Pioneiros adventistas atuavam em movimentos antirracistas, feministas, pró-Revolução Haitiana e outras pautas de importância política.


Por Kevin Burton | Adventist Review — Traduzido pela equipe da revista Zelota

Muitos adventistas contemporâneos estão cientes de que José Bates, um dos co-fundadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD), era abolicionista. Não obstante, historiadores e biógrafos não foram capazes de explicitar que tipo de abolicionista foi Bates ou documentar como ele participou do movimento anteriormente. Este artigo explora essas questões e demonstra que Bates era um abolicionista garrisoniano radical, diferentemente de muitos abolicionistas que estavam comprometidos apenas com a abolição imediata da escravidão e tinham pouco interesse no destino posterior dos negros. Além disso, Bates também foi um defensor ferrenho de direitos igualitários para os oprimidos. 

Conversão ao radicalismo garrisoniano

Embora existam muitos antecedentes notáveis, historiadores normalmente atribuem a ascensão do movimento da abolição imediata (“imediatismo”) a William Lloyd Garrison (1805-1879), que começou a publicação de The Liberator, um jornal semanal dedicado ao imediatismo, em Boston, no ano de 1831. Um ano depois, Garrison ajudou a organizar a Sociedade Anti-escravocrata de New England (renomeada Sociedade Anti-escravocrata de Massachusetts em 1835), e em 1833 ele co-fundou a Sociedade Americana Anti-escravocrata — a primeira sociedade nacional dedicada à abolição imediata da escravatura nos EUA. Garrison insistiu que cristãos verdadeiros não podiam apoiar o governo ou as igrejas institucionalizadas, porque elas sancionavam a escravidão através da lei e comungavam com pessoas que sustentavam essa “instituição peculiar”. Além de defender o abandono de meios políticos e eclesiásticos que eram coniventes com a escravidão,[1] a plataforma ideológica de Garrison era em grande parte baseada no pacifismo e incluía sua promoção, bem como a igualdade jurídica para negros e mulheres. Bates apoiou todas as reformas de Garrison e o defendeu publicamente durante o cisma abolicionista do final da década de 1830 e início da de 1840. 

No início dos anos 1830, antes de ter aceitado o abolicionismo imediato, Bates defendia a “colonização”. Propagada pela Sociedade Americana de Colonização (American Colonization Society – ASC, em inglês), esse empreendimento alegava que poderia eliminar gradualmente o problema da escravidão ao compensar escravocratas por sua “propriedade”, ao mesmo tempo que embranquecia os EUA ao enviar os ex-escravos (mais comumente) de volta à África. Muitos abolicionistas começaram sua reforma anti-escravista em círculos de colonização, mas, ao final da década de 1820, Garrison começou a expor a ASC pelo que realmente era: uma causa racista que na verdade perpetuava a escravidão ao financiá-la diretamente. Ao fazê-lo, nortistas começaram a espalhar a ideia de que Garrison era uma ameaça perigosa à paz nacional e à respeitabilidade dos Estados do norte. 

Josué V. Himes, amigo próximo e colega de Garrison, convenceu Bates — também amigo próximo de Himes — de que a colonização estava moralmente falida, e de que Garrison tinha a solução correta. Mas o imediatismo era um tema muito radical nos EUA pré-guerra, e muitos nortistas antagonizaram os garrisonianos, algumas vezes até mesmo com violência. Em Outubro de 1835, por exemplo, Garrison quase foi linchado por uma multidão furiosa, em Boston. Após trabalhar perto de Garrison por três anos, no entanto, Himes se convenceu de que seguir Garrison valia os riscos, pois ele expunha “fiel e veementemente” o pecado da escravidão e exortava os estadunidenses “ao arrependimento imediato”. Em fevereiro de 1835, quando Bates sentia-se atraído para o abolicionismo garrisoniano, Himes o encorajou a “apoiar Mr. G. em todos os seus esforços para libertar [sic] e elevar a raça escura”. 

Convencido de seu recém-nascido dever moral, Bates se filiou fervorosamente à abolição garrissoniana. Estes, por sua vez, o aceitaram imediatamente em seu círculo. José e Prudence Bates hospedaram regularmente abolicionistas viajantes em suas casas, incluindo Samuel J. May, um dos confidentes e amigos mais próximos de Garrison. Com efeito, em abril de 1835 — menos de dois meses após a conversão de Bates ao imediatismo — May referiu-se a ele no The Liberator como “nosso zeloso companheiro de trabalhos, Capitão José Bates.”

Ativismo em Sociedades Anti-Escravatura 

Em 23 de abril de 1835, Bates e aproximadamente 40 outros abolicionistas em Fairhaven, Massachusetts, organizaram a Sociedade Anti-Escravatura de Fairhaven (em inglês, Fairhaven Anti-Slavery Society, FASS). A FASS foi organizada como uma “auxiliar da Sociedade Anti-Escravatura de Massachusetts”, que por sua vez era uma organização inferior da Sociedade Estadunidense Anti-Escravatura — ambas fortemente influenciadas por Garrison. De acordo com seu regulamento, a FASS era organizada “pelo propósito declarado de efetivar a abolição total e imediata da escravatura” e reconhecia “as pessoas de cor, tanto escravas quanto livres, como membros de uma mesma família humana, com direito às mesmas leis justas e equânimes”. O FASS, além disso, defendia ardentemente os direitos iguais para os negros do Norte, assim como a abolição imediata para os escravos do Sul. 

Ser um abolicionista nos anos 1830  colocava as pessoas em uma pequena minoria radical, até mesmo em New England. De fato, os garrisonianos eram desprezados pela maioria dos brancos do norte, que caçoavam da ideia do imediatismo e apoiavam leis de “Jim Crow” para subjugar os negros livres espalhados em seu meio. Por esta razão, não surpreende que um grande encontro anti-abolicionista tenha sido realizado em Fairhaven e New Bedford alguns meses após a fundação da FASS. Embora pelo menos nove cavalheiros de prestígio fossem membros do FASS, os anti-abolicionistas da região dispunham de pelo menos vinte cidadãos proeminentes em suas fileiras. A multidão “muito grande e respeitável” de anti-abolicionistas suplantou a pequena FASS, e quando a multidão se reuniu na Prefeitura de New Bedford, em 22 de Agosto de 1835, oficiais foram eleitos, uma comissão foi formada e uma série de resoluções contra os abolicionistas de Fairhaven e New Bedford foram adotadas. Muito embora estes homens brancos professassem detestar o “mal da escravidão”, eles eram contrários ao imediatismo ou quaisquer outros meios de abolição da escravatura que pudesse porventura sacrificar “os direitos” da “população branca”, ameaçar sua “segurança doméstica” ou “empobrecê-los” de qualquer maneira. Como lembrou Bates mais tarde, a FASS “instigou a ira de uma certa classe de vizinhos”, que “nos denunciou em termos bem severos […] Foram feitas ameaças, dizendo que nossas reuniões seriam desmanteladas etc., mas felizmente nos deixaram e pudemos prosseguir”.

Em 16 de Novembro de 1836, Bates reuniu membros de várias sociedades anti-escravatura no Condado de Bristol, Massachusetts, para fundar a Sociedade Anti-Escravatura do Condado de Bristol (em inglês, Bristol County Anti-Slavery Society, BCASS). Bates foi eleito oficial na sociedade, servindo como um dos conselheiros de 1836 a 1842, e permaneceu ativamente envolvido na BCASS enquanto servia como presidente da FASS de 1839 a 1842. Simultaneamente, Bates também foi um membro ativo da Sociedade Anti-Escravatura de Massachusetts, apoiando-a financeiramente e servindo como delegado nos encontros anuais. 

Juntamente com Garrison e seus seguidores, Bates foi um defensor dos direitos das mulheres. Os abolicionistas que seguiam líderes como Lewis e Arthur Tappan se separaram de Garrison no período de 1839 a 1840, em parte por se oporem à participação de mulheres nas sociedades abolicionistas ou em  petições contra a escravidão. A “questão das mulheres” explodiu quando Abby Kelly foi nomeada e eleita com pequena margem para servir no comitê de negócios da Sociedade Estadunidense Anti-Escravatura; os irmãos Tappan responderam liderando o êxodo da organização e formando uma rival. Bates se aliou a Garrison pelos direitos das mulheres. Ele conhecia Kelly pessoalmente e frequentava reuniões abolicionistas com ela. Bates também apoiava sua esposa, Prudence, no seu ativismo abolicionista radical. Prudence, por sua vez, se equiparava em zelo ao seu marido, e em 1º de Dezembro de 1837 co-fundou a Sociedade Feminina Anti-Escravatura de Fairhaven (em inglês, Fairhaven Ladies Anti-Slavery Society, FLASS), servindo como vice-presidente e membro da comissão executiva por muitos anos. José Bates também se posicionava quanto à questão feminina no movimento através de sua autoridade na FASS e na BCASS. Em um dos casos, quando homens brancos do norte começaram a se opor a ações políticas femininas através de petições ao congresso, a BCASS respondeu diretamente “que a mulher, quando defende os oprimidos, e trabalha para melhorar e apaziguar suas condições, age a partir de sua própria dignidade, e a partir de seus deveres elevados como um ser intelectual, moral e respeitável”.

A abolição e a Conexão Cristã

Ao mesmo tempo em que Bates apoiava a abolição garrisoniana através de sua participação em sociedades anti-escravatura, ele também trabalhava com abolicionistas cristãos radicais. Bates era um líder na Conexão Cristã, e, no outono de 1836, ele se reuniu com Josué V. Himes e 19 outros líderes da Conexão Cristã na Conferência Cristã sobre a Escravidão em Massachusetts. Essa conferência ocorreu em New Bedford para condenar igrejas e membros por apoiarem a escravidão. Esses homens decidiram que era sua “obrigação sagrada” “proclamar o santo desprazer do céu contra qualquer forma de injustiça” e firmemente declararam sua “indistinta reprovação a qualquer paliativo, desculpa ou justificativa que possam ser usados para atenuar esse pecado” da escravidão. Dessa forma, eles respondiam aos cristãos — do Sul e do Norte — que usavam a Bíblia para defender a escravidão. 

Especialmente notável foi a rejeição do assim chamado “Mito de Cam”, derivado de uma leitura racista de Gênesis 9:25-27. De acordo com Sylvester A. Johnson, praticamente todos os estadunidenses criam que esse texto explicava a origem da diversidade étnica, com a “ideia de que os povos ‘brancos, amarelos e negros’ eram os três grupos raciais básicos de seres humanos e que estes correspondiam aos três filhos de Noé”. Enquanto se acreditava que as etnias branca e amarela descendiam de Jafé e Sem, os negros, dizia-se, descendiam de Cam — uma raça ligada à maldição de Deus lançada contra Canaã, pois se acreditava que “Cam era a melhor representação possível do pagão”. Com esta afirmação teológica em mãos, os estadunidenses — do Sul e do Norte — pregavam que a escravidão e as hierarquias raciais haviam sido sancionadas por Deus. Abolicionistas, como Himes e Bates, estavam entre a minúscula minoria que rejeitava esse mito.

Embora os abolicionistas radicais tenham refutado o mito de Cam de diversas maneiras, na Conferência de 1836 um representante da Conexão Cristã respondeu pelos delegados presentes: “Se formos aceitar a maldição de Noé de acordo com seu sentido epistemológico, será necessário lançá-la não sobre a cabeça dos pobres Africanos, mas no vendedor de almas e corpos sulista […] pois ‘Canaan’ significa mercador ou comerciante; poderia-se ler — ‘Maldito o comerciante de seres humanos!’” Dessa maneira, os abolicionistas cristãos transferiram a maldição que Deus supostamente tinha lançado sobre as pessoas negras aos próprios escravocratas, já que estes apoiavam ativamente o mercado Babilônico (ver Ap 18:13). Além disso, essa interpretação radical de Gênesis 9 envolvia uma ressignificação da moralidade e da cor. O mesmo representante argumentou: “Esses vendedores de almas e corpos é que são os verdadeiros filhos de Cam; ou ainda, das trevas, o verdadeiro significado de Cam”. A despeito do fato da maioria dos estadunidenses associarem negritude com a cor da pele, esses cristãos afirmavam que essa negritude era uma referência ao pecado — não a seus corpos. Ademais, a maldição de Canaã não se importava com a origem racial, mas fora uma “denúncia profética” da escravidão, denúncia esta “justa e plenamente cumprida na história deste tráfico infernal!”.

Bates também criticava os cristãos favoráveis à escravidão através de outros meios. Em 5 de Junho de 1841, por exemplo, ele exortou sua congregação da Conexão Cristã em Washington Street a se reassumir como uma igreja abolicionista radical. Depois de rechaçar os cristãos não-abolicionistas por seu apoio à escravatura, a igreja decidiu “que não podemos receber em nossa irmandade, como líder ou ministro, um escravista ou apologista da escravatura”. A congregação de Bates então concordou em publicar suas resoluções no The Liberator.

Petições Abolicionistas e Reforma Radical

No outono de 1839, José Bates se uniu ao movimento Millerita. No mesmo ano ele foi eleito presidente da FASS, e suas responsabilidades e atividades no movimento abolicionista aumentaram. Bates iniciou campanhas anuais de petições entre os cidadãos de Fairhaven do sexo masculino, a despeito dos antigos presidentes da FASS não terem conseguido cumprir essa tarefa. Em Fairhaven essa tática política foi utilizada primeiro por Susan Allen, presidente da FLASS, que começou a circular abaixo-assinados entre as mulheres no início de 1839. Prudence Bates, vice-presidente da FLASS, apoiou ativamente as campanhas por assinaturas e pode ter inspirado seu marido a seguir o exemplo das mulheres, mas é mais provável que Bates tenha assumido essa tarefa em consideração à defesa dos direitos das mulheres em geral. Mulheres que peticionavam em Massachusetts se entregaram à causa para acabar com as leis anti-miscigenação em seus estados em 1839, e foram ridicularizadas pelos  membros do poder legislativo e o público em geral por supostamente desejarem sexualmente homens negros (por qual outro motivo, pensavam, mulheres brancas iam querer abolir a lei anti-miscigenação?). Para desacreditar tais afirmações sem sentido, os homens começaram a circular abaixo-assinados abolicionistas em 1840. Bates estava entre eles, e em 1º de Janeiro de 1840, durante seu primeiro mandato como presidente da FASS, ele começou a fazer circular abaixo-assinados a serem enviados à Câmara Legislativa de Massachusetts, à Câmara dos Deputados dos EUA e ao Senado dos EUA. 

Fazer petições sobre questões abolicionistas era uma tarefa claramente desagradável. Um peticionário abolicionista se referia à ação de juntar assinaturas como “a tarefa mais odiosa de todas”, em parte porque colocava abolicionistas em um contato próximo e pessoal com pessoas que podiam se opor violentamente a suas visões políticas. Assinar petições abolicionistas também era arriscado, pois o ato de confessar publicamente uma visão política podia resultar no abuso ou na exclusão por vizinhos e amigos. Prudence e José Bates, como todos os outros peticionários abolicionistas, correram por isso grandes riscos ao fazer circular e assinar petições.

José Bates conseguiu assinaturas para dezenas de petições em uma variedade de temas, incluindo a erradicação das leis da mordaça que proibiam discussões sobre escravidão no Congresso, o protesto contra Texas e Flórida terem sido admitidos como estados escravistas, e também pelo fim da escravidão no Distrito de Columbia. Embora todos esses temas fossem criticamente importantes, Bates se posicionou no extremo radical do espectro abolicionista quando fez petições para que os Estados Unidos reconhecessem a independência do Haiti, para que as leis “Jim Crow” de New England fossem eliminadas, e para que as leis de casamento interracial em Massachusetts também fossem abolidas. Enquanto muitos abolicionistas estavam dispostos a assinar outras petições, esses temas atraíam um número de signatários significativamente inferior. 

O Haiti era um tema polêmico nos anos pré-guerra civil, principalmente pelo fato dos escravos haitianos terem liderado uma revolta de 12 anos que resultou em sua independência, no dia 1º de Janeiro de 1804. A Revolução Haitiana foi, de fato, o “único exemplo de sucesso numa revolta de escravos na história mundial”, e desse modo inspirou um terror profundo nos estadunidenses favoráveis à escravidão — particularmente no Sul — que temiam que escravos em seu país pudessem atacar os brancos. Por esse motivo, a palavra “Haiti” poderia ser usada como um xingamento racial, semelhante à “nigger” e “jim crow”, para diminuir os negros, os brancos abolicionistas e os locais onde viviam. Abolicionistas radicais como Garrison e Bates, no entanto, defendiam publicamente o Haiti. Em sua opinião, os escravos — assim como os patriotas americanos durante a Guerra de Independência estadunidense — estavam justificados em conquistar a liberdade através da violência. Mais ainda, considerando que a maioria dos estadunidenses criam que os negros eram incapazes de se governarem, os abolicionistas radicais promoviam ativamente o Haiti como uma contestação a essa visão. A despeito desse fato, os EUA se recusaram a reconhecer a independência do Haiti até 1862. Mais de duas décadas antes disso, no entanto, Bates fez petições ao Senado e à Câmara de Deputados dos Estados Unidos para “reconhecer, desta data em diante, a independência do Governo Haitiano”. Essa petição não só evidencia a crença de Bates na igualdade dos negros e em sua capacidade de autogoverno, mas também demonstra seu interesse em casos de injustiça internacional.[2] 

Embora comumente se presuma que as Leis “Jim Crow” tenham surgido no Sul em 1877, após o fim da reconstrução, essas leis racistas foram na verdade criadas no Norte no final do século 18, e permaneceram nessa região ao longo das décadas que antecederam a guerra civil estadunidense. Assim como suas correspondentes sulistas do final do século 19 e do início do 20, as Leis “Jim Crow” do norte segregavam os negros e os brancos de diversas maneiras. Por exemplo, o voto era constantemente negado aos negros, que eram segregados em escolas inferiores, obrigados a se sentar em vagões diferentes nos trens, proibidos de comer na mesma mesa que brancos, e enterrados em cemitérios diferentes. Da mesma maneira, congregações protestantes no Norte segregavam os negros dos brancos e aprovaram leis de mordaça, proibindo discussões sobre a escravidão em espaços religiosos. 

Bates se sentia enojado com essas manifestações de racismo, e as combateu ao mesmo tempo em que denunciava veementemente os males da escravidão. Em decorrência disso, ele peticionou pela “revogação de todas as leis” que fizessem “distinções com base na fisionomia”, com foco particular nas ferrovias. Em 1842, por exemplo, Bates protestou que nem as companhias ferroviárias e nem seus oficiais tinham “o direito de proibir a qualquer classe de pessoas o uso de qualquer um de seus vagões, unicamente pela diferença na cor” e nem tinham o direito “de insultar, bater ou expulsar passageiros brancos [no caso, abolicionistas brancos]” quando estes se sentassem deliberadamente ao lado de pessoas negras nos vagões segregados, como ato de protesto. Embora essas leis não tenham sido abolidas pela legislação estadual, as empresas ferroviárias ouviram os ativistas e ao final de 1843 descontinuaram as práticas segregacionistas. De acordo com Richard Archer, “pessoas que se sentam em lugares proibidos como forma de protesto,[3] abaixo-assinados, boicotes, apelos ao oferecimento de um diferencial regional, pressão política e econômica ganharam o dia”. Bates estava entre os mais engajados nessa agitação política, e teve um papel importante na área de Fairhaven. 

Muitos estadunidenses brancos consideravam o casamento interracial como o mais repulsivo dos atos. Desde 1705, Massachusetts tinha leis em vigor para impedir brancos de se casarem com qualquer “negro ou mulato”, e em 1786 o casamento com nativos americanos também foi marginalizado. Bates se opôs a essas leis e as considerou repugnantes por diversos motivos. Primeiramente, as leis matrimoniais anti-miscigenação eram “Erradas, aos olhos de Deus,” além de um insulto à Constituição, “pois negam que ‘todos os homens nascem iguais,’” e eram um desserviço ao Norte, pois se tratavam de “um vestígio evidente do Código Escravista”. O movimento contra as leis interraciais começou a ganhar força em 1839, adquirindo um apoio cada vez maior nos 4 anos seguintes. A maré começou a mudar em 1842. No dia 4 de fevereiro, o tema foi novamente trazido à Câmara dos Deputados de Massachusetts, e o New Bedford Mercury e o Boston Daily Atlas informaram que o abaixo-assinado de “Jos. Bates e [53] outros de Fairhaven, relativo às leis matrimoniais anti-miscigenação […] [foi] lido e analisado”. Onze dias depois, a Câmara analisou novamente a lei matrimonial e, depois de um debate considerável, passou à terceira leitura. O anteprojeto foi submetido a essa terceira leitura por vinte-e-quatro votos contra nove, mas foi derrotado por pouco no Senado, por apenas três votos (136 em favor da revogação e 140 contra). No outono, entretanto, o Partido Libertário conseguiu 10 senadores e representantes de estados, “cadeiras suficientes para dividir a Câmara e o Senado de Massachusetts em 1843 e para redefinir a legislação anual”. O Poder Legislativo de Massachusetts revogou as leis matrimoniais anti-miscigenação em 1843, em parte graças a reformadores, como José Bates, que pregavam aos seus compatriotas a deficiência moral dessas leis. 

Conclusão

As visões radicais de José Bates não eram excepcionais entre os milleritas ou outros adventistas sabatistas. Na verdade, seu radicalismo fornece uma janela para se captar um vislumbre da cosmovisão do adventismo primitivo. Por exemplo, muitos adventistas expressavam suas visões políticas ao participar de petições abolicionistas. Muitos desses nomes são bem conhecidos entre os estudantes da história adventista, como David Arnold (as doutrinas do Sábado e do Santuário foram elaboradas durante uma Conferência que teve lugar em seu celeiro, em 1848), John Byington (o primeiro presidente da Associação Geral), J. B. Frisbie (um ministro adventista proeminente), William e Mary Gifford (amigos próximos de José Bates e parentes da esposa de Herman S. Gurney, que viajou com Bates para Maryland a fim de evangelizar os escravos), Elias Goodwin (encarregado do depósito de livros adventistas em Oswego, New York), Stockbridge e Louisa Howland (“segundos pais” para os filhos de Tiago e Ellen White), Mary Nichols (esposa de Otis Nichols, editor do painel profético de 1850), Jonathan T. Orton (um dos líderes em Rochester, New York, que era a região do QG adventista no início da década de 1850), Ezra A. Poole (ministro adventista e agente da Review and Herald) e Betsey e Elizabeth White (a mãe e a irmã mais velha de Tiago White).

Embora os adventistas expressassem suas visões através de petições, eles também as verbalizavam em sermões e em conteúdo impresso. Os adventistas denunciavam regularmente a escravidão e clamavam por direitos iguais. Urias Smith expressou tal ponto eloquentemente em seu poema épico, “A Voz de Advertência do Tempo e da Profecia”, publicado em 1853 na revista Review and Herald. Tomando como inspiração o ensinamento à igreja em Apocalipse 13:11-18, Smith lamenta:

Aos milhões que lamentam sob o bastão da opressão 

E os grilhões escravistas, forjados em pecaminoso esteio,

Furtados de seus direitos, degradados à brutalidade

Sua alma e corpo constritas à vontade daquele alheio

Deixe seus brados, lágrimas e urros, em unidade

Que a cada aurora ressoa, assim chamarem ao Céu

Por vingança, e responda; deixe o Escravo retirar o véu.

Ó terra de proclamada liberdade! nos deste amiúde

A rejeição de cada sonoro, justo e livre ofício

Sobre o qual a real justiça e igualdade incide

Assim deixaste o mais vil e repugnante indício 

De sua imundície na sagrada página da liberdade;

E enquanto traficas dos homens a própria alma e sina,

Lanças ao Céu toda sorte de orgulho e iniquidade

A ser respondida com breve, célere e acertada ruína.

(Tradução de Álvaro F. Filippi)

Bates foi um dos fundadores da IASD e, em muitos sentidos, representava seus membros. Juntamente com outros líderes, ele ajudou a construir uma compreensão bíblica de justiça social que deveria ser relembrada e aplicada em nossas vidas todos os dias, enquanto vivemos e compartilhamos o evangelho de Jesus Cristo no mesmo espírito de nossos pioneiros radicais. 

Bibliografia Consultada

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Notas

[1] NDT: o termo “comeouterism” se refere a um movimento específico da época, surgido na década de 1830, cujo objetivo era abandonar quaisquer instituições, políticas, civis ou religiosas, que coadunassem com ou evitassem mencionar o assunto da escravidão. Vale ressaltar que os mileritas, grupo do qual se originou a IASD, eram considerados também “come-outers”.

[2] Em 1840, por exemplo, Bates foi capaz de juntar 80 assinaturas para abolir a escravidão no Distrito de Columbia, mas só 28 pessoas estavam dispostas a assinar a petição pelo reconhecimento da independência do Haiti, e só 21 assinaram pela erradicação das leis “jim crow” de Massachusetts.

[3] O termo original é “sit-in”, e refere-se ao ato específico de protesto no contexto das proibições de uso miscigenado dos vagões de trem.