheres, que aparece 1Coríntios 11.7–9.3 Quando eu abordar o texto paulino, veremos que a hierarquização dessas relações é indevida. Apesar de Gênesis 1 estar, de fato, falando de ordem e respondendo à pergunta, quem está no comando, sua proposta de relação dos gêneros é muito interessante e nada tem a ver com complementarismo. No próximo post veremos um aspecto muito diferente disso em Gênesis 2.7, 18–25, onde a criação da mulher é postergada. Esse processo de adiamento, como vou mostrar no próximo post, nada tem a ver com hierarquia e muito menos com diferenciação de funções, com o homem tendo primazia e a mulher se encontrando em submissão a ele. Gênesis 2, que não tem interesse algum nas questões complementaristas, ou igualitarista, proporciona abordagens profundas e ricas sobre o significado de ser humano. Quanto a Gênesis 1.26–28, o propósito central da passagem é exatamente criticar e subverter qualquer noção de hierarquia, especificamente numa diferenciação definitiva de funções, entre aqueles feitos à imagem de Deus.

Homem ou Humanidade?

A última criação divina em Gênesis 1 é caracterizada por uma identidade e uma função que a distingue significativamente das outras criaturas. O texto nos informa que a humanidade é feita à imagem e à forma divina para que dominem sobre os animais e sujeitem a terra. A descrição da criação da humanidade aqui é riquíssima. Não vai ser possível explorar detalhadamente cada elemento apresentado no texto bíblico, mas o enfoque principal será a questão da relação entre homens e mulheres.

O primeiro ponto a ser considerado aqui, à luz da discussão proposta, é que o humano é chamado de אָדָם (ʾādām). Gênesis 1.26–28 não define o termo אָדָם como contendo um gênero específico. Pelo contrário, אָדָם consiste em “macho” (זָכָר, zākār) e “fêmea” (נְקֵבָה, nǝqēbâ). Isso corresponde bem com o uso do termo em toda a Bíblia Hebraica, com exceção de Gênesis 2—5, para designar a humanidade de forma geral, caracterizada pela sua relação próxima com o solo (אֲדָםָה, ʾădāmâ). Estamos diante de um termo genérico para o ser humano.4 A especificidade de gênero de אָדָם aparece somente em Gênesis 2, quando a criatura “homem” (אִישׁ, ʾîš) mantém o termo אָדָם como um tipo de nome próprio em diferenciação da criatura “mulher” (אִשָּׁה, ʾiššâ). Mas não podemos importar essa especificação para Gênesis 1.26–28, porque o propósito de seu uso em cada um desses textos é diferente.

Esse primeiro ponto é importante, já que no texto definitivo do complementarismo, Raymond C. Ortlund Jr. cria um argumento forçado em cima disso. Ele afirma que “Deus vai de encontro às nossas sensibilidades e chama a raça humana, tanto homens quanto mulheres, de ‘homem’… ele não chama a raça humana ‘mulher’. Ele nem mesmo utiliza um termo neutro como ‘pessoas’”.5 Existe um sério problema linguístico nessa afirmação, porque o termo hebraico אָדָם é neutro, sim. Até mesmo Yago Martins, notório defensor do complementarismo, reconhece esse aspecto básico da língua hebraica.6 Por isso, a versão grega (LXX) usa a tradução ἄνθρωπος (anthrōpos). O significado básico do termo em qualquer léxico é “pessoas”.7 Outro termo neutro, provavelmente o que Ortlund Jr. tem em mente ao falar de “pessoas”, é אֱנוֹשׁ (ʾĕnôš). Ambos os termos são usados para enfatizar o caráter genérico da criaturidade humana. אָדָם é usado para caracterizar sua proximidade do solo e אֱנוֹשׁ é usado para caracterizar sua mortalidade (ver Jó 4.17; 7.1; Sl 8.5; 103.15). Quando se deseja comunicar inclusão geral de todas as pessoas, não somente de gêneros, ambos os termos funcionam em hebraico (para אָדָם, ver Lv 1.2; para אֱנוֹשׁ, ver Is 56.2). Se o texto quisesse, de fato, caracterizar a humanidade com um gênero especificamente masculino, havia uma opção: אִישׁ (ʾîš). Da mesma forma que o texto não chama a humanidade de “mulher” (אִשָּׁה, ʾiššâ), também não a chama de “homem” (אִישׁ, ʾîš).

Ortlund Jr. sabe que Gênesis 1:26–28 afirma a igualdade de homens e mulheres: “o peso de Gênesis 1.26–28 é igualdade masculina-feminina. Isso parece óbvio — impressionantemente óbvio!”.8 A única forma, então, de usar Gênesis 1.26–28 para confirmar seu complementarismo é por meio de imposições ardilosas sobre o texto. Ortlund Jr. utiliza o desenrolar do uso do termo אָדָם como nome próprio em Gênesis 2 para afirmar sua especificidade de gênero e segue, então, para estabelecer uma hierarquia entre os gêneros. Ele diz: “A nomeação que Deus faz da raça humana como ‘homem’ (sic) sussurra liderança (inglês: headship) masculina”.9 O uso do termo “sussurra” é bastante revelador de como a liderança masculina está sendo imposta sobre o texto a partir de um pressuposto do intérprete. Ortlund Jr. torna o seu pressuposto explícito ao dizer: “Deus criou o masculino e feminino à sua imagem igualmente, mas Ele também fez o masculino a cabeça e o feminino a ajudante”.10 Nem “cabeça” nem “ajudante” são termos ou conceitos que aparecem em Gênesis 1.26–28. Para o termo “ajudante”, obviamente, Ortlund Jr. utiliza a narrativa de Gênesis 2, e para o termo “cabeça”, ele está utilizando 1Coríntios 11.7–9. A imposição, portanto, fica clara. Ele está impondo esses termos e conceitos sobre o texto de Gênesis 1.26–28 a partir de outras narrativas bíblicas interpretadas por meio dos pressupostos ideológicos do seu complementarismo. Assim, Ortlund Jr. faz o texto responder questões que não estão sendo consideradas ali, ou seja, faz dizer o que o texto não diz. O mesmo acontece com Yago Martins, como veremos abaixo, ainda que sua interpretação de Gênesis 1.26–28 difira corretamente de Ortlund Jr.

Para entender a gravidade do erro dessa interpretação, precisamos considerar um segundo ponto, e esse responde de forma direta à pergunta fundamental das cosmologias do antigo Oriente Próximo: quem está no comando? O texto bíblico é bastante direto e explícito aqui: “que dominem… e sujeitem”. Os verbos estão no plural, algo que até o mais ferrenho complementarista, como Ortlund Jr., precisa reconhecer.11 Percebam a cadência do texto. Deus diz: “façamos o humano [אָדָם] à nossa imagem, de acordo com a nossa forma, que dominem sobre… e Deus criou a humanidade [הָאָדָם] à sua imagem, à imagem de Deus os criou, macho e fêmea os criou… encham a terra e a sujeitem” (Gn 1.26–28). No versículo 26, o termo אָדָם está no singular, mas o verbo está no plural. Esse é um claro indicativo de que se trata de um singular coletivo, para designar a humanidade como um todo. Essa é mais uma evidência do seu uso genérico. Mas essa designação coletiva, então, ganha materialidade no versículo 27 quando a identidade da humanidade é caracterizada pela diversidade de gêneros, macho e fêmea. Como afirma, corretamente, Yago Martins, “a mulher é responsável pelo governo da criação tanto quanto o homem, pois é dotada da mesma imagem divina”.12

Nessa cadência, um argumento fundamental do complementarismo é completamente desqualificado. Valor igual, função diferente. Uma mesma identidade diante de Deus, mas um papel distinto na sociedade caracterizado por diferentes níveis de autoridade — hierarquia. A gente já viu de forma exaustiva nos últimos dois posts como esse argumento depende de um fundamento filosófico e ideológico estranho ao texto bíblico. E aqui em Gênesis 1.26–28 vemos claramente aquilo que afirmei sobre o pensamento hebraico: ontologia e fenomenologia não se separam. A identidade do humano como imagem e forma de Deus, exatamente na sua diversidade de gêneros, significa que a função da humanidade é compartilhada igualmente entre homens e mulheres: “dominem e sujeitem”. Homens e mulheres compartilham da mesma autoridade, já que estamos falando de domínio, e da mesma função dada por Deus igualmente para ambos, sem distinção baseada em gênero.

Mais adiante falarei diretamente sobre o que o texto pretende comunicar com essa função de domínio e sua relação com a autoridade divina. Mas, antes, precisamos considerar o significado da expressão “imagem e forma” que caracteriza a identidade da humanidade. Seu significado deixará claro porque o texto é tão intencional em caracterizar a identidade humana a partir da sua diversidade de gêneros. Essa não é uma questão marginal, mas central, para o propósito do texto em seu ambiente cultural.

Imagem e forma de Deus: contra ideologias hierarquizadas

A expressão completa do texto hebraico é “à nossa imagem, de acordo com a nossa forma” [בְּצַלְמֵ֖נוּ כִּדְמוּתֵ֑נוּ, bǝṣalmēnû kidmûtēnû]. Essa expressão pode ser vista como um tipo de paralelismo poético. Ainda que a variação das preposições (ב e כ) e dos termos específicos (צֶלֶם [ṣelem] e דְּמוּת [dǝmût]) seja relevante, o significado permanece o mesmo. É por isso que, no versículo 27, quando Deus concretiza o que se propôs a fazer, somente o termo צֶלֶם é usado e até repetido: “e Deus criou a humanidade à sua imagem [בְּצַלְמֵ֖נוּ], à imagem [בְּצֶלֶם] de Deus os criou”. Assim, a ênfase do significado da expressão está no termo צֶלֶם. De qualquer forma, vale dizer que na Bíblia Hebraica, דְּמוּת tem tanto o significado de “semelhança” quanto de “forma” ou “formato” (Ez 1.4–5). Minha opção pela tradução “forma” para דְּמוּת tem a ver com o significado do termo צֶלֶם.

Na Bíblia Hebraica, צֶלֶם é comumente usado para objetos cúlticos (1Sm 6.5, 11), sendo que a vasta maioria dos casos o termo designa ídolos cúlticos (por exemplo, Nm 33.52; 2Rs 11.18; Am 5.26).13 Há muito tempo, comentaristas identificaram uma relação entre o termo hebraico צֶלֶם (ṣelem) e a ideologia de realeza da Mesopotâmia em que o rei é a “imagem” (ṣalmu) de uma divindade.14 A associação de reis como ícones da divindade também faz parte da tradição egípcia. Especialmente no período do Novo Império (ca. 1580–1069 aEC), os faraós eram identificados com a imagem do deus Rá.15 O contexto cúltico aqui exemplifica o que afirmei no primeiro post dessa série sobre complementarismo, que é comum a projeção da realidade humana para a realidade divina nos mitos da Antiguidade. O enfoque que quero dar aqui, porém, é o aspecto ideológico. Imagens de realeza eram usadas ideologicamente na Mesopotâmia como uma ferramenta de reivindicação de autoridade sobre alguma região, especialmente locais que pertenciam ao império, mas estavam distantes do seu centro. Uma inscrição específica encontrada na Síria, escrita em Aramaico-Acadiano num ícone de realeza [A Estátua de de Tel Fekharyeh], afirma em sua versão aramaica que aquele ícone é a “imagem” (צלםא [ṣlmʾ]) e “forma” (דמותא [dmwtʾ]) do rei.16 A versão acadiana (assíria) somente usa o termo ṣalmu, o que corresponde bem com o modo como os dois termos são usados em Gênesis 1:26–28. Nessa inscrição, especialmente o termo ṣlmʾ tem um significado específico relacionado à realeza. Sua função retórica é dirigida ao povo, seus súditos, e afirma a soberania do rei representado pela estátua.17 John Walton, portanto, está correto ao afirmar:

Quando a imagem da divindade era vinculada a indivíduos específicos — invariavelmente reis — , tanto na Assíria quanto no Egito, ela imbuía o rei com filiação divina (inglês: sonship) e capacitava o rei a funcionar como representante da divindade. Isto é, “imagem de deus” operava dentro do modelo político/burocrático no qual a função de domínio da divindade era carregada na terra pelo rei.18

Logo abaixo falarei sobre a questão da filiação divina, mas a questão aqui é exatamente a função representativa da autoridade, soberania ou domínio da divindade que o rei exercia. Ser imagem de Deus, no contexto cultural do antigo Oriente Próximo, é um conceito político-religioso a respeito de uma função de autoridade que é reivindicada de forma exclusiva pelos reis. O reinado humano, no antigo Oriente Próximo era complementar à soberania divina.19

Que o uso de “imagem” em Gênesis 1.26–28 se encaixa bem nesse contexto cultural é inegável, já que um aspecto dessa identidade da humanidade é a sua função de autoridade, ou seja, de ter “domínio”. Mas é exatamente diante desse contexto cultural que podemos entender melhor como Gênesis 1:26–28 responde àquela pergunta fundamental, quem está no comando, de uma forma ironicamente subversiva à ideologia imperial egípcia e, especialmente, mesopotâmica. Enquanto nessa ideologia somente o rei exerce e se esforça para reivindicar essa função de autoridade como representante do domínio divino na terra, Gênesis 1:26–28 a atribui para todos os humanos, toda a humanidade. Essa é uma forma de apropriação subversiva da tradição cultural.20 O propósito de Gênesis 1.26–28 é exatamente acabar com esse tipo de hierarquização da identidade e da função de representação da autoridade divina. Toda a humanidade é elevada ao status e à função da realeza, acabando com qualquer legitimação de autoridade exclusiva numa ordem social hierarquizada. O ímpeto do texto é de democratização e nivelação por igual de valor e função, dignidade e prática, identidade e propósito, entre toda a humanidade. Por isso o texto faz questão de usar o termo genérico אָדָם e qualificá-lo como contendo diversidade de gêneros, “macho” e “fêmea”. Essa qualificação da humanidade em diversidade de gêneros cumpre um papel fundamental de especificação. O texto está falando que é toda a humanidade, e não somente alguns, que recebe de Deus uma identidade e uma função igualmente compartilhadas, sem hierarquias. Gênesis 1.26–28, como diz Hendel, “concede um senso de status rico e multivalente aos humanos no cosmo, e sutilmente rebaixa a ideologia e a propaganda do império mesopotâmico”.21

A interpretação complementarista de Gênesis 1.26–28, diante desse contexto, é muito significativa. Ao impor relações desiguais entre os gêneros, estabelecendo uma hierarquia fundamentada na autoridade masculina e na submissão feminina, o complementarismo torna Gênesis 1.26–28 uma réplica da ideologia imperial, como as da Mesopotâmia e do Egito. Em outras palavras, o complementarismo inverte o sentido e o propósito de Gênesis 1.26–28, tornando-o naquilo que o próprio texto se propõe a criticar e subverter. É um disparate, uma palhaçada sem tamanho. O texto que busca igualar e democratizar a identidade, a dignidade, a função e a autoridade humanas para todos, homens e mulheres, é usado para fundamentar e defender uma reivindicação de autoridade para somente um grupo, os homens, e negá-la a outro, as mulheres. E os que fazem isso ainda se consideram fiéis ao texto bíblico. A burrice de quem interpreta o texto dessa forma, como Ortlund Jr. é vergonhosa. Não! É ofensiva. Vale lembrar que Ortlund Jr., na época em que escreveu seu capítulo ara a obra fundante do complementarismo, era professor de Antigo Testamento num seminário evangélico nos EUA, e foi escolhido pelos editores da obra como responsável pelo único capítulo dedicado ao Antigo Testamento.

O disparate ou a ofensa é ainda maior no caso de Yago Martins. Ele reconhece exatamente esse pano de fundo cultural por trás de Gênesis 1.26–28, fazendo referência a algumas fontes primárias e secundárias que apresentei aqui,22 mas ainda consegue trazer a mesma conclusão complementarista de Ortlund Jr. A partir de interpretações injustificadas de Gênesis 2.7, 18–25, Yago Martins impõe conceitos de liderança masculina, submissão feminina, pastoreio e complementaridade de diferentes funções para dentro da antropologia fundamental do texto bíblico. Ele afirma, por exemplo, depois de lidar com Gênesis 2, que “toda essa estrutura harmoniosa de liderança e submissão infelizmente foi deturpada… em vez de exercerem domínio, como pastor e auxiliadora…”23 Existem muitos problemas exegéticos, teológicos, ideológicos e até retóricos na obra de Yago Martins, que lidarei na conclusão abaixo e no próximo post. Um deles é fazer esse tipo de afirmação citada acima, combinada com afirmações de que a ideologia complementarista não é hierárquica, tentando alinhá-la com Gênesis 1.26–28. Afirmar diferentes funções sociais baseadas em diferenciação de gênero em Gênesis 1.26–28 é um atestado de total falta de compreensão da função dessa diferenciação no texto bíblico. Como vimos, a função da diferenciação de gêneros é exatamente fundamentar a democratização, ou compartilhamento igual, da autoridade representativa de Deus. Na conclusão, demonstrarei claramente como o complementarismo de Yago Martins é fundamentalmente hierárquico e misógino. Por enquanto, basta dizer que o fato de Yago Martins reconhecer o contexto cultural ao qual Gênesis 1.26–28 está respondendo e ainda traçar uma conclusão complementarista é uma demonstração de que acesso ao conhecimento por meio de leitura não é suficiente. É necessário saber o que fazer com isso num contexto de pesquisa crítica que somente, então, poderá ser utilizada de forma relevante para questões teológicas e para a vida cristã. O compromisso maior de Yago Martins, como se reflete em suas conclusões, é com uma ideologia específica que, obviamente, é política, pois trata-se de uma ordem social específica, como demonstrei amplamente nos últimos dois posts. Ele faz aquilo que condena nos outros, interpreta o texto bíblico politicamente enviesado.24

Voltando ao texto bíblico, a democratização da imagem divina contra ideologias de hierarquização ainda é reforçada por outra camada de significado da expressão “imagem e forma”. Ela identifica a humanidade como filhos de Deus. Como afirmado acima, a representatividade da realeza com relação à soberania divina perpassa a identidade do rei como “filho” da divindade. Esse conceito tem constatação até na Bíblia Hebraica, quando Yahweh diz a respeito do herdeiro do trono de Davi, Salomão: “eu serei seu pai e ele será meu filho” (2Sm 7.14).

Catherine McDowell, em sua excelente monografia sobre a imagem de Deus em Gênesis e no antigo Oriente Próximo, relaciona o conceito de “imagem e forma” com filiação parental.25 Ela demonstra que a manufatura de estátuas do rei assírio do século XIII aEC, Tukulti-Ninurta I, é descrita ideologicamente como um nascimento divino em que o corpo do rei é comparado com “a carne dos deuses”. Essa complexa dinâmica entre estátua, rei e divindade, então, é descrita da seguinte forma no Épico de Tikulti-Ninurta: “Somente ele [o rei] é a imagem [ṣalam] eterna de Enlil…” a quem “Enlil criou… como pai biológico, depois do seu primogênito”.26 A relação entre “imagem e forma” com filiação também aparece no mito mesopotâmico de Enūma Eliš, em que os filhos de divindades são qualificados como a “imagem” (muššulu) ou a “forma” (tamšīlu) dos seus pais divinos.27 Algo semelhante acontece na tradição egípcia, especificamente na literatura conhecida como Instruções para Merikare: “eles [humanos] são imagens dele [divindade], que foram gerados pelo seu corpo, e ele brilha do céu em favor deles”.28 Por fim, agora contextualmente mais relevante para Gênesis 1.26–28, McDowell aponta para a relação entre Deus e a humanidade em comparação com Adão e seu filho Sete. No “livro das gerações de Adão” (Gn 5.1–32), é dito que Deus o fez “de acordo com a sua forma” (בִּדְמוּת, bidmût) e que Adão gerou seu filho Sete “de acordo com a sua forma, à sua imagem” (בִּדְמוּתוֹ כְּצַלְמוֹ, bidmûtô kǝṣalmô, Gn 5.1–3). Sua conclusão é que “imagem e forma”, então, “era usada no antigo Oriente Próximo para definir o relacionamento entre a divindade e sua prole como filiação”.29

Mais uma vez, assim como no caso da representatividade icônica da divindade pelo rei, a representatividade filial é marcada pela hierarquia e exclusividade. Ainda que a humanidade tenha sido gerada pelos deuses podendo, portanto, ser uma relação caracterizada pela filiação, é o rei quem, de fato, é chamado e tratado como “filho” da divindade. E o que Gênesis 1.26–28 está enfatizando é exatamente a eliminação dessa hierarquia e exclusividade. Toda a humanidade se encontra igualmente e não hierarquicamente numa relação de filiação com Deus. Um dos aspectos de hierarquização da filiação da humanidade com a divindade, no antigo Oriente Próximo, tem exatamente a ver com função. Ainda que toda a humanidade possa ser considerada como gerada pela divindade, somente o rei tem função representativa que, obviamente, tem a ver com autoridade, poder e domínio nas relações humanas. Somente o rei tem status de filho da divindade capaz de imitar e levar adiante aquilo que o pai é e faz. Essa é exatamente a ideologia complementarista: valor ou identidade igual diante de Deus, mas funções diferentes na sociedade. E, assim, por mera coincidência (estou sendo irônico, é claro), as funções diferentes marcam uma hierarquia de autoridade em que homens se encontram em posições de privilégio e status enquanto mulheres se encontram em posições de submissão e marginalidade, sendo que o único critério de diferenciação entre um e outro é o gênero. A democratização da filiação divina em Gênesis 1.26–28 está intrinsecamente relacionada com a democratização da função de representatividade, como vamos ver agora.

Que tipo de domínio? Um modelo de autoridade distributiva, cooperativa e interdependente

Enquanto na ideologia imperial do antigo Oriente Próximo a função do rei como filho representante da divindade era exclusiva, em Gênesis 1.26–28, ela é democratizada. E a diversidade de gênero aqui é fundamental para caracterizar essa democratização. É exatamente porque a humanidade, como imagem e forma de Deus, é criada em pluralidade, ou seja, como macho e fêmea, que a democratização da função representativa de Deus se torna explícita. Como vimos acima, a função de domínio não é exclusiva ou hierarquizada, mas compartilhada igualmente entre os gêneros: dominem e sujeitem, no plural.

Será que essa função carrega os elementos da ideologia imperial do antigo Oriente Próximo, especificamente o uso abusivo de poder para o benefício dos que se encontram em posições de privilégio em detrimento daqueles que estão sob sua autoridade? Mesmo que essa relação seja atribuída exclusivamente entre humanidade e outros animais, esse tipo de domínio traria um fundamento completamente antagônico para o propósito geral da criação divina em Gênesis 1. Seria muito fácil o texto bíblico afirmar que o domínio divino sobre a criação é benéfico para os que lhe estão sujeitos. Essa é a retórica de qualquer imperador e ditador. Essa também é a retórica complementarista. A autoridade masculina exclusiva e a submissão feminina são benéficas para as mulheres. Felizmente, Gênesis 1 não trabalha a partir dessa retórica, exatamente porque está criticando e buscando subverter esse tipo de ideologia.

Em primeiro lugar, Gênesis 1 demonstra claramente de forma gráfica os resultados do domínio divino. Antes da ação criativa de Deus, a terra era “sem forma e vazia” (תֹהוּ וָבֹהוּ, tōhû wābōhû, Gênesis 1.2). Essa expressão indica um ambiente inabitável, ou seja, um ambiente incapaz de prover sustento para se viver ali. A única outra ocorrência dessa expressão deixa isso bem claro. Diante da iminente destruição de Judá, Jeremias afirma que vê a terra “sem forma e vazia” (Jeremias 4.23), sem pessoa alguma (v. 25), o solo fértil como um deserto (v. 26) e as cidades arrasadas (v. 26). É a condição de ausência de uma ordem produtiva e fértil, capaz de gerar e sustentar a vida.30 Essa condição não deixa de ser um tipo de ordem, ainda que possamos chamá-la de desordem. Então, no final do processo de criação divina, encontramos uma ordem que já foi capaz de gerar uma grande variedade de vida e é tão fértil que consegue sustentar todas as criaturas (Gn 1.29–30). Uma parte fundamental da ação criativa de Deus é exatamente ordenar a realidade a partir de separações. Quando Deus é descrito em ação em Gênesis 1, ele está “separando” (וַיַּבְדֵּל, wayyabdēl, Gen 1.4, 7)31 elementos criados, o que garante a possibilidade de diversidade ou pluralidade. A atenção dada para a diversidade na criação, e seu aspecto benéfico para cada um dos seus elementos, aponta para um caráter central do domínio de Deus: sua função e propósito são externos a si mesmo. O domínio de Deus é uma força centrífuga, ou seja, que o impulsiona para fora de si mesmo, indo ao encontro do outro para o benefício do outro.

Mais uma vez, até poderia ser que o domínio divino aqui fosse autopreservativo, ou seja, um grande soberano beneficente e toda a sua criação como objeto passivo receptivo. Contudo, não é isso que vemos. Além da importância de percebermos o início e o fim do processo criativo para entendermos melhor o domínio divino, é necessário olharmos para o processo em si para discernirmos um modelo de autoridade que seja, de fato, capaz de produzir, reproduzir e sustentar uma multiplicidade de vida.

Em Gênesis 1, logo depois da fórmula, “Deus disse”, que antecede seus atos criativos, os verbos usados aparecem num modo hebraico chamado jussivo.32 Esses verbos caracterizam os discursos criativos de Deus não como imperativos, mas como convites à participação.33 Esse aspecto convidativo por parte de Deus faz mais sentido com toda a dinâmica refletida no texto. Vejam o que acontece na criação da vegetação, por exemplo. Deus convida a terra a produzir a vegetação (Gn 1.11) e a terra produz a vegetação (Gn 1.12). O surgimento da vegetação é uma ação da terra em resposta ao convite de Deus. Deus convida, inspira e capacita, mas a execução é da terra.34 Existe, nessa dinâmica, um modo de interação entre Deus e a criação.35 Nessa interação, os próprios elementos da criação se tornam ativos no processo e cumprem certas responsabilidades que, em muitos sentidos, esperávamos serem prerrogativas exclusivas de Deus. Como diz Mari Joerstad, a criação “compartilha algo da habilidade de Deus de criar seres vivos”.36 Nas palavras de Terence Fretheim, “Deus toma uma decisão de criar em comunidade em vez de sozinho”.37 E como isso acontece? O compartilhamento dessa habilidade criativa é o resultado de uma decisão divina anterior: abrir mão da sua posição de exclusividade e doar a si mesmo. Vemos isso em dois conceitos e duas descrições fundamentais de Gênesis 1.

Uma famosa dificuldade de Gênesis 1 é que a luz existe (Gn 1.3) antes da criação dos corpos celestes (Gn 1.14–19), e a vegetação é produzida somente com essa luz, antes do estabelecimento do sol. Como vimos acima, no texto egípcio Instruções para Merikare, é dito que os seres humanos são a imagem de deus, provenientes do seu corpo, e que ele, ou seja, deus, brilha no céu em favor deles. A relação entre Deus e luz, na criação, é bem forte em Salmos 104.1–2 (“Yahweh, meu Deus… Grandeza e glória te adornam, envolvido em luz como um manto…”) e Isaías 60.19 (“O sol não será mais a sua luz de dia… pois Yahweh será sua luz para sempre…”). A presença da luz na criação em Gênesis 1, antes da existência dos corpos celestes, aponta exatamente para a presença divina em forma de luz. O texto, portanto, indica a presença divina na criação como uma dádiva divina de si mesmo a fim de que o processo de criação seja possível.

Isso se torna mais evidente quando consideramos a “inspiração” divina. A realidade anterior à criação, propriamente dita, é marcada pela presença do “sopro de Deus” ou, mais comumente traduzido como “Espírito de Deus”, pairando sobre a superfície da água (Gn 1.2). A partir daí, a ação criativa divina é marcada pela fala. Essas duas coisas não estão separadas. A presença do “sopro” ou “Espírito” de Deus indica seu ato criativo pela fala, que também resulta no sopro divino, ou “inspiração”, sobre a criação.38 Aquilo que aparece de forma mais gráfica em Gênesis 2, na criação do ser humano, ou seja, o sopro divino que dá vida, está presente em Gênesis 1 também. Aqui, porém, essa inspiração não está limitada à humanidade, mas é o elemento básico presente em tudo o que faz parte da criação, desde o pó da terra até o ser humano.

Parte crucial dessa doação divina de si mesmo que convida, inspira e capacita a própria criação a compartilhar dos seus atos criativos, é a distribuição de autoridade. Isso já está implícito nesse processo comunitário de criação entre Deus e a própria criação. Mas se torna explícito em dois momentos. No primeiro momento, ao criar os corpos celestes, Deus afirma que eles foram feitos “para autoridade” (לְמֶמְשֶׁלֶת, lǝmemšelet, Gn 1.16–18). Que se trata de uma autoridade de realeza é óbvio pela recorrência do termo em tais contextos (por exemplo, Is 22.20–22). No segundo momento, obviamente, temos o caso da humanidade em Gênesis 1.26–28 em que Deus lhes convida para que “dominem” (וְיִרְדּוּ, wǝyirdû) os outros animais da criação e “sujeitem” (וְכִבְשֻׁהָ, wǝkibšūhā) a própria terra. A distribuição de autoridade divina para os elementos da criação é tão fundamental para o processo da criação divina de uma ordem que produz e preserva a vida que, no final, Deus “descansou” (וַיִּשְׁבֹּת, wayyišbōt). Esse é um domínio compartilhado, em que há distribuição de autoridade o suficiente para que se possa descansar, pois sabe-se que todas as partes, em sua diversidade, estão funcionando devidamente em interdependência e cooperação para que a ordem continue produtiva, fértil e benéfica para todos.

Dessa forma, a função igualmente compartilhada de toda a humanidade, dominar e sujeitar, deve seguir o modelo de domínio divino, já que a humanidade, em sua pluralidade, como filha de Deu, exerce uma representatividade de realeza e de filiação. Essa é uma função forte, de autoridade, até mesmo com conotações militares (por exemplo, Nm 32.22, 29; Js 18.1).39 Exatamente por isso ela não pode ser reivindicada somente por alguns, mas distribuída para todos. Como diz Bernard Batto, “cada ser humano, em Gênesis 1, é o equivalente aos reis do antigo Oriente Próximo, divinamente imbuídos para preservar a continuidade do processo vivificante”.40 O modelo de domínio divino é o da distribuição de autoridade. Não existe nenhuma possibilidade de reivindicação exclusiva de funções de autoridade para certos grupos numa ordem hierarquizada que possa representar a ordem divina. Em Gênesis 1.26–28 temos o fundamento para criticar e subverter qualquer tentativa de estabelecimento de hierarquias de valor ou função na humanidade. Trata-se de um texto idealizado, até utópico. A diversidade humana é um fator fundamental para promover o que Gênesis 1.26–28 está promovendo. Utilizar categorias de identidade, como diferentes gêneros, como critério de exclusão ou hierarquia da nossa identidade e representatividade humanas para Deus, é anular a fundação teológica do texto bíblico de Gênesis 1.26–28.

É muito interessante que essa característica do modelo divino não é bem representada pelo contexto de realeza, seja pelo ambiente do palácio ou pela pessoa do rei. Esse contexto ou ambiente é, de fato, marcado pela disputa de poder e autoridade, porque todo o contexto é de exclusividade e hierarquia. O modelo de autoridade e relação que vemos em Gênesis 1.26–28, na verdade, é crítico do contexto de realeza e se aproxima do contexto familiar, pelo ambiente doméstico e a pessoa da mãe. J. Richard Middleton diz o seguinte sobre a relação de Deus com a criação:

Deus age como uma mãe que dá vida aos seus filhos, os abençoa, prepara suas capacidades e agência e, então, toma o risco parental de permitir que seus filhos deem seus primeiros passos para usar suas capacidades, para desenvolver sua maturidade.41

No ambiente doméstico, a ordem social mais propícia para a teologização da ordem criada ou da ordem divina em Gênesis 1, as relações de autoridade no antigo Israel não eram determinadas pelo patriarcado ou por uma hierarquia absoluta de autoridade entre homens e mulheres. Como já vimos em posts anteriores, Carol Meyers, a maior especialista em relações de gênero no antigo Israel, define as relações de gênero no antigo Israel como heterarquia, ou seja, uma combinação complexa de relações de autoridade que depende de vários fatores muito além do gênero, como ambiente e modo de produção. Meyers, por exemplo, fala da participação fundamental das mulheres na produção econômica no antigo Israel, já que se trata de uma sociedade agrária pré-moderna, e como essa função social era carregada de autoridade em relação aos homens.42 E, mais relevante para o que vamos falar sobre Gênesis 2.7, 18–25 e 1Coríntios 11, a função reprodutiva das mulheres as colocava em posições de autoridade doméstica e pública já que a vida, sobrevivência e prosperidade de qualquer comunidade depende da reprodução biológica feminina.43 O domicílio e não o palácio é a ordem social fundante para a teologia de Gênesis 1 de forma geral e das relações de autoridade especificamente. E, obviamente, a ordem social doméstica que serve de fundamento para Gênesis 1 não é o domicílio definido pela ideologia imperial greco-romana ou pela ideologia complementarista de liderança masculina e submissão feminina. É uma ordem social doméstica do antigo Israel, muito mais igualitária com identidades e funções compartilhadas, que se tornou mais e mais importante no decorrer da produção da Bíblia Hebraica, especialmente em sua apreciação pelo modo feminino de liderança e autoridade, como defende Jacob L. Wright em sua nova e aclamada obra Why the Bible Began?44

Considerações finais

Quero concluir falando de forma mais explícita e direta. Basicamente, Gênesis 1.26–28 não pode ser usado para fundamentar o complementarismo, seja amplo ou estrito, porque é um texto cujo propósito é criticar e subverter todo tipo de ordem social hierarquizada. O complementarismo é intrinsecamente hierarquizado, como veremos agora, portanto, é uma ideologia, a defesa de uma ordem social que se coloca debaixo da crítica de Gênesis 1.26–28.

Como chegamos a essa conclusão de relações desiguais e hierarquizadas no complementarismo? Posso começar utilizando a analogia da mãe, utilizada logo acima. A imagem da mãe que capacita e dá agência aos filhos é uma analogia da relação de Deus com a criação, mais especificamente, com a humanidade. Nessa analogia, obviamente, Deus nunca deixa de ter um papel de supervisão, direcionamento, e, por fim, de garantir que as coisas vão sair como devem. Apesar da relação de distribuição de autoridade, capacitação e inspiração que gera interdependência e cooperação, Deus nunca deixa de estar numa posição de autoridade mais elevada ou pelo menos mais fundamental. Existe, portanto, uma hierarquia aqui na relação de Deus com a criação, mesmo quando há mutualidade. No entanto, quando entramos nas relações intracriação, as coisas são bem diferentes. O caso dos corpos celestes e da humanidade é exemplar aqui. Os corpos celestes são autoridade em seus devidos lugares e a humanidade deve dominar certas criaturas da criação e sujeitar certos ambientes da criação. Não se estabelece uma hierarquia entre a função dos corpos celestes e a função da humanidade, como se um pudesse dizer que é o “líder” ou a “cabeça” e o outro é “liderado” e “submisso”. Funções de autoridade diferentes, mas sem hierarquia. Já nas relações intrahumanas, a ênfase do texto bíblico é a igualdade compartilhada de funções de autoridade, porque é igualdade compartilhada de uma identidade. Não há nenhuma possibilidade de estabelecer hierarquias aqui. Quando complementaristas falam em liderança e submissão, inevitavelmente, estão estabelecendo, novamente, uma identidade e uma função mais divina para uns e menos para outros. Estão criando uma analogia entre a relação de Deus com a criação e relações intracriação.

A nova obra de Yago Martins nos serve de bom exemplo aqui. O livro se propõe a ser uma defesa do complementarismo estreito contra suas versões mais amplas e toscas refletidas em ministérios “de machos” como de Anderson Silva. A retórica do livro é quase cômica se não fosse tão ardilosa e perigosa. A fim de se mostrar moderado e razoável em sua ideologia complementarista, Yago Martins precisa contrastá-la com o que existe de pior e mais bizarro na cultura evangélica complementarista brasileira. Ele se esforça para definir essas versões bizarras de complementarismo como “hierarquismo” em que mulheres são vistas como inferiores aos homens,45 onde há “machismo inescrupuloso”46 e até uma cultura que pode abrigar chauvinistas.47 Esse não é o complementarismo que Yago Martins defende, e ele se vê como avançando um argumento para um complementarismo que não é nem machista, nem hierárquico. Ele afirma, confiante, sobre Gênesis 1.26–28, que homens e mulheres “são igualmente agentes de Deus para representá-lo”.48 Sobre Gênesis 2.18 ele afirma que a mulher é aliada e não auxiliadora (no próximo post quero apontar problemas e sérias inconsistências na abordagem dele sobre esse texto) e que “aliados lutam juntos numa guerra sem que haja hierarquia entre eles”.49 Parece muito bom, não é mesmo? Só que não.

Como já afirmei acima, apesar disso, Yago Martins impõe ao texto bíblico noções de liderança e submissão, pastoreio e auxílio. Para ele, isso não implica em hierarquia, muito menos machismo. Ele diz, sem defender sua afirmação com nenhum tipo de argumento: “Não é machismo acreditar que o ministério pastoral é dado somente aos homens”.50 Mas será que não é mesmo? Será que as relações de liderança e submissão, pastoreio e auxílio não são desiguais, hierarquizadas e instrumentalizadas para favorecer o privilégio masculino e diminuir o valor e a função femininas? Yago Martins, intencionalmente ou não, parece querer esconder os aspectos mais negativos do seu complementarismo. Em dois pontos, quando fala sobre liderança e pastoreio, ele omite qualificações que sugeririam relações desiguais e hierárquicas entre homens e mulheres. Ele diz: “Mulheres podem e devem trabalhar para a expansão do reino de Deus, desde que andem em submissão”.51 Não é curioso que ele omita o objeto da submissão? Submissão ao que ou a quem? Seria submissão a Deus ou submissão ao homem? Faz alguma diferença essa distinção no complementarismo estreito de Yago Martins onde a liderança masculina e a submissão feminina são qualificadas como “ordem estabelecida por Deus”?52 Num caso ainda pior, ele diz sobre essa ordem criacional, ou seja, divina: “essa estrutura harmoniosa de liderança e submissão”.53 Mais uma vez, não é curiosa a omissão das qualificações “masculina” para liderança e “feminina” para submissão? Será que ele está evitando ser mais explícito a fim de amenizar o que é óbvio, ou seja, que em relações de liderança e submissão, de pastoreio e auxílio, existe uma hierarquia? E que se essa hierarquia é definida única e exclusivamente pelo gênero, em que o homem é líder e a mulher é submissa, então se trata de machismo? Pode ser, sim, uma estratégia retórica nesse sentido. No entanto, quem acredita nisso? Será que o próprio Yago Martins acredita no que fala? A hierarquia está nos próprios termos usados. Liderança diz respeito ao que está à frente e submissão diz respeito ao que está abaixo. Cada um dos termos se encaixa no que a linguística cognitiva chama de esquema de imagem, a primeira usa o esquema da HORIZONTALIDADE, frente-trás, e o segundo usa o esquema da VERTICALIDADE, cima-baixo.54 Ambos os esquemas são cognitivamente relacionais a partir da perspectiva do observador55 e estabelecem uma estrutura hierárquica. É por isso, por exemplo, que algumas metáforas conceituais básicas são MAIS É ALTO, MENOS É BAIXO, BOM É ALTO, RUIM É BAIXO.56 Portanto, são esquemas que criam estruturas hierárquicas, pois na experiência humana encarnada, o que está à frente e à cima são entendidos como sendo maiores e melhores do que o que está atrás e abaixo. Se Yago Martins realmente acreditasse em sua própria interpretação de Gênesis 1.26–28, ele abandonaria toda linguagem, conceito, ideologia e prática de liderança e submissão baseados na diferenciação de gênero. Mas a verdade é que ele não acredita e não pode acreditar, porque seu compromisso primário é com o complementarismo e não o texto bíblico.

Percebemos isso quando vemos que Yago Martins fala explicitamente e sem constrangimento coisas que apontam para hierarquia, machismo e misoginia. E essas citações vão nos ajudar a qualificar “essa estrutura harmoniosa de liderança e submissão”. Para defender seu complementarismo estreito e generoso “de segunda geração” que nada tem a ver com hierarquismo e machismo, Yago Martins afirma que em sua igreja mulheres podem batizar, mas sempre com a presença de um pastor.57 Aqui fica claro que existe uma hierarquia na relação entre homens e mulheres e, pior, um machismo velado. A possibilidade de mulheres batizarem não serve, aqui, para a afirmação da sua agência e da sua autoridade, como uma representante da autoridade divina igual ao homem. Pelo contrário, o que é afirmado aqui é a agência e a autoridade exclusiva e superior do pastor (homem) que está ali para garantir a legitimidade da ação feminina dentro da igreja. Obviamente, essa é uma dinâmica de limitação da agência das mulheres típica das relações desiguais, hierarquizadas e instrumentalizadas de autoridade do complementarismo para favorecer o privilégio masculino e diminuir a o valor e a função feminina. Se isso não for uma relação absolutamente desigual e hierarquizada, fundamentada em misoginia, já que a mulher é infantilizada pelo simples fato de ser mulher, então nada mais é. Trata-se de uma infantilização, porque ela só é supervisionada independente de qualquer capacidade, formação ou experiência que ela tenha que lhe garanta agência e autoridade para fazer o batismo. É a sua feminilidade que exige, no complementarismo de Yago Martins, que ela seja supervisionada por um homem. É claro, na ordem criacional, social e eclesiástica do complementarismo de Yago Martins, a mulher precisa de supervisão de um pastor (homem) por ser “leiga”. Mas nesse contexto de igreja evangélica complementarista, a mulher nem tem a opção de não ser “leiga”. A mulher, pelo simples fato de ser mulher, está impossibilitada de ter um ofício pastoral reconhecido, sem a supervisão de um pastor (homem), mesmo que seja capaz, tenha a formação devida e a experiência necessária para ter sua autoridade espiritual reconhecida. É o seu gênero e tão somente pelo seu gênero, que ela precisa ser supervisionada por uma autoridade que é, necessariamente, um homem. Ainda assim, Yago Martins tem a coragem de dizer o que vimos acima, que “não é machismo acreditar que o ministério pastoral é dado somente aos homens”. É uma negação sem tamanho da realidade, por isso é uma afirmação feita aos ventos, sem argumentação ou fundamento que a justifique.

Pior ainda é que, ao explicar essa relação no contexto do batismo nas redes sociais, Yago Martins diz que a presença do pastor é importante para legitimar o sacramento em contextos evangélicos fundamentalistas em que o batismo por uma mulher não seria aceito. Tanto na fala original quanto na explicação, o que há é a manutenção de uma ordem social absolutamente desigual, hierarquizada e instrumentalizada para beneficiar aqueles que se encontram em posições de autoridade, os homens pastores, em detrimento da agência, capacidade e maturidade daquelas que se encontram em posições submissas a estes, as mulheres e muitos outros. Há, em ambas as falas, uma acomodação a toda uma ordem social que coloca as mulheres em situação de risco para abuso que Yago Martins diz criticar nesse novo livro, em especial ministérios “de macho” como o de Anderson Silva. O complementarismo de Yago Martins é um perigo para as mulheres que se encontram nesses ambientes e em ambientes complementaristas em geral. Como foi falado no primeiro post dessa série sobre Agostinho e complementaristas, em suas relações pessoais diretas com mulheres, eles podem ser amorosos, respeitosos, defendê-las e protegê-las, achando que sua liderança e autoridade é benéfica para elas. No entanto, seu complementarismo, que sempre submete as mulheres a uma posição de submissão à autoridade masculina, contribui para o patriarcado e a misoginia que colocam a vida de todas as mulheres, inclusive aquelas a quem eles acham que estão beneficiando, em risco.

O alinhamento do complementarismos de Yago Martins com o de Anderson Silva se vê claramente quando tratam da questão da violência masculina contras as mulheres. Yago Martins cita Anderson Silva assim: “A cultura verá apenas a fotografia de um ato covarde de um homem agredindo uma mulher (ação injustificável), ninguém verá os meses de tortura emocional, relacional e psicológica que essa mulher exerceu para enlouquecer o comportamento deste homem”.58 O absurdo dessa fala é uma coisa sem tamanho, algo reconhecido por Yago Martins. Mas, então, para criticar esse complementarismo e apresentar sua versão estreita “de segunda geração”, ele afirma:

Em alguns casos de violência doméstica, de fato há mulheres que ajudam a construir para si um ambiente de violência. Em que sentido? Por meio de constante insubmissão, dureza de coração, obstinação, falta de arrependimento. Diante disso, o homem perde totalmente a razão e responde com violência, uma manifestação pecaminosa e criminosa. Nesses casos, a mulher é uma vítima da violência, mas apresenta pecados que também precisam ser tratados.59

Qual mulher se sentiria confortável e confortada com essa forma de complementarismo que entende uma relação entre insubmissão feminina e violência masculina? Claro, a violência masculina é qualificada como pecaminosa e criminosa. Ora, Anderson Silva também diz que ela é injustificável. Que diferença existe entre Yago Martins e Anderson Silva quando o assunto é o pior caso de hierarquia e desigualdade entre homens e mulheres, o caso mais óbvio de machismo e misoginia, que é a violência masculina contra mulheres? Não há diferença. A insubmissão feminina, na mente diabólica dos dois, leva à violência masculina perpetrada contra a mulher. A insubmissão feminina e a violência masculina são colocadas em pé de igualdade como pecado, ainda que não seja criminosa. A diferença entre os dois, na fala de Yago Martins, é uma questão legal, um é crime e o outro não. Mas ambos são pecados e precisam ser “tratados”. Quem, então define o que é insubmissão? Yago Martins certamente dará uma resposta diferente, “mais amorosa e protetora” das mulheres, do que Anderson Silva. Mas ao colocar as coisas nesses termos, como foi falado acima, o complementarismo de Yago Martins com a insubmissão feminina que leva à violência masculina, é um perigo para as mulheres em todos os ambientes complementaristas, inclusive os ambientes como o promovido por Anderson Silva. O livro de Yago Martins, como continuaremos a ver nessa série, não é uma defesa das mulheres em ambientes evangélicos complementaristas. É só uma propaganda mal-feita de um complementarismo “light” que serve para amenizar os ânimos fundamentalistas diante de críticas de evangélicos “progressistas” ou mesmo da sociedade em geral, que tem cada vez mais sido expostas às bizarrices de gente como Anderson Silva ou de crimes de abusos e violência perpetrados por pastores evangélicos no Brasil e fora.

Nenhuma ordem hierarquizada de exclusividade de autoridade representa ou é capaz de criar, como em Gênesis 1, uma ordem produtiva, fértil e benéfica para todos. A verdade é que, se considerarmos o papel crítico de Gênesis 1 a ideologias imperiais, e a descrição de uma realidade “sem forma e vazia” produzida exatamente pela ação militar violenta do império babilônico em Jeremias 4:23, uma ordem hierarquizada com exclusividade de autoridade reivindicada pelo rei só pode produzir destruição, escombros e morte. A oposição entre “sem forma e vazia”, e a criação fervilhando com uma multiplicidade de vida, numa existência de interdependência e cooperação, depende exatamente da capacitação e da inspiração que Deus dá para os elementos da criação ao distribuir sua própria autoridade a fim de que entre as criaturas haja autoridade igualmente compartilhada. O complementarismo, como vimos, é intrinsecamente hierarquizado e instrumentalizado para favorecer os que se encontram em posição de poder. Como a hierarquia é definida pela diferenciação de gênero, em que o homem se encontra acima e à frente e a mulher abaixo e atrás, essa é uma ordem social machista e misógina, como a ordem social imperial típica na história da humanidade.

Dado o caráter fundante de Gênesis 1.26–28 a respeito da identidade e da função da humanidade, somente esse texto seria o suficiente para desmantelar qualquer tentativa de argumento complementarista na interpretação de qualquer outro texto bíblico. Mas, é claro, precisamos considerar o papel central de Gênesis 2.7, 18–25 e 1Coríntios 11.2–16 na ideologia complementarista. Algo que pode ser percebido tanto em Ortlund Jr. quanto em Yago Martins. Portanto, é a esses dois textos que os próximos posts dessa série serão dedicados, com mais engajamento com esses dois defensores do complementarismo.

Notas:

1. John H. Walton, Genesis 1 as Ancient Cosmology (Winona Lake: Eisenbrauns, 2011), 194.

2. A literatura sobre isso é extensa, mas aponto aqui para algumas referências fundamentais e outras recentes: Ronald S. Hendel, “Genesis 1–11 and Its Mesopotamian Problem”. In: Cultural Borrowings and Ethnic Appropriations in Antiquity, editado por Erich S. Gruen (Stuttgart: Franz Steiner, 2005), 23–36; J. Richard Middleton, The Liberating Image: The Imago Dei in Genesis 1 (Grand Rapids: Baker, 2005); Mark S. Smith, The Priestly Vision of Genesis 1 (Minneapolis: Fortress, 2010); Jacob L. Wright, Why the Bible Began: An Alternative History of Scripture and Its Origins (Cambridge: Cambridge University Press, 2023).

3. Ver Karalina Matskevich, Construction of Gender and Identity in Genesis: The Subject and the Other (London: T&T Clark, 2019), 18. Alguns intérpretes judeus viam nas narrativas da criação em Gênesis um fundamento para uma ordem social patriarcal baseados em dois aspectos especialmente: a característica derivativa ou secundária da mulher em relação ao homem, e a acusação de que a mulher pecou primeiro. 1 Timóteo, um texto pós-paulino, apresenta de forma exemplar os dois pontos: “Adão é que foi formado primeiro. Depois Eva. E Adão não foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu na transgressão” (1Tm 2:13–14). Outro exemplo aparece em Eclesiástico 25:24, “A mulher está na origem do pecado e é por causa dela que nós todos morremos”.

4. Ver Leon R. Kass, The Beginning of Wisdom: Reading Genesis (New York: Free Press, 2003), 78.

5. Raymond C. Ortlund Jr. “Male-Female Equality and Male Headship: Genesis 1–3”. In: Recovering Biblical Manhood and Womanhood: A Response to Evangelical Feminism, editado por John Piper e Wayne Grudem (Wheaton: Crossway, 1991, 2006), 122–23.

6. Yago Martins, Igrejas que Calam Mulheres (São Paulo: Mundo Cristão, 2024), 30.

7. Ver The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon (BDB) e The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament (HALOT).

8. Ortlund Jr. “Male-Female Equality and Male Headship”, 123.

9. Ortlund Jr. “Male-Female Equality and Male Headship”, 123.

10. Ortlund Jr. “Male-Female Equality and Male Headship”, 124.

11. Ortlund Jr. “Male-Female Equality and Male Headship”, 122. Yago Martins também reconhece isso, mas não de forma resistente, e sim adequadamente. Ver Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 32.

12. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 33.

13. Ver Joseph Blenkinsopp, Creation, Un-Creation, Re-Creation: A Discursive Commentary on Genesis 1–11 (London: T&T Clark, 2011), 27–28.

14. Hendel, “Genesis 1–11 and Its Mesopotamian Problem”, 27; Jon D. Levenson, Creation and the Persistence of Evil: The Jewish Drama of Divine Omnipotence (Princeton: Princeton University Press, 1988), 114.

15. Middleton, The Liberating Image, 108–09.

16. Ver Smith, The Priestly Vision of Genesis 1, 99–100.

17. W. Randall Garr, “‘Image’ and ‘Likeness’ in the Inscription from Tell Fakhariyeh”, Israel Exploration Journal 50.3/4 (2000): 231–32.

18. Walton, Genesis 1 as Ancient Cosmology, 176.

19. Para uma análise completa da relação da autoridade do rei e da soberania divina no contexto assírio, ver Batto, In the Beginning, 102–14.

20. Ver Hendel, “Genesis 1–11 and Its Mesopotamian Problem”, 27.

21. Hendel, “Genesis 1–11 and Its Mesopotamian Problem”, 27. Ver também, Batto, In the Beginning, 129–35; Levenson, Creation and the Persistence of Evil, 117.

22. Ver Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 33. Sua abordagem mais completa sobre esse tema, onde se encontram referências às fontes primárias e secundárias relevantes está em sua obra No Alvorecer dos Deuses: Desvendando as Idolatrias Profundas do Coração (Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2020), 90–99.

23. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 40, 42.

24. Ver Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 40.

25. Catherine L. McDowell, The Image of God in the Garden of Eden: The Creation of Humankind in Genesis 2:5–3:24 in Light of mīs pî pīt pî and wpt-r Rituals of Mesopotamia and Ancient Egypt (Winona Lake: Eisenbrauns, 2015), 132–36.

26. Conforme tradução de Peter Machinist, “Kingship and Divinity in Imperial Assyria”. In: Text, Artifact, and Image: Revealing Ancient Israelite Religion, editado por Gary M. Beckman e Theodore J. Lewis (Providence: Brown Judaic Studies, 2006), 160–61.

27. McDowell, The Image of God in the Garden of Eden, 135.

28. Conforme tradução de David Lorton, “God’s Beneficient Creation: Coffin Texts Spell 1130, the Instructions for Merikare, and the Great Hymn to the Aton”, Studien zur Altägyptischen Kultur 20 (1993), 131.

29. McDowell, The Image of God in the Garden of Eden, 136.

30. Ver Smith, The Priestly Vision of Genesis 1, 50; John H. Walton, The Lost World of Genesis One: Ancient Cosmology and the Origins Debate (Downers Grove: InterVarsity Press, 2009), 47.

31. O verbo בדל também aparece nos vv. 6, 14, 18, mas são separações efetuadas pelos próprios elementos criados.

32. Por exemplo, יהי, Gen 1:3. Em Gn 1:26 o modo verbal é coortativo e em 1:22 e 28 temos, de fato, imperativos, mas não como parte dos discursos criativos de Deus, e sim como parte da sua bênção para as criaturas.

33. Middleton, The Liberating Image, 265.

34. Mari Joerstad, The Hebrew Bible and Environmental Ethics: Humans, Nonhumans, and the Living Landscape (Cambridge: Cambridge University Press, 2019), 49.

35. Ver Robert C. Stallman, “Divine Hospitality in the Pentateuch: A Metaphorical Perspective on God as Host.” Ph.D. dissertation (Westminster Theological Seminary, 1999), 173–75.

36. Joerstad, The Hebrew Bible and Environmental Ethics, 49.

37. Terence E. Fretheim, Creation Untamed: The Bible, God, and Natural Disasters (Grand Rapids: Baker, 2010), 11.

38. Middleton, The Liberating Image, 86; Smith, The Priestly Vision of Genesis 1, 66.

39. Victor P. Hamilton, The Book of Genesis 1–17. New International Commentary on the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1990), 139.

40. Cf. Batto, In the Beginning, 135.

41. Middleton, The Liberating Image, 294.

42. Carol Meyers, “Having Their Space and Eating There Too: Bread Production and Female Power in Ancient Israelite Households”, Nashim 5 (2002), 14–44.

43. Carol Meyers, “Procreation, Production, and Protection: Male-Female Balance in Early Israel”, Journal of the American Academy of Religion 51.4 (1983): 569–93.

44. Especialmente na parte final do livro. Ver Wright, Why the Bible Began, 355–79.

45. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 29.

46. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 38.

47. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 51.

48. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 32.

49. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 35.

50. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 51.

51. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 38.

52. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 43.

53. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 40.

54. Ver Mark Johnson, The Body in the Mind: The Bodily Basis of Meaning, Imagination, and Reason (Chicago: Chicago University Press, 1987).

55. John Sanders, Theology in the Flesh: How Embodiment and Culture Shape the Way We Think about Truth, Morality, and God (Minneapolis: Fortress, 2017),47–48.

56. Ver George Lakoff e Mark Johnson, Metaphors We Live By (Chicago: Chicago University Press, 1980), 14–21.

57. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 154.

58. Citado em Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 49.

59. Martins, Igrejas que Calam Mulheres, 48.