Morre, em 17 de julho, Jorge Pixley, teólogo estadunidense da libertação e pensador de destaque para o pensamento teológico latino-americano na área dos estudos bíblicos
Jorge V. Pixley (Fonte: Youtube: Pixley y el Dios Liberador en la Biblia)
É quase inacreditável ver-se na responsabilidade de escrever duas notas de pesar, oriundas de uma mesma data, a respeito de dois nomes importantes para o pensamento teológico latino-americano. No dia 17 de julho, durante a noite, descansou Jorge Pixley, aos 86 anos, destacado teólogo batista estadunidense. A notícia foi confirmada, posteriormente, pela Convenção Batista da Nicarágua, onde trabalhou como docente. No mesmo dia, durante a madrugada, também descansou Franz Hinkelammert, conforme noticiamos ontem, em nota de homenagem e lamento.
Jorge V. Pixley nasceu em 1937, na cidade de Chicago, EUA. Contudo, por ser filho de missionários batistas, toda sua infância e grande parte da juventude foi vivida na América Central, local em que realizou seus estudos básicos; em 1955, terminou o Ensino Médio no Colégio Batista de Manágua. Seus estudos universitários, no entanto, foram realizados no Wheaton College, Illinois, e no Kalamazoo College, Michigan. Em Kalamazoo, Jorge se casou com Jayne Babcock, que faleceu também recentemente, em 2 de abril de 2022, aos 85 anos.
Foi na Faculdade de Teologia da Universidade de Chicago, sua cidade natal, que obteve o doutorado em Estudos Bíblicos. Sua carreira acadêmica se inicia em Porto Rico, em 1963 – mesmo ano em que é ordenado pastor batista –, como professor de Bíblia no Seminário Evangélico de Porto Rico. Posteriormente, em 1969-1970, lecionou aulas magistrais no Instituto Superior Evangélico de Estudos Teológicos (ISEDET), em Buenos Aires, local em que viveu por dez anos com sua família. No mesmo local, também trabalhou como professor na Faculdade Luterana de Teologia.
O teólogo também lecionou no Seminário Batista do México (1975-1984), e chegou a trabalhar como professor de “História de Israel” no Instituto Teológico de Estudos Superiores da Cidade do México. Mesmo retornando aos EUA em 1985, com o desenrolar da revolução Sandinista, na Nicarágua, Pixley e sua esposa decidiram retornar a Manágua. Nesse local, o teólogo passou a ministrar aulas para o Seminário Teológico Batista de Nicarágua, entre 1986 e 2002. Este último ano marcou sua aposentadoria e retorno aos EUA, Califórnia, onde atuou como diretor do Projeto América Latina e do Centro de Estudos Processuais na Escola de Teologia de Claremont.
Lamentando de igual modo a partida de Hinkelammert, Luiz Carlos Ramos, professor de teologia na Universidade de São Francisco (USF), Brasil, descreveu Pixely como um “teólogo extraordinário”, que “se encarnou na cultura latino-americana”. No ambiente acadêmico, Pixley será relembrado por seu apreço ao estudo da Bíblia, assim como pela paixão expressa na pesquisa desse objeto, para o benefício do pensamento latino-americano. Martín Somarriba, professor nicaraguense do Seminário Teológico de Nicarágua, afirmou guardar com carinho a Bíblia Hebraica e a versão da Nueva Biblia de Jerusalém presenteada por Pixley, em comentário ao seu falecimento.
O nome de Pixley, entre outros teólogos expoentes da teologia da libertação, é listado entre os participantes do quarto e penúltimo “Encontro Internacional”, realizado pelo Departamento Ecumênico de Investigações (DEI) que, em meados de 2000, já figurava com alto grau de diversidade e internacionalidade acadêmica.1 Além de contribuir com o Departamento para discussões de âmbito exegético-teológico em encontros dessa natureza, Pixley também é apresentado como um dos colaboradores da revista Pasos, periódico acadêmico ainda editado e publicado pelo DEI.
Porção importante do pensamento de Pixley encontrado em alguns de seus trabalhos, defende a universalidade das empreitadas exegético-teológicas. Para ele, é perene a necessidade de realizar uma teologia bíblica alternativa, isto é, em constante confronto à teologia bíblica dominante. Essa produção trata de uma prática que prioriza a vida, envolvendo o próprio sujeito que luta por sua existência. Essa dinâmica resulta, naturalmente, em uma pluralidade de teologias, e não em abordagens que se restringem à elaboração de uma experiência regional.
Com forte influência da “Teologia do Processo” – baseada em ideias filosóficas originadas da filosofia de Alfred North Whitehead – essa noção de Pixley é embasada em sua leitura do texto bíblico, o reconhecimento do “drama de Deus na história”.2 Para o teólogo, as teologias dominantes elaboram um Deus implacável, cuja vontade e arbítrio são intrincados e inflexíveis, com o objetivo de manter a ordem para a manutenção da autoridade. No entanto, em situações esparsas, a Bíblia apresenta uma teologia alternativa, que questiona a suficiência da ordem social vigente. Pixley chega a usar como exemplo de confronto alternativo as ocasiões em que Abraão questiona a justiça de Deus, e em que Moisés chama o próprio Deus ao arrependimento.
Além disso, Pixley também considera o aspecto agregador da teologia, no que diz respeito às classes sociais, compreendendo que Deus é benevolente a ricos e pobres. No entanto, o teólogo defende que a opção pelos pobres é obrigatoriedade da teologia, não por questão de parcialidade, mas por necessidade imediata: eleger a opção pelos ricos seria, naturalmente, agir contra a vida dos pobres. Essa perspectiva é encontrada desde uma abordagem exegética, em sua obra El libro de Job.3
A contribuição de Pixley enriqueceu em muitos aspectos o viés libertador da teologia bíblica na América Latina, e, segundo o próprio Hinkelammert, abriu espaço para um processo de renovação na teologia da libertação. Sua leitura do texto bíblico permanece relevante para estudos exegético-teológicos da Bíblia ainda hoje, e contribui para uma práxis que prioriza a liberdade e a vida. Talvez seja possível afirmar que, como pastor, teólogo e biblista, enquanto em vida, Pixley ajudou a reacender o “diálogo com Deus”, apresentando-o como ser benevolente, que se deixa persuadir pelas necessidades humanas.
Notas:
1.↑ GUITIÉRREZ, Germán. La negación del sujeto en los fundamentalismos y la raíz subjetiva de la interculturalidad: Cuarto Encuentro de Cientistas Sociales y Teólogos DEI, San José, Costa Rica, diciembre 5-9 del 2002 (Síntesis elaborada por Germán Gutiérrez). Pasos, n. 106, mar.-abr., 2003.
2.↑ PIXLEY, Jorge V. O Deus libertador na Bíblia: teologia da libertação e filosofia processual. São Paulo: Paulus, 2011.
3.↑ PIXLEY, Jorge V. El libro de Job: Comentario bíblico latinoamericano. San José: Seminário Bíblico Latinoamericano, 1982.