Samuel H. Neves superou expectativas, despertou discussões e ascendeu rapidamente na carreira denominacional. Sua jornada revela muito sobre as tensões do futuro e presente da Igreja Adventista
De orações, discussões e divisões
Por Alexander Carpenter
Se, na Assembleia da Associação Geral (AG) que está prestes a acontecer, o presidente for reeleito e certo diretor de departamento se aposentar — ambos cenários muito prováveis — Samuel H. Neves pode logo ser o diretor de comunicação para a Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) mundial.
Eu conheci Neves em 2007, quando fiz uma apresentação — “Escrevendo blogs por um mundo melhor” — em uma conferência de Evangelismo Global na Internet, no Newbold College. O mundo adventista era diferente nessa época, mais aberto. De fato, eu estava lá porque Ray Dabrowski, o diretor de comunicação da AG, tinha me convidado para participar do encontro da denominação. Na época eu trabalhava para uma ONG interreligiosa focada em justiça ambiental como diretor de comunicação on-line. Neves, na época um pastor de igreja local, assistiu minha apresentação, e almoçamos juntos discutindo ideias e memes.
Esse espírito de abertura denominacional acabou quando Ted Wilson foi eleito presidente da AG, no dia 3 de julho de 2010.
No dia 4 de julho, Neves me enviou por email um artigo que escreveu sobre o primeiro sermão de Wilson como presidente da AG. O nome do artigo era “A mensagem de Wilson: uma análise pós-moderna”. Ele queria publicá-lo no blog da Spectrum. Retoricamente estratégico, após elogiar parte do sermão inaugural de Wilson, Neves expressou sua frustração dizendo que Wilson não foi longe o bastante.
Ele observou que Wilson “mencionou ‘Ellen White’ 7 vezes, ‘igreja’ 42 vezes, ‘pessoas’ 36 vezes, ‘Bíblia’ 25 vezes e ‘em frente’ 23 vezes.” Neves criticou o que não foi mencionado. “Ele não usou as palavras ‘pobre’ ou ‘enfermo’ uma única vez. Do mesmo modo, nenhuma destas palavras chegou ao sermão: ‘cura’, ‘sem-teto’, ‘oprimido’, ‘prisioneiro’, ‘fome’, ‘meio ambiente’, ‘pobreza’ ou até mesmo ‘justiça’. Indo ainda mais longe nesta análise, o amor de Deus só foi mencionado uma única vez: na conclusão.” Ele também criticou o ataque de Wilson à academia e seu apelo para que os adventistas só lessem a Bíblia e Ellen White.
Na época Neves estava incorporando mídia ao ministério, publicando vídeos provocativos no YouTube recém-nascido. Sua biografia para o artigo afirmava que ele era “o diretor da EdgeTV, um ministério de apoio que oferece recursos para que igrejas no Reino Unido transmitam seus cultos ao vivo na internet”. Isso foi mais de uma década antes de pastores terem subitamente que aprender a pregar para uma tela durante a pandemia.
Mas eu só comecei a entender a natureza adaptável de Neves um ano depois, quando ele enviou um segundo artigo intitulado “O primeiro ano de Wilson: a opinião de um pastor”. Eu me lembro da confusão de Bonnie Dwyer, editora da Spectrum na época, enquanto Neves promovia apologeticamente o projeto “Reavivamento e Reforma” de Wilson. Para Neves, o nome o fazia pensar em “discipulado e revolução”. Ele elogiou Wilson por não ser alguém que não só pensa, mas faz, e usou o primeiro projeto do Grande Conflito de Wilson, que consistia em distribuir cerca de 100 milhões de livros, como um exemplo de sua metodologia evangelística ativa.
Neves afirmou: “Eu estive recentemente em um evento no qual o vice-presidente da AG apresentou este projeto […] Havia muitas dúvidas quanto a este projeto ser uma boa ideia, mas para mim estava claro — eu prefiro ter 100 milhões de livros distribuídos a não distribuir nada. Às vezes é melhor se unir fazendo algo que pode nem ser o melhor plano do que só falar sobre métodos. Na verdade eu estou cansado de só falar e discutir os melhores métodos para o evangelismo secular — está na hora de FAZER alguma coisa. O pragmatismo de Wilson parece fazer sentido para mim.” A abordagem “só faça alguma coisa”, especialmente se a AG financiá-la, parece representar a metodologia de toda a sua carreira a partir daí.
Ele explicou que “não estava completamente apaixonado pelo presidente”. Neves também disse ter ouvido “rumores” de que Wilson “vai se posicionar contra a ordenação de mulheres, condenar qualquer música que não seja ‘sacra’ e proibir a leitura de qualquer material não adventista, entre outras coisas. Em sua defesa, ele ainda não falou contra a ordenação (que eu saiba) e, depois de verificar sua tese de doutorado sobre Ellen White, estou convencido de que ele lê muito material não adventista.” Em 2025, de fato, todos estes rumores se provaram verdadeiros.
A conclusão de Neves foi: “O melhor está por vir.”
Videogame sacro > Evangelismo com Heroes > Iniciativa de evangelismo digital
Quando Neves resolveu fazer “Heroes”, um app que é um jogo de perguntas e respostas bíblicas, ele não queria figuras arquetípicas de um Davi fraco e anêmico de 12 anos de idade. Pelo contrário, Neves queria “um herói”, o que significava modificar o corpo juvenil do pastor de ovelha e colocar nele os músculos estereotípicos de um super-herói cheio de esteroides das histórias em quadrinhos.
O sucesso geral de Heroes não é claro. Na Apple App Store, o jogo tem uma nota de quase cinco estrelas com base em 210 avaliações, mas ele sequer está entre os destaques na própria categoria de apps. “Daily Bible Trivia: Quiz Games”, um jogo similar, tem a mesma média de cinco estrelas com mais de 86 mil avaliações.
Não obstante, videogames eram para Neves a nova fronteira no evangelismo digital apoiado pela IASD. De fato, durante um evento da Rede Global de Internet Adventista (GAIN) 11 anos atrás, Neves deu uma palestra sobre Heroes e observou que o jogo tinha financiamento da AG. Animado com as possibilidades, ele afirmou dramaticamente que “gostaria de cunhar um novo termo” na nova fronteira de apps: “videogames sacros”.
Mas Heroes parece estar meio de lado ultimamente. Sua página no YouTube não é atualizada com vídeos novos há mais de um ano. No Global Adventist Internet Network (GAIN), Neves exaltou o potencial evangelístico do jogo, afirmando que igrejas poderiam mandar mensagens para os jogadores e convidá-los para conhecer os heróis na vida real. Isso então levaria a estudos bíblicos e batismos. É difícil encontrar evidências de que este jogo tenha levado a qualquer ganho denominacional.

Passado no Brasil
Por André Kanasiro e Felipe Carmo
Em uma entrevista para a série Perfis da Rede de Notícias Adventistas (ANN), na qual o departamento de comunicação entrevistou seus colegas no prédio da AG, Neves afirmou ter sido dedicado ao ministério adventista pela própria mãe. As circunstâncias eram extremas. Ela tinha 17 anos — era filha de mãe solteira — quando conheceu o futuro pai de Sam, um homem com grande poder político local. Ele tinha 57 anos de idade. Conforme o relacionamento se aprofundava, ela foi se desesperando para ter um filho, e orou a Deus. O marido já tinha sido casado, e tinha filhos. Neves explicou que seu pai tinha que levar consigo a certidão de casamento quando andava com sua esposa 40 anos mais nova.
Ela lhe deu o nome de Samuel porque se identificava com a Ana da Bíblia. Ela também o dedicou a Deus para ser pastor.
Este senso de propósito, juntamente com uma personalidade “desagradável” — como ele mesmo gosta de repetir — parecem definir a identidade de Neves. Seu pai, um advogado criminal e coronel na polícia militar, tinha a preocupação de que o tamanho e personalidade de seu filho pudessem torná-lo um valentão. Por isso ele tentou ensinar o jovem Samuel a ser um protetor, o que resultou em algumas brigas feias e levou à sua expulsão do colégio adventista local.
Com 13 anos de idade, devido ao senso extremamente forte da mãe de que ele tinha sido chamado por Deus, Neves foi para o Reino Unido fazer o ensino médio, onde conheceu sua esposa Amy, a qual tinha fortes raízes na comunidade adventista local. Ele retornou ao Brasil para estudar teologia, mas então recebeu um chamado para ser pastor no Reino Unido, juntamente com um mestrado patrocinado pela IASD no Newbold College.
Neves se destacou no ministério em Londres. Nas igrejas de Holloway e Muswell Hill, ele criou fortes conexões com as grandes congregações africanas e caribenhas, já que os membros gostavam de suas pregações ousadas e sua liderança presente. “Eu aprendi que se você quer liderar, você precisa de conhecimento”, ele disse em uma entrevista para a ANN. “E se você tem conhecimento, você precisa usá-lo para ajudar os outros.”
Embora ele tenha impactado estas comunidades, foi seu trabalho na Wimbledon International que mudou tudo.
Trabalhando como pastor, Neves criou uma nova campanha de evangelismo. O número de pessoas na igreja mais do que duplicou. Batismos dispararam. Mas a tensão também. Quando a igreja se viu sem espaço para sua membresia crescente, ele disse para os membros mais antigos frequentarem outras igrejas temporariamente de modo a garantir que houvesse espaço para os novos convidados. Em um sermão provocativo, ele disse aos membros que Jesus teve que “se livrar da sua igreja” para alcançar a mulher samaritana no poço.
O argumento pode ter sido bíblico, mas a comunicação foi direta. Direta demais.
O descontentamento cresceu. Embora uma auditoria da igreja tenha absolvido Neves, o dano já estava feito. Ele foi transferido para o cargo de pastor associado, essencialmente um rebaixamento. Mas ele se recusou a recuar. Ele estudou a criação de marcas, começou a sonhar com estratégias de comunicação, e se envolveu em várias empreitadas de criação de mídia, incluindo o cargo de “diretor criativo” da Movinpixel. A empresa foi criada em 2010, e sua esposa, Amy, ficou listada como diretora até 2015. Segundo registros oficiais da empresa, o nome de Neves não aparece na lista de funcionários. Amy foi substituída pelo brasileiro Jader Falacio Feijo como diretor, e Movinpixel permaneceu uma entidade legal ativa até 2018. Neste contexto, Neves idealizou Heroes. O jogo foi desenvolvido pela Movinpixel e lançado em 2013. A versão em inglês foi apresentada durante um show do Take 6 em Londres, e a versão em português foi apresentada na IASD da Vila Olímpia, em São Paulo, Brasil. Uma segunda versão do app foi lançada em 2020.

Desagradável por vontade própria
Por Alexander Carpenter
Neves não se intimida com críticas. Na verdade ele abraça o que ele chama de seu traço de personalidade “desagradável”, crendo que isto o ajuda a identificar e lidar com problemas que outras pessoas evitam. Ele admite que não sente compaixão naturalmente. Embora ele não seja o pastor que se senta e chora com você, ele encontrará uma forma de resolver seu problema.
Ele diz que muito de seu estilo ministerial se deve a sua mãe, que trabalhou como colportora. Ela era implacável na missão e inabalável frente a estranhos “Ela levava para casa pessoas que precisavam de ajuda”, conta Neves. “Meu pai odiava. Mas ela sabia que essas pessoas precisavam de algo que só Deus poderia dar.”
Esse mesmo impulso alimenta seu comprometimento com a mentoria. “Eu acredito em mostrar às pessoas como seguir Cristo permitindo que elas te vejam fazer isso”, diz ele. “Isso é discipulado de verdade.”
Talvez seja este o paradoxo de Neves: um homem de profunda convicção, inegável criatividade, e ambição impiedosa.
Para alguns, ele é um visionário levando a IASD rumo à relevância em um mundo digital. Para outros, ele é um exemplo perigoso de arrogância e ego descontrolado, promovido por uma cultura institucional que está mais preocupada com ideologia do que transparência e responsabilidade.
Qual dos dois ele é? A história de Neves não é somente sobre uma pessoa. Ela enfatiza algo muito maior: como a IASD lida com mudança, liderança e comunicação.
De muitas formas, Neves é um símbolo da IASD atual: inteligente, criativo, leal, mas também controverso. Ele não ascendeu na carreira limitando-se ao que era seguro. Ele correu riscos, agitou as coisas, e aprendeu a se encaixar no sistema sem abrir mão de seus talentos. Para alguns, isso é um dom; para outros, é um alerta de perigo.
Evangelismo digital
Em 2021, Neves apresentou sua grande visão para o novo foco do departamento de comunicação diante da comissão executiva da AG: o que ele chamou de “evangelismo digital”. Ele desacoplou o website Adventist.org de sua função corporativa, que era representar a AG, e o transformou no principal outdoor — missional e funcional — do adventismo na internet.
Mas a ideia não era só fazer anúncios on-line. Neves convida as pessoas a fazerem pedidos de oração enquanto navegam na internet. A partir de uma equipe de centenas de equipes freelance de cuidado pastoral, pessoas que respondem aos anúncios recebem evidências de oração, até mesmo gravações. Estas pessoas então são rastreadas na esperança de que possam ser levadas a uma igreja adventista e batizadas em algum momento.
Neves explica: “se elas estavam assistindo o Hope Channel e se interessaram pela verdade”, e “então passaram 15-20 minutos na seção de crenças do Adventist.org”, o Hope Channel poderia ter essa informação para entrar em contato e enviar uma mensagem focada. “Aproximar-se deles” com “informações a respeito de seu consumo de conteúdo adventista em várias propriedades digitais diferentes”.
Em uma entrevista de uma hora com a Spectrum, Neves explicou como a iniciativa deveria funcionar, assim como as dificuldades em sua implementação. O problema central a surgir envolvia uma empresa de softwares (Pega) de administração de relacionamentos com constituintes (CRM) e com fornecedores (EvonSys) que nunca funcionou e supostamente custou 1,5 milhão de dólares para a AG.
Eu perguntei a Neves sobre o dinheiro. Aqui está a transcrição de um diálogo:
Neves: Eu vou ficar surpreso se o Pega tiver recebido mais de meio milhão, Certo, eu vou ficar muito surpreso.
Carpenter: Você tem alguma ideia de onde vem o valor de 1,5 milhão de dólares [sobre o qual eu ouvi]? Quais foram os custos com o fornecedor EvonSys?
Neves: Não sei exatamente quanto foi, mas acho que todo o experimento gastou entre 1 e 1,3 milhão com Pega e EvonSys.
Carpenter: Certo, isso deixa a gente muito mais perto de 1,5 milhão de dólares.
Quando eu perguntei se o projeto foi um fracasso, Neves admite que a parte tecnológica da história foi, mas ele muda de postura imediatamente e diz que “o projeto teve muito sucesso no que tentou fazer, que era encontrar como construir relacionamentos entre a igreja local e a digital”.
Ele acrescentou: “Tem outra questão aí, Alex, que, você sabe, a gente pode olhar de uma perspectiva secular, claro, e o que eu te passei foi a versão secular. Mas e se eu olhar de uma perspectiva espiritual, ter um CRM empresarial muito potente que ofereceria à AG a capacidade de manter e administrar todos os nossos contatos evangelísticos. E se Deus não queria isso? E se? E se o Espírito Santo não queria que isso acontecesse e queria manter a estrutura que o adventismo sempre teve, uma estrutura descentralizada de cuidado espiritual? E se foi isso que aconteceu no reino espiritual?”
Eu respondi, perguntando se [o reino espiritual] ia querer que a AG gastasse 1,5 milhão de dólares para entender isso.
Neves respondeu que ele e sua equipe aprenderam uma grande lição nisso tudo: a igreja local é o centro de evangelismo digital. Como ênfase, ele acrescentou: “disso eu tenho certeza”.
Eu perguntei se ele achava que estava sendo culpado injustamente por isso. Ele respondeu: “Sabe, eu estudei tecnologia por muitos anos, e leio muito sobre cultura de startups e histórias de startups.” Ele acrescentou: “você não vai achar uma startup bem sucedida que não passou por momentos como esse.”
Perguntei: “Te preocupa que isso esteja meio que prejudicando injustamente a sua reputação?” Ele respondeu: “É impossível eu me sentir culpado pelo fracasso do projeto, porque isso não seria verdadeiro, nem realista.” Ele acrescentou: “Se eu fiz algo de errado, serei o primeiro a me desculpar e expor o que aconteceu.”
Neves se comunica muito. Pedimos a um estagiário que procurasse os vídeos de Neves, e se alguém reproduzisse todos os 175 vídeos no YouTube em que ele aparece — um após o outro — a reprodução duraria quatro dias e sete horas. Neves passa muito tempo falando. Ele entrevista alguém para saber sobre sua vida, obra e ideias. E então essa pessoa entrevista ele de volta. E então ambos fazem um terceiro vídeo conversando sobre suas ideias. Neves pensa muito no seu trabalho diante do público. Mas esse público é frequentemente abstrato. É frequente a tensão entre suas teorias globais de evangelismo digital e como elas se concretizam em contextos locais. Essa tensão continua entre a instituição e o indivíduo. Será que pessoas que precisam de oração podem fazer mais que potencialmente clicar em um anúncio? Será que elas podem, em última instância, se batizar, demonstrando sua teoria?
Esta tensão com indivíduos pode aparecer na percepção que outros colegas têm dele. A Spectrum entrevistou dezenas de profissionais de comunicação que trabalharam com Neves em cargos de comunicação; alguns elogiaram seus dons naturais para a criação de marcas e marketing, enquanto outros expressam preocupação com seus relatórios de gastos, uso de orçamento para viagens, e em saber que, para ele, perder um milhão de dólares é um pequeno preço a pagar para saber que algo não funciona. Às vezes as pessoas sentem que Neves as trata como meios para um fim ao invés de parceiras na comunicação e comunidade adventista.
Em 2021, Bonnie Dwyer viajou da Califórnia para cobrir o Concílio Anual pela última vez antes de se aposentar. Neves tinha aceitado encontrar nós dois em frente ao prédio da AG em Maryland. Nós esperamos, e eu lhe mandei uma mensagem conforme passavam os minutos. Para alguém que está sempre no celular, era estranho de repente ficar esperando por ele, e me senti muito mal por Bonnie enquanto mudamos nossos planos para o almoço. Cerca de 48 horas depois, Neves finalmente respondeu. Ele disse que estava focado em organizar a apresentação do seu evangelismo digital inédito. No fim ele concordou em almoçar conosco num restaurante sul-asiático local. Não me lembro do que levou ao foco em ordenação feminina, mas Neves passou a maior parte da refeição falando para Bonnie, explicando a ela (mansplaining) o processo da Comissão de Estudos da Teologia de Ordenação sem ter a menor ideia de que ela tinha muito mais conhecimento sobre o assunto, tendo escrito várias reportagens para a Spectrum sobre o assunto e possuindo fontes muito importantes para toda a história. Neves criticou os apoiadores da ordenação feminina e culpou sua ansiedade por mudanças, como se a oposição de Wilson fosse culpa deles. Bonnie não falou quase nada. Eu nunca esquecerei o silêncio gracioso de Bonnie em contraste com a autoconfiança exagerada e pomposa de Neves.

Esperando por Sam
Por Samuel Girven
Eu mal tinha feito 12 anos — ainda no ensino fundamental —, mas já estava passando horas lendo as novas orientações para a identidade da IASD, tentando entender como eu podia melhorar a publicidade da minha igreja implementando estes padrões. Eu tinha sido nomeado o diretor associado de comunicação da minha igreja local, e todas as etapas da estratégia de criação de marca — um logo novo, um modelo de design com “grade de criação”, e até uma fonte personalizada chamada de “Advent Sans” — tudo isso me fascinava.
Neste contexto, a reputação de Neves estava no horizonte de meus objetivos profissionais jovens e ingênuos. Não levei muito tempo para entender quem eram as pessoas por trás dessas orientações, mais conhecidas como o “Sistema Global de Identidade Adventista”. Sendo um profissional de comunicação muito jovem dentro da IASD, eu achava a AG e as pessoas que trabalhavam para ela lendárias. Seu alcance global e padrões elevados eram marcos para o profissionalismo que eu esperava atingir algum dia.
Da minha posição no aparato gigantesco de comunicação adventista, ele parecia um visionário das mídias digitais, um mestre nas ferramentas de comunicação que instituições adventistas têm uma dificuldade histórica em utilizar. Conforme eu crescia como profissional e ascendia na carreira, chegando a conseguir empregos na Associação Michigan e na União Lake com 14 anos, eu sonhava em algum dia trabalhar na sede da IASD em Maryland, talvez ao lado de Neves.
Alguns encontros aleatórios com ele fizeram esses sonhos parecerem uma possível realidade.
Em 2022, enquanto eu trabalhava para a Associação Michigan, Neves e eu conversamos pelo Twitter sobre o sistema de marcas da IASD. Eu era um dos designers principais da IASD, e nós gostávamos do apelo visual das orientações. Eu respondi a um dos vários tweets de Neves sobre o sistema e perguntei quando organizações como associações locais adotariam as orientações. A aceitação local dos padrões de marca tem sido difícil, desajeitada e pouco eficiente, em parte porque quase não há orientação por parte da AG sobre como deve ser a implementação dos padrões. Eu me perguntava: de que adianta todo esse trabalho se todo mundo o ignora?
Ele respondeu que tudo fazia parte de um plano de 13 anos. “Algumas divisões o implementaram mais rápido que outras, mas no geral estamos três anos adiantados no plano, especialmente porque hospitais e universidades começaram a usá-lo para transferir confiança entre as entidades”, ele escreveu. Eu o pressionei um pouco mais: existia algum documento detalhando este plano de vários anos?
Na verdade, existia. Ele me disse que não estava no escritório, mas o enviaria para mim quando retornasse na semana seguinte.
Algumas semanas mais tarde, Neves e eu nos encontramos por acidente na conferência da Sociedade de Comunicadores Adventistas (SAC), em outubro de 2022, na sede da Divisão Norte-Americana (NAD). E me apresentei para ele, e o lembrei de que tinha pedido o documento com o cronograma para o projeto de padronização das marcas. “Ah, sim!”, ele respondeu. “Eu me lembro de você.” Como meu editor na época estava ao meu lado, elogiando minhas habilidades profissionais, eu contei que era escritor e fotógrafo além de designer. “Isso é tão interessante!”, ele disse ao descobrir que eu só tinha 15 anos. “Nós estamos sempre à procura de mais escritores. Você teria interesse em trabalhar conosco?” ele perguntou. Eu me interessei imediatamente. Mas tivemos que antecipar o fim da nossa reunião — a programação estava para começar.
No penúltimo dia da convenção, eu recebi outra mensagem de Neves no Twitter. “Ei, Samuel, foi ótimo te conhecer aqui na SAC”, disse ele. O documento que ele tinha me prometido estava sendo atualizado pela equipe, e ele me assegurou de que o arquivo seria logo enviado para mim. “Eu também gostaria de agendar uma reunião na semana que vem com nossa equipe de redatores para explorar como você pode ajudar a igreja mundial,” acrescentou.
É claro, eu adoraria me reunir com eles! Eu logo perguntei quando seria a reunião. “Vamos tentar nesta noite durante a SAC”, ele respondeu. Por algum motivo eu não vi essa mensagem até chegar em meu quarto no fim do dia. “Acabamos nos desencontrando,” respondi. “Talvez em outro momento esta semana?”
Não houve resposta.
Eu passei dias verificando religiosamente minhas mensagens no Twitter, esperando por uma resposta. Eu enviei outra mensagem. Após 12 dias ele respondeu. “Podemos nos encontrar na segunda que vem, às 15h?” Adrenalina, disparada por uma mistura de animação e nervosismo, corria nas minhas veias. “Não”, eu tinha aula nesse horário. Podia ser em outro horário? Novamente, nenhuma resposta. Em algum momento parei de verificar minhas mensagens no Twitter. A probabilidade de uma resposta era mínima. Eu disse para mim mesmo que ele só estava muito ocupado — afinal ele tinha muita coisa para fazer.
Mas 12 dias depois, ele respondeu. Finalmente agendamos uma reunião para o dia seguinte, às 17:30.
Todo aquele dia foi um borrão. Sobre o que a gente falaria na reunião? Como eu deveria me preparar? Será que era uma entrevista de emprego? O que o futuro reservava? Após minha aula de direção da tarde, eu corri para casa, entrei no Zoom, respirei fundo, e entrei na reunião. Neves e um de seus colegas estavam esperando por mim.
A adrenalina percorria meu corpo outra vez. Seria este o começo de algo incrível? Eles me fizeram muitas perguntas. Como eu entrei no jornalismo? O que eu achava do adventismo? Eu fui criado adventista ou tive uma experiência de conversão? Qual deveria ser a função da AG na IASD mundial? Eu sabia trabalhar em equipe?
Quando eu acabei de responder as perguntas, eu fiquei esperando para ver o que ia acontecer. Neves disse que gostou das minhas respostas e que podia sentir minha paixão. Ele me disse que eu receberia uma oferta de emprego por e-mail na semana seguinte. Eu escreveria semanalmente para a ANN e contribuiria para os objetivos de “jornalismo de relações públicas” da IASD mundial. E, no verão seguinte, eu receberia um estágio integral e presencial na sede da AG.
Após sair da reunião da Zoom, eu mal conseguia me conter. Uma fantasia minha estava se realizando! Meus pais e eu celebramos. Eu só tinha 15 anos, e minha carreira só podia melhorar a partir dali.
Uma vez mais, eu esperei. Após algumas semanas, eu enviei um e-mail para Neves. Já era fim de novembro. “Oi Pastor Sam, obrigado pela reunião no início do mês,” escrevi. “Achei melhor esperar o feriado de Ação de Graças para te chamar. Espero que esteja tudo bem na AG! Estou animado para ter atualizações.” Um mês depois, a oferta de e-mail que chegaria em uma semana ainda não tinha chegado. “Eles provavelmente estão muito ocupados”, eu disse a mim mesmo. Eu enviei outra mensagem no Twitter de Neves, já que não houve resposta no meu e-mail. Uma mensagem no Twitter, imaginei, provavelmente chamaria a atenção dele. Ele respondeu no dia seguinte. A mensagem foi curta e não me deu muita esperança. “Oi Samuel, vou lembrar Alyssa de entrar em contato com você para os próximos passos.”
Eu me senti quase rejeitado. Não era para isso ter sido feito semanas atrás? Já era dezembro de 2022.
Dois meses se passaram. Enviei outra mensagem para Neves. “Eu estou me planejando para o verão, e sei que você mencionou um estágio de verão quando nos reunimos em novembro. Eu não tive notícias suas ou de Alyssa desde nossa última conversa no dia 9 de dezembro… Eu sei que vocês dois são muito culpados, então entendo completamente.” Independente do que acontecesse, eu ainda tinha dois empregos com duas instituições adventistas diferentes para equilibrar, e eu passaria meu verão com outros trabalhos se a AG não me respondesse logo. Ele respondeu no dia seguinte. “Nós adoraríamos trazer você. Deixe-me descobrir qual é o processo aqui na AG.”
Eu já estava um pouco frustrado a esta altura. Ele tinha me oferecido um emprego e um estágio, mas só agora estava verificando o processo na AG? Após algumas mensagens, ele me disse que os recursos humanos da AG entrariam em contato comigo para os próximos passos.
Outras duas semanas se passaram. Eu minimizava minha ansiedade crescente, pois eu respeitava Neves demais para me preocupar com a possibilidade de estar sendo enrolado por ele, recebendo a promessa de coisas que ele nunca poderia cumprir. “Oi, Pr. Sam, espero que esteja tudo bem! Só passando por aqui. Eu ainda não recebi nenhuma informação do RH.” Mais tarde naquele dia, um e-mail curto chegou na minha caixa de entrada. Não havia oferta de emprego. Eu tinha sido copiado em um e-mail de Neves para um dos funcionários do RH da AG. “Continuando a nossa conversa, este aqui é o Samuel Girven, um dos alunos que gostaríamos de empregar neste verão. Você pode enviar para ele os detalhes sobre como se inscrever?”
Outro mês se passou. Foi um mês traumático também. Eu fui exposto como gay, expulso do colégio e demitido de ambos os empregos. Eu perdi tudo que parecia importar para mim naquele momento. Mas eu supostamente ia conseguir um emprego na AG, então não importava, certo? A AG era em Maryland, bem longe dali, e eles não precisavam saber sobre tudo que tinha acontecido. Se me perguntassem a respeito, eu simplesmente reafirmaria minha lealdade à doutrina adventista. Eu não correria riscos.
No fim de março de 2023, eu tinha feito 16 anos, e estava ficando irritado. Eu nunca tinha passado por um processo de contratação tão confuso. Finalmente, por puro desespero, eu liguei para a AG e desabafei com alguém no RH. Tinham me oferecido esse emprego e estágio numa reunião, mas ninguém respondia meus e-mails, nem me dava qualquer informação, e agora eu estava preso neste loop eterno de e-mails e mensagens do Twitter. Eu tinha que planejar minha vida, mas ninguém estava disposto a ser profissional o bastante para ao menos me informar quais eram os próximos passos. A funcionária do RH não podia me ajudar — ela me disse que eu precisava entrar em contato com Neves. Eles não tinham nenhuma informação sobre um estágio para mim.
Foi o que eu fiz. “O RH costuma ser muito eficiente,” ele respondeu no mesmo dia. “Vou entrar em contato outra vez.”
Ainda assim, não chegou nada. Será que eu estava sendo deixado no vácuo? Ou talvez alguém tenha contado para ele um boato a meu respeito e ele não sabia como tocar no assunto? Mais um mês depois, em abril de 2023, eu perguntei se podia ligar para conversar sobre o estágio. Eu ia me abrir e contar que tinha sido exposto como gay, e que meses tinham se passado desde então. Mais uma vez no dia seguinte, ele me respondeu, dizendo que podíamos conversar, embora ele estivesse na África do Sul. Eu passei meu número de telefone e esperei. Horas se passaram. A ligação nunca chegou.
“Pelo visto não conseguimos conversar nesta semana,” eu falei em uma mensagem do Twitter. “Pode ser amanhã ou na segunda?” Outros quatro dias se passaram. Eu enviei outra mensagem. Ele me contou que o avião dele aterrissaria em uma hora — eu poderia ligar para ele naquele momento.
Exatamente uma hora depois, eu liguei para ele. “Você está pronto para vir fazer um estágio aqui no verão?”, ele perguntou calorosamente. Eu hesitei por um momento. “Bem, eu ainda não recebi muita informação de vocês,” eu respondi. “E no momento eu estou meio que numa transição.” Eu contei para ele o que tinha acontecido. Eu tinha sido exposto como gay, e depois tudo ficou caótico. Mas isso já fazia meses. Se eu tivesse mais informação, eu podia começar a me preparar para o estágio.
Houve uma pausa. Ele certamente foi pego de surpresa pelo que contei. “É muita informação,” ele disse. “Deixe-me pensar nisso tudo e te responder.” A ligação durou só dois minutos.
Algumas semanas depois, enviei outra mensagem no Twitter dele pedindo por uma atualização. O estágio, disse ele, infelizmente não aconteceria, mas não pelas razões que eu imaginei. “Meu plano original era trabalhar de perto com você no verão, para poder te mentorear na comunicação global. No entanto, eu vou estar no exterior, fazendo um doutorado e focado em outros eventos durante o verão. Talvez possamos tentar no ano que vem.”
Eu me senti tão rejeitado. Com recursos limitados para pagar o internato, eu estava sob muita pressão financeira da minha família em relação a este estágio, e parecia que as coisas com as quais eu sonhava não estavam mais ao meu alcance. Eu tinha sido enrolado por seis meses e tudo tinha sido cancelado no último segundo.
Mas este não foi o fim. Neves e eu nos encontramos outra vez duas semanas depois, no Acampamento Au Sable, onde a Campal Hispânica da Associação Michigan estava sendo realizada. Ele era um dos oradores, e eu estava ajudando velhos amigos a servir o jantar na cafeteria. Enquanto eu colocava molho de macarrão em seu espaguete e deixava cair um palito de pão em seu prato de isopor, ele disse que adoraria conversar comigo. Depois que terminei de servir o jantar, juntei-me a ele em um banco em frente ao Lago Shellenbarger, o lago particular do acampamento.
Era uma noite linda — o céu estava de um azul claro e o lago parecia um espelho. O sol estava começando a se pôr, então feixes de luz amarela espreitavam por entre os pinheiros. Enquanto Neves e eu jantávamos, seu filho pequeno corria ao redor do banco em que estávamos sentados.
Neves começou a falar comigo sobre o que eu havia lhe contado anteriormente. Ele ficara desapontado quando lhe disse que era gay — mas também me garantiu que eu tinha um lugar na Igreja Adventista. Ele falou longamente sobre seus dias como pastor em Londres e como ministrou a um membro gay da igreja. O membro da igreja ficava na igreja por algumas semanas, desaparecia no seu “estilo de vida gay” por vários meses, e depois acabava voltando aos bancos da congregação. Ele falou sobre como sempre o recebia de volta ao rebanho e orava com ele, até mesmo o abraçando quando o via. Ser gay, disse ele, era algo que o membro de sua igreja estava “resolvendo” com Deus.
A Igreja Adventista, disse ele, não podia “enfiar a cabeça na areia” sobre a sexualidade, e ele disse que vinha insistindo com a administração da AG para ser intencional sobre como a igreja poderia compartilhar sua mensagem “redentora”, particularmente em fóruns on-line. Ele tornou a conversa pessoal. “Onde você se vê sua caminhada no que diz respeito à homossexualidade?”, ele perguntou.
Meu estômago se revirava. Suspirei e olhei para a água plácida. Eu estava lutando, e ele poderia me dar um caminho para sair do purgatório do emprego denominacional. Ao mesmo tempo, depois de perceber que meu estágio na AG não iria acontecer, eu havia decidido firmemente que não cederia à pressão institucional sobre minha identidade nunca mais. Dadas as circunstâncias, no entanto, era uma escolha impossível.
“Bem, eu poderia seguir na direção da aceitação, ou em outra direção”, respondi. Fiz uma nova pausa. “Acho que é algo que pode ser resolvido com a ajuda de Deus.”
Odiei ter dito aquelas palavras. Eu havia traído a mim mesmo e a tudo o que eu defendia. Senti como se tivesse levado um soco no estômago.
Enquanto o sol se punha e a escuridão começava a cair, ele me fez perguntas profundamente pessoais. Eu me via como cristão? O que eu acreditava sobre a salvação? Eu via um caminho a seguir dentro da Igreja Adventista?
Sabendo que a carreira dos meus sonhos estava em jogo, especialmente porque eu estava lutando para encontrar um emprego fora do sistema adventista, respondi com cuidado e “corretamente”. Na época, com uma pressão significativa vindo de minha família, igreja local, amigos e ex-colegas, senti que não tinha escolha a não ser me conformar e dizer o que eu sabia que ele precisava ouvir. Aparentemente satisfeito, ele me disse que estaria orando por mim e que me enviaria uma proposta na semana seguinte sobre algum trabalho que eu poderia fazer para a AG durante o verão.
Enquanto eu dirigia para casa naquela noite, senti uma mistura de alívio, perplexidade e decepção. Alívio, porque eu logo teria um emprego. Perplexidade, porque foi uma conversa tão estranha — ele falou sobre sua compaixão e graça por pessoas como eu em uma frase e, na frase seguinte, me disse que Deus poderia me consertar, como se eu estivesse quebrado. Decepção, porque eu havia traído meus próprios valores. Não me senti corajoso o suficiente para dizer a Neves como eu honestamente me sentia — sua presença, embora calorosa, era profundamente imponente. Não acho que ele realmente quisesse conhecer o meu verdadeiro eu.
Eu nunca recebi aquele e-mail de proposta de Neves. Dois meses se passaram antes que eu finalmente recebesse alguma informação do departamento, e mais um mês se passou antes que eu recebesse minha primeira tarefa. A essa altura, o verão já havia praticamente acabado. Foi quase mais uma de suas promessas que nunca foi cumprida. Ele me enrolou por meses sobre um emprego e um estágio que nunca se materializaram, e teria me enrolado por mais alguns meses sobre isso se eu não tivesse sido mais persistente em finalizar a oferta de emprego.
A próxima vez que Neves e eu nos encontramos foi nas reuniões do Concílio Anual de 2023 na sede da AG. O departamento de música da minha escola estava se apresentando lá, e eu fiquei na área do departamento de comunicação nos fundos do auditório da AG por alguns minutos, conversando com Justin Kim, editor da Adventist Review, Enno Muller, diretor de comunicação da Review, e Alyssa Truman, diretora assistente de comunicação da AG. Neves mal me notou.
Não sonho mais em trabalhar para a AG, nem a considero o porta-estandarte do profissionalismo. Foi tudo um sonho ingênuo. E aquele documento de branding que Neves deveria ter me enviado em 2022? Ainda estou esperando por ele.

“Eu sou completamente obcecado pela Apple e tudo que é da Apple. Eu não quero começar uma guerra. Mas lidem com isso.”
Por Alexander Carpenter
Neves é um discípulo do Steve Jobs. Quando ele fala da sua adoração por produtos Apple, Neves usa uma linguagem religiosa para descrever a inspiração visionária de Steve Jobs. Em um vídeo de 13 anos atrás, de seus dias como pastor, intitulado “Steve Jobs, Jesus e o movimento adventista”, um Neves visivelmente emocionado lamenta a morte de seu herói. Repassando minhas comunicações passadas com Neves, percebi que ele tinha enviado este vídeo para mim e quatro líderes europeus de comunicação em associações e divisões, convidando-nos a compartilhar sua reflexão em nossas plataformas.
No vídeo, com um anúncio da Apple tocando silenciosamente numa parede de tijolos ao seu lado, Neves dá algumas informações biográficas sobre Jobs ter sido expulso da empresa que ele ajudou a fundar, somente para ser convidado de volta e reerguer a Apple. Neves então apresenta o anúncio celebrando as pessoas que são, como ele enfatiza, “loucas o bastante para achar que podem mudar o mundo”.
Mas em uma virada clássica do pensamento reacionário de Neves, ele transforma sua reflexão em uma reclamação contra cristãos que estão tentando ser relevantes. Ele, por outro lado, diz que o objetivo definitivo do cristão é ser verdadeiro para com o evangelho, sem definir o que isso significa. Em sua conclusão, Neves se pergunta se expulsamos Jesus de nossas vidas como Jobs foi expulso da Apple. Ele convida o público a convidar Jesus de volta, como o conselho da Apple fez com Jobs. Neves diz esperar que Jobs seja ressuscitado para “ver o novo mundo que Deus vai criar”. E espera, acrescentou, que Jobs ajude Deus a “replanejar o mundo de alguma forma”.
Sendo alguém que se descreve como desagradável, Neves parece se identificar com a personalidade complicada de Jobs — uma pessoa notoriamente difícil de se trabalhar — em toda intersecção possível.
Algo central para o pensamento de Neves é a percepção de que a internet elevou e achatou a função da AG no adventismo global. Neves parece enxergar uma oportunidade para que a AG passe por cima da divisão, união e associação, dando as mãos com a igreja local no evangelismo digital.
Em uma conversa com um colega da AG, ambos concordam que “foi para um momento como este que Deus reuniu esta equipe para trabalhar” na AG, que está “incentivando um ambiente […] no qual não há problema em fracassar”. Eles sem dúvida concordam que aprender a partir do fracasso e não fracassar da mesma forma é vital para o processo. Mas o processo não está claro para além deste ciclo de cultura disruptiva e de “falha rápida” do Vale do Silício.
Mas as realidades do poder que esta liderança digital representa parecem finalmente fazer sentido para Neves. Ele fica sério e pergunta: “Dá para ser membro remotamente?” Talvez a AG devesse ser um centro crescente de afiliação denominacional.
A questão parece permanecer. Neste mundo achatado pela internet e vulnerável com a pandemia, será que igrejas de tijolo e cimento ainda são relevantes? Ele e seu colega da AG se abrem para algumas questões disruptivas sobre como seria este Admirável Mundo Neves. Eles perguntam: “Dá para alguém ser um membro da igreja on-line da AG? O que acontece se mais e mais pessoas só decidem enviar seu dízimo diretamente para a AG?”
Será que existe um Admirável Mundo Neves Adventista no qual o presidente vitalício Ted Wilson só prega o sermão de sábado toda semana, e todos os bons e fiéis adventistas assistem o sermão ao vivo de suas casas para depois entrar numa plataforma na qual completam suas iniciativas estratégicas de Envolvimento Total dos Membros baixando os pedidos de oração que lhes foram atribuídos a partir de cliques em anúncios?
Quando conheci Neves no Reino Unido, seu interesse em novas ideias me fez pensar nele como um amigo igualmente progressista. Mas como demonstrado pelas ações recentes dos vanguardistas no Vale do Silício, abertura a novas realidades on-line não necessariamente significa uma abertura à generosidade no mundo real.
Em uma resenha de livro recente para o The New Yorker, uma frase pela escritora Jia Tolentino expressou algo relevante para compreendermos o que está além da retórica de progresso e liberdade. Tolentino diz: “O que se passa por libertação frequentemente não passa de liberalização — a liberdade do mercado, em outras palavras, o que não só é diferente da liberdade existencial como às vezes também a nega.” O que podem parecer pensamentos inovadores na AG podem não passar do deleite de um fã com a novidade. O adventismo precisa de mudança. A tecnologia é uma força poderosa contra muitas tradições e regras que têm mantido esta comunidade de fé. Uma nova direção de comunicação pode liberar forças digitais que remodelam a IASD para ser mais eficiente, mas rumo a que fim?