A igreja adventista divulga planos evangelísticos "milagrosos" para a pregação do evangelho, mas suas falhas alimentam a descrença na instituição e no poder divino.


Por Eugene Gerasimov | Adventist Today — Traduzido e adaptado por André Kanasiro para a Revista Zelota

Frequentemente vemos, em conexão com a medicina, o símbolo de uma serpente, geralmente enrolada em um mastro. Ocasionalmente você vai ver uma guardiã mítica da serpente: a deusa Hígia, que alimenta sua serpente com uma tigela. Hígia era uma deusa jovem, filha e auxiliar-chefe de Asclépio, o deus da medicina. Ela era encarregada da limpeza e do modo de vida apropriado para uma vida longa — algo que hoje em dia chamamos de medicina preventiva.

Mas algo frequentemente esquecido é que Hígia tinha uma irmã, a Panaceia. Panaceia não se importava com limpeza ou higiene. Ela não fazia cirurgias e nem tinha habilidades em cuidado ou diagnóstico médico. Panaceia tinha algo muito mais simples: um remédio universal. Quem quer que ingerisse esse remédio misterioso e mágico seria curado de qualquer doença possível.

Tal droga era, naturalmente, mais cobiçada que cirurgias, pílulas, mudanças no estilo de vida ou outras prescrições desconfortáveis. Mesmo no final da Idade Média os alquimistas buscaram criar panaceias (juntamente com fazer ouro a partir de chumbo). A tão procurada fonte da juventude era uma panaceia. A “pedra filosofal” na história de Harry Potter é um exemplo de panaceia familiar da ficção moderna.

O termo panaceia veio a significar algo que vai resolver todos os problemas. As pessoas sonham com tal poção, plano ou ideia milagrosas, algo que vai eliminar todos os problemas. No mundo político, por exemplo, alguns colocam sua esperança em um presidente perfeito. Para o coronavírus alguns se agarram a remédios não testados, tais como a hidroxicloroquina ou “curas” herbais não testadas.

Há até um exemplo na Bíblia: quando Jesus falou com a mulher no poço, ela lhe implorou por um tipo miraculoso de água, para que ela não tivesse mais que tirar água do poço público.

Minha experiência adventista

Adventistas também gostam de panaceias. Como todos temos dificuldades e desafios espirituais, nós buscamos respostas. Vez ou outra a denominação vai enviar um plano ou programa de cima para baixo, com a implicação de que ele vai inevitavelmente levar ao sucesso na resolução de nossos problemas.

É claro que definimos de formas diferentes o que é ter sucesso na resolução de problemas. Cada nova iniciativa, votada em algum lugar num nível mais alto da denominação, deixa aberta a possibilidade de que participar nela nos fará verdadeiramente espirituais, apagará as divisões em nossas comunidades, fará com que um grande número de não-crentes se volte para a verdade, cumprirá a Grande Comissão, e até aproximará a Segunda Vinda. 

Durante meu tempo como pastor adventista do sétimo dia, o remédio universal no qual tive que crer, investir, e levar para meus membros mudou muitas vezes — uma vez a cada dois ou três anos, aparentemente.

O primeiro do qual me lembro, como um jovem pastor, foi no início dos anos 90, quando congregações na antiga União Soviética foram instadas a reformar nossas escolas sabatinas. Ao invés de um grande auditório para a escola sabatina (modelo que era um legado dos tempos da URSS), nos disseram para dividir a igreja em várias classes pequenas. Nos prometeram que com essa única reforma as pessoas se tornariam adventistas muito melhores: elas estudariam suas Bíblias, amariam e cuidariam uns dos outros, e novas pessoas correriam das ruas para a igreja quando soubessem de nossas novas pequenas classes.

Bem, o tempo passou, mas os milagres prometidos não aconteceram. O estudo bíblico nas classes pequenas tornou-se tão maçante quanto o fora na classe grande e única. Felizmente isso aconteceu em uma década na qual a Igreja Adventista estava crescendo de qualquer modo, então ninguém se desapontou quando a promessa das pequenas classes não foi cumprida.

No final dos anos 2000 veio outra iniciativa de cima para baixo em nossa região: crescimento da igreja através de pequenos grupos. Prometeram às congregações não só aumento no número de membros, mas multiplicação! Que congregação, fosse ela grande ou pequena, se oporia a isso? Que pastor poderia resistir a participar, especialmente quando nos prometeram que esse método incrível terminaria a obra? Se nós copiássemos precisamente os métodos da Igreja do Evangelho Pleno de David Yonggi Cho, com 1.000.000 de membros, em Seul, na Coreia do Sul (já que essa foi a origem da ideia), teríamos o mesmo sucesso em cada igreja adventista da nossa divisão que a Igreja do Evangelho Pleno tinha tido em Seul.

Depois de anos de encontros para educar nossos membros, pastores e administradores, e de efetivamente tentarem introduzir esse programa pentecostal no adventismo do sétimo dia, os líderes adventistas que trouxeram essa iniciativa foram promovidos para níveis superiores da administração, e os pequenos grupos desapareceram. (Apesar de em muitas áreas eles nem terem aparecido, pra começo de conversa.) E com eles desapareceu um pouco mais de confiança nas promessas denominacionais, tirando esperança das almas dos poucos que ainda acreditavam em novas iniciativas enviadas de cima para baixo.

Mas não se desesperem! Os novos líderes que ficaram no lugar dos promovidos trouxeram ideias ainda maiores e melhores, e começaram a pressionar-nos a praticá-las! Ah, tantas outras mais! Houve a distribuição de DVD players com um conjunto de discos de evangelismo. Missões para grandes cidades, anunciadas mesmo nas vilas cuja população não tinha acesso a centros urbanos. Muitos “livros do ano” que definitivamente iam atrair legiões de novos crentes, mas você nunca via os resultados. Programas de satélite, onde as pessoas assistiriam televisão em casa e então viriam aos nossos santuários. 777 orações por reavivamento e reforma, sugerindo que Deus ouviria nossas vozes mais prontamente e faria milagres se formássemos uma corrente de oração com mais de 20 milhões de adventistas. E, é claro, o “Envolvimento Total da Membresia”1.

E mais. Você conhece mais deles se está na igreja há mais tempo do que eu.

Qual o problema?

É claro que esses esforços tiveram sucesso ocasionalmente. Sem dúvida alguém em algum lugar leu um livro do ano e encontrou a igreja, ou assistiu uma cruzada de satélite e se converteu. Talvez algumas congregações na associação tenham visto isso acontecer, mas duvido que tenha sido a maioria delas.

O problema é que todas essas iniciativas são apresentadas como uma panaceia para todas as congregações. E, como sabemos hoje, não existe panaceia, uma solução que funcione para todos e em todos os lugares.

Além disso, multiplicar muitos programas novos e mudá-los de ano em ano não aumenta a fé dos crentes. É justamente o contrário. Cada novo método, cada nova campanha de publicidade, cada novo livro ou programa de satélite se torna outra panaceia fracassada. Ela mata a esperança e causa desapontamento quando nada acontece na igreja local depois de outro “evangelismo global” ou outra “Caravana da Esperança”.

Uma fábula de Esopo bem conhecida conta como um menino pastor gritava “lobo” com muita frequência, até que seus alarmes falsos entorpeceram as respostas dos aldeões. Aí está: todos esses programas de panaceia fracassados matam não só a confiança na organização, mas no próprio poder de Deus.

Se você analisar essas grandes panaceias, vai descobrir que poucas cumpriram as promessas que fizeram. Quando pastores ou comissões sábias compreendem o efeito desses novos programas, elas percebem que as congregações devem na verdade ser protegidas do que vem de cima, de modo a proteger seus membros de novos desapontamentos.

A direção de Deus

Parece que não só inovadores denominacionais, mas o próprio Deus não tem remédio milagroso para os problemas em nossas milhares de comunidades de fé. Não importa o quanto continuamos tentando forçar a mão de Deus ao copiar soluções e panaceias de outros, não é assim que Deus trabalha.

As comunidades do Novo Testamento descritas na Bíblia eram únicas e diferentes umas das outras. Considere a variedade:

  • Em Jerusalém, surgiu uma comuna com todos compartilhando suas propriedades uns com os outros — quase como o modelo comunista da ex-URSS.
  • Na Antioquia, os cristãos foram capazes de expandir a igreja entre pagãos ao invés de só pregar para judeus.
  • Em Corinto havia tantos dons espirituais que seus serviços de adoração estavam cheios de manifestações sobrenaturais do Espírito — as quais provavelmente não seriam bem-vindas na maioria das igrejas adventistas atuais.

Diferente do adventismo, onde a uniformidade é tão valorizada que se espera que os adventistas nos Estados Unidos façam as mesmas coisas que os da Papua Nova-Guiné, você vai encontrar pouca uniformidade na igreja cristã primitiva para além da crença de que Jesus é o Senhor.

Ninguém designou a essas comunidades de fé um livro missionário para dar aos pagãos, ou lhes disse que capítulo da Bíblia ler para um sábado em particular, com um conjunto de questões principais para lhes dizer o que deveriam aprender, ou com um esboço para as orações das mulheres no Dia Internacional da Mulher (8 de março).

Nem as próprias igrejas e nem os apóstolos que cuidavam do rebanho precisavam disso. Eles tinham algo — ou Alguém, mais precisamente — que fazia o trabalho assumido pelos administradores da igreja atual. Não foram as iniciativas programáticas dos apóstolos que impulsionaram a obra na igreja primitiva, mas o Espírito Santo.

Se você ler o livro de Atos sem consultar um comentário, você vai ver como as coisas funcionavam na época — e como o evangelismo bíblico deveria funcionar hoje. O Espírito Santo lhes dizia o que tinham que fazer e o que tinham que parar de fazer, no que a igreja deveria se engajar, e o que ela deveria se recusar a fazer.

  • O Espírito Santo dirigiu Felipe a tomar uma estrada deserta e encontrar alguém que o Espírito tinha preparado para ele encontrar.
  • O Espírito Santo dirigiu Pedro a uma casa pagã, onde ele conheceu um homem a quem o Espírito tinha preparado para ouvir o evangelho.
  • O Espírito Santo impressionou a igreja de Antioquia a enviar alguns de seus membros à Europa, quando um macedônio implorou que alguém fosse e ensinasse seu povo.

Em cada localidade diferente o Espírito forneceu pessoas que estavam esperando para ouvir o evangelho do modo que funcionava para eles. Em cada situação isso aconteceu por causa do plano do Espírito Santo, dado por Deus, não porque alguém em um escritório ouviu falar de uma ideia que funcionou em algum outro lugar no mundo.

O Espírito trabalhava nas congregações. Deus não precisava de um gabinete de presidentes e vice-presidentes e secretários e líderes departamentais para mediar o Espírito. Deus dirigia Seus filhos para fazer o que Ele queria que fosse feito.

É isso que nos falta desesperadamente hoje em dia, tanto pessoalmente quanto em toda a comunidade de fé. Nós estamos buscando decisões e orientação da direção errada. Estamos buscando ajuda dos homens, não de Deus. Nós deveríamos estar conectados diretamente à Cabeça do Corpo, mesmo que isso pareça colocar a igreja organizada em risco.

O caminho para o sucesso da igreja não está em panaceias. Está na condução de Deus através do Espírito.

Notas

1. Total Member Involvement é um impulso evangelístico em escala total e em nível mundial que envolve cada membro, cada igreja, cada entidade administrativa, cada tipo de ministério de alcance público, pessoal e institucional” (Descrição oficial).