Os momentos iniciais da Assembleia da AG foram marcados por discussões controversas para alteração da agenda e reconsideração da declaração sobre vacinas. A preocupação estava restrita à Igreja ocidental e não dialogava com as necessidades do Sul global


Por Stanton Witherspoon | Com contribuições de André Kanasiro, Felipe Carmo e Andrew Francis. Traduzido e adaptado do original em inglês por André Kanasiro para a revista Zelota. Republicado em colaboração com SPECTRUM: o periódico e website do Adventist Forum desde 1969. www.spectrummagazine.org 

A 62ª Assembleia da Associação Geral (AG) da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) foi oficialmente aberta na tarde de quinta-feira, 3 de julho de 2025, com o retumbante hino 1872, “Breve Jesus Voltará”. A entoação uníssona tornou-se dissonante à medida que o debate entre os delegados — com alguns poucos vocalizando críticas centradas na “ciência revisada por pares” — expôs profundas diferenças culturais quanto aos temas debatidos e às abordagens sobre a autoridade da AG.

Dos 2.809 delegados previstos, aproximadamente 2.400 já haviam chegado em St. Louis. Dentre os presentes na primeira sessão administrativa, 863 participavam de uma Assembleia da AG pela primeira vez, e 847 eram delegados que retornavam.

Os momentos mais controversos do dia surgiram de uma moção para alterar a agenda e incluir a discussão de uma declaração da AG sobre imunização, emitida em 2015. Embora tenha sido publicada anos antes da pandemia de COVID-19, sua reafirmação em 2021 — durante o período de distribuição global das vacinas — alimentou uma aliança emergente de adventistas céticos em relação à vacinação, centrada na Igreja Village, em Michigan. Na época, os críticos se concentravam em preocupações com a liberdade religiosa. No entanto, teorias iniciais sobre uma possível relação entre vacinas e um futuro decreto dominical evoluíram para uma inquietação com o fato de que a “literatura científica revisada por pares”, e não apenas a Bíblia e os escritos de Ellen White, fossem descritos como base da “ênfase adventista na saúde”.

O que poderia parecer uma nota de rodapé protocolar rapidamente se transformou em um ponto sensível teológico e geopolítico. Os delegados reagiram não apenas à redação da declaração, mas ao que ela simbolizava. Alguns enxergavam um excesso de poder das instituições ocidentais e uma quase deificação da ciência; outros viam clareza doutrinária e uma defesa necessária da saúde pública.

Ingrid Wijngaarde, da União dos Países Baixos, Divisão Transeuropeia. Ilustração de Felipe Carmo para a Spectrum/Zelota.

Preocupações ocidentais

As emendas propostas à agenda da assembleia expuseram linhas de fratura teológicas e geopolíticas entre os delegados de países ocidentais e os do Sul global.

A primeira grande moção de emenda veio de Yuliyan Filipov, da Associação Ohio, na Divisão Norte-Americana (NAD). Filipov fez uma moção para incluir na agenda uma discussão e revisão da declaração da AG de 2015 a respeito de imunização, especificamente a expressão “literatura científica revisada por pares”. Filipov e outros argumentaram que esta expressão equivale ciência à autoridade sagrada, o que, segundo eles, compromete os alicerces doutrinários da denominação. A moção gerou reações imediatas, e levou os delegados a uma discussão a respeito da autoridade de declarações da AG que não foram votadas em assembleia.

Após Filipov, Sharyn Hall da Associação Sul-Australiana, apresentou uma segunda emenda à agenda. Hall fez uma moção para que os primeiros 30 minutos de cada assembleia, a partir do dia 4 de julho, fossem dedicados ao debate e à adoção da agenda diária. Segundo a moção dela, essas discussões só poderiam ser interrompidas para a eleição de líderes recomendados pela comissão de nomeações. Se a agenda do dia fosse completada antes das 17h, os delegados poderiam votar para acrescentar novos itens. Hall disse que a moção era um chamado por transparência e responsividade a preocupações dos delegados — uma forma de pressionar por governança participativa ao invés de controle de cima para baixo.

Em oposição, Amireh Al-Haddad, uma delegada da NAD, União Southern, na qual ela dirige o departamento de relações públicas e liberdade religiosa (PARL), apresentou evidências detalhadas, a partir da sua experiência, de que as declarações da AG não criaram quaisquer obstáculos significativos para indivíduos que não quiseram se vacinar por preocupações com as evidências científicas.

Em última instância, as moções de Filipov e Hall foram rejeitadas — a primeira em votação, após um debate extenso e uma moção protocolar para encerrar o debate, e a segunda negada como improcedente.

Ted Wilson: facilitação ou manipulação?

Ted Wilson, o presidente da AG, deixou sua marca inconfundível na trajetória da assembleia. Antes da votação, ele foi ao microfone e fez uma defesa firme, embora cuidadosa, das declarações de 2015 e 2021. Diferente dos comentários espontâneos que fez na Assembleia da AG em 2022, quando as preocupações com vacinas foram discutidas pela primeira vez, desta vez os comentários de Wilson foram mais deliberados, mais controlados, como se ele tivesse antecipado o desafio e estivesse pronto. Alguns delegados podem ter se perguntado: por que agora?

“A igreja nunca colocou a ciência acima da Bíblia ou do Espírito de Profecia,” disse ele. “Nós simplesmente dissemos que nossa ênfase em saúde é baseada na Bíblia, nos escritos de Ellen White, e é informada pela literatura científica.” Ele rejeitou alegações de coerção ou rendição, e pediu veementemente que os delegados resistissem à atração de teorias da conspiração e distrações periféricas.

A fala de Wilson, recebida com aplausos de muitas pessoas na plenária, foi tanto uma forma de acabar com teorias da conspiração quanto de reafirmar seu controle. “Não nos vamos nos distrair”, disse ele, remetendo à sua fala inicial. “Prossigamos juntos na missão.”

Sua intervenção, feita com firmeza pastoral e precisão política, pareceu mudar o clima na assembleia. A moção para “retomar a questão” — um movimento protocolar para encerrar o debate — foi aprovado pela grande maioria. Na votação que se seguiu, a adição da declaração sobre vacinas à agenda foi rejeitada com pouca resistência. Naquele momento, Wilson não só respondeu à polêmica, mas reafirmou seu controle firme sobre a narrativa e direção da assembleia.

A opinião dos delegados: universos distintos

Do lado de fora, enquanto os delegados saíam após a longa reunião, cinco repórteres da Spectrum reuniram reações que revelavam não somente diferenças ideológicas, mas a divergência de prioridades de acordo com a geografia e as ênfases missionárias.

Um delegado da Divisão Africana Centro-Oriental balançou a cabeça e observou sem rodeios: “É isso que a igreja ocidental tem a oferecer?” Uma afirmação repleta de frustração pelo que ele considerou ser uma disrupção protocolar e picuinhas teológicas criadas pelos adventistas nos EUA, na Europa e na Austrália. “Estamos aqui para discutir missão, não ficar repetindo debates culturais ocidentais,” ele acrescentou, reforçando um cansaço cada vez maior entre alguns delegados não ocidentais devido ao que é visto como um padrão recorrente: desvios ideológicos que sabotam a agenda mais ampla da IASD.

Durante o debate de quase uma hora a respeito da moção, nem um único delegado do Sul global — onde reside a grande maioria dos adventistas do mundo — foi ao microfone para apoiar a reconsideração da declaração sobre vacinas. Pelo contrário, eles passaram a maior parte do tempo em silêncio, e, conforme se aproximava a hora do jantar, levantaram seus cartões para apoiar a manutenção da agenda oficial, que inclui 29 itens gerais, seis mudanças à Constituição e ao Regulamento Interno, 16 grupos de eleições, e 29 alterações ao Manual da Igreja.

Victor Singh, um delegado da Divisão Sul-Asiática (SUD), foi ao microfone para simplesmente pedir mais clareza. Como muitos outros delegados no Sul global, Singh estava lá para focar nas principais prioridades da missão — não em batalhas políticas internas.

Quatro delegados da Divisão Inter-Americana — duas mulheres e dois homens, incluindo um pastor e um médico — disseram à Spectrum que só queriam que a discussão sobre vacinas acabasse logo. “Isso não é um debate no México,” disse um deles. “A declaração da AG deixa claro que é uma decisão pessoal.”

Este sentimento foi reafirmado pelo delegado Ajith Caleb George (SUD), tesoureiro da Seção Sul-Kerala na Índia, que, embora não tome vacinas, afirmou que a declaração claramente deixa espaço para a consciência individual.

Um delegado peruano e dois convidados especiais da Divisão Sul-Americana (DSA) foram ainda mais diretos. “Nós estamos preocupados em pregar,” disse o delegado. Um dos convidados entrou na conversa, empolgado: “Nós temos que cumprir a missão, missão, missão!”

Três participantes brasileiros (DSA) — dois deles pastores e delegados — tinham opiniões similares. Eles disseram à Spectrum que embora a discussão sobre vacinas possa ter sido importante no ápice da pandemia, sua relevância já passou. “A declaração da igreja é biblicamente sólida e cientificamente responsável,” disse um pastor. “Nossas congregações não estão mais discutindo isso.”

Outras pessoas do Sul global tinham opiniões similares, demonstrando um grande desinteresse em revisitar a declaração sobre vacinas. Um delegado das Filipinas, na Divisão Sul-Asiática do Pacífico (SSD), resumiu a questão sucintamente a “liberdade de escolha”, refletindo uma posição que não enxergava necessidade de esclarecimentos institucionais. Um delegado da União-Missão Sahel Oriental, na Divisão Africana Centro-Ocidental (WAD), falou que a questão é uma imposição ocidental, dizendo: “O debate sobre vacinas é uma coisa do homem branco que foi imposta sobre nós, e agora nós estamos sofrendo com o peso dele.” Outro delegado da Índia (SUD) tinha um tom mais pragmático, observando que “vacinas contra Covid têm sua importância com base no governo local”, enquanto um delegado do Zimbábue (Divisão Africana do Sul e do Oceano Índico/SID) enfatizou: “Vacinação não é uma questão contenciosa. Ela não vai impedir sua salvação.” 

Vistas em conjunto, estas vozes da África, Ásia e América do Sul, representando a maioria dos adventistas, expõe um consenso claro: o debate estava desalinhado com suas preocupações. Para muitos deles, a questão das vacinas — e, mais especificamente, de uma declaração de dez anos atrás — não é uma prioridade teológica ou missional. 

Ao pôr-do-sol do primeiro dia, a tensão quanto às vacinas tinha assentado — pelo menos por enquanto. Embora as moções para fazer emendas na agenda tenham fracassado, o debate revelou uma dura realidade: regiões diferentes do mundo adventista têm prioridades diferentes. Para muitos no Sul global, o foco é o evangelismo, não microgerenciamento eclesiástico. Para outros, particularmente no Ocidente, questões de clareza doutrinária, transparência institucional e consciência individual permanecem vitais.

Peter Landless, ex-diretor do Ministério de Saúde da AG, ofereceu maiores esclarecimentos. Em uma conversa com a Spectrum, Landless, que passou boa parte de sua carreira atuando como cardiologista na África do Sul, enfatizou novamente que a posição da IASD a respeito de saúde nunca elevou a ciência acima das Escrituras, mas reflete uma integração cuidadosa.

“Nosso alicerce é a Escritura,” disse, “amplificado ou afirmado pelo Espírito de Profecia. A literatura científica revisada por pares não é uma substituição — é uma afirmação.” Lembrando que os adventistas rejeitavam o álcool muito tempo antes da literatura médica alcançá-los, Landless enfatizou: “A ciência médica com base em evidências não substitui nossos alicerces. Mas ela ajuda a nos prevenir contra a promoção de teorias médicas falsas e infundadas.”