Como uma acusação de abuso sexual contra o primeiro pastor adventista abertamente bissexual expôs feridas profundas dentro da principal rede LGBTQ+ da Igreja Adventista
Por Samuel Girven | Traduzido e adaptado do original em inglês por Thiengue Canuto para a revista Zelota. Republicado em colaboração com SPECTRUM: o periódico e website do Adventist Forum desde 1969. www.spectrummagazine.org
Nota da Redação
Publicar esta reportagem exige coragem e responsabilidade. Quando instituições se veem diante de alegações sensíveis, especialmente em contextos religiosos, é comum que o silêncio, o medo e a desinformação ganhem espaço. Nosso compromisso é o oposto disso.
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Aviso ao leitor: A reportagem a seguir inclui descrições de abuso sexual envolvendo um menor e pode ser perturbadora para algumas pessoas.
Saša Gunjević estava diante da Igreja Adventista do Sétimo Dia de Hamburg-Grindelburg, em Hamburgo, Alemanha, quando causou um verdadeiro abalo no mundo adventista. Era o primeiro sábado de 2023, e ele pregava um sermão que acabaria marcando sua trajetória pastoral — não tanto pela reflexão sobre a fuga de Hagar de Sarai, nem por defender que as igrejas se tornem “espaços seguros”, mas por algo muito mais pessoal: ele contou à sua congregação que é um homem bissexual.
A revelação, que logo se espalhou pela imprensa adventista de língua inglesa, reacendeu o debate dentro da comunidade sobre a presença de pessoas LGBTQ em funções pastorais. Apesar de a Igreja declarar oficialmente ser “contrária a práticas e relacionamentos homossexuais” — e o Manual da Igreja condenar explicitamente “práticas homossexuais e lésbicas” — nenhuma dessas diretrizes menciona a bissexualidade ou proíbe pastores de se identificarem como não heterossexuais.
Ainda assim, o sermão de Gunjević foi duramente criticado pela Divisão Inter-Europeia (EUD) e pela Associação Geral (AG). Segundo a EUD, sua fala “gerou preocupação significativa entre líderes e membros na Alemanha […] Lamentamos que ele promova abertamente ideias que contradizem a posição da igreja.” Já a AG afirmou que a situação “tem implicações para toda a igreja mundial, pois as ações do pastor e da Associação Hanseática — sua empregadora — não estão alinhadas com as crenças bíblicas aceitas globalmente.”
Apesar das críticas institucionais, Gunjević recebeu apoio massivo de sua igreja local, da Associação Hanseática e da organização Seventh-Day Adventist Kinship International, que apoia adventistas LGBTQ+. No entanto, a EUD e a AG pressionaram publicamente tanto a União do Norte da Alemanha quanto a Associação Hanseática para que revogassem as credenciais ministeriais de Gunjević. A conferência recusou, permitindo que ele continuasse oficialmente como pastor da Igreja de Hamburg-Grindelburg.
Com isso, Gunjević se tornou o primeiro pastor adventista a manter seu cargo depois de se assumir LGBTQ publicamente — e ganhou prestígio em círculos progressistas. Naquele momento, sua declaração parecia simbolizar uma nova era para a relação da igreja com a diversidade sexual.
Mas, 16 meses depois, uma nova reviravolta surpreendeu a todos: a Associação Hanseática e Gunjević anunciaram o encerramento “de comum acordo” de sua relação profissional. Embora a associação tenha negado qualquer influência externa na decisão, uma dúvida pairava no ar: por que ele deixaria o cargo logo depois de expressar o desejo de seguir no ministério?
Em outubro, parte dessa resposta começou a surgir. Em grupos de WhatsApp que reúnem membros da SDA Kinship, Catherine Taylor — vice-presidenta da organização entre 2021 e maio de 2024 — começou a compartilhar um documento chamado “Theo’s Voice” [“A voz de Theo”]. O texto trazia uma carta aberta de Theo Tofterup, jovem dinamarquês de 18 anos e membro da Kinship, acusando Gunjević de aliciamento e abuso sexual durante o Encontro Europeu da Kinship (EKM) de 2023, realizado na Universidade Adventista de Friedensau, na Alemanha.
Na época dos fatos, Tofterup tinha 17 anos; Gunjević, 35. Ele alegou que o pastor o aliciou durante o evento, por meio de conversas e mensagens online. Descreveu um encontro à noite em que Gunjević o teria beijado “sem aviso”, tocado seu corpo de forma inapropriada e forçado sexo oral. “Naquele momento, eu não senti nada. Me senti vazio. Desanimado. Com nojo”, escreveu Tofterup. Ele também relatou um mergulho em tristeza e culpa após o episódio.
Duas outras cartas foram anexadas: uma da mãe de Theo, Mette Tofterup, e outra da própria Catherine Taylor. Ambas acusavam a SDA Kinship e seu presidente, Floyd Pönitz, de não lidarem adequadamente com as denúncias quando elas surgiram. “Temos sérios problemas de confiança com Floyd, como presidente, porque ele diz querer um espaço seguro para pessoas LGBTQ+ e seus aliados, mas se recusou a garantir isso neste caso”, escreveu Mette.
Taylor contou que levou o caso à Associação Hanseática e afirmou que foi afastada da organização por insistir nessa denúncia. Também acusou o presidente Floyd Pönitz de proteger a imagem de Gunjević ao continuar apoiando-o publicamente.
A divulgação das acusações provocou um forte abalo entre os membros da SDA Kinship. No principal grupo de WhatsApp da comunidade de língua inglesa, surgiram reações de choque, negação e frustração. “Infelizmente, isso me faz questionar a liderança e o rumo da Kinship como espaço seguro para pessoas LGBTQ+”, escreveu um membro. Para alguns, as críticas de Taylor pareceram uma tentativa de retomar seu cargo na vice-presidência, alimentando a ideia de que, por trás de tudo, havia também uma disputa de poder.

Embora a SDA Kinship — fundada em 1976 para formar uma rede positiva de adventistas gays — esteja acostumada a ser alvo de disputas dentro da política social da igreja, ela raramente enfrentava críticas vindas de seus próprios membros. Essas acusações colocavam a organização em território desconhecido. Para muitos, a forma como a organização reagiria se tornaria um verdadeiro teste de confiança — especialmente num momento em que sua relevância entre jovens LGBTQ+ já vinha diminuindo.
Poucos dias após a divulgação de “Theo’s Voice”, a organização publicou uma nota oficial: “A SDA Kinship está devastada com o ocorrido e profundamente entristecida por seus valores de segurança, comunidade e respeito não terem sido mantidos.” O comunicado também afirmava que Gunjević havia se comportado de forma “antiética e repreensível”.
Nos meses que se seguiram à denúncia, as discussões públicas mais intensas diminuíram, mas o debate seguiu nos bastidores — em conversas privadas e debates silenciosos. O que se sabe da controvérsia a seguir vem de entrevistas com pessoas diretamente ligadas ao caso, centenas de mensagens privadas no WhatsApp entre administradores da Kinship, e mais de 25 páginas de documentos. No fim das contas, todos esses relatos apontam para uma única certeza: apenas Tofterup e Gunjević sabem exatamente o que aconteceu.
Um encontro, duas versões
Depois de se assumir bissexual, Gunjević rapidamente se tornou uma figura querida entre os setores progressistas da IASD — um símbolo cultural marcante para adventistas europeus e especialmente alemães. Por isso, não surpreendeu que ele estivesse presente no Encontro Europeu da Kinship (EKM), realizado oito meses depois, e até participasse como painelista durante o evento.

É nesse contexto que começa o relato de Tofterup em “Theo’s Voice”. Na época, ele era aluno de um internato adventista na Dinamarca. “Em um dos primeiros dias do EKM, Saša me convidou para tomar um café numa lanchonete do campus”, escreveu ele. Segundo Tofterup, foi aí que as interações com Gunjević começaram a tomar um rumo desconfortável. Após pegarem o café, Gunjević sugeriu que se seguissem no Instagram — e logo depois enviou uma mensagem direta dizendo que queria conhecê-lo melhor. “Mesmo estando praticamente ao meu lado”, comentou Tofterup. Ele ignorou a mensagem, mas depois foi questionado por Gunjević sobre o motivo de não ter respondido. “Eu dei risada e desconversei”, escreveu. A partir daí, segundo Tofterup, Gunjević começou a falar sobre pornografia com ele e outra pessoa, e ainda o convidou para ir a um bar próximo. “Eu tinha 17 anos na época, mas ele disse que poderíamos apenas fingir que eu tinha 18.”
O ponto central da denúncia está num encontro noturno clandestino em um parquinho próximo. “Não lembro quem começou a conversa no Instagram, mas perguntei a Saša se podíamos nos encontrar do lado de fora para dar boa noite”, contou ele. Eles combinaram de se ver num parquinho nos arredores. “Naquele momento, eu sentia atração por ele”, admitiu Tofterup. Ao se encontrarem, conversaram um pouco até que, segundo ele, Gunjević o puxou de repente e começou a beijá-lo “muito na boca” e o “tocou nas partes íntimas”.
“Eu fiquei assustado. Fiquei meio em pânico — com medo do que poderia acontecer e também com medo de recuar”, relatou Tofterup. “Em algum momento, ele me fez fazer sexo oral nele.” Para agravar ainda mais a situação, Gunjević teria rido e dito: “Ah, sua primeira vez vai ser com um pastor.”
No dia seguinte, Tofterup voltou para casa. Mandou uma mensagem a Gunjević dizendo que, embora o encontro tivesse sido consensual, se arrependia do que aconteceu — e que isso não se repetiria. O peso emocional do episódio o levou a se automutilar. Na época, ele disse acreditar que Gunjević tivesse cerca de 20 e poucos anos. Só depois, ao ouvir de um amigo que o pastor tinha entre 35 e 40 anos, percebeu que havia sido manipulado. Sua mãe, Mette, destacou o papel de Gunjević como painelista e pastor no evento como fator agravante: um claro exemplo de uso da autoridade para criar uma relação desigual de poder com seu filho.
No início, após a divulgação das acusações, Gunjević não se manifestou publicamente. A ausência de resposta alimentou discussões nos grupos de WhatsApp da Kinship — e a dúvida crescia: acreditar ou não? “O que nos dá o direito de despejar nossa raiva se nem sabemos todos os fatos?”, questionou Yolanda Elliot, ex-presidenta da Kinship. “Nunca existe apenas um lado da história.”
Semanas depois, Gunjević publicou uma declaração de oito páginas, em que classificou as acusações como “difamação, o que é crime.” “Tenho plena consciência de que cometo erros, mas não esses […] Já assumi total responsabilidade pelos que cometi”, escreveu.
Na carta, ele apresentou uma versão bem diferente: alegou que Tofterup sabia da diferença de idade e que o procurou ativamente durante o EKM, que eventualmente resultou no encontro noturno. “[Ele] claramente queria se despedir pessoalmente na última noite do evento. Disse que estava com saudades e que era sua [última] noite”, afirmou, anexando uma captura de tela de uma mensagem de Tofterup no Instagram.
Gunjević disse que, quando se encontraram, Tofterup ficou muito próximo, e então se beijaram. “Minha intenção era parar tudo ali”, contou. Mas segundo ele, “Tofterup insistiu que estava tudo bem e quis continuar caminhando comigo”. Houve outros “momentos íntimos”, disse o pastor, e a cada passo, ele teria perguntado se o jovem realmente queria continuar. Ao fim do encontro, Gunjević afirmou ter perguntado como ele se sentia. “Ele disse que estava tudo bem, mas que não seria bom repetir por causa da diferença de idade.” Segundo Gunjević, foi nessa conversa que os dois falaram sobre suas idades pela primeira vez. Ele teria percebido que Tofterup pensava que ele tinha “uns 20 anos”, e teria garantido que o jovem soubesse que ele tinha 35.
“Embora Theo tenha dito que não deveria acontecer de novo”, continuou Gunjević, “ele afirmou que estava tudo bem, já que os dois queriam o que aconteceu.”
No dia seguinte, Tofterup enviou uma mensagem pelo Instagram para Gunjević. A captura de tela foi incluída na declaração do pastor. A mensagem dizia: “Passei o dia todo me sentindo enjoado com isso. Eu nem conseguia te olhar nos olhos. Dei total consentimento para o que fizemos, mas sinto que não pode acontecer de novo — principalmente por causa da diferença de idade entre nós.”
Por isso, ele concluiu: “Foi uma relação consensual. Não há como falar em agressor e vítima. Rejeito categoricamente as acusações de abuso sexual.”
Além disso, Gunjević contestou as acusações de que teria aliciado Tofterup. Sobre o café? Ele afirmou que foi em grupo, e que todos trocaram seus nomes de usuário do Instagram. As mensagens privadas que ele teria enviado dizendo que queria conhecê-lo melhor? “Eu não escrevi essa mensagem e não fiz essa afirmação.” Quanto ao bar mencionado? Segundo ele, era o bar sem álcool do campus, e eles não chegaram a conversar sobre a idade de Tofterup. Sobre o assunto da pornografia? “De fato tive uma conversa com duas pessoas sobre tabus adventistas, incluindo como lidam com a pornografia.” Segundo Gunjević, à medida que a conversa continuava, mais pessoas se juntaram — inclusive Tofterup.
Ele ainda alegou que essa referência à conversa foi usada de forma irresponsável para “prejudicar minha reputação.” Disse também que Tofterup não participou ativamente do diálogo. E completou: “O EKM não era um evento para jovens, mas sim para participantes adultos.”
Theo e Mette se recusaram a dar entrevista para esta reportagem, alegando que Gunjević os ameaçou com um processo caso continuassem falando publicamente sobre as acusações.
“De verdade, isso não é um problema da Kinship”
O envolvimento de Taylor nesse caso começou durante uma das reuniões do conselho da SDA Kinship, no fim de março de 2023. Enquanto a reunião acontecia, ela recebeu uma mensagem urgente de Mette. Segundo Mette, Theo havia lhe contado que Gunjević havia abusado sexualmente dele no EKM de 2023. “Theo achava que, mesmo sendo um adolescente interagindo com um pastor muito mais velho, de alguma forma ele era o culpado. Estava tão envergonhado e se sentindo tão culpado que teve medo de contar até para a própria mãe”, disse Taylor no documento.
Taylor é terapeuta familiar e assistente social clínica independente licenciada — a certificação mais alta disponível para assistentes sociais nos Estados Unidos — e conhecia bem os procedimentos para denunciar casos de abuso sexual contra menores. Nos EUA, profissionais de saúde são considerados “denunciantes obrigatórios”, um papel que ela leva muito a sério. Qualquer denúncia de abuso deve ser encaminhada aos serviços de proteção à criança.
Neste caso, no entanto, as diferenças legais entre três países — Estados Unidos, Alemanha e Dinamarca — tornaram o processo de denúncia mais complicado. Outro fator era que, na Alemanha, a idade de consentimento é 14 anos, o que eleva o padrão legal para se considerar que houve abuso de menor.
Ainda assim, Taylor prometeu a Mette que avisaria o presidente Floyd Pönitz, pesquisaria os próximos passos e trabalharia para levar o caso às autoridades competentes, incluindo a Associação Hanseática. “Eu sabia que precisava informar o empregador, porque já trabalhei com pastores”, disse ela em entrevista à Spectrum. “Então, contei ao Floyd, e não pensei mais nisso até o dia seguinte.”
Nas mensagens trocadas no WhatsApp naquele dia — e compartilhadas com a Spectrum — começaram a surgir duas visões diferentes sobre como a SDA Kinship deveria reagir às denúncias. Taylor ficou do lado de Theo e Mette e defendeu que o caso fosse denunciado às autoridades. Já Pönitz preferia conversar com Gunjević antes de tomar qualquer atitude. “A idade de consentimento na Alemanha é 14 anos, e na Dinamarca, é 15”, escreveu Pönitz para Taylor. “Isso não muda o fato de ser inapropriado, mas pelo menos Theo não era considerado menor pela lei. Vulnerável, sim.”
“Ele não consentiu.” Taylor respondeu. “Essa é a diferença. Infelizmente, isso é abuso sexual.”



No dia seguinte, Pönitz ligou para Gunjević. “Ele foi muito aberto comigo sobre isso. Ele reconhece que deveria ter sido o adulto e recusado/parado aquilo”, escreveu Pönitz a Taylor. Segundo ele, o encontro foi um “erro por parte do Saša”, e “ele está genuinamente arrependido e disposto a conversar com Theo, com a mediação de alguém ou conforme Theo preferir”. Do ponto de vista de Pönitz, sempre existem dois lados para toda história. “Theo não hesitou nem disse que estava desconfortável com o encontro. Apontei que, como figura de autoridade, Saša deveria ter interrompido a situação, e ele concordou que deveria ter feito isso — mas não o fez.”
Taylor respondeu diretamente: “Clássica resposta de pedófilo. Culpar a vítima de forma condescendente e se oferecer para ‘ajudar’ só mostra o quanto ele não entende o nível do dano causado.”
Pönitz adotou uma postura mais neutra em relação à resposta privada de Gunjević. Disse que proteger os vulneráveis é uma prioridade, mas que “também é importante não extrapolar os fatos.” Ele discordou, em particular, do uso do termo “pedófilo” por parte de Taylor. Segundo ele, Tofterup tinha 17 anos e “era capaz de sair daquela situação por conta própria.” “Inapropriado? Muito. Pedófilo? Não”, escreveu.
Em entrevista, Pönitz explicou melhor sua visão sobre o papel da SDA Kinship em relação às acusações: “De verdade, isso não é um problema da Kinship”, disse. “É uma questão entre Saša e Theo. Saša não estava lá como pastor nem como funcionário da igreja. Ele estava lá apenas como um participante bissexual, assim como qualquer outra pessoa queer presente.”
Pönitz também ressaltou que Gunjević não foi divulgado como palestrante no evento e, embora tenha participado de um painel, falou ao lado de várias outras pessoas LGBTQ+.
Já para Jeroen Tuinstra, ex-presidente da Associação Belga-Luxemburguesa, a presença pública de Gunjević era inegável: “Saša era uma figura muito pública dentro da Kinship”, disse. “Você poderia dizer que ele era o garoto-propaganda da organização. Finalmente tínhamos um pastor que era bissexual, se assumiu, e ainda assim foi protegido pela igreja. Isso foi um passo enorme para a posição das pessoas LGBTQI dentro da denominação porque existia um pastor bissexual trabalhando na igreja.”
Tuinstra também sugeriu que a forma como Pönitz lidou com as denúncias pode ter sido motivada pelo desejo de proteger a imagem da Kinship, o que, segundo ele, é compreensível: “Já estive em muitas situações parecidas, em que você precisa equilibrar a dor, o sofrimento e os erros individuais com a reputação da organização onde trabalha. E essas são as decisões mais difíceis que se tem que tomar.”

Ainda assim, Taylor considerou as denúncias suficientemente graves para serem formalmente encaminhadas. “Meu objetivo era apenas repassar o caso para a Associação Hanseática e deixar que eles conduzissem a investigação a partir daí. Na minha área, é assim que funciona. Você recebe uma denúncia e a encaminha”, explicou. Ao fazer isso, Taylor entrou em conflito com a orientação de Pönitz, que a havia aconselhado a não enviar o relato diretamente a Dennis Meier, presidente da Associação Hanseática. Acusações de abuso sexual envolvendo a Igreja Adventista na Alemanha são tratadas por um conselho consultivo independente, administrado em conjunto pelas Uniões do Norte e do Sul da Alemanha. “É uma situação confidencial que precisa ser tratada pelo Fachbeirat”, disse Pönitz, usando o nome em alemão da comissão. “Muita gente sabendo disso neste momento não ajudaria Theo”, argumentou.
Em busca de uma perspectiva institucional, Taylor consultou Jeroen Tuinstra e Renee Hallman, que atua como diretora associada do ministério pastoral na Associação Potomac. Depois disso, ela redigiu um relatório por escrito detalhando as acusações e o enviou a Dennis Meier, presidente da Associação Hanseática. Uma cópia do relatório de duas páginas, fornecida à Spectrum, mostrava que ele incluía informações básicas sobre as alegações, bem como os nomes dos envolvidos. “Estou enviando este relatório sem qualquer comentário clínico”, escreveu Taylor no documento. “Estou apenas incluindo informações que me foram relatadas diretamente por Mette e Theo.”
As tensões entre Taylor e Pönitz continuaram a crescer, à medida que suas estratégias sobre como lidar com as denúncias se distanciavam. Na tentativa de agir como mediador e ouvir todos os lados da história, Pönitz entrou em contato com Mette, perguntando se poderia ouvir o relato de Theo e entender quais medidas eles esperavam que a SDA Kinship tomasse. Taylor já havia indicado que Tofterup não queria uma investigação criminal ou “qualquer coisa legal”, então o caminho a seguir continuava indefinido.
Na resposta que enviou a Pönitz, Mette não respondeu diretamente à pergunta. Em vez disso, afirmou que não era seguro manter Saša próximo de jovens, e que ele havia abusado de sua posição como pastor e da confiança de Theo. Taylor descreveu os esforços de Pönitz para intermediar com Mette e Theo como inúteis e afirmou que a confiança deles em Pönitz estava abalada. A relação entre os dois — profissional e pessoal — começou a se desgastar.
Alguns dias depois, já no início de abril de 2024, Pönitz soube que Taylor havia enviado o relatório a Meier e à Associação Hanseática. “Fiquei bastante chateado com isso, já que eu havia te pedido para se afastar porque o caso estava sendo tratado internamente pela Kinship na Alemanha. Isso é uma quebra de confiança comigo e com o processo”, escreveu ele para Taylor, por mensagem no WhatsApp. Pönitz alegou que a comissão de abuso sexual já havia sido notificado, e que mais pessoas não precisavam ser envolvidas. Não está claro quem avisou a comissão primeiro, mas Pönitz afirmou que foi o próprio Gunjević quem se apresentou.
De acordo com Meier, Gunjević de fato pediu uma reunião urgente para tratar da sua situação profissional. No entanto, o relatório de Taylor chegou antes que eles pudessem se encontrar. “Entrei em contato imediatamente com Oliver Gall, presidente da comissão, e obviamente com Saša, para suspendê-lo até que tivéssemos essa conversa”, disse Meier por e-mail. Tudo isso aconteceu durante o feriado da Páscoa, o que fez com que alguns dias se passassem antes que a reunião acontecesse — prolongando ainda mais a situação instável.
A carreira de Gunjević dentro da IASD chegou ao fim em 8 de abril de 2024, quando ele finalmente se reuniu com Meier, Gall e o ancião de sua igreja local. Gunjević admitiu que o encontro sexual de fato ocorreu, concordou com uma rescisão contratual por mútuo acordo e se mostrou disposto a colaborar com a comissão de abuso sexual. Pelos termos do acordo, nenhuma das partes podia inicialmente divulgar publicamente os motivos da demissão. “Nem tudo precisa ser dito publicamente ou estar nos ouvidos de todos”, escreveu Meier em nota na época, ressaltando que a confidencialidade em questões trabalhistas é exigida por lei.
A comissão de avaliação para casos de abuso sexual se reuniu com Gunjević e ouviu o seu lado da história. Eles também se ofereceram para ouvir Tofterup, mas ele recusou. Sem entender exatamente como a comissão funcionava, Taylor achou que estavam oferecendo terapia a Tofterup — algo que ele já estava recebendo.
Em um comunicado divulgado após a publicação de “Theo’s Voice”, a Associação Hanseática afirmou que os “os fatos eram incontestáveis” e que se tratava de um “ato antiético que exigia com urgência o encerramento do vínculo empregatício.” A nota também declarou que Gunjević agiu de forma “antiética” e “violou gravemente seus deveres como exemplo a ser seguido”. Como consequência, Gunjević foi proibido de pregar ou atuar como voluntário em igrejas adventistas, e suas credenciais pastorais seriam revogadas. O comunicado ressaltou cuidadosamente que as mesmas medidas teriam sido aplicadas se o encontro sexual tivesse sido com uma garota de 17 anos. “Todos os sentimentos relacionados a esses acontecimentos, agora tornados públicos — horror, decepção, tristeza ou raiva — são compreensíveis e também são compartilhados por nós”, concluiu a associação.
Remoção ou renúncia?
Muitos dos líderes da SDA Kinship estão envolvidos com a organização há décadas. Taylor, por exemplo, é membra desde 1981, e ao longo dos anos ocupou diversos cargos de liderança de forma intermitente. Pönitz também tem uma longa trajetória na Kinship — fundou um núcleo da Kinship em Dallas, no Texas (onde vive), e já atuou como coordenador de comunicação e editor do boletim informativo. Com a falta de renovação na liderança, especialmente de pessoas jovens com novas ideias, figuras como Pönitz permanecem à frente da organização. Segundo Taylor, ela e Pönitz se conheciam há décadas antes dessa ruptura — desde 1991 — o que tornou o desentendimento entre eles ainda mais pessoal.
Em julho de 2024, Taylor já não ocupava mais o cargo de vice-presidenta da SDA Kinship. Em “Theo’s Voice”, ela questionou o momento em que foi removida do cargo. Em outras ocasiões, inclusive em entrevistas, sugeriu que Pönitz teria pedido ao conselho da Kinship que a afastasse da vice-presidência como retaliação por seus esforços em denunciar as acusações de abuso feitas por Tofterup à Associação Hanseática.
“Ficou claro para o Floyd que eu não estava mais alinhada com a forma dele de conduzir as coisas”, disse ela em entrevista. Segundo Taylor, Pönitz a orientou diretamente a não denunciar as acusações. “Ficou claro para ele que eu não era alguém que, ao vê-lo ir contra meu código de ética, simplesmente o seguiria.”

Pönitz, no entanto, contesta praticamente tudo na forma como Taylor descreve sua saída da liderança da organização de defesa LGBTQ. Segundo ele, Taylor havia renunciado ao cargo — e já havia oferecido sua renúncia diversas vezes antes, mas sempre voltava atrás a pedido dele, que insistia para que ela continuasse colaborando com a SDA Kinship. Pönitz forneceu à Spectrum uma cópia de uma carta de renúncia enviada por Taylor ao conselho da organização em 8 de dezembro de 2023 — ou seja, vários meses antes de Mette relatar a ele as acusações feitas por Tofterup. A carta oferece um vislumbre dos bastidores de um conselho dividido, em conflito com Taylor sobre o controle criativo de algumas de suas iniciativas mais marcantes — como treinamentos online e boletins por e-mail. Na carta, Taylor escreveu: “Percebi que não consigo me encaixar em uma organização que pensa dessa forma […] Acredito que vocês precisam encontrar uma vice-presidenta mais alinhada com os objetivos e com a forma de atuação da Kinship.” Ela indicava que sua saída seria efetiva em julho.
Pönitz afirmou que, na época, o consenso do conselho foi o de aceitar a renúncia: “Basicamente todo mundo disse: acho que chegou a hora de ela seguir para algo novo e encontrar alguém novo para o cargo.” Taylor chegou a demonstrar interesse em continuar como vice-presidenta, mas Pönitz contou que, na reunião do conselho de maio de 2024, informou a ela que a renúncia já havia sido aceita — o que, segundo ele, a deixou muito chateada. A conversa terminou com Taylor saindo abruptamente da discussão e afirmando que não havia renunciado, mas sim que estava apenas “se afastando temporariamente”.
A partir de então, Taylor parou de comparecer às reuniões do conselho. Segundo o estatuto da SDA Kinship, membros da diretoria podem ser destituídos caso deixem de comparecer às reuniões recentes. Assim, o conselho formalizou sua remoção da liderança em julho de 2024, encerrando oficialmente anos de tensão entre Taylor e a diretoria. Apesar de Taylor insistir que não quer mais fazer parte da liderança da Kinship, ela contesta a narrativa de Pönitz. Alega que chegou a revogar sua renúncia, e que Pönitz nunca deixou claro que o conselho a aceitaria. Ainda assim, ela reconhece que vinha se sentindo cada vez mais frustrada com os rumos da organização: “A forma como o poder era usado, como a confidencialidade era tratada — isso foi muito difícil para mim.” Ela descreveu seus conflitos com a Kinship como decorrentes de “abusos de poder não intencionais”.
Enquanto isso, a maior parte dos membros da diretoria da SDA Kinship não fazia ideia das acusações de abuso feitas por Tofterup contra Gunjević. Exceto por Pönitz, Taylor e Bob Bouchard (tesoureiro da organização), a maioria só tomou conhecimento das denúncias e da crise interna após a divulgação de “Theo’s Voice”.
Indo a público
No EKM de 2024, um ano após o incidente, Tofterup chamou Taylor para conversar. Embora ela não fosse sua terapeuta, era uma pessoa de confiança para a família Tofterup — ela e Mette já se conheciam anos antes das acusações virem à tona. “Eles me viam como apoio e defensora”, disse Taylor.
Durante a conversa, Tofterup revelou que estava convencido de que havia “provocado o próprio abuso”. Achava que a culpa era dele e carregava muito ódio de si mesmo por tudo o que tinha acontecido. Ele perguntou a Taylor o que ela achava. “Pastores, professores e pessoas como eu são os responsáveis [pelo abuso] — não você”, respondeu ela. “Não importa se você tem uma queda por um de nós. Nossa resposta é: ‘obrigado, e tenha um bom jantar.’”
Tofterup não buscava justiça legal nem compensação financeira. O que ele queria era a oportunidade de contar sua história e gerar conscientização, com o objetivo de evitar que outras pessoas fossem afetadas pelas ações de Gunjević. Seu plano, inicialmente, era “subir no palco no EKM do ano seguinte e contar tudo para todos”, algo que, segundo Taylor, não era realista. A melhor alternativa, então, foi colocar a história por escrito — em forma de uma carta aberta, que viria a se tornar o documento conhecido como “Theo’s Voice”.
Tofterup escreveu a introdução, relatando sua experiência e as acusações contra Gunjević. Mette e Taylor também contribuíram com seções próprias, oferecendo suas perspectivas sobre o ocorrido. Cada palavra do relatório foi pessoalmente aprovada por Tofterup. Taylor comparou o processo a um movimento de reconquista do poder, invertendo a dinâmica desigual da situação. “Ele tinha perdido sua autonomia. Passou de vítima a uma voz poderosa e surpreendente”, disse ela.
Na parte escrita por Taylor, além de explicar os passos que tomou ao receber a denúncia de Theo, ela também revelou seu conflito com Pönitz e argumentou que a organização não possuía políticas claras para lidar com abuso de poder e influência.
“Me preocupa muito que outras pessoas vulneráveis possam não saber como se proteger de quem usa carisma, influência e posição para tirar vantagem da vulnerabilidade alheia”, escreveu Taylor. Já Mette, em sua parte, fez críticas contundentes à forma como Pönitz conduziu o caso, sugerindo que, sob sua liderança, a SDA Kinship estava se tornando um ambiente perigoso. No geral, embora o documento tivesse como objetivo principal dar visibilidade ao caso entre Gunjević e Tofterup, ele também funcionou como uma crítica dura à atuação de Pönitz e à sua gestão da organização.
Em 8 de outubro de 2024, Taylor compartilhou “Theo’s Voice” amplamente. Ela publicou o documento em vários grupos do Facebook ligados à SDA Kinship, enviou-o repetidas vezes por grupos de WhatsApp com centenas de membros, e também o encaminhou para os portais Spectrum e Adventist Today. Muitos outros começaram a repassar o documento adiante, chocados com as acusações que, até então, haviam sido mantidas em sigilo. Alguém — Taylor não sabe quem — chegou a enviar o texto até mesmo para o Fulcrum7, um blog conservador conhecido por seu discurso frequentemente inflamatório.
Uma enxurrada de reações — que variavam de incredulidade e horror a tristeza e até negação completa — se espalhou pela comunidade mais ampla da SDA Kinship diante da notícia das acusações. A maioria foi completamente pega de surpresa. Isso aconteceu especialmente porque, após a demissão de Gunjević, os líderes da Kinship haviam adotado uma postura de apoio, o que incluía interações com ele nas redes sociais por meio dos perfis oficiais da SDA Kinship e elogios à sua contínua abertura sobre sua sexualidade.
“Uma parte de mim não queria acreditar, mas no fundo eu sentia uma mistura de tristeza e raiva,” disse Thiengue Canuto, ex-voluntário e coordenador social da filial brasileira da organização. “Parecia que a comunidade queer não tinha um minuto de paz. Justo quando os adventistas pareciam estar avançando um pouco, acontece uma coisa dessas e joga o movimento 20 ou 30 anos pra trás.”
Apesar de muita gente ter demonstrado apoio a Tofterup, ele também enfrentou bastante resistência. Alguns membros achavam que as acusações não deveriam ter sido divulgadas publicamente — muito menos da forma como foram. Durante dias, os debates online sobre o caso e sobre a forma como tudo veio à tona pareciam não ter fim. Em uma defesa calorosa de Tofterup, Mette chegou a trocar insultos com quem questionava a veracidade das alegações ou achava que aquela discussão não levava a lugar nenhum. Algumas pessoas disseram que não conseguiam mais participar, porque tudo aquilo trazia muitos gatilhos à tona. E segundo Taylor, membros da diretoria da SDA Kinship chegaram a dizer que ela “precisava de terapia”.
Dois dias depois, em 10 de outubro, a SDA Kinship publicou uma nota oficial condenando “um encontro sexual antiético entre um pastor e um membro da Kinship que ocorreu no Encontro Europeu da Kinship em setembro de 2023”. No texto, a organização também se comprometeu a ampliar o treinamento dos líderes em “proteção e notificação obrigatória”, revisar o código de conduta, criar novos procedimentos para lidar com denúncias de abuso ou má conduta sexual nos eventos da Kinship, e oferecer “oficinas e educação contínua para todos os membros sobre temas como […] consentimento, abuso sexual e saúde mental” nos seis meses seguintes. Oito meses depois, ainda não está claro se essas medidas foram de fato colocadas em prática.
Enquanto a polêmica ganhava força, outros adventistas progressistas de destaque também se pronunciaram. Em um editorial, Loren Seibold, editor executivo da Adventist Today, questionou a decisão de Taylor de divulgar as acusações. “Catherine poderia ter sido mais cuidadosa também: algo que poderia ter sido resolvido de forma discreta, não foi […] Os objetivos [de Tofterup] foram alcançados? Não sei. Com certeza o caso ganhou visibilidade, mas será que isso vai trazer algum tipo de redenção?” Embora tenha chamado as atitudes de Gunjević de antiéticas, Seibold afirmou que elas não foram ilegais. “Existem relações sexuais que são erradas, mas também existem formas erradas de lidar com elas quando (inevitavelmente) acontecem.” Por e-mail, Mette rebateu a forma como Seibold descreveu as alegações, acusando-o de estar praticando “gaslighting e culpando a vítima”.
Alicia Johnston, terapeuta profissional, ex-pastora e autora respeitada de The Bible & LGBTQ Adventists (2022), criticou duramente Pönitz em uma carta aberta, dizendo que ele “perdeu a chance de dar a Theo a proteção de que ele precisava ao banir Gunjević e, possivelmente, informar ao público que ele não é uma pessoa segura”. Ela defendeu uma auditoria externa da forma como a SDA Kinship lidou com as acusações. “Estou convencida de que os danos à reputação causados por esses eventos representam uma ameaça existencial à Kinship como organização,” acrescentou, destacando que organizações sem fins lucrativos só sobrevivem quando mantêm a confiança de seus doadores.

Pönitz, por sua vez, permaneceu em grande parte em silêncio público sobre as acusações, limitando-se a dizer que estaria orando por Tofterup, Taylor, Mette e Gunjević. Mas, com o tempo, ele considerou que os debates e discussões tinham ido longe demais, e proibiu novas conversas sobre o caso nos grupos online da SDA Kinship. Quando Mette insistiu em continuar trazendo o assunto à tona, ele também a baniu.
A ferida que não cicatriza
Nos meses que se seguiram àquela onda de debates acalorados online, as conversas sobre as acusações e o papel que a SDA Kinship deveria ter assumido na condução do caso diminuíram. Ainda assim, a polêmica continua no ar — e alguns ex-voluntários influentes, como Johnston, seguem se recusando a colaborar com a organização.
Pönitz afirmou que continua apoiando a resposta inicial da SDA Kinship, pois acreditava que a melhor forma de proteger Tofterup era manter a confidencialidade e permitir que os trâmites de denúncia da denominação seguissem seu curso. Ele também disse que não cabe à organização decidir se houve ou não abuso sexual ou aliciamento. Em entrevista, declarou que essa avaliação deve ser feita pelo conselho consultivo alemão especializado em abuso sexual.
Ecoando essa posição, Stephen Chavez, diretor de relações com a igreja da SDA Kinship, afirmou que o encontro entre Gunjević e Tofterup não foi “endossado pela Kinship”, o que, segundo ele, isentaria a organização de qualquer responsabilidade. “O que quer que Saša e Theo tenham feito, foi fora do horário, com as luzes apagadas, e não foi sob os auspícios da Kinship […] não vamos exagerar pedindo desculpas e agindo como se isso fosse culpa nossa. Não foi culpa nossa.”

Pönitz também acredita que Taylor tinha motivações pessoais ao ajudar a escrever e divulgar a carta Theo’s Voice, especialmente por causa de sua saída da vice-presidência da SDA Kinship. “Parecia que a carta Theo’s Voice estava carregada de ressentimento dela em relação à diretoria da Kinship — e a mim, em particular — pelo que aconteceu na época em que ela saiu da organização,” disse ele. Além disso, sugeriu que o encontro entre Tofterup e Gunjević, durante o Encontro Europeu da Kinship (EKM), foi consensual, mas que sentimentos de vergonha e questões familiares teriam levado a uma reinterpretação do episódio como abuso.
Independentemente disso, Taylor afirmou que a distinção não faria diferença, porque “eticamente, cabe ao pastor dizer não” numa situação como essa. “Não é como se a igreja tivesse ficado do lado dele. É um discurso clássico de quem comete o abuso, na verdade,” completou.
Sobre a forma como a igreja lidou com as acusações, Taylor elogiou Meier, dizendo que ele agiu com profissionalismo e tato durante todo o processo. Mas esses sentimentos não foram exatamente correspondidos. Em resposta por e-mail a perguntas da Spectrum, Meier afirmou: “de todos os terapeutas com quem conversei […] nenhum tinha ouvido falar de um terapeuta vindo a público, em escala mundial e nas redes sociais, com informações confidenciais como essas”. Segundo ele, a decisão de tornar o caso público causou grande prejuízo à Igreja Adventista na Alemanha — e a todos os envolvidos. “Eu sei que há quem lamente não ter havido um ‘enforcamento público’, mas essa exposição só deu munição para praticamente todo mundo,” disse, acrescentando que isso também interrompeu conversas sérias para unir as uniões do norte e do sul da Alemanha.

Embora Gunjević certamente tenha violado os códigos morais do ministério pastoral, caracterizar as interações entre Tofterup e Gunjević como aliciamento, segundo Meier, era incorreto. “Não houve aliciamento, porque é preciso mais do que uma diferença de idade para isso. O que é necessário é uma dependência real, mas Saša não era o pastor de Theo, e ambos estavam registrados como participantes do EKM.” Ele também afirmou que a SDA Kinship lidou bem com as acusações, considerando que, ao contrário da associação, a organização não possui procedimentos formais para lidar com denúncias de abuso sexual. “Em casos de incerteza e com grande potencial de causar danos duradouros às pessoas, a sabedoria deveria ter encontrado caminhos melhores,” acrescentou Meier.
Em entrevista, Tuinstra sugeriu que o caso fosse visto como um abuso de poder, e não necessariamente como abuso sexual. “O aspecto mais subestimado do ministério pastoral é a influência que você exerce sobre os membros e o quanto pode ser difícil para eles dizerem não a um pastor,” afirmou. Embora Gunjević não fosse o pastor de Tofterup, sua simples presença como um pastor assumidamente bissexual num encontro de adventistas queer poderia criar um desequilíbrio de poder. Tuinstra questionou se Gunjević havia considerado se Tofterup realmente entendia o que estava sentindo naquele momento, e por que ele estava se aproximando dessa forma. “Isso nunca deveria ter acontecido. Mas, se aconteceu, por que fingir que sua posição de autoridade não influenciou a situação?”
Com exceção de Taylor, Johnston foi quem se posicionou de forma mais contundente contra a maneira como a SDA Kinship e Pönitz trataram as acusações. Segundo ela, outras pessoas ligadas à organização também expressaram frustração em conversas privadas.
“Organizações sem fins lucrativos, como a SDA Kinship, existem graças à confiança e à boa vontade das pessoas — e acontecimentos como este podem abalar profundamente ambos os pilares”, apontou Johnston. Ela questionou o futuro da entidade, mencionando as dificuldades da Kinship em se conectar com as novas gerações e atrair novos membros. “Depois de algo assim, não sei por que alguém confiaria seus filhos adolescentes à Kinship. E não consigo imaginar que os mais jovens, caso conheçam a organização, vejam tudo isso de forma positiva.” Ela também afirmou que retratar a carta “Theo’s Voice” como fruto de uma manipulação por parte de Taylor tira a autonomia de Tofterup — justamente o oposto da intenção original do documento.
Em janeiro de 2025, Tofterup se reuniu com a Comissão Consultiva Alemã de Violência Sexual. No mês passado, o grupo divulgou um relatório baseado em entrevistas detalhadas com Tofterup e Gunjević. Segundo Werner Dullinger, presidente da União do Sul da Alemanha, a comissão — criada em 2009 — é composta por especialistas independentes, incluindo terapeutas não adventistas, advogados e um teólogo. O relatório apontou que não foi possível chegar a um acordo com Gunjević quanto a um processo de mediação, o que impediu a comissão de chegar a uma conclusão definitiva sobre a veracidade das versões de Tofterup e Gunjević. “Em última análise, o único fato incontestável é que houve contato sexual. Não houve consenso sobre como esse contato se iniciou ou sobre até que ponto Saša Gunjević sabia — ou deveria saber — a idade exata de Theo. Os relatos divergem profundamente nesses pontos,” afirma o documento.
Mesmo assim, a comissão foi categórica: “O comportamento ético de Saša Gunjević é inaceitável sob qualquer ponto de vista.” Também concluiu que o contato sexual entre Gunjević e Theo não configurou crime. Como Gunjević já não é mais membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, a comissão considerou que novas investigações “não alterariam significativamente a situação de Theo”. E destacou que a postura da IASD diante do caso integra uma estratégia de tolerância zero.
Até o momento, a SDA Kinship ainda não se pronunciou oficialmente sobre o relatório. Em nota, Jens Giller — novo coordenador da divisão europeia da organização — afirmou que estão sendo planejados vários treinamentos, além da criação de um compromisso de “interação mais segura”, que deverá ser aceito por todos os participantes dos eventos da Kinship na Europa. “Se existe algo que possamos fazer para honrar a dor que Theo e sua família enfrentaram,” disse Giller, “é mostrar — agora e no futuro — que estamos verdadeiramente comprometidos a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que ninguém mais precise passar por algo parecido.”