Após décadas de perseverança, Therezinha Barbalho tornou-se a primeira pastora adventista brasileira ordenada, com uma trajetória de fé e resistência que inspira futuras gerações de mulheres no ministério
Ainda me lembro com clareza daquele dia. Era por volta das 23h e eu estava deitado, quase adormecendo, quando abri o Facebook para checar se havia alguma notificação pendente. Entre elas, uma era do grupo “Eu apoio a Ordenação de Pastoras Adventistas”. Resolvi dar uma olhada, já que fazia tempo que não acompanhava suas atualizações. O que encontrei ali me surpreendeu: Therezinha Barbalho foi ordenada ao ministério pastoral.
Descobri isso numa quinta-feira, 31 de julho de 2019. Sua ordenação havia ocorrido pouco mais de um mês antes, em 29 de junho. Embora eu estivesse atrasado para a comemoração, aquela notícia me fez sentir a necessidade de compartilhar que a primeira pastora brasileira havia sido ordenada na Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD).
A partir daquele momento, meu interesse por Therezinha, ou Tru, como muitos a conhecem, cresceu. Mas, antes, preciso voltar no tempo e resgatar um acontecimento. Em 2015, a IASD voltou sua atenção para uma votação que poderia redefinir a discussão sobre a autonomia das Divisões1 da igreja em relação à ordenação de mulheres. Na terça-feira, 07 de julho, um dia antes da votação na Assembleia Geral, o pastor da minha igreja de infância veio à minha casa para um trabalho de campo. Perguntei a ele sua opinião sobre a votação que aconteceria no dia seguinte. Ele compartilhou: “Eu estudei no seminário com uma mulher que é pastora na Igreja lá nos Estados Unidos.” Naquele momento, ele não revelou muito sobre quem era essa mulher. Esperei quase cinco anos para descobrir sua identidade.



Convite para cerimônia de ordenação ao ministério pastoral da pastora Terezinha Barbalho.
Therezinha Pepe Barbalho é graduada em Teologia pela Faculdade Adventista de Teologia de São Paulo do Instituto Adventista de Ensino (FAT/IAE/Brasil), o atual Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (SALT), com ênfase em línguas bíblicas. Ela também é formada em Direito e é mestra em Divindade pela Andrews University, em Michigan, Estados Unidos. Therezinha é casada com Zeli Leite, maestro pianista e compositor, e juntos têm uma filha, Rafaella, de 25 anos.
Therezinha sentiu seu chamado2 para o ministério pastoral aos 18 anos, logo após concluir o ensino médio e a escola técnica. Motivada pelo desejo de anunciar a iminente volta de Jesus, ela decidiu estudar Teologia no IAE, atualmente o Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), que na época funcionava na Zona Sul da cidade de São Paulo. Essa decisão moldou seu caminho e, por consequência, a levou a se dedicar ao ministério, desafiando as barreiras de gênero que ainda persistem em algumas comunidades.
“Eu acreditava que, como mulher, meu papel seria igualmente relevante no anúncio da volta de Cristo”, conta Therezinha ao relatar sua trajetória para o canal Escolhidas para Servir.
Em 2020, pouco antes da pandemia de Covid-19, decidi iniciar um podcast chamado “o convite”. Aproveitei esse tempo para retomar minhas pesquisas sobre o ministério pastoral. Durante minhas buscas na internet, encontrei um documento que listava todos os estudantes formados pelo SALT até 2015.3 Descobri que outras mulheres haviam se formado naquele período, e, ao aprofundar a pesquisa, encontrei Therezinha, a pastora que eu tanto buscava.
Naquele mesmo dia, pensei: “agora sei quem ela é e vou entrar em contato”. Com uma dose de insegurança, enviei uma mensagem à sua igreja, buscando o contato dela. Minha apreensão não era apenas sobre a entrevista em si, mas o receio de que minha abordagem pudesse prejudicar seu ministério, especialmente por ser um homem gay.4
A equipe da igreja respondeu prontamente, mas a pastora estava de férias. Quase um mês se passou até que finalmente recebi a resposta da equipe de comunicação, fornecendo o contato de Therezinha. Quando consegui falar com ela, compartilhei minhas tentativas frustradas de contato e me apresentei como curador de conteúdo independente, comprometido com o ativismo pela ordenação de mulheres no ministério.
Meses se passaram e trocamos alguns e-mails até que, em janeiro, recebi uma notificação que dizia: “Eu te ligo então. Até mais tarde.” Eu mal podia acreditar que falaria pela primeira vez com Therezinha. No horário combinado, meu celular tocou, exibindo um número diferente com outro DDI, e começamos a conversar sobre diversos assuntos. Depois daquela conversa, nossas agendas lotadas tornaram mais difíceis as trocas de mensagens.
Meu desejo era entrevistar e captar sua essência. Infelizmente, dias antes da nossa conversa, Therezinha sofreu um acidente e está em recuperação. No entanto, este perfil não se baseia em uma entrevista direta, mas sim em um compilado de memórias, documentos, notícias, publicações em fotos, vídeos e entrevistas que registram sua trajetória.
Durante esse processo de pesquisa, conheci um colega de classe dela, que me contou: “No primeiro dia de aula, Therezinha afirmou que um dia seria pastora. Ela era uma aluna externa, morava na Zona Leste e se deslocava todos os dias para a faculdade.”
Aos 22 anos, Therezinha já se destacava como obreira bíblica, além de ser secretária da Missão Iaense e da Biblioteca do IAE. Para se familiarizar com o contexto adventista, a Missão Iaense pode ser comparada a uma empresa júnior: trata-se de uma associação sem fins lucrativos, formada e gerida por estudantes de Teologia, que não presta serviços externos. Essas missões estudantis têm como objetivo oferecer aos teologandos uma experiência prática no trabalho em Missões, Associações, Uniões, Divisões e outros escritórios da organização. Assim como nas empresas juniores, os estudantes elegem seus membros para os cargos da missão estudantil. A diretoria dessas missões também é responsável por coordenar e direcionar os locais onde cada estudante do curso realizará suas práticas pastorais.
A atuação de Therezinha nessa função, mesmo que em um ambiente acadêmico, revela um amadurecimento que, pelo menos entre os estudantes de sua época, mostrava que mulheres e homens poderiam desempenhar igualmente qualquer papel. Isso se deve ao fato de que o cargo costuma ser ocupado por pastores, que, em sua maioria, são ordenados.
É importante destacar que, na época, embora a denominação estivesse revisitando o papel da mulher adventista na organização, esses temas não eram amplamente debatidos nas igrejas nem nas salas de aula, especialmente considerando que não havia internet para facilitar a disseminação de informações.
Em 1990, houve uma votação sobre a possibilidade de retomar a ordenação de mulheres, mas o resultado foi a decisão de que elas poderiam ser comissionadas para o ministério em áreas onde houvesse necessidade de sua atuação. Como reflexo disso, mesmo atualmente, com a internet, muitos membros da IASD ainda desconhecem a existência de pastoras.


Além de seu papel na Missão Iaense, Therezinha também atuou como representante estudantil na função de vice-presidenta do Diretório Acadêmico Sigfried Kümpel, a representação discente do curso de Teologia.
Ao analisar os arquivos com as nominatas, ficou claro que, apesar da pouca de representatividade feminina na função pastoral, mulheres sempre estiveram presentes no curso e buscavam servir no campo. Ainda de acordo com a Nominata 90, Mara Núbia de Moraes Cruz, colega de turma de Therezinha, também tinha o desejo de atuar com a obra pastoral ou obra educacional. Além dessas informações, o currículo de Therezinha apresenta como pretensão de atuação funcional a obra pastoral, capelania e evangelismo.
Após se formar em 1990, Therezinha iniciou seu ministério como obreira bíblica em uma IASD no bairro de Belém, em São Paulo. No entanto, em 1993, enfrentando dificuldades para encontrar emprego pastoral devido às políticas de contratação desfavoráveis às mulheres na região, decidiu se dedicar aos estudos de Direito. “Não foi fácil conciliar tudo isso, mas o serviço à igreja sempre me trouxe felicidade”, conta Therezinha.
Ao concluir sua segunda graduação em 1998, Therezinha passou a atuar como advogada, exercendo a profissão por sete anos. Essa experiência a ajudou a desenvolver novas habilidades, além de aprimorar seus argumentos em sermões e sua capacidade de administrar conflitos entre os membros de maneira imparcial. Durante esse período, ela continuou a trabalhar e a ministrar voluntariamente na IASD de Belém por 13 anos. “Uma advogada não só tem uma forma organizada de lidar com os problemas, mas também fomos ensinadas a ver mais longe à medida que íamos encontrando uma solução para algo”, contou Therezinha em entrevista a Edwin Manuel Garcia, da Visitor Magazine.
Ida para os Estados Unidos
Ainda nessa etapa desafiadora, Therezinha e seu marido, Zeli, enfrentaram o diagnóstico de autismo de sua filha, Rafaella. A busca por recursos e apoio se intensificou, levando a família a considerar uma mudança para ampliar as opções de assistência médica disponíveis. Therezinha então decidiu enviar seu currículo pastoral para associações adventistas nos Estados Unidos, pois as opções no Brasil eram limitadas. Em 2004, ela recebeu uma oferta de emprego no campo da New Jersey Conference para trabalhar como obreira bíblica na IASD Luso-Brasileira de Newark.6 Sua dedicação e habilidade logo a levaram a se tornar pastora associada, servindo até 2009.
“Foi uma bênção. Trabalhei como pastora associada por cinco anos e meio em Nova York”, recorda Therezinha. O carinho que os membros da sua então igreja demonstravam era notório. Em sua despedida, seus membros fizeram uma surpresa. “Eles vieram subindo com uma caixa, e eu pensei que era algo pequeno dentro. Quando abrimos, percebi que era uma TV enorme. No começo, achei que era só uma brincadeira, mas a alegria foi indescritível. Agradeço a todos que tornaram esse momento tão especial e divertido, especialmente considerando tudo que vivemos nos últimos cinco anos e meio,” disse surpresa a um de seus membros em vídeo.
Em 2009, Therezinha recebeu uma proposta da Potomac Conference Corporation para ser pastora sênior da Richmond Brazilian Community Church7, na Virgínia, onde realizou sua primeira cerimônia batismal e atuou até 2014.
Fazer a diferença em sua comunidade ganhou um novo significado para sua congregação, que, em um esforço para ajudar os necessitados de forma significativa, organizou dois eventos de um dia, um no outono passado e outro na primavera. O bazar grátis ou “the free yard sale” atraiu mais de 800 visitantes e contou com a participação de mais de 40 voluntários e líderes da igreja, que distribuíram itens essenciais como roupas, calçados, utensílios e alimentos. A divulgação foi feita em duas estações de rádio locais e on-line, além da distribuição de panfletos na comunidade. “Cada pessoa está sendo contatada e serviços adicionais estão sendo oferecidos, com ênfase na assistência espiritual”, destacou Therezinha à coluna Potomac People, da Visitor.
Mesmo sem ter participado de uma congregação onde Therezinha tenha pastoreado, sempre que ouço ou vejo conteúdos sobre seu ministério, é evidente o quanto ela se dedica a seguir o exemplo de Jesus. Sua abordagem enfatiza a figura central de Cristo, que ela considera essencial para construir relações humanas saudáveis e significativas.
No ano anterior à sua saída da Richmond Brazilian Community Church, em 2013, Therezinha implementou diversas atividades para fortalecer as amizades entre os membros da congregação. Entre essas atividades estavam eventos sociais, como esportes, patinação no gelo e paintball. “[Tentar] oferecer atividades que possam competir com as do mundo é praticamente impossível,” afirmou. “Quando as pessoas estão engajadas em atividades sociais, elas se tornam mais receptivas às questões espirituais”, declarou Therezinha em um artigo de Loren Seibold.
O mestrado
No ano seguinte, em 2014, Therezinha foi enviada para realizar seu mestrado em Divindade na Universidade Andrews, uma instituição centenária da denominação, reconhecida por sua dedicação à educação teológica e à formação de líderes para o ministério. Assim, ela, junto com seu marido e sua filha, se mudaram para Michigan, nos Estados Unidos.

Therezinha compartilhou outra fase desafiadora de sua vida durante o Fire Moments da IASD Luso-Brasileira de Newark, em 2020, quando foi convidada a ministrar na igreja onde serviu anteriormente. Durante o mestrado, sua filha Rafaella desenvolveu síndrome catatônica, levando a uma severa rigidez muscular. Por um ano e meio, a família enfrentou a angustiante incerteza, realizando 11 visitas à emergência, sem entender a causa dos sintomas. Neste período, Rafaella recebia apenas medicamentos para dor, enquanto os médicos lutavam para diagnosticar sua condição. Em um momento alarmante, um dos neurologistas sugeriu que Rafaella poderia ter câncer devido a um cisto que apareceu em sua cabeça.
A família então decidiu levá-la ao hospital da Universidade de Michigan, a cerca de três horas da Universidade Andrews. Em um dia de neve, a viagem durava cerca de seis a sete horas. Após uma espera angustiante, Rafaella ficou internada por três meses.
Durante oito meses, a família acordava às 2h30 da manhã, duas vezes por semana, para levar Rafaella a sessões de terapia eletroconvulsiva sob anestesia geral. Para garantir o conforto da filha nos longos deslocamentos para o tratamento, preparavam uma cama improvisada no carro, enfrentando tempestades de neve.
Emocionada, a pastora relembra os momentos de desespero e clamor a Deus: “Senhor, tenha misericórdia de nós. Como vou conciliar o mestrado? Será que meu ministério é isso mesmo? Será que o Senhor não se confundiu? Não está na hora de eu parar tudo isso, voltar para o Brasil, pegar minha licença de advogada e viver minha vida lá? Eu não estou aguentando. Tenha misericórdia de mim, Senhor”, contou, entre lágrimas, na IASD Luso-Brasileira de Newark.
Finalmente, a médica conseguiu diagnosticar Rafaella. Os professores da Andrews se mobilizaram para que Therezinha pudesse estudar três dias por semana e, depois, viajar para o hospital psiquiátrico onde sua filha estava recebendo tratamento.
Nesse período, Rafaella desenvolveu uma síndrome alimentar e passou a depender de uma sonda gastrointestinal para se alimentar durante dois anos. Ela apresentou melhora após o tratamento.
Durante esses momentos difíceis, algumas pessoas contribuíram também financeiramente. No entanto, uma carta chegou que surpreendeu a família. “Olá, Therezinha e Zeli”, começava a carta, que acompanhava um cheque em um envelope amarelo. “Vocês não me conhecem, mas ouvi a história de vocês. Sou uma pessoa que tem condições e gosto de ajudar quem precisa. Vi a dedicação que vocês têm com a sua filha e quero ajudar com este cheque. Pode parecer que não é um cheque verdadeiro, mas espero que ajude.”
Therezinha lembra que ela e o marido ficaram surpresos ao ver o cheque, que era completamente anônimo, assinado pelo próprio banco para preservar a identidade do doador. Após uma semana de espera, Therezinha decidiu depositar. Ao chegar ao banco, questionaram sobre a origem do cheque, mas ela não tinha informações, exceto que ele vinha de um banco da Universidade de Michigan. Felizmente, a legitimidade do cheque foi confirmada, e Therezinha recebeu uma doação de 20 mil dólares para ajudar nas despesas com o tratamento da filha.
“Eu consegui pagar o que precisava. Sempre achei que essas histórias aconteciam apenas em livros e que eram experiências de outras pessoas. Ouvi sobre isso várias vezes nos púlpitos, mas, desta vez, aconteceu comigo,” contou, com alegria, no Fire Moments, ao relembrar a generosidade que transformou sua situação.
Ainda no mesmo programa, Therezinha compartilhou seu medo de que a síndrome catatônica de Rafaella estivesse voltando, pois alguns sintomas começaram a se manifestar novamente. Ela explicou que, para sua participação naquele dia, 15 de fevereiro de 2020, a IASD Luso-Brasileira de Newark adaptou um espaço com todo o cuidado para garantir o conforto da filha. “Fiquei o dia inteiro aqui. A mudança que fizeram foi tão significativa que não valia a pena ir ao hotel e voltar. Minha vida é assim: uma luta constante, mas meu Deus é maravilhoso. Ele me traz paz. Posso viver testemunhando, vou viver pregando, vou celebrar, e não tenho vergonha disso. Enquanto estou aqui, o Zeli subiu. Agora, eu vou subir para que ele toque aqui. Essa é a minha vida!”, contou, com a voz embargada pela emoção.
Ao concluir seu mestrado em 2017, Therezinha foi designada pastora sênior da Silver Spring Seventh-day Adventist Church, no estado de Maryland, Estados Unidos, onde continua seu ministério até hoje.
O dia em que o Brasil venceu
A cidade de Silver Spring é amplamente conhecida entre os adventistas, pois abriga a sede da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia (AG). A igreja de Therezinha está localizada a apenas 15 minutos de carro, sem trânsito, da sede, o que torna sua posição ainda mais relevante para a comunidade, especialmente para os membros de sua igreja que são funcionários dos escritórios da organização mundial.
Para mim, como brasileiro que sempre advogou pela igualdade das mulheres na IASD, o dia 29 de junho de 2019 é o mais importante para o ministério pastoral sul-americano. A Potomac Conference ordenou Therezinha ao ministério pastoral adventista, em sua própria igreja, em Silver Spring.
No decorrer da cerimônia, o então presidente da Potomac, Bill Miller, destacou que “o chamado ao ministério não se baseia em quando alguém diz que ‘não poderíamos ter feito isso sem você’. Também não é resultado de recomendações da comissão diretiva, diplomas, entrevistas ou endossos. O verdadeiro chamado para o ministério é quando ouvimos a voz de Deus e caminhamos com ele em meio ao caos humano. É um processo de entender nossos limites e confiar no Deus que está sempre conosco”. Apesar deste reconhecimento a Therezinha ter ocorrido nos Estados Unidos, digo: o Brasil venceu.



Ao longo de seu discurso de ordenação, Therezinha compartilhou a emoção de vivenciar um momento tão aguardado por mais de três décadas. “Recebo este momento, esperado há 32 anos, com a certeza de que Deus está me tornando cada vez mais dependente dele,” afirmou a pastora na cerimônia. “É assim que acolho esta bênção. Agradeço à IASD por confiar que posso me tornar plenamente dependente dele.”
Therezinha está lotada em uma união que luta pela igualdade de gênero há muitos anos. A União Columbia é uma união defensora da equidade ministerial, independentemente do gênero. A Associação Potomac se destaca como uma associação pioneira em ações afirmativas: em 1972, ordenou Josephine Benton como a primeira anciã da igreja e, em 1995, ordenou Kendra Haloviak, Penny Shell e Norma Osborn para o ministério, representando três áreas de atuação: educação, capelania e pastorado.
Ainda em 2019, sua igreja emocionou a comunidade ao organizar um concerto de Natal no Abrigo de Washington. A ação foi liderada por Therezinha e mobilizou seus membros para preparar 200 sacolas natalinas, distribuídas aos presentes no abrigo. Cada sacola continha toucas, meias, luvas e um livro, além de cartas escritas à mão por crianças e adultos de sua igreja.
Therezinha sempre levou uma vida discreta, e poucas informações sobre ela estão disponíveis na internet, tanto em português quanto em inglês. No entanto, ao navegar pelo YouTube, descobri um programa exibido no canal Novo Tempo, chamado Está Escrito Canadá8, que foi transmitido no início dos anos 2010. Apresentado por Bill Santos, Therezinha participou do programa em dois estudos, em séries diferentes. Na sua primeira aparição, foi apresentada como doutora, possivelmente devido à sua formação em Direito, mas na segunda vez já foi creditada como pastora, uma evolução significativa em seu reconhecimento.
Na série Os Dez Mandamentos, participou do episódio “Respeitando o meu próximo” ao lado do Pr. Alberto Timm, discutindo a aplicabilidade do oitavo mandamento9, em 2010. E no ano seguinte, foi convidada para a série Bem-aventurados, no episódio “Bem-Aventurados os que têm fome e sede de justiça”, junto do também pastor Douglas Pereira.
Em novembro de 2020, ao descobrir esses vídeos no YouTube sobre Therezinha, prontamente me disponibilizei para divulgá-los, apesar de já ter recebido conteúdos sobre ela anteriormente. Os comentários nas postagens variam bastante, refletindo tanto apoio quanto discordância em relação à presença de pastoras. “É impressionante como um tema tão relevante, como a não furtação, gera debates tão preconceituosos sobre o papel da mulher na liderança religiosa,” observou um seguidor. Outro comentou: “Ela não é pastora; é professora de teologia em uma das instituições adventistas, mas não pastora. Essa página parece gostar de polemizar.”
De modo geral, muitos ficaram satisfeitos por conhecer Therezinha e demonstraram curiosidade: “De qual igreja é a pastora Therezinha?” Outros contestavam: “No vídeo, ela é chamada de doutora Therezinha!” Um internauta, no entanto, não aceitava essa designação, argumentando: “O episódio foi gravado em 2010; até então, Therezinha Barbalho não era pastora, sendo que ela só foi ordenada em 29/06/2019.”
“Muitas meninas poderiam crescer sonhando em ser pastoras. Para isso, é preciso que mulheres decididas se levantem, enfrentando todas as dificuldades como instrumentos de Deus, e se tornem inspiração para crianças e futuras gerações!”, afirmou um perfil anônimo em um dos comentários. Era o início do distanciamento social devido à pandemia quando recebi um vídeo da pastora Therezinha, enviado por um seguidor. No vídeo, ela realizava o batismo de uma menina de 10 anos, tudo em português, em uma igreja nos Estados Unidos, provavelmente na comunidade brasileira na região de Silver Spring.
“Um sonho para muitas mulheres que acreditam em um Deus que não faz acepção de pessoas para o Seu ministério!”, comentou outra seguidora.
Em algumas ocasiões, me deparei com conteúdos sobre as participações de Therezinha, incluindo um canal que disponibilizou mais de 50 sermões realizados por ela enquanto estava na IASD Luso-Brasileira de Newark, New Jersey, Estados Unidos, mas que hoje não estão mais disponíveis no YouTube.
Uma das memórias que a Therezinha compartilhou comigo foi de quando esteve com o ex-presidente da AG, Ted Wilson. “Uma vez, encontrei o Pr. Ted Wilson em um curso de evangelismo em Nova York. Ele era um dos palestrantes. Me apresentei, tiramos uma foto juntos. Aproveitei para pedir que gravasse uma mensagem para a igreja que eu pastoreava na época. Com grande gentileza, ele não apenas gravou uma linda mensagem motivacional para nossa missão, mas também arriscou algumas palavras em português, dizendo: ‘Jesus está voltando’. Fiquei muito tocada pelo carinho dele pela nossa igreja,” ela contou a mim.

Minha memória
No início de julho de 2022, recebi uma ligação de um amigo que disse: “Jonathan, acho que você deveria estar em São Paulo no dia 16 de julho.” Era a semana do meu aniversário, então brinquei que se tratava de um presente. Ele respondeu que Therezinha estaria na Nova Semente e que seria uma ótima oportunidade para eu conhecê-la pessoalmente.
No dia anterior ao encontro com Therezinha, lembro que os membros da comunidade começaram a comentar nos grupos sobre sua presença, anunciando que ela ministraria um sermão no dia seguinte. Vários amigos logo entenderam a razão da minha viagem repentina a São Paulo.
O dia seguinte despontava de forma diferente, mesmo sendo uma manhã típica de inverno na cidade de São Paulo, com suas baixas temperaturas. Ele já entrava no noticiário como um dos dias mais quentes da cidade nos últimos dois meses: mínima de 12ºC, máxima de 28,1ºC. “Julho atípico”, traziam os títulos das matérias; e mais uma vez os especialistas acertaram, mesmo não fazendo ideia de que sua previsão se aplicaria perfeitamente àquele 16 de julho na Av. Cubatão, 77.
Era por volta das 09h da manhã, quando surge, em meio a algumas pessoas conversando, o som de pegadas e uma voz muito aconchegante, dizendo: “Tru, essa é a Nova Semente,” disse um amigo da pastora. Decerto aquela comunidade estava diante de um dia histórico.
Os hinos conduzidos pelo ministério de louvor daquela manhã preparavam a membresia presente para seu momento de adoração de forma sublime, e muitas pessoas com seus olhos fechados cantavam como prece. Enquanto isso, duas mulheres desceram pelas escadas, se direcionaram à plataforma central, e uma delas iniciou a cerimônia com uma oração de conforto.
No Brasil, a IASD estava diante de um fato inédito: duas pastoras brasileiras em um mesmo púlpito. Nos minutos seguintes, ainda que muitos não tivessem se dado conta, se iniciava um novo capítulo no pastorado feminino com as tenras palavras: “Deixa eu olhar pra vocês? Eu gosto de olhar nos olhos de todo mundo e dizer: feliz sábado, queridos!”, acolheu a pastora que um dia teve o convite para pregar na Igreja UNASP-EC, em Engenheiro Coelho, SP, desfeito a pedido do então presidente da Divisão Sul-Americana e atual presidente da AG, Erton Köhler, conforme revelado pela Adventist Today.


“Sou pastora da IASD há 19 anos. Estou nos Estados Unidos há 19 anos como pastora adventista do sétimo dia”, se apresentou. As mensagens apresentadas por Therezinha são caracterizadas por sua simplicidade e riqueza teológica. Para a pastora, uma mensagem simples é a marca das parábolas de Jesus; assim as pessoas compreendem o âmago do ensinamento e saem dali capacitadas para abençoar outras pessoas.
A pastora convidou os presentes a refletir sobre os desertos simbólicos que assolam nossas vidas, em caminhos que são cheios de paisagens desérticas e de dificuldades. Os sapatos amarelos, sem salto e aparentemente confortáveis que calçava demonstravam uma pessoa que não se reduz à seriedade do preto e branco ao andar pelos caminhos áridos da existência. Foi durante aquela manhã que Therezinha falou pela primeira vez, naquele dia, sobre seu deserto. Sua mensagem foi baseada no texto de Lucas 11.9-13.10 Ali estavam diante dela pessoas tristes, em luto, diante do sofrimento da perda. As palavras da pastora foram um abraço de conforto, como do “Espírito em nossos desertos”.
Para pessoas adventistas do sétimo dia, quando se pensa na figura do Espírito Santo, muitos recordam da crença fundamental homônima que diz “Ele concede os dons espirituais à igreja, a habilita a dar testemunhos de Cristo e, em harmonia com as Escrituras, guia-a em toda a verdade”.11
É incontestável que novos capítulos precisam ser escritos no ministério realizado pelas mulheres. Ali, naquele deserto, foi possível vislumbrar um horizonte, um mar, diante de muitos olhos. As lágrimas dos presentes eram resultado do conforto através da fala de Therezinha. Não era uma miragem do deserto, era a esperança para um novo tempo no ministério pastoral brasileiro. Sua participação compôs o segundo estudo da série “Deserto”, na Nova Semente, figurando como o vídeo mais assistido da sequência, com 15 mil visualizações no YouTube. A soma dos recortes publicados em perfis do Instagram ultrapassou 190 mil visualizações e mais de 13 mil curtidas.12
Desde aquele dia, lembro do cuidado que Therezinha demonstrava com todas as pessoas que se aproximavam para conversar, e todas eram recebidas com atenção. A imagem que eu havia visto nos vídeos se confirmou; ela era realmente assim. Durante seu sermão, ela mencionou conceitos do grego, revelando seu conhecimento, mas apresentou tudo de forma didática e simples, afirmando que havia aprendido na lição da escola sabatina.
Tempos depois, soube que Therezinha era tão proficientemente versada em grego que, ainda na graduação, outros estudantes frequentemente buscavam sua ajuda para os estudos nessa disciplina. Essa dedicação não ficou apenas no passado; durante seu mestrado, ela continuou a ser uma aluna que tirava notas máximas nos estudos da língua, mesmo em meio a toda dificuldade que estava vivendo naquele período.
Ainda durante sua passagem pelo Brasil, Therezinha participou do encontro de sua turma de Teologia, realizado no auditório Ellen White do UNASP-SP. O evento celebrou o reencontro dos formandos em Teologia da turma de 1990.
Na internet
De forma virtual, Therezinha fez algumas aparições em atividades adventistas brasileiras. Em pelo menos duas ocasiões, ela conduziu meditações para uma igreja em Rondônia, ambas durante a pandemia. A primeira ocorreu na madrugada de 24 de julho de 2020 , durante a Jornada de Oração da IASD Central Areal.13 Na ocasião, uma participante expressou sua alegria ao descobrir a existência de pastoras na denominação. Sua segunda participação nessa igreja foi em 22 de março de 2022, ambas introduzidas pelo pastor Cícero Firmino, que a convidou. Ela também participou de transmissões ao vivo no Instagram da Nova Semente com os então pastores da congregação, Aqueldan Feldberg e Fernando Rosales.
Nesse ínterim, em 2021, Therezinha também participou do programa Chamada, junto às estudantes de teologia Maiara Costa e Marianna Hidalgo, sob a condução de Laura Bonifácio. Nesse programa, ela discutiu os votos da igreja sobre a presença de mulheres pastoras ao longo da história da denominação.
Called Convention
Therezinha participou na Called Convention, um evento realizado para pastoras, pastores e suas famílias em 2022. Naquela ocasião, foi exibida uma entrevista em que a pastora compartilhava partes de sua história. Além disso, Therezinha foi convidada a dar uma palestra sobre resiliência pastoral. O tema, por si só, já é impactante, pois o trabalho pastoral pode ser extremamente exaustivo, e as dificuldades da vida tornam essa tarefa ainda mais pesada. Os pastores enfrentam dificuldades e lutam com a saúde mental assim como todos os outros.
Para promover o Called, a direção ministerial de sua Divisão convidou palestrantes para compartilhar um pouco de suas experiências no podcast Adventist Ministry, no episódio “Resilient Pastors”, apresentado por Dave Gemmell. A discussão girou em torno da capacidade de se recuperar facilmente ou se adaptar às mudanças. Um dos apresentadores do podcast fez um comentário que me marcou: “Therezinha é a mais resiliente entre os pastores.” Em inglês, essa afirmação não faz distinção de gênero.
Reconhecimento
Anualmente, a Associação de Mulheres Adventistas (AAW) destaca líderes pioneiras com o Junia Award, que homenageia mulheres que exemplificam liderança em igrejas locais, capelania, administração e educação religiosa. Nomeado em homenagem à apóstola Júnia14, o prêmio reconhece as contribuições das mulheres e promove seu papel vital na vida eclesiástica.
O prêmio visa inspirar mais mulheres a assumir posições de liderança, reforçando a crença adventista de que elas sustentam “metade do céu” na igreja. Este reconhecimento celebra histórias e legados de líderes femininas e, em 2024, a AAW decidiu premiar cinco mulheres da Divisão Norte-Americana, representando diversas etnias e que foram recém-ordenadas. Entre as premiadas deste ano estava Therezinha, a primeira brasileira a receber essa honraria.
No ano de 2024, Therezinha enfrentou dois acidentes de trânsito: um enquanto se dirigia para realizar uma cerimônia fúnebre e outro, exatamente dois meses depois, enquanto ia trabalhar em um sábado de manhã. Nas nossas últimas conversas, ela mencionou que sua filha também não estava bem, algo que a preocupava desde 2020.
Os tempos são desafiadores. Therezinha Barbalho abriu caminho como a primeira pastora brasileira, mas certamente não será a única. Há um encorajamento, mesmo que sutil, para que outras mulheres sigam a carreira pastoral. Muitas meninas e mulheres sentem o chamado para o ministério, mas ainda enfrentam cegueira missiológica e clamam por justiça.
Notas:
1.↑ Missões, Associações, Uniões e Divisões são instituições administrativas da Igreja Adentista do Sétimo Dia compreendidas por regiões administrativo-geográficas.
2.↑ Vocacionada pelo Espírito Santo para trabalhos religiosos.
3.↑ O trabalho mencionado foi escrito por Renato Stencel e William Edward Timm, sob o título Histórico da Faculdade Adventista de Teologia no Brasil. A publicação inclui um anexo com os nomes de todos os estudantes formados, intitulado “Alunos que se formaram na FAT entre 1922-2013”. Além disso, Renato é da turma de Therezinha.
4.↑ Em duas ocasiões, minha sexualidade já me foi mencionada por pessoas no ministério pastoral adventista como motivo para recusarem meu contato.
5.↑ Estão presentes na fotografia José Ricardo Ferrer, Nilson Silva Ferreira, José Ferreira dos Santos, José Teixeira dos Santos Sobrinho, Hiroyuki Yoshida, Luis Charles Moreira, Cicero Firmino dos Santos Junior, Wilson Benedito de Oliveira Fonseca, Therezinha Pepe Barbalho, Lourival Gonçales, Elton Hermes Oliveira, Davi Gomes de Arruda, Enéias Alves da Cruz, Arão José e Renato Stencel.
6.↑ A congregação também pode ser encontrada pelo nome em inglês: Newark Luso-Brazilian Seventh-day Adventist Church.
7.↑ Essa congregação é conhecida pelo seu nome em inglês, mas também é possível encontrar informações pelo seu nome em português: Igreja Adventista do Sétimo Dia Brasileira de Richmond.
8.↑ O programa Está Escrito Canadá é um programa televisivo, dividido em blocos e apresentado em língua portuguesa. Por ser estruturado em blocos, cada episódio possui mais de uma parte. O episódio “Os Dez Mandamentos” é composto por três partes, enquanto o “Bem-Aventurados os que Têm Fome e Sede de Justiça” também é dividido em mais de uma seção. No total, cada episódio tem cerca de 30 minutos de duração.
9.↑ Os adventistas do sétimo dia seguem os Dez Mandamentos, conforme descrito no livro de Êxodo da Bíblia cristã, no capítulo 20. Nesse caso, o oitavo mandamento é “Não furtarás”, conforme descrito no versículo 15.
10.↑ “Por isso, vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á. Qual dentre vós é o pai que, se o filho lhe pedir [pão, lhe dará uma pedra? Ou se pedir] um peixe, lhe dará em lugar de peixe uma cobra? Ou, se lhe pedir um ovo lhe dará um escorpião? Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?”, versão Almeida Revista e Atualizada.
11.↑ Crenças Fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 5: O Espírito Santo.
12.↑ A última verificação de engajamento aconteceu em 28 de novembro de 2024.
13.↑ A sua participação foi à distância, mas a igreja fica em Porto Velho, Rondônia.
14.↑ Júnia é a única mulher apóstola mencionada na Bíblia cristã. A menção descrita em Romanos 16.7 diz: “Saúde Andrônico e Júnia, meus companheiros judeus que estiveram na prisão comigo. Eles se destacam entre os apóstolos e já estavam em Cristo antes de mim”, de acordo com a Nova Versão Internacional.