O teólogo e jornalista paraguaio Wolfgang Streich fala a respeito de sua demissão do ministério adventista por conta do caráter conservador e reacionário do adventismo no Paraguai
Por Wolfgang A. Streich | Bacharel em Teologia (UAP) e licenciado em Jornalismo (UniNorte). É escritor e professor em Assunção, Paraguai, e está casado com Ruth. É diretor do ministério “Buenas Noticias Ilimitadas”, difundindo os escritos e o pensamento de Desmond Ford.
“General Lino Cesar Oviedo” (Foto: GettyImages; Montagem: Jayder Roger).
Meu nome é Wolfgang A. Streich (Wolfí), e eu cresci em uma família adventista no Paraguai. Estudei no colégio adventista e fui para o internato em 1986, quando tinha 15 anos. Em 1989 iniciei minha graduação em teologia no Colégio Adventista del Plata (em 1990 mudou o nome para Universidad Adventista del Plata), terminando minha graduação em 1993. No ano de 2007 terminei a licenciatura em jornalismo. Atualmente trabalho como tutor de teses de alunos de teologia e escrevo para vários meios de comunicação cristãos (Evangélico Digital, Anabaptist World, Anabautista Digital e Teocotidiana).
Em 1994 trabalhei em uma campanha evangelística na Argentina, e então entrei no projeto missionário paraguaio chamado Missão Global, abrindo novas obras na Central (1995), Santa Rita del Monday (1996), e sendo pastor no distrito de San Ignacio (1997 a dezembro de 1998). Para mim sempre foi um desafio abrir novas obras, e nisso não tive muitos problemas, embora meu sonho fosse ir para uma igreja já organizada.
Quando fui designado para a igreja de San Ignacio, fiquei muito feliz, embora o maior desafio fosse começar novas obras em cidades próximas. Conseguimos iniciar dois novos grupos já no primeiro ano. Eu de fato gostava da igreja de San Ignacio. Eu tinha um relacionamento muito bom com a maioria dos membros, mas alguns meses depois que cheguei entrou na igreja um homem já em idade avançada, um adventista azedo. Foi bastante complicado para mim, pois ele se opunha aos meus sermões, à música, aos aplausos nos cultos que eu havia implementado etc.
Logo, este homem (em 1997) começou a visitar membros que faziam campanha para um militar chamado Lino Cesar Oviedo, que, na época, queria ser o presidente do Paraguai. Esse irmão até colocou uma caixa de som em seu carro, percorrendo a cidade, fazendo propaganda para Oviedo e distribuindo folhetos.
Um dia encontrei uma carta na igreja com uma oferta de Oviedo para nos apoiar se votássemos nele. Em uma reunião da igreja rasguei publicamente a carta, dizendo que nunca nos envolveríamos com política, e que ali todos podiam votar em quem quisessem. O homem se levantou, jogou uma cadeira contra a parede e saiu. Por recomendação da diretoria da igreja tive que ir até a casa do irmão pedir perdão, acabamos fazendo a santa ceia, e tive que lavar os pés dele.
Mas a relação depois disso ficou complicada. Esse homem ficava falando mal de mim o tempo todo, dizendo que eu não era um verdadeiro adventista, e ligando para o escritório da missão para reclamar de mim.
Devo admitir que tinha que engolir o tempo todo minha opinião negativa sobre Lino Cesar Oviedo, um militar fora de si, que em seus discursos gritava em alemão e tinha um estilo muito parecido com o de Adolf Hitler. Tive que engolir tudo, pois esse irmão fez campanha por Oviedo ao longo de 1997, e em 1998 fez por Raúl Cubas Grau, amigo incondicional de Oviedo que se tornou presidente do Paraguai em agosto de 1998.
Minha demissão do ministério adventista
Depois de outros conflitos, em dezembro de 1998 fui demitido do trabalho por causa de uma discussão verbal que tive com o presidente da Missão Adventista Paraguaia. Não estou dizendo que esta situação com Lino Oviedo foi a única causa da minha demissão. Nos meses anteriores, recebi uma série de instruções sobre meu trabalho. O presidente da missão sabia de minhas visitas frequentes a igrejas e pastores evangélicos.
Admito que não obedeci a algumas instruções claras, como não sair do distrito sem permissão do presidente da missão. Eu tinha saído algumas vezes para visitar a filha de um pastor evangélico por quem eu estava apaixonado, fora do meu distrito.
Nessa reunião — em 1998, quando fui demitido — conversamos sobre as queixas de alguns irmãos da igreja. Fiquei bastante chateado, pois senti naquele momento que eles queriam limitar minha liberdade de movimento e relacionamento com os irmãos evangélicos.
Segundo algumas reclamações que recebi de alguns membros da diretoria da minha igreja, minha pregação tinha um estilo um pouco não tradicional. A esse respeito, em 1992, tendo cursado Romanos na Universidad Adventista del Plata, cheguei a um entendimento da justificação pela fé, rejeitando um adventismo frio e rígido, de estilo legalista. Eu tinha parado de falar sobre Ellen G. White. Gostava muito do estilo dos pastores Homero Salazar e Alejandro Bullón. Nunca pregava de terno e gravata, andava de Scooter Vespa o tempo todo, cantávamos com palmas (principalmente em reuniões de jovens) e tínhamos cultos muito animados.
Sempre fui uma pessoa que não se calava sobre o que pensava; mas nunca tive problemas doutrinários com a Igreja Adventista. Bem, talvez tivesse: eu não acreditava em perfeccionismo, nem que era possível viver sem pecado, mas não podiam me expulsar do pastorado por isso. Nunca recebi uma comunicação oficial sobre minha demissão. Eu era um jovem em teste (por mais de 4 anos), era solteiro, não tinha uma nomeação oficial como obreiro, e estava contratado em um projeto chamado Missão Global, que dependia diretamente do ministerial, mas minhas funções eram totalmente pastorais.
Mas quem era Oviedo?
Lino Cesar Oviedo (LO) ingressou na escola militar aos 14 anos. Parte de sua carreira militar foi na Alemanha. Tornou-se um assessor próximo do general Andrés Rodríguez, que o ajudou no golpe paraguaio de 1989 contra o general Alfredo Stroessner. Em maio de 1989 foi promovido a general de brigada e em maio de 1992 a general de Divisão. Em agosto de 1993 tornou-se Comandante do Exército Paraguaio.
Quando o presidente Juan Carlos Wasmosy anunciou sua aposentadoria em abril de 1996, Oviedo não aceitou e organizou um golpe, embora a maior parte do exército não tenha se juntado a ele. Oviedo ficou preso até agosto de 1996, quando foi solto e decidiu entrar na política. Expulso do exército, concentrou-se em conquistar a candidatura a presidente da república pelo Partido Colorado para as eleições presidenciais de 1998, e conseguiu apresentar uma plataforma populista por meio de sua grande habilidade retórica.
Com um lenço vermelho no pescoço – ele entrou na política como chefe de uma facção do Partido Colorado –, Oviedo afirmava ter servido lealmente à democracia sem jamais transgredir a Constituição da República, e muito menos a ordem de seus superiores. Mudava do espanhol para o guarani, citando suas origens humildes, e para o alemão, imitando sabe-se lá quem.
Em outubro de 1997, enquanto liderava as pesquisas como favorito, foi finalmente preso e condenado a dez anos de prisão por seu motim militar em 1996. Seu companheiro de chapa, Raúl Cubas, continuou a campanha e finalmente venceu as eleições (10 de maio de 1998), em grande parte com a promessa de libertar Oviedo, algo que fez dias após tomar posse (agosto de 1998), apesar dos protestos da Suprema Corte do Paraguai e dos líderes da oposição.
Em meio à agitação política conhecida como Março Paraguaio (1999), Raúl Cubas (presidente) renunciou e Lino Oviedo fugiu para o exílio, primeiro na Argentina e depois no Brasil. Voltou ao Paraguai em 2004 e ficou preso até outubro de 2007, fundando o partido político UNACE ao sair da prisão. Foi candidato a presidente da república em 2008, sem sucesso, e novamente em 2013. Poucos meses antes das eleições, morreu num acidente de avião. Seu partido desapareceu por falta de liderança.
E agora, o que faço?
Bem, como eu disse antes, talvez minha postura antipolítica na igreja e meu posicionamento contra esse irmão que vivia promovendo seu candidato (Oviedo), tenha sido a coisa mais marcante que posso citar para minha demissão. Confesso que muitas vezes discuti com irmãos sobre política, sem apoiar nenhum candidato; mas considero que este foi o maior gatilho para a minha demissão.
Em 1999, continuei a ser membro de uma igreja adventista em Assunção. Fui nomeado ancião de jovens naquela igreja e consegui um emprego em uma ONG de alfabetização de adultos chamada Alfalit do Paraguai. Lá trabalhei como gerente de projetos até 2009.
Em 2000 fui repreendido publicamente por um pastor por tomar mate (chimarrão) em uma noite muito fria de sábado no campo esportivo da igreja. E uma série de críticas a mim por algumas de minhas pregações continuaram. Novamente não havia problemas doutrinários, e as críticas me pareceram tolas. Por exemplo, uma vez fui criticado por dizer que o conceito do ser humano em três partes (corpo, mente e espírito) não estava completo. E ilustrei com um sistema holístico, bem mais complexo, com aspectos sociais, comunicacionais, emocionais, políticos etc. Após a pregação fui repreendido por estar confundindo as pessoas com essas coisas. Todas as críticas tinham esse estilo; para não confundir as pessoas. Mas nunca tive um problema doutrinário.
Admito que fui ficando cada vez mais incomodado, até que tive uma discussão intensa com o pastor, que me disse que era muito bom eu ter sido demitido, já que eu nunca poderia ter sido pastor adventista, por causa do meu jeito de ser. Finalmente, com raiva, fui e escrevi uma carta para a Missão Paraguaia, solicitando minha remoção da denominação adventista. Eu nem me lembro por quais motivos pedi minha demissão, mas o fiz.
Reconheço que entre 2000 e 2003 fiz cursos com a Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL), uma corrente cristã um pouco à esquerda, com ênfase na Missão Integral da Igreja. Tive aulas com teólogos de grande renome; Juan Stam (Apocalipse); Justo González (Atos dos Apóstolos); Marcos Baker (Gálatas); Robinson Cavalcanti (Política e Igreja); e Gerhard Ratzlaff (História da Igreja). Isso me ajudou a tomar posição em algumas questões teológicas. Não sei se posso dizer que mudei de posição, pois antes, no seminário adventista, víamos uma introdução a isso e aquilo, e nunca nos aprofundamos em nada.
Em relação a ex-adventistas, em 2000 fiz contato com vários pastores que deixaram a igreja, e com quem troquei muitos e-mails. A maioria deles estava nos Estados Unidos: Werner Wandersleben, Haroldo Camacho, Saul Roldan; também conversei com alguns irmãos que deixaram a igreja no Peru devido a conflitos com a justificação pela fé. Eles me ajudaram muito, com estudos bíblicos e oração. No final de 2001, me tornei membro da igreja anabatista menonita, da qual permaneço membro até hoje.
De 2004 a 2007 estudei jornalismo. Em 2010 comecei um pequeno ministério chamado Good News Unlimited, após contato com o Good News Unlimited da Austrália, e me comunicar com Gill e Desmond Ford, assim como Eliezer Gonzalez. Até hoje publicamos uma série de devocionais diários sobre justificação pela fé. Durante a semana publicamos devocionais de Desmond Ford, de Eliezer e alguns meus. Eu também escrevo uma coluna chamada PyTheos (Teologia do Paraguai) no jornal Evangélico Digital, e corrijo teses de estudantes de teologia da Universidade Evangélica do Paraguai para sobreviver.
Não voltei a me envolver muito com a Igreja Adventista, embora tenha alguns amigos e familiares na igreja. Não creio no julgamento investigativo de 1844, aproximando-me muito da posição de Desmond Ford. Passo os sábados em casa com a família, escrevendo, às vezes lendo, ou assistindo algumas pregações na internet.
Sobre minha Bipolaridade
Talvez você também ouça algo ao ler sobre mim. Sim, é verdade. Possuo transtorno bipolar, diagnosticado em 1995. Naquela época eu tinha 24 ou 25 anos, e sim, tive uma grande depressão, seguida de um período de grande hiperatividade. Talvez isso tenha influenciado mais tarde o fato de que eu não estava bem medicado quando confrontei o irmão que seguia Lino Oviedo, e depois o presidente da missão paraguaia.
Na minha caminhada de 51 anos, passei por vários conflitos derivados da minha bipolaridade, incluindo algumas tentativas de suicídio. Não culpo ninguém, pois qualquer um pode ter essa doença. Reconheço que muitas vezes tomei más decisões na minha vida com base no meu mau humor. Aprendi a conviver com isso, produzi vários artigos e podcasts sobre essa patologia, e ajudei muitas pessoas em estado de depressão muito profunda.
O Senhor sabe por que alguém deve passar por isso. Não culpo a Igreja Adventista pela minha doença, porque isso já faz parte da minha genética, mas alguns irmãos foram impiedosos ao me criticarem por isso. É muito ruim quando o ataque se torna sistemático via WhatsApp e e-mail. Também conheço vários ex-pastores adventistas que lutaram contra a depressão sem ter essa doença. Lamento muito tanta violência verbal e psicológica por parte de setores radicalizados, em questões religiosas. Isso também existe em muitas igrejas evangélicas.
Minha perspectiva futura
Não quero fazer muitos planos para o futuro. Eu vivo dia a dia. Sou casado com minha esposa Ruth há 11 anos. Ela vem de uma igreja evangélica fundamentalista, e também passou por algumas histórias conflitantes.
Ambos nos refugiamos na Igreja Menonita Concórdia de Assunção, da qual somos membros. Converso muito com Ruth sobre coisas que não vejo muito bem no mundo evangélico, o qual caminha perigosamente para uma direita bastante radicalizada e perigosa. Isso não acontece em todos os lugares; existem algumas igrejas muito saudáveis. Estamos muito felizes com os menonitas, pois eles não complicam nossa vida com a teologia, e tentamos não complicar a vida deles. Sou livre para escrever, pensar e ensinar o que quero. Não tenho nenhum tipo de censura.
Buenas Noticias Ilimitadas e PyTheos são minhas plataformas de pensamento. Espero que possamos influenciar positivamente os cristãos de qualquer denominação. Temos conhecido muitas pessoas que estão sofrendo muita perseguição dentro da Igreja Adventista, e não me atrevo a pedir que saiam dela. Se você pode estar, e aguentar tudo, parabéns. Eu oro e espero que um dia Jesus Cristo e o poder do Espírito Santo possam encaminhar muitas coisas na Igreja Adventista; mas não tenho certeza se isso vai acontecer. Só Deus sabe.